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tecnologia
from Blueauto#56
by Blueauto
eFuels
O FUTURO DOS COMBUSTÍVEIS SINTÉTICOS
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O futuro da mobilidade automóvel vai ser elétrico. Mas apenas elétrico, ou poderão coexistir outras soluções? Por exemplo, que papel poderá estar reservado aos eFuels, de que tanto se tem falado: irão mesmo os combustíveis sintéticos renováveis fazer parte da mobilidade do futuro?...
Há cada vez mais carros elétricos. Assistimos já hoje a uma transição acelerada do parque automóvel, dos motores a combustão para os veículos a bateria. Mas a esmagadora maioria dos carros continua a ser movida a gasolina ou gasóleo, e as vendas de veículos novos continuam ainda a ser dominadas pelos motores tradicionais. Ou seja: o motor de combustão vai continuar a ser dominante no mundo automóvel ainda por alguns anos. Só que, ao mesmo tempo que damos isso como uma certeza, também sabemos que a descarbonização da sociedade, neste caso a começar pelo transporte automóvel, é um desígnio tão certo quanto urgente. O que signi ca que, além de caminharmos a passos largos para a eletri cação, também os automóveis a gasolina e a diesel deverão ter um papel a desempenhar na desejada redução das emissões de gases poluentes. E é aqui que parece tornar-se óbvio, mesmo para quem defenda a eletromobilidade como único caminho possível a percorrer, que qualquer solução ou inovação tecnológica destinada a ajudar a reduzir as emissões dos veículos automóveis cujos motores queimam derivados de combustíveis fósseis deverá ser bem-vinda.
Os eFuels como solução complementar à mobilidade elétrica
“Só com eletricidade não podemos avançar tão rápi-
do quanto o necessário”, resume Michael Steiner, membro do conselho de administração da Porsche responsável pela área de pesquisa e desenvolvimento. Justamente uma das marcas automóveis que advoga os denominados eFuels como solução para o problema que é fazer com que os carros atuais consigam operar do modo mais sustentável possível, a Porsche tem estado fortemente empenhada no desenvolvimento do potencial dos motores de combustão interna para se tornarem virtualmente neutros em CO2 com a ajuda dos combustíveis sintéticos: exemplos desse compromisso através do qual o fabricante alemão de carros desportivos quer contribuir para a industrialização dos eFuels é o projeto de implementação no Chile, em parceria com a Siemens Energy e outras empresas internacionais de renome, da primeira grande cadeia mundial de produção à escala industrial de combustível ambientalmente neutro; acreditando ser possível no futuro produzir eFuels de modo quase inteiramente neutro em CO2, a Porsche defende esta solução como sendo um importante complemento à eletromobilidade (que continua a ser a sua prioridade) e facilmente adaptável aos motores de combustão atuais, anunciando mesmo a sua utilização em competição já a partir deste ano. E nesta aposta na e ciência ambiental dos combustíveis sintéticos para poderem substituir os combustíveis tradicionais a Porsche não está sozinha: a ela juntam-se hoje outros grandes nomes como Mazda, Iveco, Bosch, Siemens, Repsol, ENI, ExxonMobil ou Gulf, reunidos na “eFuel Alliance” fundada em 2020 com o intuito de promover os combustíveis sintéticos como alternativa a outras formas de produção de energia, com destaque para o seu uso em transportes. Primeiro construtor de automóveis de passageiros a associar-se à organização, a Mazda defende que os “combustíveis sin-
téticos, neutros em emissões de CO2, constituem uma contribuição credível para a redução de emissões, não só para veículos novos mas também para a frota atual, abrindo um caminho mais rápido para a neutralidade carbónica em transportes, ao lado do reforço contínuo
da eletri cação”.
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Demasiado cedo para as zero-emissões?
“Os carros elétricos são tão livres de emissões quanto a produção de eletricidade que carrega as suas ba-
terias”, relembra a Bosch, outro importante ator do mercado para quem os combustíveis sintéticos devem ser considerados uma alternativa realista para ajudar a tornar o tráfego automóvel mais amigo do ambiente. De facto, se o caminho rumo a uma mobilidade zero emissões não pode ser todo percorrido numa única etapa, por que não considerar válida uma abordagem holística à neutralidade carbónica, através da utilização de diferentes tecnologias cuja e ciência permita contribuir para reduzir ainda mais as emissões nocivas? Assim sendo, reconhecendo a possibilidade de redução das emissões através dos combustíveis sintéticos renováveis, faz sim sentido que, ao mesmo tempo que avança na eletri cação das suas frotas, a indústria automóvel possa, deva mesmo, continuar a melhorar a tecnologia do motor de combustão interna. Algo que dá que pensar, ainda mais olhando para a força dos nomes e marcas que apoiam a validade da solução eFuels...
Tal como pergunta a Associação Europeia de Construtores Automóveis (ACEA): não será demasiado simplista tentar resolver o problema xando desde já um prazo para eliminar a 100% as emissões poluentes dos veículos automóveis – o que signi ca, na prática, o m anuncia-
do para daqui a pouco mais de uma década do motor de combustão interna –, ainda por cima sabendo-se que uma mudança tão radical poderá afetar todo um mercado cuja importância para a economia europeia é bem conhecida, e que existe ainda muito a fazer do lado da infraestrutura de carregamento de modo a torná-la suficiente e acessível aos utilizadores de automóveis elétricos?...
Uma falsa questão, é como a Federação Europeia dos Transportes e Ambiente (T&E) responde à dúvida da ACEA, afirmando claramente que a utilização de combustíveis sintéticos nos automóveis não irá resolver os problemas de poluição e apelidando mesmo – ironicamente – os eFuels de “combustíveis verdes mágicos”. Argumenta a T&E que, numa altura em que é já claro o papel da tecnologia das baterias elétricas como solução otimizada para descarbonizar o transporte rodoviário, insistir nos combustíveis sintéticos já não faz qualquer sentido, atribuindo essa insistência sobretudo às tentativas de “lobby” de setores da indústria automóvel mais preocupados em prolongar a vida dos motores a combustão. “Os eFuels
são produzidos através de um dispendioso processo que converte eletricidade em hidrogénio, o qual por sua vez é combinado com CO2 de modo a produzir combustível líquido que pode ser similar à gasolina ou ao diesel
usado em motores convencionais”, critica a T&E, acrescentando que ao alegarem que a utilização de eletricidade renovável e de CO2 capturado do ar dá origem a combustíveis climaticamente neutros que irão também reduzir a poluição os defensores desta solução propõem, em vez de descarbonizar motores, que se descarbonize o próprio combustível... E a Federação Europeia dos Transportes e Ambiente junta aos seus argumentos os resultados de testes que indicam – conclui a T&E – para os eFuels níveis do venenoso NOx idênticos aos emitidos por um motor alimentado a gasolina...
Críticas às quais se somam as de entidades como o ICCT - Conselho Internacional para o Transporte Limpo, que classifica como “difíceis de engolir” os argumentos a favor dos eFuels, destacando contras como os custos e a pouca eficiência dos seus processos de produção, antecipando mesmo que “os combustíveis sintéticos não vão salvar o motor de combustão”.
Por outro lado, a rápida evolução do próprio mercado não parece favorecer muito este tipo de solução intermédia como são os eFuels: os decisores europeus acreditam que os mais recentes compromissos dos fabricantes de automóveis em matéria de veículos de emissões zero mostram que a indústria está pronta para a transição energética já em curso, estando a assistir-se a uma veloz mudança de paradigma no panorama automóvel; assim sendo, defendem que as medidas regulamentares devem acompanhar essa velocidade, apostando em estimular a inovação, a competitividade e o desenvolvimento de veículos sem emissões, de modo a que eles sejam produzidos cada vez em maior número e com isso se tornem também cada vez mais acessíveis para os consumidores. E a confirmação prática de que assim é vem da própria indústria, com múltiplas marcas a terem já anunciado por elas próprias a decisão de adotarem nos próximos anos gamas totalmente elétricas. Mais: os fabricantes Volvo e Ford (a que se juntaram empresas como LeasePlan, Uber, EDP, Iberdrola, entre outras) apelaram mesmo aos legisladores europeus que se mantenham fir-
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mes na decisão de apontar a 2035 como data para tornar obrigatórios os carros 100% elétricos.
Viabilidade posta em causa
E a tudo isso acaba de se juntar aquilo que poderá significar um duro golpe contra a viabilidade dos eFuels, depois do Parlamento Europeu ter aprovado em plenário a proposta legislativa da Comissão Europeia que, na prática, deverá levar – se se confirmar a sua adoção, após a negociação final prevista para acontecer nos próximos meses – à interdição de venda de novos carros a gasolina/diesel no espaço comunitário a partir de 2035, no âmbito da desejada transição energética que fará da Europa o primeiro continente a atingir a neutralidade carbónica. É que na redação do documento final agora aprovado pelo Parlamento com sede em Estrasburgo ficou de fora qualquer referência aos eFuels como contributo válido a considerar para a desejada redução da média de emissões das frotas automóveis no “roadmap” definido rumo às zero emissões: um pedido de alteração nesse sentido tinha já sido previamente rejeitado por uma curta margem de votos, naquilo que se transformou numa imagem ilustrativa do que tem sido a disputa renhida entre apoiantes e detratores dos combustíveis sintéticos. “Um amargo revés para os consumidores e para a proteção climática”: foi assim que a eFuel Alliance reagiu a esse voto de rejeição, tendo o diretor-geral da organização que promove os combustíveis sintéticos a considerado mesmo que deixar de fora a opção de utilizar combustíveis sintéticos em motores de combustão significa ter sido rejeitado
“um mix tecnológico flexível para o transporte rodoviário, incluindo qualquer opção amiga do ambiente para
acelerar a eliminação dos combustíveis fósseis”; com Ralf Diemer a acrescentar que o princípio orientador da política climática europeia deveria ser “reduzir emissões, não opções”, destacando a aposta única na mobilidade elétrica e a rejeição pura e simples de tecnologias flexíveis como uma restrição nas escolhas do consumidor para a descarbonização do transporte. Apesar da validade desses argumentos, face à realidade que nos mostra que os carros a gasolina/ diesel não vão pura e simplesmente desaparecer das nossas ruas e estradas de um dia para o outro, a que se junta a constatação óbvia de que, pese embora o seu espetacular crescimento, o carro elétrico ainda vai demorar algum tempo a estar ao alcance de todos (e não só pela questão do preço: basta pensar na limitação prática que ainda representa para muitos potenciais consumidores o carregamento), parece evidente que a resposta à questão inicial é sim, mas um sim condicional: sim, os eFuels poderão fazer parte da mobilidade do futuro (se quem neles aposta e investe o quiser continuar a fazer), mas apenas num futuro (muito) próximo; já que, ao que tudo indica, o futuro que começa em 2035 será mesmo apenas 100% elétrico... l
eFuels
O QUE SÃO?
Na prática, trata-se de eletricidade que é convertida em combustível. Combustíveis como a gasolina ou o diesel são misturas de hidrocarbonetos, isto é estruturas químicas compostas por átomos de hidrogénio e de carbono. Só que enquanto esses combustíveis convencionais derivam do petróleo, nos combustíveis sintéticos ou e-fuels o hidrogénio tem origem na água e o carbono no ar, sendo então esses elementos combinados de modo a reproduzir a estrutura dos derivados do petróleo que alimentam os motores a combustão dos automóveis.
COMO FUNCIONAM?
A Bosch resume assim o processo: aplica-se eletricidade gerada a partir de fontes renováveis para obter hidrogénio da água; adiciona-se carbono e combina-se CO2 e H2 para produzir gasolina sintética, diesel, gás ou querosene. De facto, na origem dos eFuels está a fusão de hidrogénio com dióxido de carbono. O hidrogénio é produzido por processo de eletrólise dos átomos de hidrogénio e oxigénio da água do mar, um processo alimentado por energia elétrica obtida de fontes renováveis. O carbono é retirado do ar através de torres de captação, sendo depois fundido com o hidrogénio sob alta pressão e a altas temperaturas. O resultado final é um hidrocarboneto, com as mesmas características e propriedades químicas de um combustível tradicional, incluindo a gasolina ou o gasóleo.
PRÓS E CONTRAS
+ sustentabilidade + compatibilidade com os motores combustão atuais + distribuição via infraestruturas já existentes + densidade energética
- eficiência energética - não totalmente isentos de emissões - ainda não estão industrializados (falta capacidade produtiva) - preço elevado
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