CORAL JOVEM DO ESTADO 30 ANOS Roberto Guimar達es
GOVERNO DO ESTADO DE SÃO PAULO
José Serra Governador do Estado João Sayad Secretário de Estado da Cultura Ronaldo Bianchi Secretário-adjunto Sergio Tiezzi Chefe de Gabinete Carla Almeida Coordenadora da Unidade de Formação Cultural SANTA MARCELINA CULTURA
Ir. Maria Assumpção Amstalden Presidente Honorífica Ir. Rosane Ghedin Diretora-Presidente Ir. Giuseppina Raineri Presidente do Conselho de Administração Samuel Kerr Vice-Presidente do Conselho de Administração Ir. Roseni Peixoto Diretora do Departamento de Cultura Paulo Zuben Gestão Executiva Otavio Valero Gestão Administrativa & Financeira Walter Gentil Gestão de Produção Mauricio Cruz Coordenação de Desenvolvimento Institucional
TOM JOBIM – EMESP Silvio Ferraz Gestão Pedagógica Adriana Schincariol Coordenação Pedagógica Emiliano Patarra Coordenação Pedagógica Paulo Braga Coordenação Pedagógica Renato Bandel CORAL JOVEM DO ESTADO
Naomi Munakata Regente Nibaldo Araneda Regente-assistente EDITORA SANTA MARCELINA CULTURA
Maurício Ayer Coordenação
O Coral Jovem do Estado tem sido lugar privilegiado para a formação de cantores, instrumentistas e regentes que vêm se destacando na cena musical brasileira e internacional. Comemora 30 anos de fundação e hoje podemos considerá-lo corpo permanente na música paulista. Sob dedicada liderança da maestrina Naomi Munakata e de seu assistente Nibaldo Araneda, fazemos votos neste aniversário para que muitos novos músicos iniciem carreiras promissoras a partir desse maravilhoso Coral Jovem. João Sayad, Secretário de Estado da Cultura de São Paulo
É com grande satisfação que a Santa Marcelina Cultura se une aos músicos paulistas para comemorar os 30 anos do Coral Jovem do Estado. O grupo é hoje referência na formação musical de cantores, instrumentistas e regentes, fruto do trabalho de dezenas de pessoas ao longo dessas três décadas. A todas elas o nosso aplauso e reconhecimento. Este livro tem o objetivo de registrar e divulgar a história do Coral, num contraponto que incorpora as vozes de muitos dos seus participantes. Com a iniciativa, ampliamos o escopo do Projeto Memória, que representa um esforço permanente em coletar materiais, depoimentos e informações sobre a música paulista. Inicialmente focado no Festival de Inverno de Campos do Jordão, o projeto passa a abranger outros corpos e programas que integram a Tom Jobim – Escola de Música do Estado de São Paulo, sob gestão da Santa Marcelina Cultura desde 2009. Desejamos ao Coral Jovem muitas décadas de vida! Ir. Rosane Ghedin, Diretora Presidente da Santa Marcelina Cultura
PRODUÇÃO EDITORIAL
Coordenação Gabarito de Marketing Editorial - Ana Luiza Guímaro | Texto e Coordenação de Pesquisa Roberto Guimarães | Entrevistas e Pesquisa Roberto Guimarães e Marcos Bohrer | Revisão Silvana Vieira | Projeto Gráfico BIZU_Design com Conteúdo | Direção de Design Ana Starling | Designer Laura Mascarenhas | Fotos Acervo Emesp, acervo pessoal Alexandre Zilahi (p. 16-17), acervo pessoal Martha Herr (p. 48-49) e Alessandra Fratus (p. 75-76 e 84-85). | Impressão Ramosdata Gráfica e Editora
Dados
Internacionais de Catalogação na Publicação (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil) Guimarães, Roberto Coral Jovem do Estado : 30 anos / Roberto Guimarães. -- São Paulo : Santa Marcelina Cultura, 2009.
1. Coral Jovem do Estado - São Paulo (SP) História I. Título.
09-12561
CDD-783.8098161 Índices para catálogo sistemático: 1. Coral Jovem do Estado : São Paulo : Estado : História 783.8098161
Número de ISBN 978-85-62745-01-0
(CIP)
Para compor este pequeno livro ouvi diversas vozes, seja em longas conversas presenciais ou em breves entrevistas por telefone e e-mail. Os donos e donas dessas vozes são alguns dos musicistas e profissionais administrativos que protagonizaram os 30 primeiros anos de vida do Coral. Foi a partir de seus depoimentos orais, não raro emocionados e emocionantes, que escrevi este breve relato. Ao fazê-lo, procurei equilibrar suas vozes para orquestrar uma obra que soasse coesa, na qual a história coletiva fosse mais audível que as histórias pessoais. Os inevitáveis equívocos na percepção histórica são todos meus. Já os eventuais méritos desta narrativa musicalizada devem ser compartilhados com a editora Ana Luiza Guímaro, coralista apaixonada, e com o jovem pesquisador Marcos Bohrer, dublê de estudante de Letras e produtor musical. E, acima de tudo, com os entrevistados, que gentilmente dedicaram tempo e inteligência para relembrar o passado e pensar o futuro. A eles, o meu muito obrigado. Roberto Guimarães
08 | 09 José Ferraz de Toledo rege o Coral do Estado, no Teatro Cultura Artística, no início da década de 1990. No centro, de terno, destaca-se Rúben Oliveira, que hoje é tenor do Coral Lírico (Theatro Municipal)
APRESENTAÇÃO
Passaram-se 30 anos e o Coral do Estado ficou mais jovem. Chama-se agora Coral Jovem do Estado. Mas começou, em 1979, em meio a uma movimentação coral tão grande que não se permitiu começar pelo início. Devia ser modelar. Nasceu durante o 10o Festival de Inverno de Campos do Jordão, sob a inspiração de Robert Shaw, e já começava a trabalhar liderando o Movimento Coral do Estado que, naquele ano, reuniu no Estádio do Pacaembu 45.000 vozes de cantores de todo o Estado de São Paulo, sob a regência de Jonas Christensen, para comemorar o Natal. 1979 foi mesmo um ano cheio de marcas históricas para a música em São Paulo. A Orquestra Sinfônica Municipal comemorava 30 anos; fazia 10 anos que a Escola Municipal de Música havia sido criada por Olivier Toni; a Orquestra Sinfônica Jovem Municipal lançava o Projeto Novos Regentes, revelando Lutero Rodrigues e Naomi Munakata; nascia a Orquestra
Jovem do Estado; Roberto Schnorrenberg regia a “Missa Solene” de Beethoven no Theatro Municipal e a temporada musical do ano, no Theatro, terminava com o espetáculo coral sinfônico “Dezembros no Municipal”, cujo roteiro musical levaria nossa memória até 1911, ano de fundação do Theatro Municipal. Mas não precisamos ir tão longe no tempo. Essas lembranças do ano de 1979 nos reportam a dez anos antes, 1969, quando José Luiz Paes Nunes inventa o Movimento Villa-Lobos, distribuindo, por oito regiões administrativas do Estado de São Paulo, regentes cujos nomes eu gosto sempre de lembrar. Junto comigo estavam Barros Garbogini, Benito Juarez, Walter Lourenção, Julio Medaglia, Jonas Christensen, Ronaldo Bologna e José Viegas Neto. O Movimento Villa-Lobos seguiu até 1971 e foi um tempo de muita atividade coral em todo o Estado de São Paulo. Entre 1973 e 1975 aconteceu uma versão paulistana, o Movimento Mário de Andrade. É nessa época que Almeida Prado compõe “Oráculo” a convite do Henrique Gregori, que entusiasmou os compositores de São Paulo a fazer soar o Natal com obras novas, como o Mário de Andrade gostaria, “soando em brasileiro”. Mas, mudanças de governo e remanejamentos administrativos deixaram os corais paulistas sem apoio oficial, até
que, em março de 1979, João Carlos Martins, Diogo Pacheco e Jonas Christensen se reúnem com Neide Rodrigues Gomes e é, então, estruturado o Movimento Coral do Estado, nascedouro do Coral do Estado. Que bom podermos reviver todas essas lembranças e comemorarmos tantas datas redondas! E, melhor ainda, que bom poder ver registrada em livro a história de um coral e perpetuarmos nomes que voltam a soar com suas vozes, cantando conosco “Parabéns a você, parabéns...” com música de Joubert de Carvalho ou a “Canção de Cordialidade, a 3 vozes” de VillaLobos, do qual lembramos neste ano o cinquentenário de falecimento: “Saudamos o grande dia /Que tu hoje comemoras. /Seja a casa onde moras /A morada da alegria, /O refúgio da ventura!... Feliz Aniversário!”, letra de Manoel Bandeira. Talvez me perguntem por que lembrar essas duas canções. Eu explico. A primeira foi vencedora de um concurso na década de 1950 para substituir o “Happy Birthday to You”, um bom motivo para cantarmos uma composição de Joubert de Carvalho. A segunda canção, por ter pertencido ao repertório da mobilização coral liderada por Villa-Lobos, o Canto Orfeônico, vovô do Movimento Coral do Estado. SAMUEL KERR, Maestro Vice-Presidente do Conselho Administrativo da Santa Marcelina Cultura
SUMÁRIO
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1979 > 1982 Do Movimento Coral à criação do coro-escola
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1983 > 1987 Busca de identidade e maturidade artística
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1988 > 2004 Agenda lotada: os dois tempos da “Era Ferraz”
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2005 > 2009 Novo projeto pedagógico e uma visão de futuro
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1 Miguel Csuzlinovics 2 Demétrio Cunha da Silva 3 Edson Nogueira Biller 4 Nicolau de Figueiredo 5 Luiz Marchetti 6 Krystyna Katz 7 Wanda Quartarolli 8 Não identificada 9 Alba Stella Zilahi 10 Pedro Coca 11 Gaetanno Sabellico
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Wendy Levy Vera Ritter Vânia Bastos João Lisanti Neto Tereza Cardoso “Kika” Erzsébet Keresztes Thelma Badaró Yara Antunes Lopes Rita Marques
A segunda turma do Coral do Estado, em 1980, em seu mágico local de ensaio: um anfiteatro improvisado no porão da atual Pinacoteca do Estado de São Paulo
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Alexandre Zilahi Oswaldo Sperandio Jacob dos Santos Marinho Vicente Sobrinho Álvaro Zarzur Derani Luiz Antonio Diniz Newton Tirotti “Beto Baiano” “Irmão de Marinho Sobrinho” Caio Galarsa (o fotógrafo) Antonio Cauzzo Neto
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Geraldo Bovolon Abel Rocha Paulo Eduardo Rydlewsky Ana Lúcia Pereira Mina Kato Anita Deixler Regina Lara Silveira Miryam Prado Malafaia Heloísa Araújo Duarte Christina Montenegro Angela Volcov
1979
1982
CAMPOS DO JORDÃO, JULHO DE 1982.
O auditório estava lo-
tado para ouvir uma voz. Embora o Coral do Estado de São Paulo estivesse no palco, com cerca de 50 jovens cantores de bom nível, regidos por Vitor Gabriel, os homens e as mulheres que exibiam seus elegantes trajes de inverno naquela fria noite na serra não estavam lá para prestigiar a música coral. O cantor que a plateia contava os minutos para ouvir atendia pelo nome de Cauby Peixoto, então no auge de sua
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maturidade como crooner, quase 30 anos após ter sido chamado pela revista americana Time de “o Elvis Presley brasileiro”. Embora o programa sui generis, que mesclava música erudita com música popular, fosse visto com ressalvas por parte dos bolsistas do XIII Festival de Inverno de Campos do Jordão, os rapazes e moças do Coral do Estado não tinham do que reclamar: poucas vezes eles haviam tido o privilégio de cantar para um público tão numeroso. Ainda que ansiosos para ouvir Cauby, que havia tempos não era mais conhecido nos Estados Unidos como Ron Coby, seus fãs acompanhavam com atenção e interesse o repertório de música erudita brasileira que o Coral do Estado cantava com vigor e entusiasmo. Havia uma grande energia no ar. Foi quando o imponderável aconteceu, fazendo a energia literalmente se transformar em chamas. “Enquanto cantávamos a nossa parte no palco, um cabo bastante grosso estourou e começou a pegar fogo”, relembra Vitor Gabriel. Ao estrondo luminoso das labaredas, seguiu-se um apagão; o teatro ficou às escuras; ato contínuo, as pessoas entraram em desespero e começaram a levantar e a sair correndo. Enquanto o caos se anunciava, Vitor Gabriel, ainda no palco com os cantores, teve rara presença de espírito. Após se certificar de que não havia fiação por perto, ele chamou
os coralistas para junto de si e começou a cantar uma música brasileira que todos sabiam de cor. Na penumbra, ao
Escobar, a plateia começou a se acalmar e, aos poucos, foi sentando. A normalidade ainda era apenas aparente, embalada pela música, afinal o fogo continuava a arder – e só foi plenamente restabelecida quando um funcionário do teatro surgiu no palco, machado em punho, e, com um golpe certeiro, cortou o cabo e acabou com o princípio de incêndio. Fogo extinto, o Coral do Estado continuou sua apresentação e deixou o palco sob, digamos, calorosos aplausos. Por capricho do destino, esse simbólico batismo de fogo do Coral do Estado de São Paulo, que ilustra com rara felicidade o potencial mobilizador da música coral, aconteceu três anos após seu nascimento oficial, ocorrido durante a décima edição do Festival de Inverno de Campos do Jordão, quando o maestro Eleazar de Carvalho ainda respondia pela direção artística do evento. Do anúncio da fundação do Coral do Estado até sua primeira récita, em 19 de dezembro de
“Eu estava terminando o colegial, tinha feito curso técnico de edificações, mexia com desenhos e projetos. Tinha bom estudo técnico e teórico, mas até então cantava só no coro da minha escola. O Coral do Estado foi minha porta de entrada para o cenário lírico de São Paulo.” Abel Rocha, diretor artístico e regente titular da Banda Sinfônica do Estado de São Paulo, foi da primeira turma do Coral do Estado
som da marcha “Sabiá, Coração de uma Viola”, de Aylton
1979, no Theatro Municipal de São Paulo, sob a regência de um maestro convidado, cerca de seis meses se passaram. Embora o hiato temporal possa ser visto como “razoável” – afinal, o Coral precisava ser formado, o que incluía
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não apenas selecionar cantores e ensaiar, mas também instituir uma série de formalidades para atender a burocracia estatal – o fato é que Cunha Bueno e seus assessores na Secretaria de Estado da Cultura estavam com corações, mentes e ouvidos voltados para outros coros. Milhares deles. SÃO PAULO, MARÇO DE 1979.
O telefone da professora Neide
Rodrigues Gomes toca, interrompendo o silêncio da madrugada. Ela olha no relógio, que marca três da manhã, e, ainda sonada, tira o aparelho do gancho. Do outro lado da linha, desperto e eufórico, estava o pianista e maestro João Carlos Martins. “Ele assinou o projeto, Neide! Ele acabou de sair aqui de casa e nos deu carta branca para colocar o projeto em prática. Parabéns, Neide!” “Ele” era Paulo Salim Maluf, que iniciaria dentro de alguns dias seu mandato como governador do Estado de São Paulo, eleito indiretamente. Embora tenha ficado muito feliz com a notícia, a professora Neide desejou boa sorte ao seu interlocutor e voltou a dormir. O projeto em questão tinha nome e sobrenome. Chamava-se Movimento Coral do Estado de São Paulo e seu objetivo era “fazer o Estado de São Paulo voltar a cantar”. Sua idealizadora, a professora Neide, era especialista em folclore brasileiro e proprietária do Instituto Musical de São Paulo, então a principal faculdade de música da cidade. O convi-
te para escrever o projeto surgira de um professor da sua faculdade, o maestro Jonas Christensen. “Fui procurada no
João Carlos Martins. Eles disseram: ‘o Maluf quer um projeto para a área de música. E nós achamos que você é a pessoa certa para fazer isso’”, conta Neide Rodrigues Gomes, cuja ligação com o ensino musical tivera início em 1964, quando, aos 26 anos de idade, inaugurou, no bairro da Mooca, o Conservatório Ernesto Nazaré. Inspirado no Canto Orfeônico de Heitor Villa-Lobos e na visão musical de Mário de Andrade, o Movimento Coral foi concebido como algo grandioso, no limite do megalomaníaco. A ideia do governo era, de acordo com declarações de Cunha Bueno que estamparam os jornais da época, “encerrar o ano com 400 mil vozes, em todo o Estado”. A julgar pelo fenômeno ocorrido no Estádio Municipal Paulo Machado de Carvalho, o Pacaembu, no dia 3 de dezembro de 1979, é possível que o Movimento Coral tenha conseguido alcançar tal façanha. Naquele domingo, cerca de
“O Coral do Estado foi muito importante para a minha carreira profissional. Lá eu aprendi a ser coralista e também dei os meus primeiros passos como solista. Só deixei o grupo quando fui aprovada em concurso para o Coral Lírico do Theatro Municipal.” Rita Marques, soprano do Coral Lírico do Theatro Municipal de São Paulo, foi da primeira turma do Coral do Estado
início de 1979 pelo Jonas, pelo [maestro] Diogo Pacheco e pelo
45 mil coralistas, que chegaram à capital paulista em 900 ônibus vindos de todo o Estado, fizeram o maior concerto de Natal que São Paulo já viu e ouviu – um feito que encheria Getúlio Vargas e Villa-Lobos de merecido orgulho. Afinal, é
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impossível não pensar nos grandes concertos ao ar livre que Villa regia no estádio do Vasco da Gama, no Rio de Janeiro, na década de 1940, faceta mais visível (e discutível, por seu inegável viés político e populista, devidamente capitalizado por Getúlio) do Canto Orfeônico, inovador projeto de educação musical concebido por Villa-Lobos que revolucionou o ensino de música no Brasil. Em linhas gerais, o Movimento Coral resgatava essa bandeira e desejava, por meio do canto, reintroduzir o ensino musical nas escolas paulistas. Se em termos estritamente numéricos o megaconcerto natalino promovido pelo Movimento Coral foi um sucesso, o mesmo não pode ser dito sobre o desempenho musical daquele imenso grupo de cantores regido por Jonas Christensen. Embora o resultado musical do concerto não fosse exatamente um problema, afinal o objetivo do Movimento Coral naquele momento era “apenas” promover o encontro de milhares de coralistas, a organização do evento tomou providências para que não ocorresse um fiasco sonoro. Enquanto a imensa maioria dos coralistas foi acomodada nas arquibancadas do estádio, cerca de 30 corais permaneceram no gramado e tiveram seu som microfonado. Cada um desses corais representava uma unidade regional da Secretaria de Estado da Educação, com a qual o Movimen-
to Coral havia estabelecido um interessante convênio que tinha por objetivo reintegrar à atividade musical centenas
ção quando o ensino de música deixou de ser obrigatório nas escolas públicas brasileiras. Profissionais concursados, em sua maioria formados pelo Canto Orfeônico, esses exprofessores de música estavam trabalhando em outras áreas nas escolas – alguns até como serventes. Em outras escolas, havia bons educadores com vagos conhecimentos musicais, ou mesmo sem estudo algum na área. “Precisávamos formar professores de música com bons conhecimentos pedagógicos. Daí tivemos a ideia de ensinar pedagogia para quem conhecia música, reciclando-os, e ensinar música para quem lecionava outras disciplinas”, resume Neide Rodrigues Gomes. Decisões pedagógicas e político-administrativas à parte, um outro fator ligava aqueles cerca de 30 corais mais bem ensaiados e afinados. Naquele domingo, quase todos foram liderados pelos regentes que constituíam o coração artístico do Movimento Coral. Tratava-se de um seleto gru-
“Antes não existia um coro para jovens, para cantar com qualidade, com um bom nível. A grande maioria do pessoal daquela época trabalha profissionalmente com música. São pessoas de alto nível, bem qualificadas. Para todos nós o Coral do Estado foi um berço, um lugar de formação.” Angela Volcov, pianista concertista e professora da Escola Municipal de Música, foi da primeira turma do Coral do Estado
de ex-professores de música que haviam ficado sem fun-
po – arregimentado por Neide e Jonas – que orientava e supervisionava o trabalho dos regentes dos corais espalhados pelo Estado. A atividade era intensa, com visitas mensais dos regentes paulistanos às cidades do interior e encontros
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semanais, em São Paulo, com a presença dos principais regentes dos corais do interior. Além de diversos jovens regentes, que viriam a se destacar na cena musical brasileira, o Movimento Coral contava, naquele momento, com a participação de figuras ilustres como o maestro Roberto Schnorrenberg, um dos mais capacitados e rigorosos mestres do Instituto Musical, “a faculdade da professora Neide”, que nutria especial predileção por dois de seus alunos, José Ferraz de Toledo e Naomi Munakata. NEM TODOS OS REGENTES DO MOVIMENTO CORAL PRESENTES NO “CONCERTO DOS 45 MIL” ERAM BRASILEIROS.
Polonês,
com formação musical em Luxemburgo e na Bélgica, Bruno Wysuj (lê-se Visuí) chamava a atenção pelo sotaque e, especialmente, pelo timbre aveludado de sua voz grave, com a qual se tornou, em 1948, primeiro baixo do Teatro La Monnaie, de Bruxelas. Casado com a soprano brasileira Regina de Carvalho, Wysuj morou no Rio de Janeiro por cerca de dez anos, tendo, inclusive, se naturalizado brasileiro, em 1958. Exatos vinte e um anos depois, Wysuj, que voltara a morar na Europa, foi convidado, provavelmente por Eleazar de Carvalho, para lecionar canto no Festival de Inverno de Campos do Jordão de 1979. Naquele mês de julho, além de orientar alunos interessados em se estabelecer
como solistas no concorrido mundo da ópera, Wysuj regeu o coro dos bolsistas do festival. É difícil dizer se Wysuj era a pessoa certa no lugar certo, mas há indícios de que foi pura coincidência o fato de
Inverno de Campos do Jordão quando Cunha Bueno anunciou a criação de dois novos corpos artísticos estaduais, a Orquestra Sinfônica Juvenil do Estado de São Paulo (atual Orquestra Jovem do Estado) e o Coral do Estado de São Paulo. Bruno Wysuj foi apontado como regente do grupo vocal. A ausência do termo “jovem” na certidão de nascimento do Coral do Estado de São Paulo não foi acidental (esse foi seu nome oficial até maio de 2006, quando a palavra “jovem” foi finalmente incorporada, rebatizando o corpo artístico como Coral Jovem do Estado). A proposta estética de Wysuj era fazer uma ópera-estúdio: formar e treinar um grupo vocal de altíssimo nível para interpretar o repertório operístico com as
“Na minha época o coral tinha grandes vozes. Existia uma competição vocal muito forte. Passar em um primeiro teste musical mais rigoroso foi muito importante para mim. O Coral do Estado foi muito bom musicalmente.” Vânia Bastos, cantora de música popular, foi da primeira turma do Coral do Estado
ele estar como regente do coro de bolsistas do Festival de
orquestras do Estado, não só com a Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo, mas também com a co-nascente Orquestra Sinfônica Juvenil do Estado de São Paulo, cujo primeiro regente foi o carioca John Luciano Neschling (era assim que ele assinava na época), não por acaso professor de regência no Festival de Inverno de Campos do Jordão de 1979.
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A ideia de Wysuj parecia fazer sentido. Afinal, enquanto a Prefeitura de São Paulo, por meio do Theatro Municipal, mantinha dois coros profissionais “especializados em ópera” – o Coral Lírico e o Coral Paulistano – o Estado não possuía um único coro capaz de enfrentar um repertório de maior fôlego. Na visão de Wysuj, o Coral do Estado seria esse coro. Embora a intenção fosse formar um coro “semiprofissional” de nível profissional, o pacote que a Secretaria de Estado da Cultura criou para o Coral do Estado era similar ao oferecido à Orquestra Jovem do Estado. A exemplo dos instrumentistas, os coralistas receberiam uma bolsa. O valor da bolsa não era especialmente elevado (cerca de dois salários mínimos), mas o simples anúncio de que “iriam pagar para cantar” causou alvoroço entre coralistas e músicos de São Paulo. A novidade rapidamente se espalhou, atraindo 530 candidatos para os testes que Wysuj conduziu, auxiliado por convidados como o compositor Sergio Vasconcelos Corrêa. A julgar pelo nível da primeira turma selecionada para o Coral do Estado, a maratona de audições, encerrada no dia 14 de setembro, foi plenamente recompensada. Era um grupo bastante heterogêneo e, por isso mesmo, muito interessante, que mesclava cantores de até 50 anos com “vozeirão”
jovens estudantes de música de 18 anos que tinham ótima leitura, porém em sua maioria pouco experientes e com vozes ainda em formação. Entre os 46 “elementos” escolhidos por Wysuj estavam alguns musicistas que viriam a se destacar na cena musical brasileira e internacional, como Abel Rocha (diretor artístico e regente titular da Banda Sinfônica do Estado de São Paulo), Antonio Lotti (tenor com carreira internacional), Celso Antunes (regente atualmente na Europa), Eduardo Guimarães Álvares (compositor), Luiz Malheiro (diretor do Festival Amazonas de Ópera, o mais importante do país) e Vânia Bastos (cantora de MPB, que faz consistente trabalho musical). O pianista escolhido por Wysuj para ser correpetidor não ficava atrás: era Nicolau de Figueiredo (cravista de grande reputação, radicado na Europa). Apesar de exaustiva, a seleção também teve momentos divertidos, como rememora Eduardo Guimarães Álvares: “Estavam presentes Wysuj e Sergio Vasconcelos Corrêa. Depois da prova de leitura e solfejo, na qual me saí muito bem, cantei a ‘Ária’, de John Cage, uma peça com linhas coloridas,
“Eu já havia tido outra importante experiência com outro coral muito reconhecido na época em Belo Horizonte, o Ars Nova. Embora curta, minha experiência com o Coral do Estado foi um pouco diferente. Foi a primeira vez que participei da montagem de uma ópera, mesmo que, devido às circunstâncias, ela tenha sido apresentada na forma de concerto.” Eduardo Guimarães Álvares, compositor e professor da Tom Jobim - Escola de Música do Estado de São Paulo, foi da primeira turma do Coral do Estado
e bastante experiência, mas que mal sabiam solfejar, com
gráficos com texto em vários idiomas, mas sem alturas definidas num pentagrama. O Bruno tinha gostado do meu teste de solfe-
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jo, mas ficou desconcertado com a peça escolhida. Disse: ‘Como posso avaliar ‘isso’?!’ Para resolver o impasse tive que cantar algo mais tradicional, não me lembro qual peça, talvez um trecho de cantata de Bach, e aí consegui a vaga. O Sergio Vasconcelos Corrêa ficou empolgadíssimo com a execução do Cage, gostou dos diversos timbres vocais diferentes que executei exigidos pela peça. É uma peça que demanda grande versatilidade na emissão vocal e, para tanto, formas diferentes do cantar.” UMA VEZ DEFINIDO O GRUPO, FINALMENTE CHEGARA A HORA DE COMEÇAR O TRABALHO.
Wysuj determinou que seriam
três ensaios por semana, sempre das 19 às 22 horas. O local designado para os ensaios foi o estúdio G da TV Cultura, na Rua Cenno Sbrighi, que, na época, era cercado por mato. “Tinha até que pular uns riachinhos, dava um certo medo”, lembra a pianista e professora da Escola Municipal de Música Angela Volcov, que costumava ir ao ensaios de carona, com seus colegas de coro e de graduação em Música, na Universidade de São Paulo (USP), Celso Antunes, Heloísa Junqueira e Eduardo Guimarães Álvares. Bons tempos em que o medo, em São Paulo, resumia-se a enfrentar matagais ou vencer pequenos córregos e riachos. Violência não era um assunto. A obra escolhida por Wysuj para a estreia do Coral do Estado foi “Amahl e os Visitantes da Noite”, ópera em um
ato de Gian Carlo Menotti, que havia estreado em 1951, em Nova York. Para os papéis principais, Wysuj se autoescalou
gina de Carvalho, para o papel da soprano (Mãe do menino Ahmal). Como ainda faltavam o menino (Ahmal), o tenor (Rei Kaspar) e o barítono (Rei Melquior), Wysuj passou a buscar solistas. Foi quando um dos membros do Coral se candidatou ao papel de Melquior: o barítono Oswaldo Sperandio, que fez o teste e foi aprovado. Aparentemente, os ensaios corriam bem. Embora não tivesse vasta experiência específica como regente coral, Bruno Wysuj era um ótimo cantor e, como tal, transmitia seus conhecimentos aos coralistas, os quais, por sua vez, tampouco possuíam experiência em cantar ópera. Apaixonado por música brasileira, Wysuj fazia arranjos de samba e bossa nova e propunha exercícios rítmicos para “ensinar ritmo” aos cantores. A soprano do Coral Lírico Rita Marques lembra bem desses exercícios: “Nunca vou esquecer o primeiro dia de ensaio, lá na TV Cul-
“Pude conviver com diversos músicos e cantores, na montagem de obras de qualidade, e aprender sobre a vida de um coro profissional, formação de repertório, análise de obras, exercitar administração coral e expressão cênica. Muitos de nós eram estudantes e já trabalhavam com música. Estudávamos juntos, era estimulante.” Alexandre Zilahi, regente e arranjador, foi da primeira turma do Coral do Estado
para fazer o baixo (Rei Baltazar) e escolheu sua esposa, Re-
tura. Eu e o Abel [Rocha] fomos os primeiros a chegar, supertímidos e novinhos. E o Bruno começou com um exercício de ritmo, tínhamos que fazer uns movimentos enquanto falávamos ‘tókepe-tókepe-tóketa-ketchí-ke-ketchíkeke’. Foi muito engraçado...”.
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“A gente ria dele, com aquele sotaque, ensinando a gente a fazer samba. Ele queria que a gente introjetasse o ritmo”, diz Angela Volcov. Wysuj era apontado por todos como um “cara muito legal” e ótimo professor de canto. Já seus arranjos de música brasileira estavam longe de ser uma unanimidade. Para alguns, eram muito bons; para outros, entretanto, tinham gosto para lá de duvidoso. E assim a vida seguia. Além do trabalho vocal com a ópera, Wysuj convidou professores para desenvolver a parte de teatro e expressão corporal. Tudo era muito estimulante e excitante, especialmente para os mais jovens do grupo. Mas, e os ensaios da ópera propriamente dita? Esses não iam tão bem. Wysuj ainda não havia encontrado a criança (principal papel da ópera) e, não raro, perdia-se na dinâmica dos ensaios. Oswaldo Sperandio que, apesar da idade, já tinha bastante experiência com coro, resolveu procurar o regente: “Eu vi que ele estava com um pouco de dificuldade e perguntei se precisava de ajuda. E ele, com aquele sotaque, disse que eu seria seu assistente. Então eu descobri a criança, ensaiei a criança, pois ele não tinha falsete, para ele era muito difícil. A gente ensaiou lá na Pró-Arte, onde eu regia o coro, dirigido pela Yolanda Borghoff, mãe da [pianista] Guida [Borghoff], tinha
um madrigalzinho lá; era na Colmeia, na Avenida Nove de Julho [São Paulo], perto da [Rua] Groenlândia; tinha várias salas,
COM A PROVIDENCIAL AJUDA DO SEU NOVO (E ENTÃO OFICIOSO) ASSISTENTE, WYSUJ DEU ANDAMENTO AO TRABALHO.
Em
cerca de dois meses e meio, a peça estava pronta. Os solistas foram até o Theatro Municipal e experimentaram suas roupas. Todos estavam entusiasmados com a anunciada estreia em grande estilo do Coral do Estado de São Paulo, com três récitas encenadas, no Municipal, acompanhado pela Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo, sob a batuta de Eleazar de Carvalho. Foi daí que o imponderável surgiu novamente em cena. “O maestro Eleazar se recusou a fazer a ópera, parece que rolou uma história política ali, não sei ao certo o que aconteceu”, afirma Oswaldo. E o que era para ser uma ópera encenada em três récitas, transformou-se em programa de uma única noite, com “Amahl e os Visitantes da Noite” sendo apresentado sob a forma de concerto. E as surpreendentes
“Foi um período muito bom. Pude pesquisar bastante o século 20, que me interessava, fazer experiências com teatro, dança e voz, em nível de laboratório, que depois me ajudaram a fazer música para teatro. Mas a sociedade mudou muito nesses 30 anos. Não sei se uma experiência como aquela é repetível.” Oswaldo Sperandio, maestro e produtor musical, foi cantor da primeira turma do Coral do Estado e regente do grupo, em 1980
uma sala de concerto pequena.”
novidades não paravam por aí. Alegando problemas de contrato, Bruno Wysuj comunicou que ele e sua esposa não poderiam fazer os papéis que haviam ensaiado. “Na época houve um boicote velado, em função do cachê que o Wysuj esta-
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va ganhando em Campos e no Coral do Estado. Foi muito difícil montar essa apresentação”, afirma o arranjador Alexandre Zilahi, que, além de integrar o coro como cantor, era assistente administrativo do Coral do Estado. A solução foi caseira: Maria Cristina Vignoli Elias, soprano do Coral, assumiu o papel da mãe; Sperandio, embora barítono, “herdou” o papel de Wysuj. Para reger a peça, Eleazar escalou seu assistente, Fábio Mechetti, que fez apenas dois ensaios e, assim, entrou para a história como o convidado que regeu o primeiro concerto do Coral do Estado de São Paulo. Terminada a apresentação, Oswaldo Sperandio foi trocar de roupa e levou um tremendo susto: “Quando entrei na coxia, lá estavam o Bruno, o [governador] Paulo Maluf, o [secretário da Cultura] Cunha Bueno e o Milton Andrade, diretor do Departamento de Artes e Ciências Humanas, o DACH. Do nada, o Bruno virou para todo mundo e disse: ‘o Oswaldo vai ficar aqui no meu lugar, a partir de amanhã’. Ele ia viajar no dia seguinte. Eu tinha 19 anos e de repente caiu o Coral do Estado na minha mão, sem nenhum planejamento, sem nada. Eu era moleque, tinha bastante experiência com coro e tudo, mas era o Coral do Estado de São Paulo!!!” COM A REPENTINA SAÍDA DE WYSUJ E O RECESSO DE FÉRIAS QUE
SE SEGUIU, ALGUNS CORALISTAS ABANDONARAM O GRUPO.
E Oswaldinho, como Sperandio era chamado pelos colegas, decidiu convidar para integrar o grupo algumas pessoas
que fazia pós-graduação em Farmácia e hoje atua como pesquisadora nos Estados Unidos, e Thelma Badaró, soprano que viria a desenvolver sólida carreira como solista. Com isso, o grupo, que já era heterogêneo (um dos inegáveis méritos de Wysuj), tornou-se ainda mais multifacetado. E viveu dias intensos. Sob aparente desinteresse do Movimento Coral, mas com o decisivo apoio de Milton Andrade, do DACH, que deu carta branca para Oswaldo levar adiante “o projeto de ópera-estúdio de Wysuj”, o Coral do Estado saiu dos holofotes do Theatro Municipal para habitar os porões. Mais especificamente o porão do prédio da atual Pinacoteca do Estado de São Paulo, no Parque da Luz, onde acontecia o Salão Paulista de Belas Artes. Foi lá, entre quadros empoeirados que
“Foi meu primeiro ‘emprego’ em música, e minha primeira experiência com um coral não amador. E ao mesmo tempo foi um grande banho de realidade. Inevitavelmente deixei ali muitas das minhas ilusões sobre as pessoas.” José Palomares, tenor do Coral Paulistano, do Theatro Municipal de São Paulo, foi da primeira turma do Coral do Estado
com quem havia cantado no Coral USP, como Mina Kato,
resistiam bravamente à ação do tempo, em duas salas até então abandonadas que foram reformadas, que o Coral do Estado passou a ensaiar. Um lugar apontado como mágico por algumas pessoas que tiveram o privilégio de ensaiar ali, naquele ambiente antigo, com pé-direito gigante, mirando
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o silêncio da noite através de uns janelões que davam para árvores habitadas por pássaros e outros bichos. Além de preparar peças vocais variadas, com destaque para compositores do século 20, como Paul Hindemith, os bolsistas tinham aulas de teatro com Ulysses Cruz, encenador que hoje trabalha na TV Globo, e de expressão corporal com Stephan Dosse, bailarino que integrou a primeira turma do Mudra, inovadora escola de dança contemporânea fundada por Maurice Béjart, em 1970. Não raro, Dosse era auxiliado por sua esposa, Juliana Carneiro da Cunha, atriz e bailarina brasileira também formada pelo Mudra e que viria a desenvolver intensa carreira internacional. Essas aulas extravocais são lembradas com carinho por Angela Volcov: “O Oswaldo desenvolveu um trabalho corporal pra gente se soltar. Gostei, tive que me expor. Os bailarinos diziam: ‘Vai lá, anda como bicho, faz o som do bicho’. Eram coisas de balé, de mexer com os dedos do pé. Como preparação para ópera foi legal, e depois usei em aulas minhas, como professora de piano.” “Parecia uma comunidade hippie de Woodstock, era demais, as pessoas realmente gostavam de ir pra lá”, confirma Oswaldo Sperandio, que, ao assumir o Coral, decidiu adotar uma espécie de autogestão, dividindo as decisões com o
grupo. E isso em pleno governo Maluf... Governo esse que só era lembrado, aliás, quando atrasava o pagamento das
diram o gabinete do secretário da Cultura, Cunha Bueno, cantando a plenos pulmões. Surpreso com a manifestação dos cantores, o então jovem político, que anos mais tarde se tornaria famoso por defender a volta da monarquia, confessou que não conhecia música erudita, só as canções sertanejas ensinadas pelo pai. O fato é que o pagamento saiu em poucos dias. MAS NEM SÓ DE FESTA E LIBERDADE VIVIAM AQUELES CORALISTAS.
Havia muito ensaio “pra valer”. Embora jovem e
cabeludo, Oswaldinho era respeitado pelos cantores, que são unânimes ao afirmar que o grupo, naquela época, soava muito bem. Sua estreia como regente do Coral do Estado ocorreu no Museu de Arte de São Paulo (Masp), em 16 de maio de 1980, com apresentação da ópera “Dido e Enéas”, de Henry Purcell, sob a forma concerto; seis dos papéis principais foram interpretados por bolsistas que hoje integram o Coral Lírico (Miguel Csuzlinovics, Rita Marques
“Lembro-me do primeiro ensaio com o Vitor Gabriel, o aquecimento, as primeiras músicas a quatro vozes, o som maravilhoso que produzíamos todos juntos e meu prazer em estar no meio daquela música vocal. Foi meu primeiro contato sério com a técnica vocal e os cuidados com a voz. Participar do Coral definiu completamente minha carreira como coralista.” Angelica Leutwiller, contralto do Coro da Osesp, cantou no Coral do Estado de 1982 a 1988
bolsas. Numa dessas ocasiões, regente e 48 coralistas inva-
e Vera Ritter) ou o Coro Paulistano (Anita Deixler, José Palomares e Katia Novaes). Em julho, quando o Coral se apresentou pela primeira
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vez no Festival de Inverno de Campos do Jordão, a peça escolhida foi o belo “Te Deum”, de Anton Bruckner, apresentado com a Orquestra Sinfônica Juvenil, regida pelo então pouco conhecido John “ainda Luciano” Neschling, tendo como solistas Martha Herr, Lenice Prioli, José Marson e Caio Ferraz. O repertório de outros concertos era mais eclético – nessa época, o Coral começou a se apresentar no interior do Estado, prática que, anos mais tarde, se tornaria sua “marca registrada”, para o bem e para o mal. Na Semana Guiomar Novaes, na cidade de São João da Boa Vista, por exemplo, metade da apresentação foi dedicada a obras de Hindemith, e a outra metade foi preenchida por peças brasileiras variadas, algumas com certo apelo popular, como “Berimbau”, de Baden Powell, com arranjo de Arlindo Teixeira. Ao escolher esse tipo de repertório, o Coral do Estado autogerido evidenciava seu desejo de, nas palavras do próprio Oswaldo, fazer uma junção de cultura popular e cultura culta. O objetivo era aproximar o Coral da população, que, afinal, financiava, com o pagamento de impostos, a atividade do grupo. Para se aproximar do povo, os jovens coralistas começaram a fazer laboratórios em estações do metrô, a ouvir relatos das pessoas. E foi dessas pesquisas que surgiu a ideia de desenvolver um repertório próprio. Com saudável
ousadia, eles decidiram “comissionar” uma ópera sobre a
Cozzella, então um dos expoentes da vanguarda musical paulistana, que foi decisivo na carreira de Rogério Duprat, “o maestro que inventou” a revolução musical da Tropicália, e formou dezenas de excelentes profissionais. “O músico que eu sou, eu devo ao Cozzella”, resume Oswaldo. Cozzella gostou da ideia de escrever uma ópera sobre São Paulo, mas disse que precisava de um roteiro. O dramaturgo Lauro César Muniz, que viria a fazer enorme sucesso como novelista da TV Globo, chegou a ser procurado. Mas nem teve tempo de aceitar (ou recusar). Foi quando entrou em cena a “Oitava Sinfonia”, de Gustav Mahler, conhecida como “a sinfonia dos mil”, pelo tamanho do coro. É Oswaldo Sperandio quem recorda: “Fui chamado pelo Eleazar [de Carvalho, então regente da Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo]. Ele me comunicou que faríamos a Oitava de Mahler. Daí eu disse para ele que precisava consultar as pessoas do coro, pois tínhamos uma autogestão. Eu voltei para o ensaio e perguntei: ‘vocês querem?’
“Em 1982, eu estava completamente perdido profissionalmente, estudando Economia sem saber por quê. Abri o jornal e vi um anúncio: ‘teste para o Coral do Estado’. Apesar de ter estudado música desde criança, eu nunca tinha ouvido um coral, muito menos ao vivo... Aquele teste foi mágico. Fiquei embasbacado com o som. Fui aprovado e começamos os ensaios. Larguei a Economia e fiz Música na Unesp.” Claudio Goldman, compositor, cantou no Coral do Estado de 1982 a 1984
cidade de São Paulo. O compositor escolhido foi Damiano
A gente ia fazer uma figuração, com mais uns dez corais. Todo mundo falou ‘não, não estamos interessados’. No dia seguinte ele me mandou embora. E fez a Oitava de Mahler.”
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COM A INTEMPESTIVA DEMISSÃO DE OSWALDO SPERANDIO, O MOVIMENTO CORAL FINALMENTE ASSUMIU O CORAL DO ESTADO.
Prova inequívoca disso foi o regente escolhido para
comandar o grupo de bolsistas: Jonas Christensen, coidealizador e diretor artístico do Movimento Coral. Foi o início de um período tumultuado. Nem todos os coralistas gostaram da novidade. E alguns resolveram sair, por não concordar com o uso político que passaria a ter um grupo que, na visão deles, vinha desenvolvendo um trabalho esteticamente diferenciado. O clima estava tão tenso que circulou um boato – jamais confirmado – de que o Movimento Coral havia preparado uma “lista negra”, vetando a participação de “pessoas de esquerda” e outros “desafetos” no Coral do Estado. “Nunca existiu lista alguma”, garante Alexandre Zilahi, que participou ativamente da autogestão do coro quando Sperandio era regente e atuou como cantor e assistente administrativo do grupo até meados de 1982, quando foi trabalhar no interior do Estado de São Paulo, pelo Movimento Coral. De acordo com Zilahi, a única “famosa lista” é uma datada de 8 de outubro de 1980 que aponta quem fez os testes para entrar ou permanecer no Coral do Estado – a partir daí os chamados “retestes” passariam a ser anuais e
adotada até hoje. Foi após esse conturbado teste, realizado às cinco horas da tarde de uma calma quinta-feira de outubro, no décimo terceiro andar do belo edifício art-déco, número 39, da Rua Líbero Badaró (então sede da Secretaria de Estado da Cultura, onde o Coral do Estado passaria a ensaiar), que três cantores que tinham ótima leitura, mas não foram aprovados pela banca organizada pelo Movimento Coral, decidiram contestar o resultado na justiça. “Eles não foram aprovados porque estavam comigo”, relembra a única mulher do trio, a então aluna de regência Naomi Munakata, que foi fazer os testes acompanhada dos colegas Vilson de Oliveira e Pedro Veneziani. Se a “famosa lista” existiu, Naomi certamente constava da turma dos “desafetos”. “Deve ter sido coisa da Neide, acho que ela tinha ciúmes da minha relação com o Schnorrenberg”, diz Naomi. “Chegamos a procurar um amigo advogado, mas não levamos o processo adiante. Resolveram aumentar o número de vagas, e nós fomos contratados. Ficamos dois meses, até sair um artigo no jornal que expunha aquela situação, e então saímos”,
“O coro amador representou para mim o pré-primário, o ensino fundamental das artes, cheio de paixão e afeto. O coro semiprofissional do Estado foi o colégio, no qual pude, com o lastro do aprendizado básico, construir minha própria concepção como artista e alicerçar-me como pessoa. Foi como abandonar gradualmente a experiência lúdica e evoluir para a produção ‘séria’, preservando o melhor de ambas.” Flávio Costa, baixo-barítono, ex-cantor do Coral Paulistano, cantou no Coral do Estado de 1982 a 1985
obrigatórios para a renovação da bolsa dos coralistas, prática
relembra Naomi, que logo depois desse episódio tornou-se profissional, foi estudar no exterior e perdeu contato com
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o Coral, até se tornar sua atual regente titular, em trabalho que teve início no ano de 2005. ALEGRE, COMUNICATIVO, SEMPRE FELIZ E CONFIANTE, JONAS CHRISTENSEN É GERALMENTE DESCRITO COMO UMA PESSOA AGRADÁVEL E ACESSÍVEL.
Sua competência musical, por
outro lado, também é unanimamente apontada como limitada. Essas características, somadas à falta de tempo para ensaiar o Coral do Estado, em função de seus numerosos compromissos com o Movimento Coral, foram desastrosas para o grupo de cantores bolsistas. Mas poderia ter sido pior. Jonas, habilidoso e com influência política, provavelmente ciente de que não daria conta de ensaiar o grupo, obteve verba para contar com ajuda de profissionais competentes. Ironicamente, foi na sua gestão que o Coral do Estado assumiu uma característica que mantém até hoje, a de coro-escola semiprofissional, formado por jovens, na época, com idade entre 15 e 28 anos. Para ajudar a ensaiar o grupo, Jonas recrutou o maestro Roberto Schnorrenberg; como pianista, ele levou Guida Borghoff, e, para ser preparadora vocal, convidou uma cantora americana formada na prestigiosa Universidade de Nova York, em Bufallo, epicentro da música contemporânea made in USA, que chegara recentemente ao Brasil: a soprano Martha Herr.
Embora a proposta de instituir um coro-escola fosse instigante, a gestão Jonas foi pouco relevante musicalmente,
um nível artístico bem interessante, começam a cair e dar lugar a repertórios de entretenimento”, diz o maestro Abel Rocha, então um jovem coralista. Em seis meses, o Coral realizou um grande número de concertos, sobretudo no interior do Estado, e ganhou fama por cantar em ocasiões “políticas”. Além de numerosas, as viagens eram cansativas. A rotina era ir e voltar no mesmo dia, com o motorista acelerando sempre de olho no relógio, com a missão de chegar a São Paulo antes da meia-noite, para pegar o metrô ainda aberto. Por se apresentar em “eventos” diversos, como missa de sétimo dia de um conhecido do governador e concerto em clube privado, cujo programa trazia na capa a mensagem “Por gentileza do Sr. Secretário, Deputado Cunha Bueno”, o Coral do Estado ganhou o incômodo apelido de “Coraluf”. “Lutávamos para que o coro não se transformasse em mero instrumento de propaganda política, como passou a acontecer com
“Fiz nove anos de piano clássico e sete anos de violão clássico, formei-me em Música pela Unesp e tenho hoje 30 anos de profissão. Mas em todos esses anos a melhor escola de música que tive foi o Coral do Estado. Ele foi e é a maior referência em música que tive na vida profissional.” Maria Cândida Borges, maestrina que fundou e dirigiu mais de 20 corais em São Paulo e Minas Gerais, cantou no Coral do Estado de 1983 a 1986
para dizer o mínimo. “As apresentações, que até então tinham
várias inaugurações pelo interior, de interesse do então secretário de Cultura. Minha saída e de alguns companheiros se deu durante essa luta”, conta o tenor José Palomares, que hoje integra o Coral Paulistano.
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Talvez para evidenciar que, como na vida, mesmo em momentos ruins há sempre aspectos positivos, o período em que Jonas Christensen permaneceu à frente do coro permitiu que dois jovens coralistas desempenhassem a função de regente-assistente: Abel Rocha e Alexandre Zilahi. Além de ensaiar o grupo, em determinadas peças, eles chegaram a reger partes de algumas apresentações. Também relevante, para os bolsistas, foi a oportunidade de ter aulas de percepcão musical, com o compositor Mario Ficarelli, e, especialmente, de canto gregoriano, com a inglesa Eleanor Florence Dewey, mais conhecida como Mère Marie, que chegara ao Brasil, a convite da professora Neide, para ajudar a preparar o Congresso de Música Sacra e Folclore. Reconhecida internacionalmente, Mère Marie formou e regeu o Coro Gregoriano do Coral do Estado de São Paulo. “O trabalho da Mère Marie era incrível, ela foi uma das últimas pessoas a estudar canto coral sistematicamente”, relembra Abel Rocha, que cantou no grupo gregoriano da inglesa e chegou a ser seu “assistente”, ainda que informalmente. UM DESENTENDIMENTO COM NEIDE RODRIGUES TIROU JONAS CHRISTENSEN DA DIREÇÃO DO MOVIMENTO CORAL E DA REGÊNCIA DO CORAL DO ESTADO.
Muita coisa mudara na vida
da professora Neide depois daquele famoso telefonema às três horas da manhã. De idealizadora do Movimento Coral,
ça na Secretaria de Estado da Cultura. Admirada por muitos por sua capacidade realizadora, e vista com ressalvas por outros pela personalidade forte e forma enérgica de exercer o poder, Neide, que trabalhava no quinto andar do prédio da Líbero Badaró, designou outro homem de sua confiança para comandar o Coral do Estado: Diogo Pacheco. Mas, dessa vez, a professora levou em consideração as habilidades musicais do regente. Assistente de Eleazar de Carvalho na Osesp, Diogo Pacheco era um maestro experiente e respeitado. Embora a agenda de concertos no interior tenha continuado intensa, sua entrada no Coral representou um salto de qualidade artística. Em termos de repertório, ele priorizou canções brasileiras, em grande parte eruditas, como Villa-Lobos, Camargo Guarnieri e Henrique Oswald. Como também possuía outras atividades, Diogo Pacheco convidou Vitor Gabriel para ser seu assistente. E, na prática, algum tempo
“O Coral do Estado foi importante para a minha formação, pois considero que a questão vocal e a questão coletiva são dois imperativos da prática musical, em especial para quem atua com educação musical, como é o meu caso. Também foi um momento em que estive mais diretamente no palco, depois disso, minha atuação passou a ser mais nos ‘bastidores’.” Enny Parejo, educadora musical, cantou no Coral do Estado de 1984 a 1986
ela se tornara sua principal executiva, com cargo de confian-
depois o assistente assumiu o Coral do Estado. Sob o comando de Vitor Gabriel, o Coral realizou uma série de concertos com repertório diversificado. “Fizemos o
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Choro 10 [de Villa-Lobos], com a Osesp, música colonial brasileira e primeiras audições de peças contemporâneas. A gente só não fazia MPB. Nada contra, mas tinha muita gente fazendo”, afirma Vitor, que teve o privilégio de reger, em um concerto de Natal realizado no Masp, em 1982, obras de Almeida Prado, Oswaldo Lacerda e Mario Ficarelli encomendadas pelo Coral. Mas o trabalho, como recorda Vitor Gabriel, não se resumia à parte musical: “Eu não tinha assistente, só o monitor, e sempre havia uma burocracia a resolver: alguém que não recebeu a bolsa, ver ônibus, lanche, viagem. Eu tinha muito trabalho, mas era legal. Isso sem falar nos testes. O Estado dava bolsa com dinheiro público, então tinha que ter cuidado com a seleção. Mas era uma moçada boa de trabalhar. A maioria dos coralistas já cantava em outro lugar, em outros coros. E foram para o Coral do Estado atraídos pela perspectiva de ajuda financeira da bolsa e para começar a profissionalização.” O trabalho realizado por Vitor Gabriel foi bem aceito pela maioria dos bolsistas. “Ele é excelente músico. Desenvolveu com o grupo exigentes repertórios para coral a capella”, afirma o baixo-barítono Flávio Costa, ex-cantor do Coral Paulistano, que participou do Coral do Estado de 1982 a 1985. Mas Vitor Gabriel se destacava também pela proximi-
dade com os coralistas. “Minhas experiências mais marcan-
com repertório de muito bom gosto, mesclado com sua jovialidade e coleguismo fora dos ensaios. Era comum irmos ao restaurante Piolin [na Rua Augusta] ao término dos ensaios, que aconteciam todas as terças e quintas-feiras”, afirma a contralto do Coro da Osesp Angelica Leutwiller, que cantou no Coral do Estado de 1982 a 1988. “O Vitor era um bon vivant. Ficávamos até de madrugada comendo, bebendo e falando de música”, relembra o cantor e compositor Claudio Goldman, que entrou no Coral do Estado em 1982, fator decisivo para que decidisse abandonar a faculdade de Economia, passando a cursar Música na Unesp, para incredulidade de seu pai, o futuro vicegovernador do Estado de São Paulo, Alberto Goldman. Vitor Gabriel, o bom companheiro dos coralistas e regente que comandou o “batismo de fogo” do Coral do Estado de São Paulo, permanceu à frente do grupo até o fim do governo Paulo Maluf. “Fui avisado e dispensado de maneira meio rápida, na hora de um concerto, de uma ma-
“O Coral do Estado foi muito importante na minha formação musical. Tudo o que faço hoje tem um tijolinho daquele período. Foi meu primeiro trabalho pré-profissional com música. Tive a sorte de estar no Coral na época da Martha Herr, uma musicista com formação sólida, pesquisadora. Foi muito importante ter uma cantora reconhecida regendo o coro.” João Malatian, coordenador de música do Theatro Municipal e diretor de ópera, cantou no Coral do Estado de 1985 a 1988
tes foram com o Vitor. Era um regente muito sério e rigoroso,
neira bastante deselegante para quem tinha trabalhado um ano e meio com o coro.” Era a senha para o início de (mais) um período tumultuado.
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A regente Martha Herr, no auditório Campos do Jordão, atual auditório Claudio Santoro, em 1986, no ensaio geral para “Canterbury Psalms”, de Paul Patterson, executada com a Kent County Youth Orchestra
1983
1987
POLITICAMENTE, O ANO DE 1983 PROMETIA SER INESQUECÍVEL.
Em todo o Brasil, a eleição direta para governador, realizada no ano anterior, simbolizara o início do fim da ditadura militar de 1964. Em São Paulo, a chegada de André Franco Montoro ao governo do Estado encheu o povo paulista de esperança. Homem íntegro e democrata convicto, características sublinhadas mesmo por seus adversários políticos, Montoro assumiu o poder em 15 de março com a promessa de inaugurar uma nova era. A consequência negativa mais evidente dessa “sede pelo novo” que permeava o meio político naquele momento foi que mesmo bons projetos da gestão anterior foram descontinuados, muitas vezes sem ser substituídos por projetos equivalentes e com a mesma consistência. Foi nesse contexto que, na prática, o Movimento Coral do Estado de São Paulo deixou de existir. Da noite para o dia, foram dispensados todos os envolvidos com o projeto, que, sem recursos, foi suspenso. Embora do ponto de vista político a justificativa fosse compreensível, sob o prisma artístico e pedagógico a penada que calou o ambicioso projeto de fazer o Estado cantar foi desastrosa. A formação de novos profissionais foi interrompida
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e o ensino de música não voltou a integrar o currículo das escolas públicas paulistas. Embora o Movimento Coral tenha deixado de existir, o Coral do Estado felizmente foi preservado. Mas sua filosofia de trabalho e seu projeto estético mudaram radicalmente – mais uma vez. Após a deselegante dispensa de Vitor Gabriel, a Secretaria de Estado da Cultura decidiu democratizar o próprio processo de escolha dos regentes do Coral do Estado. Em vez de apontar um regente fixo para comandar o grupo, a nova gestão da Secretaria decidiu abrir editais públicos para selecionar regentes temporários em função de suas “propostas de trabalho”. Funcionava assim: os interessados encaminhavam um projeto, com duração prevista de três meses; essas propostas de trabalho eram analisadas por uma comissão, que então determinava o(s) regente(s) que comandariam o Coral, em princípio, por um trimestre. O PRIMEIRO REGENTE A TER UM PROJETO SELECIONADO FOI MARCOS LEITE, COM O ESPETÁCULO QUE SERIA APRESENTADO COM O NOME “FORÇA ESTRANHA”.
Para desespero de alguns coralistas,
e júbilo de outros, a linha de trabalho de Marcos Leite, conhecida por “coro cênico”, era radicalmente distinta da adotada por Vitor Gabriel. Bastante conhecido no meio artístico carioca, Marcos Leite trazia na bagagem sua experiência, no Rio de
Janeiro, com o Cobra Coral, no qual cantores bem ensaiados produziam música de qualidade, com grande presença cênica.
Kerr, de quem absorveu os princípios e ampliou horizontes de experimentação artística, fundamental em qualquer linguagem artística”, afirma Flávio Costa. Mas não era só a estética que diferenciava Marcos Leite de seus pares “estritamente musicais”. Sua aparência tampouco era a de um típico regente. Claudio Goldman tem bem viva na memória a primeira vez que viu o regente: “Nunca nos esqueceremos do nosso primeiro encontro com o Marcos Leite. Ele de meias longas de crochê coloridas, um cara completamente diferente. Gastávamos metade dos ensaios com massagens, relaxamento, jogos coletivos... Era uma filosofia completamente diferente! O repertório também era bem diferente, mas eu gostava de ambos: com o Vitor Gabriel, eram peças de compositores eruditos brasileiros; com o Marcos Leite, lembro de ‘She’s Leaving Home’, dos Beatles, com arranjo genial do próprio Marcos Leite.” Em sintonia com a abertura política, muita gente “desbundou”, como se dizia na época. “Lembro do grupo se esbaldando
“O Coral do Estado formou muitas excelentes gerações de cantores. É a pura síntese da nascente história do coro profissional no Brasil. A influência do trabalho da sra. Martha Herr se reflete em meu trabalho como profissional do canto coral, como cantor e músico. Dentre os regentes de coro em geral, foi a melhor regência com que trabalhei até hoje!” Paulo Menegon, baixo do Coral Paulistano, cantou no Coral do Estado de 1985 a 1988
“Seu inspirador nessa linha de trabalho foi o maestro Samuel
na piscina do prefeito de Olímpia... E de um colega se atirando sem limites sobre os braços do grupo, nos exercícios que fazíamos nos ensaios, e, passando do ponto, deu com a cabeça na parede
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da sala!”, relata Goldman. Infelizmente a sensação de liberdade potencializada pela abertura política veio acompanhada de uma doença terrível, então desconhecida, que causaria grandes e irreparáveis baixas na comunidade artística, incluindo o Coral do Estado. “No início dos anos 1980, alguns cantores foram morrendo muito jovens, a gente não conhecia a aids ainda, que levou muita gente”, diz Vitor Gabriel. Expansivo e muito querido por grande parte dos coralistas, Marcos Leite era performático. E gostava de ousar. Certa ocasião, ele colocou os coralistas no palco, diante do público, e deu início a uma sessão de massagens e exercícios de relaxamento, lá mesmo, na frente da plateia. Resultado: quando o “show” começou, ninguém mais estava nervoso... Mas o período em que Marcos Leite esteve à frente do coro foi interessante também musicalmente. Em sua pesquisa pessoal, a proposta era utilizar o corpo como instrumento. Se não chegava a ser percussão corporal, o projeto estético de Marcos Leite tinha um ponto de partida similar. Esse lado mais experimental, aliado ao seu talento musical como pianista e, principalmente, arranjador, representou uma ruptura com o modelo de coral tradicional e certamente contribuiu para desorientar, no bom sentido, parte dos bolsistas, como lembra Flávio Costa:
todo, do relaxamento, do prazer e da interação amistosa com todos os colegas de trabalho. Além do aquecimento vocal, fazíamos exercícios baseados no Augusto Boal. Isso resultou num espetáculo belíssimo: ‘Força Estranha’. Conheci seus maravilhosos arranjos e apaixoneime por mais essa possibilidade vocal com a música popular.” Os bolsistas fizeram um movimento para que o período de permanência de Marcos Leite à frente do coro fosse estendido. E, assim, o espetáculo “Força Estranha” foi montado em diversos palcos da Capital, municípios do interior do Estado e até no Rio de Janeiro, onde a apresentação aconteceu na Universidade Santa Úrsula, possivelmente por iniciativa do próprio regente, que mantinha boas relações com a comunidade musical do Rio. TERMINADO O PROJETO DE MARCOS LEITE, A SECRETARIA ABRIU NOVO EDITAL, COM O TEMA “MEMÓRIA PAULISTA”. Dois
candidatos tiveram projetos selecionados: Daltson Takeuti e Dagoberto Feliz, que havia sido coralista do grupo, sob a regência de Vitor Gabriel. A partir do que haviam proposto originalmente, Daltson e Dagoberto fundiram seus projetos em uma única narrativa e passaram a dividir o comando do
“Foi a primeira vez que participei de um coral que podia fazer um repertório mais complexo. A Martha Herr tinha um cuidado com a questão do som e com o desenvolvimento da escuta. Ela exigia que a gente percebesse o conjunto das vozes. Isso foi muito importante para mim. Coral é uma ótima escola para músicos em geral; todos deveriam passar por isso na vida.” Andrea Kaiser, professora de canto na Escola Municipal de Música e na Escola de Arte Dramática (ECA-USP), foi soprano do Coral do Estado de 1986 a 1988
“Marcos Leite trouxe a importância de se cantar com o corpo
Coral. É Dagoberto Feliz, então com 23 anos de idade, quem recorda a gestação do projeto:
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“Como eu havia cantado no Coral do Estado anteriormente, conhecia profundamente a origem de cada coralista. Havia muita gente que não era de São Paulo, Capital, mas sim do interior do Estado. Então propunha como referência histórica o poema ‘Herança’, do modernista Raul Bopp, que fala da formação do povo brasileiro. E pedia que todos os coralistas, principalmente os do interior, trouxessem referências musicais das suas regiões. E assim faríamos um grande caleidoscópio de sonoridades interioranas. Com influências notadamente modernistas, alguns textos antropofágicos e relatos de coralistas do interior, acredito que o projeto tenha sido plenamente realizado.” Embora o projeto tivesse bom potencial, a inexperiência dos regentes contribuiu para que, musicalmente, “Memória Paulista” não obtivesse resultado expressivo. “O trabalho não desenvolveu linha própria. Foi uma espécie de extensão malograda dos ideais de Marcos Leite”, afirma Flávio Costa. Talvez em função disso, em 1984 o Coral do Estado não participou do Festival de Inverno de Campos do Jordão – fato inédito até então. E, embora tenha sentido resistência de parte do grupo de bolsistas no início do trabalho (pelo fato de ser um ex-coralista na regência), o próprio Dagoberto Feliz aponta outro aspecto da questão: “Acredito que estivéssemos na época em um momento de transição... O Coro deve se mexer ou não... O Coro deve so-
mente cantar e não se preocupar com o visual ou não... O Coro pode desafinar e mesmo assim ser considerado bom ou não... O Coro deve possuir um timbre equalizado ou timbres diversos... O Coro deve ser chamado de Coro ou de Coral... Enfim, respostas que ainda hoje estou procurando.”
CAVA UMA IDENTIDADE.
E precisava, com urgência, voltar a se
fortalecer musicalmente, pois, após a gestão de Vitor Gabriel, o entra e sai de coralistas havia sido intenso, com prejuízo para a sonoridade do grupo. Dessa vez, a receita adotada pelo governo foi ortodoxa. No segundo semestre de 1984, a Secretaria de Estado da Cultura decidiu que o grupo teria um regente fixo no comando, contratado pela Lei 500/74, por dois anos. Recémchegada dos Estados Unidos, onde concluíra seu mestrado, Martha Herr foi escolhida para o cargo. Soprano especializada em música contemporânea, sempre muito requisitada como
“O Coral do Estado contribuiu para a minha formação como músico e, desta forma, me impulsionou para a carreira profissional de hoje.” Rúben Oliveira, tenor do Coral Lírico do Theatro Municipal, cantou no Coral do Estado de 1985 a 1995
AO COMPLETAR CINCO ANOS DE VIDA, O CORAL DO ESTADO BUS-
solista, Martha tinha relativamente pouca experiência como regente. Mas foi sob seu comando que o Coral do Estado conquistou prestígio e maturidade musical – e uma sonoridade que, possivelmente, fazia do grupo o melhor coro então em atividade na cidade de São Paulo. É impossível saber se a “safra” de cantores naquela época era especialmente boa ou se foi a presença de uma cantora de
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alto nível na regência que atraiu para o Coral do Estado alguns dos melhores cantores daquela geração – provavelmente uma combinação dos dois fatores. Mas o fato é que as audições para o grupo voltaram a ser concorridas, atraindo de 400 a 500 pessoas a cada temporada. Nem todos os candidatos eram exatamente bem preparados, como lembra a própria Martha Herr: “Uma vez um cara chegou com o violão, tocou um acorde, e um colega de banca disse: ‘Nós temos tempo, você pode afinar seu violão’. Daí ele tocou e disse: ‘Está afinado, professor’. E democraticamente ouvimos ele cantar. Como ouvíamos muita gente, podíamos escolher com bastante critério, pelo menos para tentar pegar as pessoas que tinham um pouquinho de leitura. Mas era um grupo heterogêneo: tinha gente que estava estudando música e outros que não sabiam quase nada.” Martha Herr estreou à frente do coro no dia 8 de dezembro de 1984. Em 12 dias, regeu sete apresentações natalinas, na Capital (em locais como Sesc Pompeia, Igreja Santa Cecília e Igreja Coração de Maria) e no interior. O repertório incluía “Glória”, de Antonio Vivaldi, e sete canções, como “Rondó para o Menino Jesus”, de Almeida Prado, e “Natal, Deus Conosco”, de Osvaldo Lacerda. Os ensaios para esse primeiro concerto tiveram uma presença mais que especial: o pequeno Daniel, filho de Martha, que nascera em julho. “Eles diziam
que ele já havia nascido regendo”, relembra Martha.
COU ÉPOCA, CHAMADO “COM CERTO ECO LÓGICO”.
A ideia de
evocar um tema que ainda não estava na ordem do dia partiu da regente. “Por ser didático e formativo, achei que valia a pena trabalhar o lado ecológico”, afirma Martha Herr, que, ao montar o programa, convidou os coralistas que também compunham e faziam arranjos a submeter peças para sua avaliação. Dois deles entraram no programa, ao lado de, entre outros, Maurice Ravel (“Trois Beaux Oiseaux du Paradis”), Paul Hindemith (“En Hiver” e “Printemps”) e Heitor Villa-Lobos (“O Iurupari e o Caçador”). A soprano Candida Borges teve uma composição (“Tecer a manhã”) e dois arranjos selecionados; já o então baixo Claudio Goldman (que mais tarde se “descobriria” como tenor) contribuiu com “Criação”, uma partitura gráfica bem contemporânea. “Com Certo Eco Lógico” foi apresentado diversas vezes, inclusive no Festival Nacional de Corais de Petrópolis (RJ), no dia 3 de agosto. O espetáculo teve como solistas a soprano Ézer Bevilaqua, a contralto Heloísa Junqueira (atualmente
“Muitos bolsistas que atuaram no Coral do Estado na minha época tornaram-se profissionais da música. Acredito que o Coral teve um papel fundamental na formação dessas pessoas. Uma das maiores contribuições do maestro Ferraz foi proporcionar ao coro uma visão do trabalho artístico como algo extremamente minucioso, exigindo um aperfeiçoamento constante a fim de alcançar a ‘construção’ musical pretendida.” Horácio Gouveia, pianista, foi correpetidor do Coral do Estado de 1997 a 2004
EM 1985, O CORAL DO ESTADO CRIOU UM ESPETÁCULO QUE MAR-
no Coral Lírico), o baixo Paulo Menegon (Coral Paulistano) e o tenor João Malatian (coordenador de música do Theatro Municipal e diretor de ópera).
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O repertório apresentado no ano seguinte talvez tenha sido o que mais exigiu dos bolsistas, nesses 30 anos. Foram duas complexas peças do século 20, com orquestra – “Sinfonia dos Salmos”, de Igor Stravinsky, e “Canterbury Psalms”, do compositor contemporâneo britânico Paul Patterson, ambas executadas no XVII Festival de Inverno de Campos do Jordão – e o interessantíssimo “Poli-Coral”, programa de músicas policorais a capella que foi apresentado em diversas igrejas. Martha Herr explica o programa: “A maioria das peças eram para dois coros; os solistas em cada peça eram diferentes; havia peças com eco, antífona gregoriana, uma peça de Charles Yves com mulheres em um tom e homens em outro, e o dificílimo ‘Lux Aeterna’, de Ligeti, com 12 corais. No início eles odiavam. No fim, todo mundo dizia: ‘e aí, quando vamos fazer o Ligeti?’” “Canterbury Psalms” foi apresentada com o coro e a orquestra jovens de Kent County, da Inglaterra, na noite de 26 de julho de 1986. Para o baixo Paulo Menegon, atualmente no Coral Paulistano, foi um momento mágico. O que a maior parte da plateia presente no auditório que hoje se chama Claudio Santoro nunca soube é que, por pouco, o concerto não atrasou. Martha Herr diverte-se com a lembrança: “Estávamos no ônibus, a caminho do concerto, quando fomos parados numa barreira policial, a 1,5 km do auditório. O sargento
disse ao motorista: ‘Vocês não podem subir porque tem um concerto
fará a apresentação’. Estávamos com a ficha da Secretaria no ônibus, mas o policial não se convenceu: ‘Lamento, mas vocês terão que andar até lá’. Fazia muito frio, tipo dois graus, e caía uma garoa fina. Daí eu tive uma ideia. Chamei a [pianista] Marizilda Hein, pedi para ela traduzir tudo o que eu falasse e disse para o motorista: ‘Você nunca me ouviu falando português’. Daí descemos, eu de salto alto, berrando, em inglês: ‘Eu sou a regente do coro, vim da Inglaterra preparar esse coro maravilhoso’, e a Marizilda sempre traduzindo. Mesmo as perguntas do policial, em português, eu só respondia depois da tradução dela. Não havia celular naquela época. Então o jeito foi esperar um pouco. Finalmente nós subimos, com escolta policial. Na porta do auditório, o sargento chamou um tenente, dizendo: ‘Ela não fala português’. O tenente veio me pedir desculpas. Daí eu olhei bem na cara dele e disse, em português: ‘Sem problema nenhum, muito obrigado’. Entrei no auditório e fizemos o concerto.” O DESTAQUE DA PROGRAMAÇÃO DE 1987 FOI UMA VERSÃO REDUZIDA DA CANTATA “CARMINA BURANA”, DE CARL ORFF, PARA DOIS PIANOS E GRUPO DE PERCUSSÃO. A peça, executada com o
“Trabalhei com José Ferraz de Toledo em 1997, período no qual desenvolvi minha percepção musical e solfejo com o maestro, sempre durante os ensaios, que eram muito didáticos. Em 2005, com Nibaldo Araneda e Naomi Munakata, meus estudos de canto já visavam de um modo mais profundo a minha profissionalização, direcionada para a música de câmara.” Israel Mascarenhas, tenor do Coro da Osesp, cantou no Coral do Estado em 1997 e em 2005
lá hoje à noite’. E o motorista: ‘Sim, eu sei, nós somos o coro que
Grupo de Percussão do Instituto de Artes do Planalto (PIAP), regido por John Boudler, à época casado com Martha Herr, foi apresentada diversas vezes, em palcos importantes como o
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Teatro Cultura Artística. No dia 2 de julho, o Coral do Estado executou “Carmina Burana” no Teatro Guaíra, em Curitiba, capital paranaense, talvez sua única apresentação no sul do país em 30 anos de história. Quando o concerto terminou, Martha Herr, que atuou também como solista, foi procurada por um senhor alemão que acabara de abrir, em Curitiba, uma representação da editora Schott, responsável pela publicação da partitura: “A senhora sabe que eu deveria processar o Coral do Estado e o Grupo de Percussão da Unesp? Está todo mundo usando xerox. De partitura original só tem a sua e a do regente do grupo de percussão. As demais pessoas estão com xerox. Eu deveria fazer isso, mas não vou. Sabe por quê? Porque nunca vi essa peça ser executada com tanta energia. Foi maravilhoso. Por isso eu não vou processar vocês.” Seis meses mais tarde, em 19 de dezembro de 1987, Martha Herr faria seu último concerto à frente do Coral do Estado, com a apresentação da “Missa em Dó Maior”, de Beethoven. Embora a peça não fosse especialmente desafiadora, o concerto foi marcante para seus oito solistas, todos bolsistas, que pouco tempo depois seguiriam carreira na cena lírica. Cinco deles hoje integram o Coral Lírico: as sopranos Berenice Barreira e Magali Lettieri, as contraltos Magda Painno e Heloísa Junqueira, e o baixo Carlos Eduardo Bastos; o baixo Paulo Menegon faz parte do Coral Paulistano; já o tenor Gual-
dedica a outros projetos musicais, enquanto o também tenor Eduardo Bochicchio é professor de canto na Itália. “Saí por razões de família. Tinha acabado de me tornar professora em tempo integral da Unesp, e o Coral exigia muita dedicação”, afirma Martha. A regente, que antes de assumir o Coral do Estado era vista “apenas” como cantora, acabou por formar uma geração de profissionais que viriam a se destacar no meio musical, não apenas como cantores, mas também como instrumentistas e professores. Ao refletir sobre a experiência, Martha Herr não esconde seu entusiasmo: “Eu já tinha regido coros antes, nos EUA; fiz disciplinas de regência na faculdade, onde comecei a cursar educação musical, e não canto... Foi um desafio reger o Coral do Estado, mas muito gostoso... Ao contrário do que acontece nos EUA, aqui no Brasil não é comum o regente ser formado em canto, mas em regência... Musicalmente o trabalho com o Coral foi muito interessante. Era um grupo bom, com muito potencial... Outro dia me perguntaram o que eu gostaria de fazer quando eu me aposentar, quando não puder mais atuar como solista. E eu falei que seria interessante voltar a reger um coro bom, estar en-
“O Coral do Estado me possibilitou o conhecimento de grandes obras corais e acesso a produções operísticas, além do contato com grandes cantores e outros profissionais. Não sou o melhor exemplo de cantora, mas o Coral também contribuiu muito para a minha formação vocal. Canto desde pequena, mas sem dúvida o Coral do Estado foi a minha grande escola, o espaço que permitiu explorar cuidadosamente meus limites.” Gesiquelle Novaes, que participa ocasionalmente do Coral Vozes de São Paulo, cantou no Coral do Estado de 1999 a 2003
tieri Beloni foi do Coral Paulistano de 1992 a 2002 e hoje se
volvida com isso, fazendo música interessante. Mas vamos ver. Quem sabe o que vai acontecer?”
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José Ferraz de Toledo à frente do Coral do Estado, em apresentação no início dos anos 2000
1988
2004
EM JANEIRO DE 1988, JOSÉ FERRAZ DE TOLEDO VOLTOU DA ALEMANHA PARA ASSUMIR A REGÊNCIA DO CORAL DO ESTADO.
Indicado por Martha Herr para substituí-la no comando do grupo, Ferraz havia se preparado quatro anos para isso. Durante sua permanência na Escola Superior de Música de Colônia, com bolsa de estudos oferecida pelo governo alemão – para a qual concorreu submetendo duas cartas de recomendação, uma de Roberto Schnorrenberg e outra de Jamil Maluf (que depois seria seu padrinho de casamento) – Ferraz se especializou em regência coral, com Johannes Homberg. E aproveitou todas as oportunidades que teve para assistir a milhares de concertos, o que apenas reforçou sua convicção de que música é para ser apreciada ao vivo. “De certa forma, o disco matou a música”, filosofa José Ferraz de Toledo, para quem a música, para existir em sua plenitude, depende do tripé obra-intérprete-ouvinte.
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Fiel à sua convicção sobre o trabalho musical, de 1988 a 1993 e de 1996 a 2004, períodos em que ficou à frente do Coral do Estado, José Ferraz de Toledo fez muita música ao vivo – provavelmente entre 600 e 800 apresentações, a maioria delas no interior. “O Estado nos mantinha. Não fazia sentido negar convites. Trabalho é trabalho, não interessa onde ou o quê, desde que existam condições plausíveis para que a música aconteça”, afirma Ferraz. Olhando para trás, com a vantagem da perspectiva histórica, realizar tantos concertos foi, a um só tempo, seu maior mérito e seu calcanhar de aquiles. O ponto positivo foi oferecer valiosa experiência prática aos bolsistas e, ao mesmo tempo, difundir a música coral, sobretudo no interior do Estado, contribuindo para a formação de plateias. O lado negativo foi que, aos poucos, o acúmulo de concertos terminou por desvirtuar a concepção original de coro-escola – afinal, com tantos concertos, faltava tempo até para ensaiar. Logo que assumiu o grupo, em 1988, Ferraz deu continuidade ao projeto desenvolvido por Martha Herr. Aos poucos, porém, ele foi imprimindo sua marca pessoal. Apesar das enormes dificuldades que enfrentou no primeiro ano de trabalho – como a saída de numerosos coralistas para os grupos profissionais do Theatro Municipal e a insana hiperinflação que, em 1988, atingiu inimagináveis 1.037,56%, comprometendo o po-
res para o grupo. E começou a desenvolver um repertório que mesclava peças de fôlego, com destaque para obras de Bach, Bruckner e Brahms (seu compositor predileto), e programas de maior apelo popular, com forte presença de compositores brasileiros, apresentados sobretudo no interior do Estado. Em 1989, com a criação da Universidade Livre de Música (ULM), o Coral do Estado passou a integrar seus grupos de bolsistas e a ensaiar na sede da instituição, na Rua Três Rios, no bairro do Bom Retiro. A boa nova, para os bolsistas, é que eles passariam a ter aulas com os professores da ULM. Mas no início as coisas não foram exatamente simples, como lembra Mirtes Teresinha de Figueiredo, diretora administrativa do Coral do Estado de 1984 a 2006: “As aulas eram obrigatórias. Passou no Coro, era admitido para as aulas. Foi muito bom para os cantores ter aula de técnica vocal, com os professores, sem precisar passar pelo teste da ULM, que era uma loucura… Eu participei do começo da ULM e a gente não tinha absolutamente nada. A gente saiu da Líbero [Badaró] e foi para o Bom Retiro para ficar três meses e ficou 20 anos… No começo nós não tínhamos telefone, não tinha máquina de escre-
“Os ensaios do maestro José Ferraz de Toledo sempre foram bastante didáticos, era uma característica dele, que não abria mão disso. Quando entrei no Coral, eu tinha um ano e meio de canto e não sabia ler uma nota sequer. Então o Ferraz me deu essa oportunidade, além de outras, como solar à frente de orquestras importantes em teatros e casas de concerto conceituadas em São Paulo. Eu devo muito de minha carreira a ele.” Flavia Souza, soprano do Coro da Osesp, cantou no Coral do Estado de 1999 a 2004
der de compra das bolsas – Ferraz conseguiu atrair bons canto-
ver. Muitas vezes eu ia para casa telefonar...” Como os recursos financeiros eram limitados, o próprio
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regente fazia questão de economizar o máximo que podia. Sua dedicação ao trabalho era impressionante, no limite do razoável. As atividades extramusicais consumiam muito tempo, como relembra José Ferraz de Toledo: “Eu refazia partituras à noite, em casa, para reduzir o número de páginas de uma peça e, assim, diminuir a quantidade necessária de xerox... Passava na [papelaria] Kalunga e carregava os pacotes de folha sulfite até a ULM. E encostava a barriga na máquina de xerox para fazer as cópias... Eu mesmo fazia os programas dos concertos, escrevia e diagramava os textos. O formato era o de uma folha sulfite dobrada para sair mais barato. Fiz uma capa com uma ilustração bonita [reproduzida na capa deste livro] e colocava os programas dentro... Eu trabalhava como um burro de carga... 16, 18 horas por dia... Eu vivia em função do Coral do Estado.” EM 1994, A DEDICAÇÃO DE FERRAZ FOI RECOMPENSADA.
Quan-
do Aylton Escobar, então diretor da ULM, decidiu criar um coro estadual, em nível profissional, convidou José Ferraz de Toledo para ser o regente do grupo. Naquele momento, com a criação do Coral Sinfônico do Estado (que, em 2000, passaria a se chamar Coro da Osesp), inexplicavelmente o Coral do Estado de São Paulo foi descontinuado – felizmente, o silêncio forçado duraria apenas dois anos. “Fui contra a extinção de um coro para a criação do outro. Não fazia sentido criar um coro pro-
fissional e acabar com o coro pré-profissional que formaria cantores para o coro profissional”, diz Ferraz, que, naquele momento, passou a se dedicar ao nascente Coro Sinfônico.
vados para a primeira turma do Coro Sinfônico, que contava com 80 vagas, sendo 78 cantores e dois pianistas. Após anos de “vacas magras”, o coro profissional despontava, na teoria, como uma oportunidade incrível para Ferraz desenvolver seu projeto artístico com melhores condições de trabalho. Na prática, não foi o que aconteceu. Em meados de 1995, os cantores do Coro Sifônico insatisfeitos com o trabalho desenvolvido por Ferraz, mobilizaram-se pela troca de regente. “O Ferraz é um intelectual da música, um gênio, uma enciclopédia ambulante. Mas não é um cara prático, que faz o ensaio render. Ele era capaz de analisar uma página [de partitura] por horas, com enorme riqueza de detalhes, mas acho que não tinha ritmo de ensaio para preparar as peças com a necessária rapidez. Isso gerou insatisfação nos coralistas”, recorda Nibaldo Araneda, então baixo do Coral Sinfônico, que hoje é regente-assis-
“A contribuição do Coral do Estado foi essencial para meu crescimento e desempenho profissional. Aprendi muito e ainda tenho muito a aprender. Aprendi a esperar sempre a minha vez e, quando ela chega, aproveito da melhor forma possível, dando o meu melhor e levando a boa música aos ouvintes.” Moisés Téssalo, baixo do Coro da Osesp, cantou no Coral do Estado de 2001 a 2004
Alguns poucos bolsistas do Coral do Estado foram apro-
tente do Coral Jovem do Estado e cantor do Coro da Osesp. DISPENSADO DO CORO PROFISSIONAL, FERRAZ PASSOU A EXERCER OUTRAS ATIVIDADES NA ULM. E começou a se mobi-
lizar para que o Coral do Estado retomasse suas atividades,
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o que acabou ocorrendo no início de 1996. “Tive que recomeçar do zero e procurei evitar alguns dos vícios antigos”, afirma José Ferraz de Toledo. Se por um lado sua missão foi facilitada pelo aumento do valor da bolsa – a remuneração dos coralistas sempre foi um fator importante para atrair e reter talentos, como em qualquer outra atividade –, a própria existência do Coral Sinfônico tornou mais complexa a tarefa de selecionar bons cantores para o grupo que Ferraz gostava de chamar de “pré-profissional”. Afinal, alguns talentos que, no passado, teriam procurado o Coral do Estado, naturalmente começaram a tentar a sorte no coro profissional. No “segundo tempo” de sua gestão artística do Coral do Estado, José Ferraz de Toledo optou por desenvolver um repertório robusto, similar ao que realizava quando assumiu o comando do grupo – peças que, em tese, agora poderiam ser executadas com maior competência pelo coro estadual profissional, o que causou certa estranheza no meio musical. Alheio aos críticos, Ferraz intensificou a agenda de concertos, passando a se apresentar em todo tipo de evento, na Capital ou no interior – quando o programa era mais ameno e incluía, invariavelmente, o hino da cidade. “Eu fazia questão, como retribuição para a cidade que nos convidava, de abrir o programa cantando o hino da cidade, o hino do mu-
nicípio. Quase ninguém sabia, na plateia, que a cidade tinha um hino. Era uma forma de educar o público. Era como dizer,
fazia questão de colocar o nome de todos os cantores do Coral nos programas. Em 2004, o Coral do Estado deve ter realizado mais de 50 apresentações. “A gente tinha o privilégio de não ter que correr atrás de datas, locais. Éramos muito requisitados. Às vezes tínhamos que recusar convites. Não porque não interessasse, mas porque não cabia na agenda mesmo”, relembra Ferraz, que sempre se viu, com o Coral do Estado, como um prestador de serviços. “Nós levávamos a música às pessoas, éramos intermediários entre o compositor, que na maioria das vezes já estava morto, e o público, o ouvinte. Essa era nossa missão como prestadores de serviço.” No final de 2004, uma nova diretoria assumiu a ULM. E decidiu resgatar o caráter pedagógico do Coral do Estado. José Ferraz de Toledo só foi avisado no dia 27 de janeiro de 2005, quando se tornou o segundo regente do grupo a ser dispensado de maneira rápida e deselegante. Ironicamente, dois dias
“Participar do Coral do Estado foi de extrema importância para a minha carreira profissional. Aperfeiçoei meu solfejo; aprendi repertórios variados; participei de encontros corais, eventos em outras cidades, festivais de corais; fiz meus primeiros solos. Foi a melhor escola (prática) que já tive.” Erick Eduardo, baixo do Coro da Osesp, cantou no Coral do Estado de 2001 a 2007
‘valorize o que é de vocês’”, afirma José Ferraz de Toledo, que
antes Ferraz havia comandado um belíssimo concerto, em homenagem aos 451 anos da cidade de São Paulo, naquele que se tornara o melhor e mais festejado palco dedicado à música erudita na cidade: a Sala São Paulo.
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Nibaldo Araneda e Naomi Munakata, em ensaio do Coral Jovem do Estado, em outubro de 2009
2005
2009
EM 2005, NAOMI MUNAKATA FOI CONVIDADA PARA SER COORDENADORA DO CORAL DO ESTADO. Sua condição para aceitar o
convite – feito por Clodoaldo Medina, então diretor da ULM, e Aída Machado, sua coordenadora pedagógica – foi ter carta branca da direção da ULM para (re)transformar o grupo em coro didático. E, assim, o Coral passou a ser vinculado à coordenadoria pedagógica. Ao assumir a função de diretora artística e coodenadora do Coral, Naomi determinou que o grupo de bolsistas não teria agenda de coro profissional e limitou seus concertos a
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20 por ano. A ideia é que se tornasse uma espécie de curso profissionalizante de coral, com o objetivo de preparar cantores para os coros profissionais. “O Coral do Estado precisava ter um objetivo mais definido”, resume Naomi Munakata, que já havia criado uma “escola de canto” como coordenadora dos Coros Infantil e Juvenil da Osesp – Naomi é, além de regentetitular dos Coros Adultos da Osesp, regente do Coro Juvenil. O Coral do Estado configurava-se, então, como uma etapa intermediária entre o Coro Juvenil e a profissionalização. Ainda se recuperando de uma cirurgia na coluna, que a deixara cerca de um mês e meio sem trabalhar, no segundo semestre de 2004, Naomi convidou Nibaldo Araneda, cantor do Coro da Osesp e seu substituto eventual no grupo profissional, para ser regente-assistente do Coral Jovem do Estado. E desde então eles vêm desenvolvendo um trabalho pedagógico consistente, que já apresenta bons resultados. “Em cinco anos, 14 jovens se tornaram profissionais, sendo contratados pelo Coro da Osesp ou pelo Coral Paulistano”, afirma Nibaldo Araneda. Em 2009, a Santa Marcelina Cultura assumiu a gestão da Tom Jobim – Escola de Música do Estado de São Paulo (Emesp), à qual o Coral Jovem está vinculado. Hoje, ele oferece 48 vagas, para jovens de 18 a 35 anos e promove testes
anuais logo após o Carnaval. Uma vez aprovados, os cantores
máximo, três anos seguidos. Se forem aprovados “com ressalvas”, o que indica que precisam melhorar a leitura ou a técnica vocal, eles fazem o reteste no meio do ano, quando eventuais vagas abertas por desistências também podem ser preenchidas. Os ensaios acontecem três vezes por semana, das 19 às 22 horas, em uma sala com tratamento acústico na sede da Emesp, no bairro da Luz. O repertório, que tem objetivos didáticos, é definido em função da configuração vocal do coro. “O repertório depende do grupo”, afirma Naomi. Isso significa que as peças são escolhidas de acordo com as possibilidades musicais do conjunto de vozes. Essa decisão é muito importante, na visão de Nibaldo Araneda: “Deve-se escolher o repertório em função do que o grupo oferece e pode fazer bem. Se uma peça soa bem, motiva os coralistas. Se não soa bem, frustra. E nós precisamos nos preocupar em atrair os cantores. São três ensaios por semana, nove horas no total, uma carga horária razoável, uma bolsa que não é grande coisa [415 reais em novembro de 2009]; além disso, São Paulo é uma cidade complicada, a pessoa gasta no mínimo uma hora para che-
“O Ferraz contribuiu muito para o crescimento do coro; ele é muito disciplinado e enérgico. Como lidava com músicos estudantes foi muito bom ter essas características, porque nos forçava a estudar mais e a melhorar não só no canto, mas em todos os aspectos da música. O regente fazia todos os cantores lerem todas as vozes das músicas para treinar solfejo. O Coral foi um verdadeiro coro-escola para mim.” Solange Ferreira, soprano do Coro da Osesp, cantou no Coral do Estado de 2002 a 2005
tornam-se bolsistas e podem permanecer no grupo por, no
gar ao ensaio. Com o nível que os cantores têm, basta fazer quatro casamentos, o que não é difícil, para ganhar o mesmo dinheiro.
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Então a gente precisa vender o peixe bem, eles precisam sentir que estão desenvolvendo um trabalho satisfatório... Acho que a gente acertou a mão. As pessoas começam a reconhecer o Coral do Estado como algo que funciona... Mas eu tento visualizar no que podemos melhorar, sempre. Não se pode perder de novo o Coral do Estado.” SE DEPENDER DO QUE PENSAM SOBRE O TRABALHO OS ATUAIS BOLSISTAS, NÃO HÁ RISCO DO GRUPO PERDER SUA VOCAÇÃO DE CORO-ESCOLA.
Josy Santos, contralto “O bacana do coro é que quando você estuda sozinho, você acaba seguindo uma linha de raciocínio que em grupo às vezes não funciona. Então, você tem que timbrar as vozes... Aqui no coro a gente vai estudando a leitura, aprofundando a interpretação das músicas e conhecendo o novo repertório. E vai aprendendo a cantar em conjunto, não só melodicamente; a gente aprende a estudar harmonicamente... Isso agiliza nosso estudo, e a gente acaba se desenvolvendo um pouco mais, com outra linha de raciocínio.” Alberto Nery, tenor “A exigência de desenvolvimento da musicalidade, da técnica e da leitura musical, que são poucos cantores que têm vontade de estudar, aqui isso nos é cobrado todos os dias: a lermos, a sermos profissionais, embora sejamos ainda estudantes – mas
a exigência é sermos profissionais... Nós somos exigidos, como se já estivéssemos em um coro profissional, com relação a com-
aprende a ser um grupo, a desenvolver música em grupo e a nos desenvolver individualmente.” André Aguiar Angenendt, baixo “Eu sou formado em violino e cantava no coral da faculdade. Quando entrei no Coral Jovem veio aquele choque: ‘Nossa! Isso é afinação! Isso é música!’ Me apaixonei pelo canto e agora vou seguir a carreira de cantor.” Douglas Lima, tenor “Quando entramos no Coral, é comum termos como bagagem nossas aulas de canto que trabalham com uma formação de ópera, de grandes vozes, de ser solista... e aqui nós temos que aprender a trabalhar com um refinamento muito grande e que normalmente não estamos acostumados a fazer... Na proposta do coral existe um respeito muito grande pela nossa voz...” Simone Pessoa, soprano “Nós precisamos de dois chipezinhos na cabeça. Um é o do ‘sou um solista’ e outro é ‘sou coralista’. São coisas completamente di-
“Eu sempre participei de coral, desde criança. Aos 18 anos já não podia participar de coro infantil, então, fiz a prova para o Coral do Estado. Lá pude continuar a carreira como coralista, que até hoje exerço, e conhecer muitas pessoas do meio musical. E, aos poucos, comecei a fazer contato com o meio profissional. Foi uma verdadeira escola.” Tábita Iwamoto, soprano do Coro da Osesp, cantou no Coral do Estado de 2004 a 2006
prometimento, horário, a desenvolvimento, afinação... A gente
ferentes, que aprendemos a conciliar no trabalho do Coral Jovem.” Vânia Cristina Nascimento, soprano “Eu canto no Coral Sinfônico de São José dos Campos e entrei
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no Coral Jovem do Estado não pelo dinheiro, porque gasto tudo nas viagens entre as cidades, mas pela experiência de estudo.” Rodrigo Theodoro, baixo “É realmente uma escola conseguir equilibrar sua voz, o timbre, o volume com as outras pessoas, ouvir o coro e se ouvir, aplicar toda a técnica que você estudou com o seu professor e vir aqui fazer música. Eu tenho pretensão de ser solista e gostei da história de cantar com gente que faz música de verdade.” Carlos Alberto da Silva Júnior, barítono “Para os jovens instrumentistas que estão se formando existem diversos corpos para o ingresso, mas no âmbito do canto, com qualidade e refinamento, só existe o Coral Jovem.” UM ASPECTO OBSERVADO PELOS BOLSISTAS É O RECONHECIMENTO DO TRABALHO.
Eles relatam que, quando dizem
que cantam no Coral Jovem do Estado, normalmente o interlocutor se impressiona, pois sabe que há bastante critério para entrar no grupo. Afinal, para fazer parte do Coral, não basta ter uma linda voz: como nos coros profissionais, exige-se solfejo e leitura à primeira vista. Em outubro de 2009, os bolsistas do Coral Jovem do Estado apresentaram a ópera “Le Domino Noir”, de Daniel Auber, no Teatro São Pedro, ao lado da Orquestra Jovem do Estado, sob regência do maestro João Maurício Galindo, e ouviram elogios de co-
ralistas dos três coros profissionais da cidade. “Comentaram
ver como seus sucessores...” É como resume o pianista Fernando Tomimura, testemunha privilegiada do trabalho do grupo, onde é correpetidor (mesma função exercida também junto ao Coro da Osesp): “Eu acho incrível o empenho desse grupo jovem, que nos concertos é muito surpreendente, a sonoridade que se conseguiu, a coesão de timbres, o cuidado com a dicção e com o estilo... Acho que o grupo está a um passo da profissionalização e esse é o nosso objetivo.” O SONHO DE NAOMI É FAZER SÃO PAULO VOLTAR A CANTAR. Sua
receita para isso não é muito diferente da preconizada pelo Movimento Coral do Estado de São Paulo, 30 anos atrás: formar regentes que funcionem como agentes multiplicadores. “Daqui a dez anos eu não quero estar mais ‘abanando a mão’, regendo; quero estar coordenando, mas trabalhando com gente em que eu confio”, diz Naomi, que tem intenção de, já a partir de 2010, abrir classes de regência no Coral Jovem do Estado de São Paulo. “Quero formar assistentes que possam se aperfeiçoar trabalhando com um material vocal de boa qualidade, que hoje o Coral Jovem oferece.”
“Hoje sou, além de coralista profissional, regente coral. Meu sonho é ver o Coral Jovem contribuindo não só para a formação de novos coralistas, mas também de novos regentes. Acho que, com a carência de bons coros e boas orquestras para se reger, ele poderia contribuir, e muito, para a formação de bons regentes corais. Eu adoraria reger o Coral Jovem do Estado.” Heloísa Junqueira, mezzo-soprano do Coral Lírico, cantou no Coral do Estado em 1981 e de 1983 a 1988
que estávamos bem encaminhados e como era interessante nos
Será o suficiente para fazer São Paulo voltar a cantar? Provavelmente não. Mas, pensando bem, talvez seja melhor responder a essa pergunta dentro de 30 anos.
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Ensaio do Coral Jovem do Estado, em outubro de 2009
CORAL JOVEM DO ESTADO
OUTRAS VOZES
NAOMI MUNAKATA Regente Titular
Pessoas que foram entrevistadas no processo de elaboração deste livro:
NIBALDO ARANEDA Regente Assistente FERNANDO TOMIMURA Piano SOPRANOS Amanda Lima Camila Bruder Carina Assencio Carla Campinas Cristiana Pacheco Daniela Guimarães Juliana Melleiro Rheinboldt Miriam Fernanda Siebra Bochio Nalini Menezes Gomes Raquel Gillio Nogueira Simone Pessoa Vanessa Teixeira Vânia Cristina Nascimento CONTRALTOS Andressa Thieme Braga Cristiane Lima Quadros Josy Santos Ligia Monteiro Marcela Corano Priscila Olegário Verônica Oliveira Vivian Delfini TENORES Alberto Nery Alex Dantas Douglas Lima Fabio Rogério C. da Silva Murilo Sousa Renato Ohira Rodrigo Morales BAIXOS/BARÍTONOS André Aguiar Angenendt Carlos Alberto da Silva Junior Clauxs Nelmom Henrique Osvaldo Hernán Rodrigo Theodoro
REGENTES Dagoberto Feliz (1984) José Ferraz de Toledo (1988-2004) Martha Herr (1984-1987) Naomi Munakata (2005-2009) Nibaldo Araneda (2005-2009) Oswaldo Sperandio (1980) Vitor Gabriel (1981-1982) PIANISTAS Fernando Tomimua (2005-2009) Horácio Gouveia (1997-2004) PROFISSIONAIS ADMINISTRATIVOS Mirtes Teresinha de Figueiredo (1984-2006) Neide Rodrigues Gomes (Movimento Coral, 1979-1982) Lamartine Villela Figueiredo Júnior(1998-2009) CANTORES Abel Rocha (primeira turma, 1979) Alexandre Zilahi (primeira turma, 1979) Anderson Souza (1999-2005) Angela Volcov (primeira turma, 1979) Angelica Leutwiller (1982-1988) Claudio Goldman (1982-1984) Dagoberto Feliz (1982-1983) Eduardo Guimarães Álvares (primeira turma, 1979) Enny Parejo (1984-1986) Erick Eduardo (2001-2007) Flavia Souza (1999-2004) Flávio Costa (1982-1985) Gesiquelle Novaes (1999-2003) Heloísa Junqueira (1981 e 1983-1988) Israel Mascarenhas (1997 e 2005) João Malatian (1985-1988) José Palomares (primeira turma, 1979) Maria Cândida Borges (1983- 1986) Mina Kato (1980-1986) Moisés Téssalo (2001- 2004) Oswaldo Sperandio (primeira turma, 1979) Paulo Menegon (1985-1988) Rita Marques (primeira turma, 1979) Rúben Oliveira (1985-1994) Solange Ferreira (2002- 2005) Tábita Iwamoto (2004-2006) Vânia Bastos (primeira turma, 1979)
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ÍNDICE ONOMÁSTICO Abel Rocha 17, 21, 29, 43, 44 Aída Machado 77 Alba Stella Zilahi 16 Alberto Goldman 47 Alberto Nery 80 Alexandre Zilahi 17, 31, 34, 40, 44 Almeida Prado 12, 46, 58 Álvaro Zarzur Derani 17 Ana Lúcia Pereira 17 Andrea Kaiser 55 André Aguiar Angenendt 81 André Franco Montoro 51 Angela Volcov 17, 25, 30, 32, 36 Angelica Leutwiller 37, 47 Anita Deixler 17, 37 Antonio Cauzzo Neto 17 Antonio Lotti 29 Antonio Vivaldi 58 Arlindo Teixeira 38 Augusto Boal 55 Aylton Escobar 21, 70 Bach 30, 69 Baden Powell 38 Barros Garbogini 12 Beethoven 12, 62 Benito Juarez 12 Berenice Barreira 62 Brahms 69 Bruckner 38, 69 Bruno Wysuj 26, 27, 28, 29, 30, 31, 32, 33, 34, 35 Caio Ferraz 38 Caio Galarsa 17 Camargo Guarnieri 45 Candida Borges 59 Carl Orff 61 Carlos Alberto da Silva Júnior 82 Carlos Eduardo Bastos 62 Cauby Peixoto 19 Celso Antunes 29, 30 Charles Yves 60 Christina Montenegro 17 Claudio Goldman 39, 47, 53, 54, 59 Clodoaldo Medina 77 Cunha Bueno 22, 23, 27, 34, 37, 43 Dagoberto Feliz 55, 56 Daltson Takeuti 55 Damiano Cozzella 39 Daniel Auber 82 Demétrio Cunha da Silva 16 Diogo Pacheco 13, 23, 45 Douglas Lima 81 Edson Nogueira Biller 16 Eduardo Bochicchio 63 Eduardo Guimarães Álvares 29, 30 Eleanor Florence Dewey (Mère Marie) 44 Eleazar de Carvalho 21, 26, 33, 34, 39, 45 Elvis Presley 20 Enny Parejo 45 Erick Eduardo 73 Erzsébet Keresztes 16 Ézer Bevilaqua 59
Fábio Mechetti 34 Fernando Tomimura 83 Flavia Souza 69 Flávio Costa 41, 46, 53, 54, 56 Gaetanno Sabellico 16 Geraldo Bovolon 17 Gesiquelle Novaes 63 Getúlio Vargas 23 Gian Carlo Menotti 31 Gualtieri Beloni 62 Guida Borghoff 32, 42 Gustav Mahler 39 György Ligeti 60 Heloísa Araújo Duarte 17 Heloísa Junqueira 30, 59, 62, 83 Henrique Gregori 12 Henrique Oswald 45 Henry Purcell 37 Horácio Gouveia 59 Igor Stravinsky 60 Israel Mascarenhas 61 Jacob dos Santos 17 Jamil Maluf 67 João Carlos Martins 13, 22, 23 João Lisanti Neto 16 João Malatian 47, 59 João Maurício Galindo 82 Johannes Homberg 67 John Boudler 61 John Cage 29, 30 John Luciano Neschling 27, 38 Jonas Christensen 11, 12, 13, 23, 24, 25, 40, 42, 43, 44 José Ferraz de Toledo 09, 26, 59, 61, 64, 67, 68, 69, 70, 71, 72, 73, 79 José Luiz Paes Nunes 12 José Marson 38 José Palomares 35, 37, 43 José Viegas Neto 12 Josy Santos 80 Joubert de Carvalho 13 Juliana Carneiro da Cunha 36 Julio Medaglia 12 Katia Novaes 37 Krystyna Katz 16 Lauro César Muniz 39 Lenice Prioli 38 Luiz Antonio Diniz 17 Luiz Malheiro 29 Luiz Marchetti 16 Lutero Rodrigues 11 Magali Lettieri 62 Magda Painno 62 Manoel Bandeira 13 Marcos Leite 52, 53, 54, 55, 56 Maria Cândida Borges 43, 59 Maria Cristina Vignoli Elias 34 Marinho Vicente Sobrinho 17 Mario de Andrade 12, 23 Mario Ficarelli 44, 46 Marizilda Hein 61 Martha Herr 38, 42, 47, 48, 53, 55, 57,
58, 59, 60, 61, 62, 63, 67, 68 Maurice Béjart 36 Maurice Ravel 59 Miguel Csuzlinovics 16, 37 Milton Andrade 34, 35 Mina Kato 17, 35 Mirtes Teresinha de Figueiredo 69 Miryam Prado Malafaia 17 Moisés Téssalo 71 Naomi Munakata 11, 26, 41, 61, 74, 77, 78, 79, 83 Neide Rodrigues Gomes (professora Neide) 13, 22, 23, 25, 26, 41, 44, 45 Newton Tirotti 17 Nibaldo Araneda 61, 71, 74, 78, 79 Nicolau de Figueiredo 16, 29 Olivier Toni 11 Osvaldo Lacerda 46, 58 Oswaldo Sperandio (“Oswaldinho”) 17, 31, 32, 33, 34, 35, 36, 38, 39, 40, 59 Paul Hindemith 36, 59 Paul Patterson 48, 60 Paulo Eduardo Rydlewsky 17 Paulo Menegon 53, 59, 60, 62 Paulo Salim Maluf (Paulo Maluf) 22, 23, 34, 36, 37, 47 Pedro Coca 16 Pedro Veneziani 41 Raul Bopp 56 Regina de Carvalho 26, 31 Regina Lara Silveira 17 Rita Marques 16, 23, 31, 37 Robert Shaw 11 Roberto Schnorrenberg 12, 26, 41, 42, 67 Rodrigo Theodoro 82 Rogério Duprat 39 Ron Coby (Cauby Peixoto) 20 Ronaldo Bologna 12 Rúben Oliveira 09, 57 Samuel Kerr 53 Sergio Vasconcelos Corrêa 28, 29, 30 Simone Pessoa 81 Solange Ferreira 79 Stephan Dosse 36 Tábita Iwamoto 81 Tereza Cardoso 16 Thelma Badaró 16, 35 Ulysses Cruz 36 Vania Bastos 16, 27, 29 Vânia Cristina Nascimento 81 Vera Ritter 16, 37 Villa-Lobos 12, 13, 23, 24, 45, 46, 59 Vilson de Oliveira 41 Vitor Gabriel 19, 20, 37, 45, 46, 47, 52, 53, 54, 55, 57 Walter Lourenção 12 Wanda Quartarolli 16 Wendy Levy 16 Yara Antunes Lopes 16 Yolanda Borghoff 32
Este livro foi composto com as fontes Scala, Scala Sans e Gill Sans, pelo estĂşdio BIZU, em novembro de 2009.