Brasil de Fato / RS - Número 08

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Foto: Marcos Corbari

Descubra o Natal Sem Veneno TERRA | PAG 3

Schlee, o escritor dos excluídos

Fascinado por futebol mas principalmente contista, romancista, professor, tradutor e designer: quem foi o grande gaúcho que o Rio Grande perdeu em novembro ESPORTE | PAG 8

RIO GRANDE DO SUL

18 de dezembro a 03 de janeiro de 2019 distribuição gratuita brasildefato.com.br

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Ano 1 | edição 08

O que esperar de 2019?

Perguntamos como será o Brasil de Bolsonaro e as respostas foram alarmantes. Todas prevêem retrocessos. Mas sempre haverá um caminho para a resistência. PÁGINA CENTRAL

Cultura

EDUCAÇÃO

E os sem terra viraram agrônomos

Unamérica: 35 anos de canções com compromisso PÁG 7 PÁG 3


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OPINIÃO

PORTO ALEGRE, 18 DE DEZEMBRO A 03 DE JANEIRO DE 2019

Saúde em tempo de retrocesso

ARTIGO |

CHARGE | Santiago

Liane Faccio é Jornalista

E

M

Já vai tarde

ais de meio milhão de desempregados, atraso e parcelamento dos salários do funcionalismo, extinção de fundações, aumento de impostos, ausência de investimentos, péssimos números na segurança, educação e saúde. Dentro de alguns dias, após quatro longos anos, José Ivo Sartori será passado. Concluirá, enfim, o mais penoso mandato dos últimos tempos no Rio Grande sob o ponto de vista dos trabalhadores. Verdade que aquele que subirá as escadarias do Palácio Piratini não gera entusiasmo. Mas o fato de que Sartori terá que descê-las provoca júbilo. Foram quatro anos de paralisia econômica, irrelevância política e sempre em pé de guerra com os servidores. Abraçado ao credo neoliberal, Sartori empenhou-se em atribuir os problemas do Estado à herança recebida, esquecendo-se da condição do seu PMDB, hoje MDB, de acionista majoritário da

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desgraça gaúcha _ dos últimos 32 anos, esteve 20 no poder. Subsidiariamente, culpou os funcionários, punidos com salários achatados e humilhações. Enquanto Sartori repetia sua cantilena, o Estado afundava. No seu governo, pela primeira vez na história, o salário mínimo regional cresceu abaixo da inflação. As escolas estaduais perderam 17,3 mil professores e funcionários. Caiu a cobertura vacinal contra a pólio, o sarampo e a meningite. A segurança perdeu 4,8 mil servidores. No começo do seu derradeiro ano de mandato, os homicídios dolosos haviam crescido 35%; o furto de carros, 20,3%; o roubo de veículos, 52,3%; e o latrocínio 41,2%. Não se sabe o que Eduardo Leite fará. Os prognósticos não animam. Porém, do mais opaco governador da sua história o Rio Grande está livre. Já vai tarde.

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CONSELHO EDITORIAL Danieli Cazarotto, Cedenir Oliveira, Fernando Fernandes, Ezequiela Scapini, Ronaldo Schaefer, Milton Viário, Frei Sérgio Görgen, Ênio Santos, Isnar Borges, Cláudio Augustin, Maister Silva, Miriam Cabreira, Fernando Maia, Jonas Tarcísio Reis, Rogério Ferraz, Adelto Rohr, Fábio Castro, Mariane Quadros, Carlos Alberto Alves, Daniel Damiani, Vito Giannotti (In Memoriam) | EDIÇÃO Katia Marko (DRT7969), Marcos Corbari (DRT16193), Ayrton Centeno (DRT3314) e Marcelo Ferreira (DRT16826) | REDAÇÃO NESTA EDIÇÃO Marcos Corbari, Catiana de Medeiros, Ayrton Centeno, Walmaro Paz, Katia Marko e Stela Pastore | ILUSTRAÇÃO DA CAPA Leandro Bierhals | DIAGRAMAÇÃO Marcelo Souza | DISTRIBUIÇÃO Alexandre Garcia | IMPRESSÃO Gazeta do Sul | TIRAGEM 25 mil exemplares

Agora, quando partem os médicos cubanos, retrocedemos a uma época anterior aquele 1992, obra de uma ideologia estúpida, um desrespeito inacreditável, uma ignorância inadmissível para o século 21.

A POIO

EDITORIAL |

ra 1992 e eu voltava de Cuba onde fora a mando de Zero Hora para uma matéria sobre turismo. O voo estava tumultuado. Adultos trocavam de lugar como se fossem adolescentes, adolescentes choravam como se fossem crianças, crianças se abraçavam como se fossem adultos. Fui ver o que acontecia. Eram vítimas do acidente com césio-137, ocorrido em 1987, em Goiânia, que retornavam de Havana encantadas com o atendimento recebido durante 45 dias. No Brasil, elas só fariam tantos exames se fossem ricas. Mas não eram. A tragédia as atingiu depois que o dono de um ferro-velho abriu um aparelho de radioterapia comprado de dois catadores de material reciclável. Mais de mil pessoas foram contamina-

das. Para aqueles 50 passageiros, havia esperanças. Quem os ajudou foram os atores Joana Fomm e Otávio Augusto, que bateram à porta de Fernando Peregrino, então presidente da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado/RJ, pedindo-lhe que intermediasse a ida dos atingidos para Cuba. Ele conseguiu apoio dos governadores Leonel Brizola (RJ), Íris Rezende (GO) e Luis Fernando Fleury Filho (SP), além do presidente de então, Fernando Collor. Com a assinatura de Fidel Castro, bastava levar e trazer os pacientes que exames, medicamentos, alimentação e hospedagem sairiam de graça. E assim foi. Nenhum dos políticos brasileiros era, como se critica atualmente, “vermelho” – o que pouco importava para os pacientes com quem falei. "Não teríamos condições de pagar os testes nem em 20 anos de trabalho", disse-me Donizeth Rodrigues de Oliveira naquela viagem insone. As crianças que entrevistei nem faziam ideia do que era comunismo, mas já conheciam o preconceito. Desde o acidente, haviam perdido amizades e sofriam isolamento. Em Cuba, ao contrário, foram acolhidas com abraços e beijos. Agora, quando partem os médicos cubanos, retrocedemos a uma época anterior aquele 1992, obra de uma ideologia estúpida, um desrespeito inacreditável, uma ignorância inadmissível para o século 21. Cabe ao MPF conferir se a troca vai onerar o bolso do contribuinte. Cabe garantir que haja médicos brasileiros substituindo cada um dos que foram embora, tarefa difícil, já que passam a impressão de que não querem atender em lugares tão distantes, tão inóspitos, tão sem coluna social.


TERRA

PORTO ALEGRE, 18 DE DEZEMBRO A 03 DE JANEIRO DE 2019

Campanha incentiva um Natal sem veneno AGROECOLOGIA |

Foto: Marcos Corbari

Neste final de ano o Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA) renova sua campanha anual chamada “Natal sem veneno”.

CATIANA DE MEDEIROS PORTO ALEGRE (RS)

MARCOS CORBARI PORTO ALEGRE (RS)

A

campanha busca incentivar a população a substituir nas ceias natalina e de ano-novo, bem como nas tradicionais cestas de alimentos que são compartilhadas nesse período, os produtos industriais por alimentos produzidos através da agroecologia, sem a utilização de insumos químicos ou agrotóxicos. “A terceira edição do Natal sem veneno é um ato de solidariedade, esperança e amor, afinal, ninguém quer presentear ou comer com alimentos envenenados”, reflete Bruno Pilon, dirigente do MPA. Sabendo que o povo brasileiro é quem mais consome veneno através da alimentação no mundo, o movimento está consciente do tamanho do desafio que se coloca à frente. Segundo o Frei Wilson Zanata, pesquisador de ervas medicinais e entusiasta da alimentação orgânica, a campanha Natal sem veneno é uma importante iniciativa nesta data em que as famílias reúnem-se a mesa para celebrar a vida, a presença viva de Jesus entre nós, afirmando os valores de solidariedade, de partilha e de compaixão. Para o religioso franciscano, o mercado manipu-

Movimento Sem Terra forma sua primeira turma de engenheiros agrônomos

Somente se pode pensar em futuro fazendo escolhas responsáveis no presente

la o sentido do Natal, utilizando a data apenas como um motivo para produzir mais lucro, custe o que custar, sem se importar com a saúde das pessoas ou com o que elas sentem. Neste sentido, lembra que “a opção em contrariar esse sistema que prega o lucro pelo lucro é um ato verdadeiramente revolucionário, assim como o são os

Onde encontrar produtos agroecológicos para sua cesta

valores compartilhados a partir da vinda do Nazareno”. Interessados em aderir à campanha podem procurar os dirigentes dos movimentos camponeses em sua região ou mesmo fazer a opção direta de visitar as feiras e produtores em suas comunidades para adquirir os alimentos para seu final de ano.

PORTO ALEGRE Na loja da Reforma Agrária, no Mercado Público, de segunda à sexta, das 8h às 19h e aos sábados das 8h às 17h. INTERIOR Há feiras em praticamente todas as cidades, a exemplo do Feirão Colonial de Santa Maria, que acontece todos os sábados, das 7h às 12h no Centro de Economia Solidária Dom Ivo Lorscheiter. Informe-se quando e onde acontece na sua e prestigie a produção agroecológica.

O Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) do Rio Grande do Sul formou em 15 de dezembro a sua primeira turma do Curso de Agronomia com Ênfase em Agroecologia. A colação de grau de 44 formandos aconteceu no Assentamento Novo Sarandi, em Sarandi, na região Norte. O curso de bacharelado é oferecido pelo Instituto Educar, em Pontão, via Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária (Pronera), em parceria com a Universidade Federal da Fronteira Sul (UFFS). Ele tem duração de 5 anos e ocorre em regime de alternância. Segundo a educadora Salete Campigotto, os recém-formados possuem alta qualidade e contribuirão para uma agricultura sustentável em assentamentos. “As notas mais baixas dos trabalhos de conclusão de curso, avaliados por doutores, foram oito. Quinze receberam nota 10 e 15 já estão publicando artigos. Um trabalho nosso ficou entre os três melhores na Conferência Internacional sobre Agricultura e Alimentação em uma Sociedade Urbanizada, evento que envolveu mais de 30 países e 400 elaborações em Porto Alegre”, diz. A primeira turma de engenheiros agrônomos reúne trabalhadores acampados, assentados e filhos de assentados de dez estados, além de militantes do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB). A segunda se formará em 2020, e a terceira ingressará em fevereiro de 2019.

DIREITOS HUMANOS MPA e MST recebem reconhecimento Foto: Divulgação

Frei Sérgio, junto com companheiros (as) do MPA, recebe o prêmio

Concomitante à passagem dos 70 anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos, os dirigentes camponeses Frei Sérgio Görgen (MPA) e João Pedro Stédille (MST) receberam respectivamente o Prêmio João Canuto e o Prêmio Santo Dias, ambos em reconhecimento pela luta dos movimentos camponeses em defesa de pautas humanitárias. Ambas as distinções foram concedidas no dia 10 de dezembro. No Rio de Janeiro, o Movimento Humanos Direitos (MHuD) realizou a entrega do Prêmio João Canuto 2018 a personalidades e ativistas sociais, entre os quais, Frei Sérgio. Em São Paulo, na Assembleia Legislativa, a militante do MST Ana Cha, representou Stédile, que não pode comparecer devido a proble-

mas de saúde, recebendo o Prêmio Santo Dias, concedido sob indicação da deputada Márcia Lia. “Nós agradecemos essas distinções, que lembram dos camponeses e camponesas neste período, ajudando a dar visibilidade àqueles e àquelas que são costumeiramente condenados ao silêncio”, registrou Görgen. Manifestou-se ainda dedicando a premiação recebida ao presidente Lula: “Acredito que neste momento milhões de brasileiros e brasileiras se sentem silenciados junto com ele, no cárcere político a que está sujeito em Curitiba”, relembrando que cada um deve sentir-se desafiado a ser a continuidade da voz de Lula nesse momento histórico onde resistir é imprescindível.

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2019

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GERAL

PORTO ALEGRE, 18 DE DEZEMBRO A 03 DE JANEIRO DE 2019

O ano que surge como ameaça

O que teremos pela frente a partir do dia 1º de janeiro? Quando nasce um novo ano, o sentimento predominante é a esperança. Tudo vai melhorar. Haverá mais empregos, salários, conquistas, avanços rumo a uma sociedade melhor. 2019, porém, destoa deste otimismo. Desponta como uma ameaça. Sobretudo para mulheres, negros, gays, imigrantes, sem terra, sem teto e as populações mais carentes. Marca a posse um presidente identificado – por sua própria fala – com o machismo, o racismo, a xenofobia, a homofobia, o desprezo aos índios e aos quilombolas, a violência contra as minorias e contra seus adversários políticos que já simulou metralhar em cena grotesca. Para levantar um panorama do que aguarda a cidadania, ouvimos vozes de diferentes áreas. O resultado é assustador.

Trabalho “Pegue tudo o que prometeram e piore um pouco mais”

Foto: Divulgação

“O que vem por aí? Não é do programa de campanha que você vai tirar alguma ideia. Quem manda? O velho e bom (bom?) sistema financeiro, os donos do mundo que bancaram o capitão. E o que eles querem? Pegue tudo o que já prometeram de precarização e desregulação, piore mais um pouco. Essa é a melhor previsão. Os chavões do “presidente” dão a entender qual é o rumo: os patrões, coitados, estão assoberbados por regulações. Logo, é preciso desmantelar tais regulações. É isso que se comprometeu a entregar – para os empresários daqui e do exterior. O resto depende de nós.” (Reginaldo de Moraes, professor aposentado, colaborador na pós-graduação em Ciência Política do IFCH, da Unicamp)

Política exterior “O país caminha para um isolamento voluntário” Foto: Leslie Chaves / IHU No relacionamento do Brasil com os Estados Unidos, as iniciativas sempre partiram dos norte-americanos. Agora, ascende aqui um novo grupo de poder que, de forma não-estratégica, coloca-se ao serviço deles. Alinha-se aos EUA. É a novidade. eja-se o caso da transferência da embaixada para Jerusalém. Consumando-se, o país arrumará conflitos comerciais imediatos com a Liga Árabe e a OCI, a Organização de Cooperação Islâmica. E pode afetar o mercado brasileiro de carne de frango com corte halal. Se o Brasil se apresentar perante o mundo como inimigo da Amazônia e condescendente com políticas genocidas de índios e quilombolas, isto poderá ter um efeito reverso. Caminhamos para um isolamento voluntário que lembra muito o governo Menem (1989-1998) na Argentina, que buscava relações carnais com as superpotências. Nunca dá certo. (Bruno Lima Rocha, professor de Relações Internacionais e de Jornalismo da Unisinos)

Gestão “Um governo antinacional, antidemocrático, antipovo”

Foto: Leandro Taques

“O que teremos, pelo que tudo indica, é um governo para o mercado, ao invés de um governo apesar do mercado. E um governo para o mercado significa, necessariamente, um governo antinacional, antidemocrático, antipovo e, por isso mesmo, um governo corrupto, já que a alma, a essência do neoliberalismo é venal, degenerada, ímproba (...). Mas que não me vejam pessimista ou cético. Ninguém tem o direito de ser pessimista no Brasil. Não com um povo como o nosso que, há mais de 500 anos, suporta as consequências que ter uma elite predadora, inculta, trapaceira, corrupta e venal, mas segue em frente.” (Roberto Requião, Senador MDB/PR, em trechos de seu discurso de despedida do Senado)

Meio ambiente “Pagaremos um preço muito alto” Foto: Marcelo G. Ribeiro

Com o domínio da bancada ruralista, os movimentos para aprovar o chamado “PL do Veneno” e o perfil dos ministros e suas manifestações, os tempos serão muito difíceis. A expansão das lavouras transgênicas e a mudanca de tratamento dos direitos dos povos indígenas, quilombolas, comunidades tradicionais e assentados de reforma agrária devem acelerar a destruição. Pela qual o país pagará preço muito alto. O certo é que o tempo voa. E com o tempo este governo, como os gafanhotos, vem, faz seu estrago, e vai embora. Espera-se um drama de baixa duração. Depois veremos como recuperar os estragos. (Leonardo Melgarejo, agrônomo, ex-presidente da Associação Gaúcha de Proteção ao Ambiente Natural, a Agapan)

Contaminação por metal pesado em Canoas Os moradores de Canoas estão com medo, pois a Secretaria do Meio Ambiente/RS alertou que o solo e o lençol freático em área do bairro Niterói foram contaminados por metal pesado. Trata-se de

cromo VI. Na região, duas empresas trabalham com cromagem e podem ter causado o problema. Metais pesados são cancerígenos A suspeita surgiu depois que um morador encontrou água com cor

amarelada e cheiro estranho durante uma escavação. Orienta-se a população do lugar para não consumir água de poços artesianos; não cultivar vegetais e árvores frutíferas; não executar qualquer tipo de obra ou es-

cavação sem autorização do órgão ambiental; não permitir que animais pastem no local. Vale esclarecer que a água encanada, fornecida pela Corsan, não apresenta contaminação e está apta para consumo.


Movimentos “Um cenário de contradições, conflitos e autoritarismo”

Foto: Catiana de Medeiros

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GERAL

PORTO ALEGRE, 18 DE DEZEMBRO A 03 DE JANEIRO DE 2019

Direitos humanos “Não há qualquer expectativa positiva” Foto: Joana Berwanger/Sul21

“Teremos um governo neofascista, com um plano econômico ultra-neoliberal, executado por um ministério composto por militares, pentecostais fanáticos e Chicago boys. E totalmente subordinado aos interesses dos EUA. Nenhum problema estrutural da sociedade brasileira e das necessidades do povo será resolvido. Ao contrário, os problemas se agravarão. Só nos resta colocar energias no trabalho de base, para organizar nosso povo, na formação politica de militantes, na prioridade com a juventude das periferias e no uso e construção de todos os meios de comunicação para a classe trabalhadora. Para estimular mobilizações de massa, única forma de enfrentar um cenário tão complexo da luta de classes”. (Joao Pedro Stédile, militante do MST e da Frente Brasil Popular)

“O presidente eleito é conhecido por sua trajetória pública de desprezo aos Direitos Humanos e por declarações criminosas em defesa da tortura e da ação de grupos de extermínio. Por óbvio que esse percurso não autoriza qualquer expectativa positiva na área. Pelo contrário, o discurso proponente da violência sustentado por Bolsonaro já está produzindo um estímulo à ação de grupos dentro e fora do Estado em favor da morte de suspeitos e de toda a sorte de agressões contra homossexuais, negros, mulheres, índios e ativistas sociais. Estamos, na verdade, no início de um período que será marcado pela ameaça de vários retrocessos quanto às garantias fundamentais no Brasil”. (Marcos Rolim, sociólogo, ex-parlamentar, presidiu a Comissão de Cidadania e Direitos Humanos da Câmara dos Deputados)

Universidade “Vamos responder a cada ataque deste governo”

Cultura “A extinção do MinC é o reflexo mais perverso dessa barbárie”

Foto: Maia Rubin/Sul21

“Teremos um ano difícil para as instituições públicas de ensino superior com o novo governo em 2019. Mas nós vamos responder a cada ataque deste governo. Isto já está sendo sentido nas universidades, com ataques à liberdade de cátedra e à autonomia da universidade, garantida no artigo 207 da Constituição, e tende a piorar. Estamos sofrendo perseguição com a gravação de aulas e denúncias ao MP. E isto gerou até uma posição contundente por parte do STF. Mas a comunidade está coesa e estudantes, técnicos e professores vão resistir. Ao reconhecermos o processo eleitoral temos que deixar claro que este governo não pode tudo. Nosso país tem instituições e os governos não podem passar por cima delas.” (Bernadete Menezes, coordenadora-geral da Assufrgs (Sindicato dos Técnicos-Administrativos da UFRGS, da UFCSPA e dos Institutos Federais do Rio Grande do Sul)

Saúde “Programa pífio, dependente da pequena política” Foto: Bernardo Jardim Ribeiro/Sul21 O SUS não se reduz em alternativa conjuntural ou repositório para políticas governamentais pautadas somente em premissas de mandatos eleitorais. Com um programa pífio e restrito a demandas corporativas, alinhado ao mercado de doenças e dependente da pequena política e seus lobbies, o governo Bolsonaro tende a reduzir o SUS a um segmento ainda mais desfinanciado e complementar ao setor privado. Mas haverá resistência. O SUS não pertence a um governo e sua legitimação social depende de seu valor de uso e de seu caráter redistributivo em um país de tantas desigualdades”. (Alcides de Miranda, professor da UFRGS e coordenador da Comissão de Política, Planejamento e Gestão da Associação Brasileira de Saúde Coletiva, a ABRASCO).

Foto: Divulgação

O atual momento do país revelou a falta de entendimento do valor do simbólico para a sociedade e o quanto estamos à beira da barbárie. A extinção do MinC é o reflexo mais perverso dessa barbárie, pois é a negação do direito de acesso do cidadão ao desenvolvimento da complexidade diversa dos saberes e fazeres da inteligência nacional. A cultura é o imaginário responsável pela identidade de um povo, aquilo que garante sua subjetividade no mundo, por isso, nem os governos militares ousaram cometer o disparate de extinguír o ministério da Cultura. Segundo os atuais dados do IBGE: o orçamento da lei Rouanet representa apenas 0,3% da renúncia fiscal da União e produz 400 por cento de retorno e incremento pra cadeia produtiva. Enquanto as atividades culturais e criativas já representam 2,6 do PIB do país. A falta de visão do governo Bolsonaro sobre cultura não nos permiti ter nenhuma expectativa positiva em relação a seu governo. (Marcelo Restori, diretor de teatro, cineasta, membro da atual diretoria do SATED-RS e do Conselho Estadual de Cultura do RS – CEC.

Educação “Há fortes indícios de cerceamento ao pensamento crítico” Foto: Divulgação

Dois fatos são emblemáticos da forma como as elites brasileiras trataram a educação: a criação da primeira escola quase 50 anos após a chegada dos portugueses e da primeira universidade já no século 20. Por isso, uma das mais impactantes políticas dos governos Lula e Dilma foi a abertura das universidades para as classes populares. Esse e outros direitos em disputa. Há fortes indícios de cerceamento ao pensamento crítico, patrulhamento ideológico e censura cultural. Não se fala sobre o Plano Nacional de Educação, resultante de grandes debates nacionais. Não há preocupação com as metas e estratégias definidas pela sociedade e transformadas em lei. (Juçara Vieira, ex-presidente do CPERS e da CNTE)


CULTURA & LAZER SAGITÁRIO (22/11 A 21/12) O momento é ótimo. Aproveite isto para fazer suas projeções para os tempos que virão. Frase do Belchior: “A felicidade é uma arma quente”, Comentários a respeito de John, 1979.

CAPRICÓRNIO (22/12 A 20/1)

HUMOR

HORÓSCOPO

PORTO ALEGRE, 18 DE DEZEMBRO A 03 DE JANEIRO DE 2019

Para lidar melhor com algumas situações prefira afastar-se emocionalmente. Frase do Belchior: “Eu quero é que esse canto torto, feito faca, corte a carne de vocês”, A palo seco, 1974.

AQUÁRIO (21/1 A 19/2) Seu momento é o agora, viva-o com a intensidade que merece. O futuro é você quem constrói. Frase de Belchior: “O passado é uma roupa que não serve mais”, Velha Roupa Colorida, 1976.

PEIXES (20/2 A 20/3) A ordem da vez é não procrastinar. Frase de Belchior: “Viver é melhor que sonhar, (...) também sei que qualquer canto é menor do que a vida de qualquer pessoa”, Como Nossos Pais, 1976.

ÁRIES (21/3 A 20/4) Use seu bom senso e fuja de brigas. Frase do Belchior: “Sons, palavras, são navalhas. E eu não posso cantar como convém sem querer ferir ninguém”, Apenas um rapaz latino-americano, 1974.

TOURO (21/4 A 20/5) Mantenha a calma. Frase do Belchior: “Tenho pressa de viver, mas quando você me amar me abrace e me beije bem devagar que é para eu ter tempo de me apaixonar”, Coração Selvagem, 1977.

GÊMEOS (21/5 A 20/6) Sabe a paciência histórica? Momento de usa-la. Frase do Belchior: “E pela dor eu descobri o poder da alegria e a certeza de que tenho coisas novas, coisas novas a dizer”, Fotografia 3x4, 1976.

CÂNCER (21/6 A 22/7) Cuidado para não se expor demais. Frase do Belchior: “Tenho sangrado de mais, tenho chorado para cachorro. Ano passado eu morri, mas este ano não morro”, Sujeito de Sorte, 1976.

LEÃO (23/7 A 22/8) Reserve um momento para descansar, você merece. Música do Belchior: “Não preciso que me digam de que lado nasce o Sol porque bate lá meu coração”, Comentários a respeito de John, 1979.

VIRGEM (23/8 A 22/9) A vida é uma grande charada. Tenha coragem e use sua intuição para saber em quem você pode confiar. Frase do Belchior: “Amar e mudar as coisas me interessa mais”, Alucinação, 1976

LIBRA (23/9 A 22/10) Seu charme está em alta, pessoas novas podem surgir. Frase do Belchior: “Enquanto houver espaço, corpo e tempo e algum modo de dizer não, eu canto”, Divina Comédia Humana, 1978.

ESCORPIÃO (23/10 A 21/11) Lembre que o melhor da vida são as pessoas. Temos muito que aprender e ensinar. Frase do Belchior: “Não quero o que a cabeça pensa, eu quero o que a alma deseja”, Coração Selvagem, 1976. Mateus Além Pisciano, jornalista, comunicador popular e militante do Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA). Tem mais facilidade em guardar o mapa astral do que o nome das pessoas.

GRAFAR

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TIRINHA | Armandinho (Alexandre Beck)


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CULTURA & LAZER

Grupo Unamérica comemora 35 anos de estrada

MÚSICA |

Foto: Katia Marko

Um grande encontro no dia 10 de novembro marcou a comemoração dos 35 anos no palco da Sociedade Ginástica de São Leopoldo.

Foto: Fabiana Reinholz

KATIA MARKO*

PORTO ALEGRE (RS)

M

úsicos que fizeram parte da história do Unamérica tocaram as canções que marcaram a trajetória do grupo. Subiram ao palco com Dão Real e Zé Martins, Cezar Flor, Luciano Camargo, Delcio Beleza, Cláudio Nilson, Betinho, Toninho Cardoso, Rodrigo Ruivo, Carlos Walter Soares e Joca Przyczynski. Quem estava lá, reviveu momentos importantes destes 35 anos de música, arte e engajamento com a cultura popular latino-americana e as causas sociais em busca de um mundo melhor. No show, foram relembradas músicas gravadas nos dois LPs e no CD dos 15 anos do grupo, como América Morena, Gaúchos Doidos, Rosa Amarela, Andante, Mulungu, Guarira Faceira, Menina Ciça, entre outras, além de composições consagradas da música popular brasileira e latino-americana como Guantanamera e Pra não dizer que não falei de flores, que finalizou a noi-

O Grupo Unamérica nasceu no início da década de 1980, formado originariamente por Dão Real e Zé Martins

te. Também foi um reencontro com instrumentos nativos, como o Charango, o Bombo Leguero, o Quatro Venezuelano, as Ocarinas e as Zampoñas, mesclando os ritmos folclóricos e tradicionais com poesias que mostram o homem e o meio em que ele vive, contando que somos iguais, só não falamos a mesma língua.

SAIBA www.unamerica.com.br /grupounamerica

Cultura popular e regional

Nesta noite foi possível compreender porque o Unamérica marcou a história da música gaúcha. São mais de três décadas desenvolvendo um trabalho musical identificado com a cultura popular e regional, tendo como proposta a difusão da música latino-americana. Sempre em defesa da rica diversidade das culturas dos povos deste continente, considerados elementos de universalização e congregação. O Grupo Unamérica nasceu no início da década de 1980, mais precisamente em 1983, no Vale dos Sinos/RS, formado originariamente por Dão Real, Zé Martins e Protásio Prates (já falecido). No início da década de 1980, a cena musical no Rio Grande do Sul era efervescente e propiciava ao novo. Havia muitos festivais nativistas pelas cidades do interior do estado, festivais universitários, festivais de canções populares e o rock gaúcho, com o surgimento de muitas bandas, transformando-se em uma referencia nacional.

Pedro Munhoz em livro e DVD

O

artista popular Pedro Munhoz lançou no final de novembro seu primeiro livro de poemas e também o DVD onde registra a apresentação que fez recentemente no Café Fonfon, em Porto Alegre. Ambos compõem uma obra única, denominada “Poemais e outras canções urgentes”, trazendo desde obras já conhecidas do público até novidades que reafirmam o caráter de instrumento de luta popular impresso por Munhoz em seus textos e canções. Contrário à lógica de mercado, prefere a rotina da estrada ao sucesso enlatado das grandes gravadoras e distribuidoras. “Espraio este trabalho com meu

violão e minha voz, prefiro cantar nos fundões do Brasil, nos vilarejos, nos povoados, nas florestas, no Pampa, onde estão aqueles e aquelas de quem falo em minhas canções e poemas”, explica. Sua obra é fruto de reflexões, de histórias e experiências que ouve e vive junto do povo simples, que depois – conforme explica – sintetiza “em 4 ou 5 minutos de canção” e devolve ao povo neste novo formato. Quem conhece esse intérprete do tempo contemporâneo, não vai se surpreender com o conteúdo de “Poemais e Outras Can-

ções Urgentes”. Ao contrário, vai reencontrar em novas expressões esse desafio incômodo, que cha-

ma a deixar a zona de conforto do cotidiano e colocar-se em marcha.

SERVIÇO: O box com livro e DVD “Poemais e Outras Canções Urgentes” pode ser solicitado através das redes sociais de Pedro Munhoz, ou pelo whatsapp (51) 999 742 166.

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ESPORTES

PORTO ALEGRE, 18 DE DEZEMBRO A 03 DE JANEIRO DE 2019

Aldyr Schlee: sem fronteira, na alma e na obra MEMÓRIA |

Fotos: Stela Pastore

Morreu o criador da camiseta canarinho da Seleção Brasileira de futebol. Foi assim que o jornal The New York Times e a maioria dos meios de comunicação noticiaram a morte de Aldyr Schlee, em 15 de novembro, aos 83 anos. Natural de Jaguarão, foi sepultado em Pelotas, onde residia há muitos anos intercalando temporadas no sítio em Capão do Leão. STELA PASTORE PORTO ALEGRE (RS)

T

orcedor da Celeste e do Brasil de Pelotas, foi sepultado com o caixão coberto pela bandeira uruguaia e com nota de pesar do Xavante. Jogador de futebol de botão, consagrou-se também por escritos ligados à bola, como Contos de Futebol. A notabilidade por ter criado a camisa da seleção por meio de um concurso em 1953 não o alegrava. Se entristecia ao ver o símbolo que remete à nacionalidade utilizado despropositadamente. “Hoje essa camiseta é usada contra a presidenta Dilma e pelo impeachment, com o moralismo mais barato que se pode imaginar. É o símbolo da

corrupção, da miséria, da pobreza e da situação que foi colocado miseravelmente o futebol brasileiro”, sublinhou em entrevista concedida a mim e ao jornalista Renato Dalto numa tarde de 2015 em sua casa em Pelotas, antes do golpe. Na Copa desse ano recusou-se a dar entrevista sobre a criação da camisa. O reconhecimento por desenhar a camisa da seleção ou sua ligação com o futebol, reduz o que foi Schlee (lê-se Schilê). Escritor, jornalista, desenhista, caricaturista, tradutor, professor de Direito Internacional por 30 anos, doutor em Ciências

Humanas, criador da faculdade de jornalismo da Universidade Católica de Pelotas, ganhador do prêmio Esso de Jornalismo, um dos criadores do jornal Última Hora, autor de mais de 15 livros, a maioria contos, vencedor de duas Bienais Nacionais de Literatura, seis prêmios Açorianos de Literatura, Prêmio Fato Literário RS e homenageado com a Ordem do Mérito Cultura do Brasil, pelo Ministério da Cultura. Esses são alguns dos atributos deste personagem do sul da América, que traduziu na sua escrita o universo fronteiriço.

Livro inspirou o filme O Banheiro do Papa O livro “O Dia em que o Papa foi a Melo”, publicado originalmente em espanhol, foi a inspiração do filme “O Banheiro do Papa”. Adaptaram o roteiro sem consultá-lo e sem dar os créditos. “Eu estava feliz porque alguém teve a mesma sensibilidade minha e fez uma livre adaptação”, declarou, generoso. Ativista de esquerda, foi preso na ditadura militar. Ao longo da vida reuniu um grande número de admiradores que lotavam as filas dos lançamentos, como na última sessão em Jaguarão em 26 de setembro em que autografou por quatro horas seguidas.

Aldyr García Schlee faleceu de câncer de pele 22 meses após a morte de sua companheira de vida por 58 anos, Marlene Rosenthal Schlee, com quem teve os filhos Sylvia, Andrey e Aldyr. Marlene morreu de câncer de pulmão. Ela não era apenas seu amor, sua inspiração, sua cúmplice. Era sua crítica mais rebuscada e contundente. A primeira a ler seus escritos e a manipular os originais. Sua leitora rigorosa. Também seu esteio e sua memória, dizia. Manteve o humor intenso, o sorriso limpo e o rigor literário. Schlee não tinha fronteiras. Nem físicas e nem imaginárias para a sua criação.

Os excluídos

Mesmo com origem aristocrática em Jaguarão, onde a família ganhou dinheiro durante a construção da ponte Mauá, que liga Brasil e Uruguai, Schlee sempre retratou os excluídos na literatura. “Meus personagens são os rejeitados”. Disse que isso era ‘consciência de classe’, relatando que ao mudar para Pelotas em 1950, o pai ficou desempregado e ele trabalhou para manter a família. Schlee desenha os cenários onde habitam seus personagens, descreve sua personalidade e os muscula de humanidade e imaginação, com meticulosa pesquisa documental. Traduz em suas narrativas esse universo periférico, desgarrado, de pessoas simples, compostas de aridez e sonho. “Eu desenho os personagens, a cidade, faço mapas. O Erico (Verissimo) fazia isso. No livro Contos Gardelianos eu desenhei cada uma das personagens a partir de uma figura. Não é regra, mas acho que um traço segura o personagem para que ele corresponda àquela imagem”, relata. Schlee tinha na alma e no conhecimento os saberes desse espaço fronteiriço entre Brasil e Uruguai com os quais inundava sua literatura. Seu último livro lançado em setembro, ‘O Outro Lado – uma noveleta pueblera’, acentua essa definição. “Nasci na fronteira e tenho uma obra por causa do encontro do português e espanhol. Precisei construir um idioma próprio. Mas isso não transmite a exuberância e a riqueza que é o mundo da fronteira, passando por esse limite imaginário e o limite institucional, feito para separar.” Deixou pronto o Dicionário da Cultura Pampeana Sul-rio-grandense. Compilou o glossário rico que nutriu sua vida e literatura nesse universo, incluindo conhecimentos campeiros, espécies animais, ervas medicinais que vicejam no pampa desse sul da América. E foi esse autor de criação pródiga e desenfreada, que manteve um vivo olhar de menino entusiasmado, mesmo enfrentando 14 cirurgias recentes e apesar de nem sempre ser reconhecido.


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