Entrevista com Carlos Coelho

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BIBLIOTECA IPAM | Junho, 2011

E N T R E V I S TA Carlos Coelho

O maior especialista nacional em marcas e presidente da Ivity Brand Corp


BIBLIOTECA IPAM | Junho de 2011

Biblioteca IPAM (BIPAM): Quais os princípios básicos para a criação de uma marca sólida? Carlos Coelho (C.C.): Um marca é uma corrida de fundo. Os ciclos de crescimento da marcas não são dias, ou meses, ou anos, são décadas. O índice de mortalidade no primeiro ciclo de vida de uma marca , primeiros 10 anos , é elevadíssimo, mais de 95% das marcas morrem nestes primeiros anos. Assim sendo, a criação de uma marca deverá assentar em fortes alicerces de betão. Mas não se trata de um betão qualquer; é o aço da vontade e o cimento dos sonhos que são a matéria prima das marcas, a paciência e a intuição são as ciências exactas do sucesso e a energia criativa é o combustível. As marcas antes de serem motores das economias são sonhos, sonhos dos Homens perpetuados na economia. A solidez de uma marca não se constrói com fórmulas de cálculo mas com a energia da vontade de sonhar o futuro. Este é o segredo e a dificuldade de construir a solidez de uma marca.

BIPAM: De que forma é que a criação de uma marca se relaciona com a criatividade? C.C.: O acto de criar é talvez a mais maravilhosa qualidade do ser humano. Criar uma marca é um acto muito semelhante ao da procriação de um ser. Uma marca é um ser vivo, que habita num mundo paralelo ao nosso que é o mundo das marcas. Uma marca tem um período de gestação, nasce frágil, cresce, amadurece, en-

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velhece e morre, tal como um ser humano. As marcas têm no entanto suprafaculdades, que permitem que a sua vida seja eternizada. Se for aplicada regularmente energia criativa a uma marca, esta mantém a sua vitalidade, apesar da erosão crescente dos mercados. A criatividade e a imaginação são a dieta indispensável à recriação contínua de uma marca.

BIPAM: Considera que as marcas ainda estabelecem uma relação de fidelização com os seus clientes? C.C.: Uma marca é um interface de relação e nessa medida será tão mais forte quanto alimente a vontade do consumidor. Assim sendo não é possível existir marca, sem que esteja subjacente uma ligação de maior ou menor fidelidade. Aquilo que muitas marcas não entendem é que para receber fidelidade tem de começar por dar. As marcas, muitas vezes nervosas com o presente, prostituem o futuro das suas relações. Fazem-no através de ofertas pornográficas de elevado impacto mediático, que normalmente valorizam as vendas de curto prazo, mas que depreciam a sua reputação e consequentemente o seu valor relacional futuro. Os consumidores são fieis às marcas que admiram, às marcas que os levam a sonhar com eles, as marcas que nunca se esquecem que os produtos, os serviços, ou mesmo as causas, tendem a ser comodities. 3


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Num mundo de superoferta a fidelidade dos consumidores é um bem escasso, mas possível. Ganham as marcas que souberem sêlo. E ao contrário do que se apregoa, os consumidores sabem bem distinguir quem são as verdadeiras Marcas.

BIPAM: As marcas brancas têm conquistado uma grande quota de mercado e demonstram já uma grande maturidade. De que forma as marcas tradicionais vão responder a esta realidade?

Estarão

algumas delas condenadas à extinção? C.C.: Gostaria de começar por afirmar que já não existem marcas brancas. Esse conceito não teve sucesso e morreu, provando que os consumidores não estão dispostos a comprar produtos brancos. O que existe hoje, e com grande sucesso nalgumas categorias de produtos, são marcas dos distribuidores. São marcas, mais ou menos como as outras, pois estabelecem relações de diversas naturezas com os consumidores e por isso têm sucesso. Quanto às marcas ditas “ tradicionais” se assim o forem irão certamente tender a desaparecer. Estou em crer que não será isso que se irá passar mas antes uma equalização do mercado. As marcas da distribuição vieram para ficar e continuaram o seu percurso de aproveitamento das oportunidades do mercado. As marcas originais, continuaram o seu percurso de inovação oferendo aos seus consumidores razões sempre acrescidas para que mereçam a sua preferência e o seu valor acrescentado, na compra 4


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e no benefício. Importa regrar algumas práticas menos lícitas, mas no final importa preservar a concorrência que acaba quase sempre por beneficiar o consumidor e fortalecer as marcas.

BIPAM: Segundo Kevin Roberts, “para sobreviverem, as grandes marcas precisam de criar nos consumidores uma fidelidade além da razão.” De acordo com a sua experiência acrescentaria algum contributo a esta afirmação? C.C.: Eu diria antes que as grandes marcas, para sobreviverem, têm de vender, todos os dias, razões para que os consumidores alimentem o seu sentido de existência. Uma marca, na perspectiva de um consumidor é um activador de quadrantes funcionais, estéticos, emocionais e sociais. Uma marca é um misto de razões concretas e inconcretas. O marketing cartesiano tem estudado essencialmente as ciências do consumo que cabem nas folhas de cálculo da irracionalidade socialmente aceite, designada por “razão”. Existem no entanto outros tipos de razões para consumirmos e nem por isso mais exactas. O que importa às marcas antes de acrescentar, é compreender que na vida como nas marcas as coisas mais importantes não são coisas.

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BIPAM: Os princípios de construção das marcas devem ser adaptados tendo em conta novos desafios? De que forma a gestão das marcas se deve adaptar à evolução acelerada dos mercados? C.C.: Os mercados são cada vez mais mutantes. A velocidade da mudança é incrivelmente rápida. As marcas terão de ser capazes de ser tudo. As marcas terão de ser quantizadas. As marcas começaram por ser estáticas, manufacturadas, esculpidas na pedra, torneadas na madeira ou forjadas no ferro para marcar os animais. Depois foram industrializadas e reproduzidas analogicamente; começaram a preto sobre branco mas com o controle da reprodução da cor, tornaram-se as flores sensíveis e coloridas do mundo cinzento e racional dos negócios. Agora as marcas são digitais, aglomerados de pixel organizados sob fórmulas matemáticas básicas que se reproduzem numa sedutora milemetria de regras infinitas. Mas continuam estáticas: a simplicidade da forma condiciona a expressividade do conteúdo; O minimalismo da representação desmaximiza a ambição; A ditadura da monocromia elimina a beleza das nuances policromáticas da vida. No futuro, como se espera, tudo será novo e as marcas serão quânticas, libertar-se-ão da pesada herança da existência física estática e encontrarão um novo universo de interações.

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As marcas do futuro serão quantizadas em micro-partículas de emoções que musicalizadas pela nossa imaginação, aproximaram os átomos das coisas aos átomos das pessoas; serão seres mutantes que se expandem através de ondas de possibilidades, como electrões excitados, irradiando energia de prosperidade.

BIPAM: Quais os principais desafios das marcas no presente e futuro próximo? C.C.: As marcas têm de arriscar, têm re-nascer, têm de ser novas. Ver as marcas de outros ângulos, como ver a vida, é uma tarefa muito difícil aos olhos cartesianos das economias. Os ângulos fechados da experiência quotidiana, funcionalizam a nossa existência terrestre, criando regras como verdades universais. No entanto, segundo filósofos como Karl Popper, a vida não se parece nada com uma máquina, não somos relógios, somos nuvens. As nuvens são aéreas, liquidas, gasosas, pluriformes, não há duas iguais, contudo, uma só palavra, descreve formas tão diferentes. Assim somos nós mortais, a nossa fisicalidade existe mas é inconcreta. Ver formas físicas, ouvir sons, cheirar odores, provar sabores, todas as nossas sensações que aceitamos como reais, são, na verdade, estados de neblusidade, estados de espírito. A realidade é construída pela nossa mente e por isso as novas marcas não serão lugares, serão sistemas, nuvens de significados. Tudo

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o que tem uma forma concreta é uma ilusão, as marcas terão de libertar-se da forma e procurar a liberdade da aparência. A natureza das marcas está na essência interior, e não na periferia da sua exterioridade. A alma das marcas, essa deverá ser líquida, para poder chover sobre os mercados. Difícil de entender? Impossível de concretizar? Só as marcas que se arriscarem, conseguirão descobrir até onde podem ir. Alguns ainda consideram as marcas como a dimensão irracional e superficial dos conteúdos e o marketing a desprestigiada ciência dos vendedores. Pois eu creio que as marcas, pelo contrário, transportarão cada vez mais as sábias lições do universo. Quando (re)nascem, as marcas são domicílios de vontades, espaços vazios para conter significados, vácuos de atracção que nos convidam a preencher os seus espaços, abrigando os nossos sentimentos, sentidos e emoções. Os padrões do presente exprimem sempre necessidades passadas, por isso as marcas quando (re)nascem, deverão arriscar os padrões do futuro, renunciando ao fixo, ao imutável e a todos os fotogramas racionais que retratem visões paradas do crescimento. Sempre que (re)nasce uma marca, deverá restabelecer-se uma nova geometria de relação das coisas com as pessoas, num reencontro extrafísico, com o Universo. Sempre que (re)nasce uma marca, realmente nova,

ouve-se um choro-grito de coragem e determinação,

incómodo, desconcertante, sinfónico, que inesperadamente rompe o silêncio do mundo das marcas e desadormece o nosso sentido de futuro. 8


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