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entrevista Professora Maria Helena Braga

PROFESSORA MARIA HELENA BRAGA “As baterias de estado sólido permitem aumentar a segurança, a densidade de energia e diminuir o tempo de carga”

A “glass battery”, inovação patenteada que recorre a um eletrólito sólido (o vidro) em vez de líquido, está na primeira linha dos avanços tecnológicos que prometem revolucionar a utilização das baterias nos veículos elétricos. Uma inovação também conhecida como “bateria Goodenough/ Braga”, em homenagem aos dois nomes que estão na origem desta novidade: o veterano físico norte-americano John Goodenough, co-inventor da bateria de iões de lítio e vencedor do Nobel da Química 2019; e a investigadora portuguesa Maria Helena Braga, Professora Associada no Departamento de Engenharia Física da Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto. Ninguém melhor, pois, do que a Professora Maria Helena Braga para esclarecer o que, como e quando vai mudar nas baterias dos veículos elétricos...

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Irá a bateria de estado sólido substituir em breve a bateria de iões de lítio que hoje conhecemos como solução universal (já que equipa todos os VE a bateria)? Não querendo fazer futurologia, penso que sim. Não sei exatamente quando porque muitos fundos foram investidos em grandes fábricas de baterias de ião-Li, mas o que é facto é que estas últimas evoluem hoje à custa de otimizações de engenharia. Impressionantes, mas não disruptivas. As baterias de estado sólido permitem aumentar a segurança, a densidade de energia e diminuir o tempo de carga.

Qual é hoje o ponto da situação em relação à investigação no campo das baterias para veículos elétricos? Quando será possível passar à prática os desenvolvimentos já conseguidos em laboratório? Já é possível. A questão é que a maior parte dos eletrólitos sólidos são fabricados a altas temperaturas e as baterias no estado sólido exigem uma certa reconversão do equipamento utilizado no fabrico das baterias de ião-Li. Por outro lado, a maior parte dos eletrólitos sólidos apenas desempenha bem a temperaturas acima do ambiente.

Quais são as grandes limitações das baterias de iões de lítio atuais, que levam à necessidade de pesquisar e desenvolver novas tecnologias? A segurança e a autonomia. Por exemplo, com o advento das scooters possuindo baterias com “management systems” que não são de qualidade, o carregamento rápido não controlado tem dado origem a curto circuitos e incêndios. Especialmente em países muito povoados em que estas últimas são carregadas no domicílio. Para além da segurança, a densidade de energia das baterias, limitada pela capacidade do cátodo, não permite atingir a autonomia ambicionada. Por outro lado, as baterias e o sistema de controle das mesmas ainda é demasiado oneroso. Tal deve-se ao facto de a maioria dos cátodos ainda usar cobalto e da temperatura da bateria ter que ser controlada para que o “termal runaway” não aconteça, prejudicando a segurança da mesma.

Foto: Egídio Santos.

“Para além da segurança, a densidade de energia das baterias (atuais) não permite atingir a autonomia ambicionada”

E quais as vantagens de tecnologias como a bateria dita de estado sólido, projeto no qual a Professora é pioneira? Para além da segurança, uma vez que as nossas baterias podem ser utilizadas desde temperaturas negativas até aos 180ºC (dependendo dos outros constituintes da bateria), o carregamento é rápido (menos de 15 min.), passando pela elevada densidade de energia. As nossas tecnologias associam aos processos eletroquímicos característicos das baterias os processos eletrostáticos característicos dos condensadores.

Explique-nos também, por favor, o interesse do recurso ao sódio em vez de lítio no projeto que a Professora integra? O sódio é muito mais abundante e por isso muito mais barato que o lítio. E, nas nossas tecnologias mais interessantes e totalmente desenvolvidas em Portugal, nem sequer é necessário que os elétrodos contenham sódio ou lítio inicialmente. Todo o sódio existente na célula está inicialmente contido no eletrólito. O eletrólito à base de sódio ou lítio pode ser depositado num coletor de corrente (por exemplo cobre), como publicámos em 2016. Assim, a tecnologia à base de sódio pode tornar-se realmente segura e competitiva.

Quais são exatamente os maiores obstáculos a estas novas soluções? A própria tecnologia, ainda não suficientemente desenvolvida? O fator segurança? Ou o preço, a viabilidade económica da sua aplicação prática em larga escala? Penso que é algo que estará/irá acontecer.

Em seu entender, que autonomias com uma única carga será razoável estimar com as novas tecnologias de bateria? E que tempos de carregamento? As autonomias não dependem apenas do eletrólito. No entanto, nas nossas tecnologias, ao contrário do que acontece nas baterias de ião-Li, a capacidade não depende apenas dos elétrodos. O eletrólito pode dobrar a capacidade do cátodo e a célula pode mesmo apenas depender da capacidade do eletrólito e tornar-se assim muito barata e bem mais fácil de fabricar.

Mas será a tecnologia de estado sólido uma solução universal para as baterias no futuro? Ou acredita que existirão outras soluções? Acredito que haverá dispositivos que recolherão energia térmica e eletromagnética e armazenarão energia elétrica. Isto é algo que nós podemos fazer, pelo menos em parte, com algumas das nossas tecnologias. Mas deverão surgir outras.

Maria Helena Braga e John Goodenough.

“A bateria de iões de lítio ainda estará connosco durante os próximos anos”... A frase é da autoria do diretor de pesquisa de baterias de uma das principais marcas da indústria automóvel. Mas qual é a sua visão de verdadeira especialista no tema? Durante ainda quantos anos: 5? 10? mais?... A visão que prevalece é sempre aquela aonde está o negócio... O que é facto é que as empresas que desenvolvem baterias de estado sólido já sentiram a necessidade de fazer “press releases”… Talvez uns 5 anos mais para realmente entrarem no mercado e depois uns anos mais para as baterias de ião-Li serem calmamente substituídas.

E o que vai acontecer então às baterias de iões de lítio que equipam hoje os carros elétricos? Ou seja, como compatibilizar os veículos atuais, que usam esse tipo de bateria, com a futura geração de baterias? Será isso um problema para quem compra hoje um VE? Em princípio mudar-se-ão as baterias e o sistema de controlo. O espaço ocupado pelas baterias de ião-Li e sistemas de proteção vai permitir colocar muito mais baterias sólidas e ganhar em autonomia.

Aqui há uns tempos a Professora referiu que o projeto em que participa já tinha despertado o interesse de

“Penso que a ‘glass battery’ irá ser conduzida pelo mundo...”

algumas empresas da indústria automóvel... Sabemos que, naturalmente, não vai entrar em detalhes nem referir nomes, mas podemos esperar para breve o anúncio de alguma aplicação prática baseada também no seu trabalho? Em verdade já se fizeram vários anúncios nesse sentido. Penso que a “glass battery” irá ser conduzida pelo mundo...

Enquanto cientista, acredita na solução pilha de combustível alimentada a hidrogénio como futura solução energética para os veículos elétricos, complementar à tecnologia das baterias? Sim, aliás foi o armazenamento de hidrogénio que me levou ao armazenamento de energia quando estava em Los Alamos, EUA, em 2009... Agora está outra vez na moda... Os veículos pesados poderão beneficiar muito do uso do hidrogénio. n

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