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opinião

O AUTOMÓVEL – QUE PAPEL NO FUTURO DA MOBILIDADE?

António Gonçalves Pereira

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 Presidente da Ecomood Portugal (ecomoodportugal.org)  Embaixador do Pacto Climático Europeu

Estamos em tempos de grandes dicotomias. Nas mentalidades, nos hábitos e nas políticas. Muitos de nós continuamos a ter o automóvel como um bem essencial, o rei da mobilidade. Mesmo se as cidades cada vez mais se queixam disso. E, apesar da proliferação de medidas de aposta nas mobilidades colectiva e suave, o certo é que parecem soar alarmes de tragédia nos gabinetes de muitos decisores logo que há qualquer indício de diminuição nas vendas de automóveis.

A QUESTÃO A MONTANTE

A primeira premissa que temos que entender e aceitar é que os automóveis, como todos os demais veículos, individuais ou colectivos, terão que ser sustentáveis. E que isto terá que acontecer com a máxima urgência. É óbvio que a mobilidade não é o único, nem tão pouco o maior, mas é um problema de grandes dimensões. Temos que reduzir emissões em tudo o que pudermos, e a mobilidade não é excepção. O planeta já nos vai demonstrando, de forma crescentemente eloquente, que não podemos continuar a queimar combustíveis fósseis como até aqui.

E quando falo em veículos sustentáveis não quero dizer que sejam necessária ou exclusivamente elétricos, mesmo que essa pareça ser, pelo menos para já, a melhor opção. Mas surjam ou comprovem-se outras, e adoptemos essas também.

Além da questão ambiental, e das emissões de gases com efeito de estufa, há também a vertente da saúde pública. Nitratos e outros gases emitidos pelos motores a combustão causam comprovadamente graves danos a quem os respira prolongadamente. Tudo isto já é do conhecimento geral, por muito que continue a haver quem continue a fazer de conta que não o sabe, ou até quem negue estes factos, tentando encará-los como campanhas com origem em interesses obscuros.

Temos ainda mais uma questão a montante: a pegada da produção. E essa não é exclusiva dos veículos a combustão, é geral. Continuamos a produzir anualmente milhões de automóveis para uso individual que depois estão parados mais de 90% do tempo, cada um utilizando uma, duas ou mais toneladas de matérias-primas. Com toda a mineração, transporte e processos industriais que isso implica. E, encaremo-lo, isto também não pode continuar.

RACIONALIDADE E INTEGRAÇÃO – AS PALAVRAS DE ORDEM

Quero então dizer que o automóvel individual terá que desaparecer? Obviamente que não. Mas que a sua predominância e quantidade terá que ser drasticamente reduzida, disso não tenhamos dúvidas. Neste momento há a circular algo como 1.2 mil milhões de automóveis, dos quais 300 milhões na Europa ou cerca de 5 milhões em Portugal. E, como disse, muitos novos milhões continuam a ser produzidos e postos a circular todos os anos.

Há já demasiadas décadas que começámos a habituar-nos à ideia de as nossas cidades, e as suas ligações, serem feitas, ou adaptadas, em função do automóvel. E todos nós passámos a querer ter um ‘quando fossemos grandes’. Essa é a tendência que, para nosso bem colectivo, temos que inverter. Ainda que, mais ou menos frequentemente, isso nos venha a ser menos cómodo no imediato.

O futuro da mobilidade humana terá que basear-se na integração e coordenação entre meios de transporte. Um dos seus pilares terá que ser a mobilidade colectiva, sobretudo nas médias e longas distâncias, como também nos trajectos mais populares. Com os vários modos coordenados entre si. Essa terá que ser a espinha dorsal. A complementá-la deverá haver uma boa oferta de veículos partilhados, das mais diversas tipologias, disponíveis de forma dispersa e em interfaces com os transportes colectivos.

O outro pilar, para as demais distâncias, trajectos e utilizações, será a mobilidade activa. Ou seja a pedonal, a ciclável e a micro. E para isso necessitamos de cidades predominantemente amigas do peão e dos modos suaves.

Só com uma oferta abrangente, heterogénea e adaptada às diferentes necessidades conseguiremos convencer a generalidade dos cidadãos a dar-lhes preferência, em detrimento do automóvel individual. E só assim a mobilidade humana se tornará sustentável.

O AUTOMÓVEL RACIONAL

Não, o automóvel não irá desaparecer. Até porque irão sempre car os de aluguer, partilhados, táxi, etc. Mas vá-se convencendo, o formato actual de automóvel, só seu, manualmente conduzido e com capacidade para ir dos zero aos fora da lei em poucos segundos, esse sim, tornar-se-á história. Serão maioritariamente os sistemas de trânsito a controlá-los, adaptando-lhes a velocidade às necessidades do local e do tráfego. E conforme essa evolução for retirando o ‘prazer de condução’ da equação, nós iremos naturalmente evoluindo para deixarmos de ter esta necessidade de posse, substituída pela da utilização. O que, além de mais racional, acredite, será muito mais barato. E, assim, seremos muito mais felizes utilizando comboios, autocarros, bicicletas e, sim, automóveis também. Só não estaremos preocupados com a sua aquisição, a sua manutenção, o seu estacionamen-

A missão social da Ecomood Portugal é ajudar a evoluir mentalidades e comportamentos para a sustentabilidade, sobretudo nas áreas da mobilidade e dos desportos motorizados. Para isso colabora com escolas, organizadores de eventos, empresas municípios e outras instituições, com base na racionalidade e na sustentabilidade social, sem fundamentalismos contraproducentes. Um bom exemplo deste trabalho será a próxima Semana Europeia da Mobilidade da Amadora, organizada com a Câmara Municipal e muitos parceiros. De 16 a 22 de Setembro haverá muitas actividades de promoção das mobilidades colectiva, activa e, também, da elétrica. Neste último caso, destaque para o 4º Amadora Electric Challenge, um passeio mistério para carros elétricos, em que pode participar gratuitamente com o seu. Pode saber tudo em amadoramove.pt.

to. Nem, tão pouco, com sabermos conduzi-los. Na estrada, pelo menos. O prazer irá para as pistas e locais adequados.

E ATÉ LÁ?

A fase de transição já começou. E não terá retorno. No que respeita ao automóvel, a primeira fase, infelizmente muito mais lenta do que seria necessário, está a ser a electri cação. O que passará não só pelas já anunciadas proibições de produção de veículos a combustão fóssil, como também pela conversão de muitos dos veículos a combustão existentes. Porque sustentável não é deitar fora e comprar novo, é reutilizar o que temos. Entretanto, a condução autónoma, em comunicação com os sistemas de trânsito, irá subindo gradualmente de nível, à velocidade da nossa adaptação. Sobretudo mental, cultural.

E não se preocupe com os fabricantes de automóveis. Nada disto é novidade para eles e já se estão a preparar para a transição dos seus modelos de negócio. E dos produtos que irão disponibilizar. Que, posto tudo isto, em muitos casos passarão a ser serviços. Porque o seu ‘automóvel’ será, sobretudo, o seu telefone. 

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