Entrevista exclusiva com Mário Beja Santos

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BIBLIOTECA IPAM | Dezembro, 2012

Entrevista Mário Beja Santos

Mário Beja Santos é técnico superior da Direção-Geral do Consumidor, professor do ensino superior, colaborador da imprensa diária e regional, autor de estudos, ensaios e livros de divulgação relacionados com o consumo e os consumidores; cofundador da Plataforma Saúde em Diálogo e da UGC - União Geral de Consumidores; colaborou durante mais de duas décadas em emissões radiofónicas ligadas à defesa do consumidor e foi autor e apresentador dos programas televisivos "10 Milhões de Consumidores" e "Come e Cala"; na sua participação no consumerismo europeu, foi vice-presidente do Conselho Consultivo de Consumidores da Comissão Europeia e Diretor da Associação Europeia de Consumidores. É autor de cerca de 30 livros relacionados com a política dos consumidores, designadamente nas vertentes da divulgação e da educação do consumidor.


Dezembro de 2012

Biblioteca IPAM (BIPAM): Quais são as principais caraterísticas do consumidor de hoje? Mário Beja Santos (M.B.S.): O consumidor atual sente-se forçado a agir com uma implicaçao, uma astucia e uma prudencia que diríamos desusadas, comparativamente as praticas anteriores a da crise iniciada em 2008. Com efeito, a gestao do orçamento e cada vez mais severa, pode muito bem dar-se o caso desse orçamento abarcar mais membros da família, no desemprego ou sem perspetivas de trabalho. Trata-se de uma implicaçao exigente com as rubricas que outrora pareciam inamovíveis ou traduzindo necessidades inelutaveis, e que agora sao verificadas regularmente: energia domestica, educaçao e lazeres e transportes, por exemplo. Agora e importante reduzir, encontrar alternativas, evitar as SCUTS cortar na fatura da eletricidade, o carro fica mais vezes a porta de casa, ha compra de equipamento espera melhores dias. A astucia transforma-se numa obra de arte: procurar na internet tudo quanto e low cost, promoçoes, pechinchas, trocas, vendas de ocasiao… e surfar permanente a cata de oportunidades, e dispendio de tempo que se traduz em investimento, porque e um recurso orçamental. Este comportamento estende-se aos parceiros que estao na fileira: veja-se, tambem a título exemplificativo, as ementas a 5 e 6 euros, o comportamento de fidelizaçao dos supermercados, os combustíveis vendidos perto das grandes superfícies. Temos pois um consumidor que atua como um camaleao, difere as compras a espreita de melhores preços e armazena como a formiga.

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BIPAM: Considera que a crise mundial mudou irremediavelmente o consumidor, de tal forma que não voltará a ser o que era antes? M.B.S: Nada voltara a ser como dantes, estamos a assistir a uma liquefaçao das classes medias, a alteraçoes profundas do mercado de trabalho, a centrifugaçao de todo um poder de compra, dentro de um espetro altamente preocupante das assimetrias sociais. © Artistashmita | Dreamstime.com

BIPAM: De que que forma podem as áreas comerciais adaptar-se a um consumidor cada vez mais exigente e seletivo? M.B.S.: Toda a fileira da produçao e distribuiçao, todos os agentes intervenientes nos serviços estao a adaptar-se: vejase a elasticidade nos premios dos seguros, o aparecimento de pequenos estabelecimentos que reparam roupa, proliferam os negocios de vendas com reduçoes, desde livros a vestuario. O consumidor nao e so mais exigente e seletivo, e mutante, tem uma maior capacidade de espera para modelar a decisao, otimiza as compras que tem que fazer ao longo do dia, semana e mes. Quem nao se adaptar ou desaparece ou definha. 3


Dezembro de 2012

BIPAM: Após a abundância de consumo a que assistimos nas últimas décadas, considera que o consumo sustentável é o caminho? M.B.S.: E impossível travar a abundancia, ela e inerente a tudo o que envolve inovaçao, como e o caso do mundo das comunicaçoes e que se situa na esfera do digital. O consumo sustentavel nao colide frontalmente com a cornucopia dos bens e serviços. A estrategia da sustentabilidade passa por conceber produtos reciclaveis, recuperaveis e transformaveis, sempre com menor impacte ambiental. O grande desafio posto a política dos consumidores e a educaçao para a responsabilidade no consumo, aprender a viver conscientemente com limites e dentro de uma inserçao na fileira das atividades economicas para que o consumo seja percecionado como uma atividade grave isto e tem sempre consequencias nos outros, nos recursos e ate nos direitos dos trabalhadores.

© Kate Kunz/Corbis

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BIPAM: A responsabilidade social está cada vez mais patente nas estratégias de gestão das empresas. De que forma o consumidor pode influenciar esta estratégia? M.B.S: Infelizmente, a responsabilidade social entrou em banho-maria com a evoluçao da crise, isto e, nao e rejeitada mas nao esta no topo das prioridades, e uma epoca em que se procura ganhar tempo e aguentar com a turbulencia. Para influenciar com discernimento na responsabilidade social, o consumidor precisa ter acesso aos comportamentos empresariais, a avaliaçoes independentes feitas por empresas que analisam a qualidade empresarial social. Sucede que na atualidade ha comportamentos tacitos de querer tudo a bom preço, desviando a atençao quanto aos direitos sociais dos trabalhadores ou produtores. O comercio justo parece ter-se transformado numa preocupaçao interessante para os mais abastados, e pouco mais. Para se tornar num elemento influente e indispensavel que ocorram duas coisas: um modelo de sustentabilidade aprovado pela Uniao Europeia e que se traduza em praticas visíveis que o cidadao pode observar e ajuizar; e que haja associaçoes de consumidores que promovam essa preocupaçao como uma das mais ingentes. O que se ve e que as associaçoes de consumidores continuam a valorizar a informaçao sensacionalista e a descurar o processo educativo que e moroso e que requer atividades multidisciplinares.

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BIPAM: É possível antever como será o consumidor no pós-crise? Qual será o novo perfil? E arriscado predizer o que sera a pos-crise. Mostram as estatísticas que na Uniao Europeia pelo menos 2013 trara estagnaçao, em termos gerais. Tudo indica que a mentalidade do credito facil esta em vias de extinçao e nao se preveem grandes alteraçoes na estrutura do mercado de trabalho. Nao trocando o certo pelo inseguro, as empresas irao apostar numa maior transparencia das suas praticas comerciais, bons preços e bom acolhimento irao ditar a fidelizaçao. O perfil do consumidor nao andara longe, pela prudencia e expetativa, do que ja temos hoje bem a vista. © Klaus Tiedge/Corbis

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BIPAM: Que papel pode desempenhar o profissional em Ciências do Consumo no atual cenário? M.B.S.: O profissional em Ciencias do Consumo deve estar atento ao que pode encontrar nos sites do Pordata (www.pordata.pt/) e Conhecer a Crise (www.conheceracrise.com/), por exemplo, tratar de comunicar com o mercado que existe e elaborar modelos de intervençao em que se defina claramente o que sao atividades promotoras de vendas (caso do marketing e da publicidade) de outras destinadas a ver o mercado de consumo na perspetiva dos consumidores. Tenho para mim que vivemos a laborar um erro disfarçado de convicçao incontornavel: a ciencia do consumo nao pode ser neutra, ou pretende declaradamente ver o mercado de consumo na perspetiva de estar ao serviço das empresas ou ve o mercado de consumo na perspetiva dos interesses dos consumidores. Demarcado o campo de açao e que pode agir em conformidade, encontrar os pontos de conciliaçao entre a força das vendas e o poder que deve ser conferido aos consumidores de escolher com conhecimento de causa. © cultura/Corbis

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