Jornal Brasil de Fato / RS - Número 19

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Conselhos Tutelares A importância do seu voto no dia 6 de outubro

PÁGINA 3 RIO GRANDE DO SUL

Entrevista Juremir Machado fala sobre a Revolução Farroupilha e as infames façanhas do mito tradicionalista gaúcho

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13 a 27 de setembro de 2019 distribuição gratuita brasildefato.com.br

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Ano 2 | edição 19

PRIVATIZAÇÕES O RIO GRANDE NO BALCÃO

Depois de sua base no Legislativo barrar o plebiscito e impedir a população de ser ouvida, o governador Eduardo Leite vai levar à leilão CEEE, CRM e Sulgás. Será um bom negócio para o Estado? Confira na página central.


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OPINIÃO

PORTO ALEGRE, 13 A 27 DE SETEMBRO DE 2019

ARTIGO | Novas façanhas, velhas práticas: cai a máscara de Eduardo Leite

CHARGE | Santiago

Helenir Aguiar Schürer *

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anos

Uma lição de 40

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al raiava o dia 7 de Setembro de 1979 quando um grupo de 110 famílias de sem-terra proclamou sua independência. Numa longínqua madrugada levantaram suas barracas na granja Macali, em Ronda Alta/ RS.Aconteceu em tempos difíceis, sob uma ditadura que ainda se estenderia por mais seis longos anos. Descendentes de italianos, alemães, polacos, portugueses e muitos pelos-duros,todos gente pobre, têm a arte rudimentar da lavoura, mão grossa do cabo da enxada. Tentam enxotá-las mas eles resistem. Apoiadas pelos setores progressistas da sociedade, sobretudo da Igreja Católica,realizam a primeira ocupação de terra bem sucedida ainda sob a ditadura de 1964. É a retomada da luta pela reforma agrária no Brasil, único país de grande extensão no mundo a não

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realizar alguma forma de partilha da terra. No mesmo setembro, os sem-terra ingressariam na granja Brilhante, situada ao lado. Nos anos seguintes, haverá o acampamento de Encruzilhada Natalino e a entrada na fazenda Annoni, a exemplo da Macali e da Brilhante, fração do antigo latifúndio chamado fazenda Sarandi.Daquela semente, que germinou junto às barracas de taquara, lama, lona preta e capim, brotará o MST. Quatro décadas passadas, a façanha foi lembrada e festejada, como contamos nesta edição. Importante lembrar que tudo somente aconteceu porque eles se organizaram e rejeitaram o destino de párias que lhes estava prometido. Articularam-se, lutaram e venceram. É uma lição para todos nós neste 2019 quando as trevas, novamente, ameaçam o Brasil.

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CONSELHO EDITORIAL Danieli Cazarotto, Cedenir Oliveira, Fernando Fernandes, Ezequiela Scapini, Ronaldo Schaefer, Frei Sérgio Görgen, Ênio Santos, Isnar Borges, Cláudio Augustin, Fernando Maia, Neide Zanon, Edison Terterola, Mariane Quadros, Daniel Damiani, Jéssica Pereira, Ademir Wiederkehr, Alex Ebone, Luiz Müller, Vito Giannotti (In Memoriam) | EDIÇÃO Katia Marko (DRT7969), Marcos Corbari (DRT16193), Ayrton Centeno (DRT3314) e Marcelo Ferreira (DRT16826) | REDAÇÃO NESTA EDIÇÃO Fabiana Reinholz, Marcelo Ferreira, Ayrton Centeno, Marcos Corbari e Maiara Rauber. | DIAGRAMAÇÃO Marcelo Souza | DISTRIBUIÇÃO Alexandre Garcia | IMPRESSÃO Gazeta do Sul | TIRAGEM 25 mil exemplares

O tempo dos “remédios amargos” já passou. Foram testados e não tiveram os resultados alardeados. Há 20 anos, Britto inaugurou o experimento neoliberal e afundou o estado em dívidas. Da mesma forma, Sartori legou ao Rio Grande do Sul o maior rombo dos últimos 16 anos. A POIO

EDITORIAL |

o dia 12 de abril, após Assembleia Geral e caminhada até o Piratini, o CPERS arrancou do governo o compromisso de discutir a pauta de reivindicações aprovada pela categoria: salário em dia, reposição emergencial de 28,78% e a realização de concursos públicos. Ocorreram duas audiências, mas apenas na primeira, no dia 29 de abril, Eduardo Leite esteve presente. A terceira rodada de negociações estava agendada para o dia 27 de maio. O governo desmarcou e interrompeu as tratativas. Não há que se nutrir ilusões. Está desfeita a fachada de diálogo de Eduardo Leite. Por trás da máscara, está a radicalização do projeto de Sartori; desmanche da escola pública, ataque brutal ao funcionalismo, precarização dos serviços e redução do Estado a todo custo. Ao todo, já amargamos 45 meses sem receber em dia. Vale lembrar que o RS – a quarta maior economia do Brasil – paga o 2º pior salário básico para educadores(as) entre todos os estados da

federação. Estamos em situação de miséria, acumulando empréstimos impagáveis, sem dinheiro para ir trabalhar e escolhendo entre comer e pagar as contas. No plano pedagógico, o caos grassa nas escolas. O Rio Grande do Sul se tornou um exemplo de desumanidade ao demitir educadores(as) contratados(as) em meio à licença saúde. A maioria das escolas sofre com a falta de professores(as) e funcionários(as), além de graves problemas estruturais. Agora, Leite fala abertamente em estabelecer PPPs para entregar escolas públicas à gestão privada, um prato cheio para grandes empresas abocanharem recursos dos contribuintes, enquanto os verdadeiros problemas da educação são jogados para baixo do tapete. O tempo dos “remédios amargos” já passou. Foram testados e não tiveram os resultados alardeados. Há 20 anos, Britto inaugurou o experimento neoliberal e afundou o estado em dívidas. Da mesma forma, Sartori legou ao Rio Grande do Sul o maior rombo dos últimos 16 anos. Em setembro, após meses de denúncias e um árduo processo de mobilização, arrancamos do governo Leite a garantia de não demitir contratados no fim do ano e renovar os contratos por tempo determinado, bem como a previsão de concurso público e mais agilidade no pagamento de quem ingressa na rede. A vitória demonstra que são tempos de coragem. Não há saída possível fora da mobilização coletiva. Seremos, portanto, a mais firme e insubmissa resistência. Não podemos mais esperar. A categoria deve se preparar para um duro enfrentamento em defesa da escola pública e da sua própria existência. Vamos, juntos(as), em cada escola e cada região, mobilizar, organizar e construir as condições para construir uma greve maciça e vitoriosa. Avante, educadores(as)!

* Presidente do CPERS Sindicato


GERAL

PORTO ALEGRE, 13 A 27 DE SETEMBRO DE 2019

Um protesto contra o retrocesso, por liberdade e direitos O 25º Grito dos Excluídos no Rio Grande do Sul percorreu as ruas da Vila Santo Operário, primeira grande ocupação urbana no Estado. FABIANA REINHOLZ PORTO ALEGRE (RS)

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ara lembrar dos 40 anos da ocupação Vila Santo Operário, local que é um marco das ocupações urbanas no Rio Grande do Sul, o 25º Grito dos Excluídos, diferente das edições anteriores, esse ano deixou a capital gaúcha e se concentrou no bairro Mathias Velho, em Canoas, região metropolitana de Porto Alegre. Organiza-

da por pastorais sociais católicas e de outras tradições religiosas e por movimentos populares, o ato reuniu, nesse 7 de setembro, manifestantes que circularam pelas ruas históricas da vila sob o lema “Este sistema não vale!”, entoando gritos contra os retrocessos promovidos pelo atual governo e pelo direito à vida, educação, moradia e pela soberania nacional. Homens, mulheres, lideranças locais e políticas, movimentos sociais e sindicais, trabalhadoras e trabalhadores, crianças e indígenas de cara pintada circularam pelas ruas da vila empunhando cartazes e faixas. O trajeto foi acompanhado por músicas de protesto e populares. Du-

Foto: Marcus Perez / Imprensa CUTRS

GRITO DOS EXCLUÍDOS Fotos: Marcelo Ferreira

A luta por moradia digna e o direito à educação também estavam na pauta do Grito dos Excluídos

rante o percurso, foram realizadas paradas onde houve manifestação dos presentes. A memória da luta dos pobres, trabalhadores e trabalhadoras na busca por justiça, igualdade, fraternidade e paz para as comunidades foi uma constante no trajeto. “Gritamos por direito à paz que tenha base na justiça social. Por direito a uma alimentação saudável, sem agrotóxicos, sem veneno. Lutamos por moradia, pelo direito a uma educação que liberta o ser humano”, afirma Roseli Pereira Dias, assessora da Cáritas Brasileira Regional do Rio Grande do Sul e integrante da organização do Grito na região. Para ela, especialmente no

Mesmo com adiamento, ato espontâneo reúne milhares de pessoas em Porto Alegre Foto: Marcelo Ferreira

Protesto denunciou ataques do governo Bolsonaro à educação pública, à soberania nacional e às políticas ambientais.

Os 40 anos da Vila Santo Operário Alcindo Rodrigues Pereira, representante do movimento comunitário da união de associação de moradores de Canoas, destaca que, além de celebrar os 40 anos da vila, o Grito também lembra o assassinato do metalúrgico Santo Dias da Silva, membro da Pastoral Operária, que foi alvejado pelo polícial militar Herculano Leonel na greve de operários de outubro de 79, em São Paulo. Morador da

vila desde o seu surgimento, Alcindo pontua que o sistema não vale porque ele depreda a natureza e só traz desemprego. “Estamos gritando para que o grito desses excluídos venha à tona, para que sejam ouvidos, para que se desperte. Percorremos as ruas da vila para lembrar os seus 40 anos e também os 40 anos do silenciamento do Santo”, aponta. De acordo com Alcindo, o nascimento da Vila remete ao êxodo rural, onde muitas pessoas vieram para trabalhar na construção civil e, principalmente, no polo petroquímico. Por conta da falta de lugar para morar, as pessoas passaram a ocupar um terreno onde havia uma granja de arroz desativada.

A importância do seu voto para os conselhos tutelares

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PORTO ALEGRE (RS)

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contexto atual de desmonte completo, onde a soberania e a democracia estão postas em xeque, o estímulo ao Grito é ainda maior, especialmente nas comunidades.

MARCELO FERREIRA PORTO ALEGRE (RS)

MARCELO FERREIRA

esmo com o adiamento do Ato Nacional em defesa da Educação e da Amazônia convocado pelos estudantes em Porto Alegre, por conta do tempo chuvoso que se abateu sobre a região neste feriado da Independência (7), cerca de duas mil pessoas se reuniram no Parque da Redenção e saíram em caminhada pelas ruas da cidade. Os manifestantes, assim como nas outras 131 cidades brasileiras que registraram protestos e manifestações da 25ª edição do Grito dos Excluídos, denunciaram as ações do atual governo contra a educação pública e a soberania nacional e o desmatamento na Amazônia. A concentração teve início

Cerca de duas mil pessoas se reuniram no Parque da Redenção.

às 15h. Ao chegarem no ponto de encontro, todos vestindo roupas pretas em luto e luta pelo Brasil, os manifestantes se depararam com centenas de militares, carros e caminhões do exército ao redor do Monumento ao Expedicionário, que participavam do encerramento da Semana da Pátria. O sentimento inicial de tensão aos poucos deu lugar a faixas, gritos de ordem e discursos realizados mesmo sem aparelho de som. Para o secretário de Comunicação da CUT-RS, Ademir Wiederkehr, a luta não é

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só de resistência, mas uma jornada para ganhar a população brasileira que está em dúvida sobre o que fez do seu voto nas eleições de 2018. “É por isso que nós devemos ter esse compromisso, nesse dia da Pátria, que não é dia de milico, nem um dia da independência, senão um dia para reforçar a nossa disposição e militância para trazer de volta o Brasil para o desenvolvimento voltado para seu povo, com desenvolvimento social, liberdade, não existe um país soberano sem Ciência e Tecnologia”, ressalta.

primeiro domingo de outubro, dia 6, será de eleição para os conselhos tutelares em todo o Brasil. Os eleitos em cada município terão mandatos entre 2020 e 2023. O voto é facultativo, podendo votar qualquer cidadão com mais de 16 anos de idade que tenha título de eleitor. Informe-se junto à sua prefeitura municipal sobre os candidatos e os locais onde as urnas eletrônicas estarão localizadas. Diretor do Centro de Promoção da Criança e do Adolescente (CPCA), Frei Luciano Bruxel atua na periferia de Porto Alegre e ressalta a importância dos moradores das comunidades votarem em seus representantes. “A eleição dos conselhos tutelares é tarefa importante para as nossas comunidades, exige uma escolha comprometida, os conselhos são a primeira porta de acesso quando acontecem situações de violação dos direitos das crianças e dos adolescentes. É importante elegermos pessoas capazes e que estejam atentas para poderem dar os devidos encaminhamentos”, explica. Os conselhos tutelares foram instituídos legalmente através do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), lei de 1990. Um conselho é uma estrutura pública sustentada com recursos municipais. Após eleitos, os conselheiros e conselheiras têm a obrigação de atuar pela garantia do cumprimento do ECA no território em que foi eleito, protegendo crianças e adolescentes de violências, abusos e situações de exposição dentro daqueles bairros.


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GERAL

PORTO ALEGRE, 13 A 27 DE SETEMBRO DE 2019

CEEE | Conta da venda vai cair no

colo dos gaúchos

Foto: Katia Marko

Maior das estatais na mira da privatização, a Companhia Estadual de Energia Elétrica (CEEE) já sofreu experiência semelhante nos anos 1990, durante o mandato Antonio Britto (PMDB). AYRTON CENTENO

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PORTO ALEGRE (RS)

ois terços da sua distribuição _ o filé mignon do negócio de energia _ foram para o martelo. O restante da distribuição, mais a geração e a transmissão ficaram com a companhia. De repente, a CEEE perdeu 50% da receita e herdou 88% da despesa. E agora, consumada a venda, o que acontecerá? É o que deseja saber o ex-gerente e conselheiro da Fundação CEEE, Marcelo Paludo. “Não vai restar mais CEEE para assumir os passivos. O governo não diz o que vai fazer”, reclama. “Mas - prossegue - alguém vai pagar a conta e não será a empresa privada que vai explorar os serviços. Esta conta ficará, de alguma forma, para a sociedade”, projeta.

267 privatizações revertidas Na sua avaliação, cairão outras contas no colo dos gaúchos. Uma ou duas décadas após a onda privatizante do final do século 20, há um processo de reversão. “Da virada do milênio para cá, foram registrados 267 casos de remunicipalização ou reestatização, de sistemas de água e esgoto, incluindo Paris e Berlim”, cita. Tudo devido, segundo ele, às altas tarifas geradas pelas privatizações ou parcerias público-privadas (PPPs). Que também descumpririam promessas, operando com baixa transparência. Com a energia elétrica ocorre o mesmo, assegura. Como argumento, apresenta o caso da ENEL, resultado da venda da antiga companhia de eletricidade de Goiás, a CELG. “Privatizada, hoje é a pior distribuidora do Brasil”, aponta. Refere ainda que o novo gover-

Brizola paga indenização de Cr$ 1 e assume a distribuição de energia

nador - Ronaldo Caiado, do DEM - iniciou uma campanha para retirar a concessão da ENEL. Além dos quatro mil empregos diretos da CEEE que podem ser perdidos, haverá outras consequências. Como a provável compradora será a estatal State Grid, da China, é bem possível que o tempo piore também para a cadeia de fornecedores. “Exportaremos toda a cadeia de fornecimento, lucros, dividendos, geração de impostos”, prevê.

Governo quer quitar passivos Para o governo gaúcho, a venda da CEEE - com dívida estimada em mais de R$ 4 bilhões - mais a CRM e a Sulgás, permitiriam a adesão ao Regime de Recuperação Fiscal, do governo federal, criando um novo espaço para investimentos. Como os recursos decorrentes da privatização poderão ser adiantados por via de financiamentos, servirão para “quitar passivos e reorganizar as contas públicas”. Entre os passivos a serem quitados estaria a colocação em dia dos salários do funcionalismo, atrasados desde o período de José Ivo Sartori (PMDB).

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Leonel Brizola assina a encampação da Cia Telefônica Nacional, subsidiária da ITT, 1962

Foto: Katia Marko

grande momento na trajetória da CEEE aconteceu em 1959 quando o então governador Leonel Brizola encampou os contratos de concessão e declarou de utilidade pública os bens da Companhia Energia Elétrica Rio Grandense (CEERG). Esta era controlada pela norte-americana Bond andShare. O gesto só ocorreu após inúmeras tentativas, todas malsucedidas, de convencê-la a ampliar a distribuição de energia. Boa parte dos gaúchos viviam às escuras. Como a Bond andShare não quis investir, Brizola pagou-lhe uma indenização de um cruzeiro, a moeda da época, e assumiu o compromisso de fazer o que a iniciativa privada não quis fazer. Foi um escândalo. A encampação tornou-se notícia

internacional. Causou uma crise entre o Brasil e os Estados Unidos, sempre prontos a proteger seus investimentos no exterior. Brizola argumentou que a Bond andShare já havia sido suficientemente paga ao longo dos 30 anos que explorava o serviço. E que a ineficiência da multinacional atrasava o desenvolvimento do estado. A CEEE, que existia desde 1943 com menos tarefas e o nome de “comissão” passa a gerir todo o sistema. Em 1997, em sentido contrário, a CEEE foi fatiada e leiloada. O governo Antonio Britto (PMDB) vendeu dois pedaços da companhia para os grupos AES Sul e RGE Energia. É o trabalho que, agora, o governo Eduardo Leite (PSDB), representante dos mesmos interesses que levaram Britto ao poder, quer concluir.


GERAL

PORTO ALEGRE, 13 A 27 DE SETEMBRO DE 2019

O Pré-Sal em terra firme que o governo pode entregar

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CRM |

“O carvão mineral está para o Rio Grande do Sul no mesmo patamar de importância energética que o Pré-Sal para o Brasil”. É o que diz o ex-presidente da Companhia Riograndense de Mineração, a CRM, engenheiro Elifas Simas.

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ão é exagero. Estão no solo e subsolo gaúcho praticamente 90% das reservas de carvão mineral do país. “Somente a jazida de Candiota possui 38% de todo o carvão nacional”, acentua Simas. O Brasil ocupa o 10º lugar no planeta em reservas e quase todas estão no Rio Grande. Os números da CRM são todos altíssimos: suas reservas lavráveis em Candiota, no Sul do Estado, alcançam mais de 1,5 bilhão de toneladas. Em Minas do Leão, existem mais

180 milhões e, em Iruí, outros 119 milhões. Na soma, quase 1,8 bilhão.

Jazidas são poupança de R$ 122 bi Porém, a exemplo do Brasil sob Bolsonaro, o Rio Grande de Eduardo Leite também pode se desfazer de seu tesouro enterrado. “As concessões de minas são da CRM, ou seja, do Estado”, comenta Simas. No entanto, com a companhia sendo leiloada, “dependendo da modelagem que está sendo estudada pelo BNDES, essas concessões deverão ficar com a empresa que comprar a CRM”. Ou seja, quando bater o martelo, o Rio Grande poderá sofrer uma perda brutal. E de quanto seria? O engenheiro relata que, em 2017, uma negociação entre a CRM e sua cliente, a Companhia de Geração Térmica e Energia Elétrica (CGTEE), definiu o preço da tonelada de car-

vão em R$ 68,00. Por tal medida, o valor das jazidas carboníferas gaúchas alcançaria R$ 122,3 bilhões. O que significa dois orçamentos e meio do Estado...

Futuro seria o gás de carvão Simas enfatiza que a participação do carvão na geração de energia mundial continuará alta na próxima década, oscilando em torno dos 40%. Embora o minério seja fonte contestada pela poluição que provoca, aponta sua gaseificação como uma saída aceitável. “É a mais limpa, flexível e confiável maneira de economizar, reduzir a dependência e o uso de combustíveis fósseis e transformar o carvão mineral em energia limpa”, relata. O gás resultante do processo também é usado na produção de combustíveis líquidos, óleos e ureia. O ex-presidente defende a companhia como “saudável e

SULGÁS | Leite quer se

desfazer de empresa que gera lucro de R$ 73 milhões/ano No caso da Sulgás, os argumentos para entregá-la em mãos de particulares parecem ainda mais frágeis. A começar pelo fato de que é um excelente negócio. Não tem dívidas e, em 2018, fechou o ano com lucro de R$ 73 milhões. Nos últimos 15 anos, atingiu R$ 1,4 bilhão de lucro líquido (em valores atualizados).

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nxuta, com apenas 130 empregados contratados via CLT, repassa aquilo que ganha ao Estado, como diz a presidente da Assulgás, a associação dos empregados da estatal, arquiteta Sandra Paravisi. “Com o lucro, repara, é possível manter 800 soldados da BM ou 1,5 mil professores ou ainda 700 médicos para o povo gaúcho”.

Privatização aumentou o preço do gás Nota que, nos seus 26 anos, a Sulgás nunca sonegou impostos ou se valeu das benesses das isenções fiscais, duas situações bastante comuns na iniciativa privada. Mas, agora, contraditoriamente, o governo estadualprojeta isenções aos compradores. E como ficará a qualidade do serviço em mãos de particulares? Sob risco, segundo ela. Por exemplo, a ausência de regulação. O estado não possui agência reguladora, o que poderá acarretar perda da eficiência e avanço no preço do combustível. “O gás natural da Sulgás é muito mais barato do que nos estados que já privatizaram, casos de Rio e São Paulo”. As agências reguladoras não têm sido eficientes. “Em São Paulo, houve alta de 40% no GNV e 32% no gás natural industrial em fevereiro. E agora em maio, mais um reajuste. No Rio, o gás

natural industrial aumentou 98% nos últimos dois anos...”

A Sulgás pode investir O governo estadual reconhece que a situação da empresa é positiva, mas alega que a Sulgás não se expandiu como deveria, limitando-se à região metropolitana de Porto Alegre e à Serra. A privatização, assim, serviria para, através de novos investimentos, ampliar a distribuição do gás. A argumentação não convence a presidente. Pondera que a Sulgás já possui capacidade financeira para realizar investimentos e pretende estender a rede de forma economicamente viável. O grande problema para a expansão está em outro lugar e não será alterado com a venda da empresa. É o fato do gasoduto Brasil-Bolívia (que pertence à União) contar com apenas 185 km no Rio Grande do Sul, ingressando pela Serra e indo até Canoas.

lucrativa” e preparada para minerar cinco milhões de toneladas/ano “nos padrões mais modernos existentes”. Em 2017, a CRM teve receita líquida de R$ 101 milhões e um déficit de R$ 19,3 milhões. Ele explica que houve queda de faturamen-

to por conta de que seu grande cliente, a CGTEE, passou a comprar menos após o fim das operações da termelétrica Presidente Médici fases A e B. Atualmente a empresa conta com 283 funcionários todos sob o regime de CLT.

Oposição organiza atos nacionais pela soberania e contra privatizações

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anifestações em defesa da Amazônia, da Petrobras, da Eletrobras, dos Correios, da Base de Alcântara e dos bancos públicos já estão programadas até novembro, em todo o país. Foi uma das decisões do lançamento da Frente Popular e Parlamentar em Defesa da Soberania Nacional, lançada em Brasília por deputados, senadores, movimentos populares, centrais sindicais, igrejas, ONGs e outras entidades sociais. O calendário já começou a ser cumprido no dia 7 de Setembro com o Grito dos Excluídos e continuará assim: 19 de Setembro – Jornada rumo ao centenário de Paulo Freire; 20 de Setembro – Dia Nacional de manifestações e paralisações contra a destruição do Brasil; 24 de Setembro – Manifestação em torno do indicativo de votação da reforma da Previdência no Senado; 26 de Setembro – Ato em Brasília (DF) em defesa dos Correios; 3 de Outubro – Ato no Rio de Janeiro (RJ) e em Curitiba (PR) em defesa da Petrobras e da Soberania; 5 de Outubro – Ato Nacional em Marabá (PA) em defesa da Amazônia; 15 de Outubro – Ato em São Paulo (SP) em defesa dos Bancos Públicos; 16 de Outubro – Dia Mundial da Alimentação; 17 de Outubro – Seminário no Auditório Nereu Ramos, em Brasília (DF), contra a violência no ambiente escolar (organizado pela Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação);18 de Outubro – Ato Nacional em Recife (PE) em defesa da Eletrobrás; 25 de Outubro – Ato em Brumadinho (MG) em defesa da reestatização da Vale; 20 de Novembro – Caravana em defesa da Base de Alcântara, no Maranhão.


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TERRA

PORTO ALEGRE, 13 A 27 DE SETEMBRO DE 2019

A SEMENTE DO MST | 40 anos da ocupação Macali e

Brilhante

Fotos: Leandro Molina

Ações marcaram o recomeço da luta pela terra no Brasil, ainda em tempos de ditadura militar MAIARA RAUBER

SANTA CRUZ (RS)

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história das ocupações que marcou a Reforma Agrária no Rio Grande do Sul inicia após a expulsão de cerca de 1200 famílias das terras indígenas de Nonoai, na região Norte do estado, em 1978. Diante do ocorrido, o governo gaúcho iniciou, junto com o governo federal, um processo de transferência desses Sem Terra. Algumas famílias aceitaram fazer parte do processo de colonização no Mato Grosso. No entanto, cerca de 500 delas optaram por não sair do estado. Esses remanescentes passaram a acampar nas proximidades da reserva indígena, no município de Nonoai, Planalto e Três Palmeiras. Depois de algumas ocupações mal sucedidas, com o auxílio da Comissão Pastoral da Terra (CPT), de sindicatos, estudantes, servidores da Secretaria de Agricultura, entre outras entidades, os camponeses passam a se organizar para ocupar a gleba Macali. No dia em que o povo brasileiro comemorava seus 157 anos de independência, um grupo de famílias iniciava a luta por sua própria conquista. Na noite anterior ao 7 de setembro de 1979, na estrada entre as fazendas Macali e Brilhante, 36 caminhões boiadeiros e veículos transportavam cerca de 110

Festa lotou o salão da comunidade Macali II, em Ronda Alta

famílias para que essas ocupassem a Macali. “A estrada era de terra vermelha, levantava uma poeira enorme, e uma lua lindíssima clareava o caminho até a Macali”, lembra padre Arnildo Fritzen, que à época ajudou a organizar os Sem Terra. No dia 7, como forma de demarcar o sucesso da ocupação, os camponeses hastearam a bandeira do Brasil e realizaram a missa da independência. “Foi [tudo] muito animado, bastante canto. O povo gritava: povo unido jamais será vencido”, acrescenta padre Arnildo. Dias depois dessa ocupação, mais de 70 famílias ocuparam a gleba Brilhante. “Nós alugamos um caminhão que puxa cavalo e enchemos de gente. Ele nos largou com as trouxas nas cos-

Mística contou a história das ocupações Macali e Brilhante.

Brachak afirma que a maior conquista dela e de seu marido foi criar os filhos em terras de Reforma Agrária. “Eu tenho orgulho de dizer que eu criei seis filhos em cima dessa terra que eu ajudei a conquistar com sofrimento, embaixo de lona”, argumenta.

Mística tratou do papel mulheres para o sucesso das ocupações

tas e fomos atorando as valetas. Era longe, de noite, no escuro, pulando cerca”, conta o assentado Lucival Brachak. “A polícia veio e nós enfrentamos o coronel. Nós não saímos de lá”, recorda. Segundo o agrônomo Ivaldo Gehlen, inicialmente o governo escolheu ignorar essa segunda ocupação. No entanto, com a pressão dos camponeses e da sociedade, o poder público se viu obrigado a conceder terra, assistência social e alimentos.

Marcos após um ano de acampamento Segundo o agrônomo Luiz Fleck, com a ajuda dos servidores da Secretaria de Agricultura, os Sem Terra conseguiram plantar cerca de 1.000 hectares. Para Lídia Oliveira, assentada na Macali, o que marcou o primeiro ano de ocupação foi o tra-

balho coletivo. “Fizemos um lavourão durante um ano, todas as famílias trabalhavam junto”, conta. Um ano depois da ocupação, ocorre o sorteio oficial de lotes entre os acampados. “Um momento marcante, que legitimou tudo o que estava acontecendo”, afirma Gehlen. Já para Juraci Machado da Silva, assentada na Brilhante, o que se destaca em sua lembrança foi a conquista dos direitos das mulheres. “Nós conseguimos o talão de produtor, conseguimos ser sujeitos da história”, enfatiza. Outro marco foi a possibilidade de dar estudo para os filhos desses assentados. “A gente veio de um sofrimento, e achava que o bom para os filhos era dar estudo e que eles buscassem novos horizontes”, justifica. A camponesa Teresinha

Um olhar para a história: comemoração dos 40 anos das ocupações Para comemorar os 40 anos de ocupação das glebas Macali e Brilhante, no dia 7 de setembro de 2019, as comunidades, juntamente com o Movimento de Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), homenagearam as famílias que acamparam e os seus apoiadores. Dusnelda Pinheiro, assentada na Macali, comemora essa data lembrando da união do povo. Já Dineta Portilioti Vieira, moradora da Brilhante, recorda da luta, da fé e da coragem de todos os companheiros dessa ação. “Para nós foi uma luta e uma conquista de muita garra”, pontua. João Pedro Stédile, integrante da coordenação nacional do MST, destaca o legado deixado pelas ocupações Macali e Brilhante. “O principal legado é justamente a teimosia da luta. Todas as lutas que deram origem ao MST foram construídas sobre a base da solidariedade social”, finaliza.


CULTURA & LAZER

PORTO ALEGRE, 13 A 27 DE SETEMBRO DE 2019

HORÓSCOPO ÁRIES (21/3 A 20/4) Quando tu deres esmola, não saiba a tua mão esquerda o que faz a tua direita. Esta máxima cristã te ajudara a entender sua tática neste novo período histórico que se desenha. Tome cuidado com distrações.

TOURO (21/4 A 20/5) O que tem servido de bússola para que você avance diante destes tempos nebulosos? O paradoxo aqui é entender que o destino não é mais importante que o primeiro passo. Na dúvida, olhe para dentro.

GÊMEOS (21/5 A 20/6) O amor é um presente. É bom recebê-lo, mas o seu verdadeiro sentido entendemos quando o doamos. Este é o segredo. Igualmente, não tente resolver antigos conflitos com métodos antigos, é preciso oxigenar.

CÂNCER (21/6 A 22/7) “Do rio que tudo arrasta se diz que é violento. Mas ninguém diz violentas as margens que o comprimem”. Bertold Brecht pra você. Quando mais distante da margem mais forte será a correnteza.

Cartuns censurados em Porto Alegre viram E-Book

Aja no mundo como se só houvesse passado e futuro. Duas extremidades que duelam por sua atenção. Não só sua, mas de todos nós. Ajude os teus e procure colocar-se no lugar do outro. Cuide de sua espiritualidade.

VIRGEM (23/8 A 22/9)

MARCOS CORBARI

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Muitas mudanças no mundo exterior fazem com que seu mundo interior se reorganize também. É um novo ciclo que inicia. Você ganha mais força quando utiliza sua coragem com sabedoria. É hora de avançar.

PORTO ALEGRE (RS)

exposição de cartuns ‘‘Independência em Risco’’ foi montada na Câmara de Vereadores de Porto Alegre, aberta ao público no final da tarde de segunda-feira (02/09/19) e encerrada a mando da presidência da casa, menos de 24 horas depois. Os cartuns foram parar nas redes e inúmeras manifestações de apoio aos artistas e de repúdio aos censores foram expressas nos dias seguintes. Entre as diversas iniciativas tomadas para ampliar a visibilidade das obras, o Brasil de Fato e o Instituto Cultural Padre Josimo propuseram o registro de um ebook contendo todas as imagens, para que fique marcado na história este momento triste de obscurantismo, supressão das liberdades individuais e negação do exercício da livre-expressão, tão necessária à Democracia. A iniciativa conta com o apoio do coletivo que reúne os artistas (Grafar) e do reali-

LEÃO (23/7 A 22/8)

LIBRA (23/9 A 22/10) Poder, liberdade e segurança. Três palavras que não te assustam. Mas para equilibrar sua balança é preciso dosa-las na medida certa. A realização de teus desejos se potencializa se você entender a coletividade.

ESCORPIÃO (23/10 A 21/11) Busque a verdade. Plutão, seu planeta regente, volta a andar para frente, e isto te ajuda a tomar as rédeas das decisões que te afetarão. Lembre que a luta é sempre coletiva e é necessário estar do lado dos oprimidos.

zador da exposição (Gabinete do Vereador Marcelo Sgarbossa), assim como da Rede Soberania, Sindicato dos Jornalistas Profissionais do RS (SINDJORS), Federação Nacional dos Jornalistas (FENAJ) e Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC). “Os cartunistas gaúchos - humoristas do traço - levantam-se num segundo grito pela independência, pela nossa liberdade de pensar, agir e existir. Armados com seus lápis, pincéis e tintas, denunciam o

autoritarismo, a intolerância e a violência. Treinados nas lidas do humor gráfico vêm através do riso apontar para o perigo real da entrega do território, da cultura e da riqueza nacional. Determinados, os cartunistas mostram como o humor de verdade esclarece e liberta, ao contrário ‘dissodaí, talquei’?” – enunciaram os artistas na abertura da exposição e na apresentação do ebook, que será disponibilizado gratuitamente.

SAGITÁRIO (22/11 A 21/12) Só podemos ajudar a vida coletiva se somos indivíduos completos. É momento para construir suas fortalezas e sua autonomia. Lembre: um exército só avança quando o último soldado avança. Tenha paciência.

CAPRICÓRNIO (22/12 A 20/1) Haja tempo para tanto que fazer. Para seu poder criador ser potencializado reserve um tempo para você repor suas energias e cuidar de sua espiritualidade. Lembre-se que as mudanças silenciosas são as mais profundas.

AQUÁRIO (21/1 A 19/2) Busque sempre a sua melhor versão. Cada vez que você procura por isso mais as pessoas ao teu redor te enxergam como um exemplo positivo. Nenhum esforço na construção coletiva será em vão.

PEIXES (20/2 A 20/3) Às vezes, nem tudo precisa de uma resposta. Mas isto não é motivo para duvidar ou esmorecer. Confie no diálogo para despertar a confiança de quem está próximo a você neste momento. Mateus Além Pisciano, jornalista, comunicador popular e militante do Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA). Tem mais facilidade em guardar o mapa astral do que o nome das pessoas.

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HISTÓRIA

PORTO ALEGRE, 13 A 27 DE SETEMBRO DE 2019

REVOLUÇÃO FARROUPILHA | As infames

façanhas do mito tradicionalista gaúcho

Em tempos de Semana Farroupilha, o Brasil de Fato RS entrevistou o jornalista e historiador Juremir Machado da Silva, autor de “História Regional da Infâmia”, polêmico livro que sacode a mitologia gaúcha. Para ele, o importante é separar a história do folclore, desmistificando um certo conservadorismo que “não precisa se amparar numa visão ideológica preconceituosa”. Confira: MARCELO FERREIRA PORTO ALEGRE (RS)

Brasil de Fato RS: Como você caracteriza o que hoje é chamado de Revolução Farroupilha, celebrada com orgulho pelos gaúchos? Juremir Machado: A chamada Revolução Farroupilha foi uma rebelião de fazendeiros e de militares insatisfeitos com o poder central. Eram os interesses da elite agrária da época, descontente com a política tributária do império, junto a um grupo de militares que estava aqui porque tinha se envolvido nos episódios da abdicação do Imperador D. Pedro I, e foram colocados na “geladeira”. Não se esperava que fosse durar 10 anos e não era republicano no início. Mas a história é assim, começou daquela maneira e foi tomando outro rumo. Tornou-se republicano, precisou incorporar escravos nas tropas militares, prometer liberdade, sem ser abolicionista. BdF RS: Neste ano o MTG escolheu como tema dos festejos “Vida e Obra de Paixão Côrtes”, em homenagem a ele, que faleceu ano passado. Comente? Juremir: Eu gostava do Paixão Côrtes. Ele era meu conterrâneo de Santana do Livramento, era um folclorista talentoso. São coisas diferentes. Uma é uma admiração, um culto ao imaginá-

Ilustração: Thiago Krenning para o programa Nação da TVE

rio agropastoril riograndense, que também tenho. Não tenho nada contra a não ser nos aspectos ideológicos de conservadorismo. Outra coisa é a busca do mito fundador. Eu separaria. A Revolução Farroupilha historicamente não é o que muito dos tradicionalistas dizem que ela foi. BdF RS: Como foi sua pesquisa, que destacou a traição aos negros em Porongos e deu origem ao seu livro? Juremir: Foi uma longa pesquisa, muitos anos de trabalho, mais de 17 mil documentos para contar a história da Revolução Farroupilha a partir de um outro ângulo: o dos negros que foram massacrados em Porongos. Haviam muitas respostas que não eram dadas corretamente do ponto de vista documental. Por exemplo, dizia-se que os negros farrapos tinham sido incorporados no exército regular com a consequente libertação. Eu descobri uma documentação do Arquivo Nacional provando que eles foram levados para o Arsenal da Marinha e lá eles se tornaram escravos da nação. Os farroupilhas não queriam que esses escravos permanecessem aqui, tinham medo de vingança e seria traição devolvê-los. O que se costu-

No Massacre de Porongos, negros que lutaram ao lado dos farroupilhas foram entregues às tropas imperiais

rou foi: os escravos que sobreviveram foram devolvidos pelos farroupilhas, mandados para o Rio de Janeiro. O império pagou os proprietários e ficou de dono. Tem também a questão do financiamento da Revolução Farroupilha, o que eu chamo de “documento infame”, que mostra que Domingos José de Almeida vendeu 35 escravos no Uruguai para financiar o trem da guerra (munição, cavalos, comida, fardamento) da revolução, em 1836. Então, não se pode dizer que era uma revolução abolicionista, que na verdade nunca foi. BdF RS: E a participação da Foto: Marcelo Ferreira

Eu posso me vestir de gaúcho, usar pilcha, ir ao acampamento, mas eu não preciso ser homofóbico ou racista. Posso estar de bombacha e não ter nada contra gays, eu posso estar de bombacha e ser gay.

mulher na Revolução Farroupilha? Juremir: Numa sociedade escravocrata, machista, ressalvado o caso destacado da Anitta Garibaldi, a participação era marginal. A historiadora Ilda Flores trata desse assunto. As mulheres que não tiveram um papel muito forte, digamos assim, andavam nos acampamentos servindo aqueles homens de todas as maneiras, sexualmente inclusive. Eles exigiam isso. Também cuidando deles como se fossem figurantes de um episódio dantesco, nos bastidores. Então elas estiveram lá, se poderia dizer assim, servindo cama e mesa. BdF RS: Como conciliar cultura, tradição e folclore de uma forma saudável? Juremir: Uma bela questão. Precisaria, de um lado, aceitar a história sem idealizações e, por outro lado, sustentar que o folclore tem valor, mas não precisa se amparar numa visão ideológica preconceituosa. Eu posso me vestir de gaúcho, usar pilcha, ir ao acampamento, mas eu não preciso ser homofóbico ou racista. Posso estar de bombacha e não ter nada contra gays, eu posso estar de bombacha e ser gay. Como eu te disse, tenho admiração pela vida no campo. Agora, quais são os valores na cabeça desse homem, esse “centauro dos pampas”?

Se for um homem sem preconceito, de espírito aberto, se ele não for homofóbico, não for racista, está ótimo! BdF RS: Os festejos farroupilhas passaram a ser oficiais em 1964, no início da ditadura militar. Em 2019, é o primeiro sob o governo Bolsonaro, com os militares no poder. O atual slogan do governo Eduardo Leite é “Novas façanhas”. O tema ganha força política quanto mais perto do espectro da direita e dos regimes autoritários? Juremir: Certamente. A história não é linear, ela tem regressões, pode recuar. Claro que essa visão tradicional criticável da Revolução Farroupilha está associada à ideologia autoritária. Claro que, em tempos de Bolsonaro, há uma tendência a se enfatizar esse lado mais das façanhas, esse lado mais falso. Eu acho que o governador Eduardo Leite talvez faça uma escolha inadequada, não acho que ele seja equivalente ao Bolsonaro. Eu posso não concordar com ele, mas ele é um jovem político liberal democrático dentro das regras do jogo. Acredito que o uso desse slogan para o Eduardo Leite não tenha o mesmo significado que pode ter para os bolsonaristas que queiram aproveitar o momento para lançar a Revolução Farroupilha como um culto, por exemplo, ditatorial.


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