Jornal Brasil de Fato / RS - Edição Especial - SET/2021

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ENTREVISTAS COM ELIANE DE MOURA MARTINS E BOAVENTURA DE SOUSA SANTOS PÁGIN A S 4 E 5

RIO GRANDE DO SUL

PÁGINA 6 MENTIRAS QUE NOS CONTAM SOBRE ESTADO E PRIVATIZAÇÕES PÁGINA 8 TUDO QUE A GENTE DEVE SABER SOBRE O PLEBISCITO

1o de setembro de 2021 distribuição gratuita brasildefato.com.br

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Ano 3 | edição especial

PLEBISCITO

CHEGOU A VEZ DA NOSSA VOZ E DO NOSSO VOTO EDUARDO LEITE E SUA TURMA CASSARAM O DIREITO DE VOTAR DE 8,4 MILHÕES DE GAÚCHAS E GAÚCHOS. IMPEDIRAM QUE O POVO OPINASSE SOBRE A ENTREGA DE MÃO BEIJADA DAS EMPRESAS QUE PERTENCEM A TODOS. VEJA AQUI COMO PODEMOS RESPONDER A ESSA VIOLÊNCIA COM A PRIMAVERA DA DEMOCRACIA.


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CHARGE | Bier

Editorial

Um plebiscito contra a mordaça

▶ Trinta e quatro deputados e deputadas cassaram voz e voto de 8,4 milhões de eleitores gaúchos.

Cabresteados pelo governador Eduardo Leite, do PSDB, mansamente aprovaram o fim da exigência de ouvir o povo antes de vender o Banrisul, a Corsan e a Procergs. São três empresas públicas que, somadas, atingem 200 anos de serviços extraordinários prestados ao Rio Grande.

Artigo

Um governo entregando o Brasil DÃO RE A L ▶ Reformas, privatizações, a­ jus­ te fiscal, corte de gastos, congelamento de salários, são apresentados como únicas soluções para qualquer problema. No entanto, essas medidas apontam sempre na mesma direção: redução da capacidade do Estado para promover políticas públicas e desenvolvimento econômico. A Constituição Federal, há 33 anos, estabeleceu as bases para a construção de um Estado de Bem-estar e de proteção social, com universalização de direitos. Esse modelo continua em disputa. Muitos ainda tentam impor um modelo de Estado mínimo, que se dedique apenas a garantir um bom ambiente de negócios para o mercado. As privatizações das políticas públicas estão neste contexto, assim como a reforma trabalhista, a administrativa e o teto de gastos. Várias propostas, que monopolizam os debates como se fossem soluções, são, de fato, objetivos. No âmbito federal, por exemplo, a existência da Secretaria Especial de Desestati-

zação, Desinvestimento e Mercados simboliza que transferir para o mercado parte daquilo que é de competência do Estado, virou um fim em si mesmo.

NA CONTRACORRENTE DO MUNDO

Essa onda de privatizações está na contramão do que está acontecendo pelo mundo. A tendência internacional é de reestatizações. De 2000 a 2017, pelo menos 884 serviços voltaram a ser administrados pelos Estados, principalmente nos países centrais do capitalismo. Segundo a geógrafa Lavinia Steinfort, mais de 83% destas reestatizações aconteceram a partir de 2009. Só na Alemanha, foram 348 casos, dos quais, 284 são do setor de abastecimento de eletricidade, gás ou aquecimento. E por aqui, seguimos apostando no que não deu certo lá fora. E essa é uma aposta que contraria também o interesse da sociedade. A maioria da população já percebe a real importância do Estado em suas vidas, especialmente agora na pandemia. Aliás, basta olhar a nossa volta.

Mais de 82% das crianças brasileiras estudam em escolas públicas. O SUS é o único acesso à saúde para mais de 75% da população. A Previdência pública beneficia, indiretamente, mais de 100 milhões de pessoas. Sem falar no saneamento, iluminação pública, infraestrutura, praças, parques, estradas, pesquisa científica e tecnológica, geração de energia, sistema carcerário... Além disso, já é comprovado que os gastos públicos são também essenciais para a atividade econômica. Estudo do Centro de Pesquisa em Macroeconomia das Desigualdades da FEA-USP demonstra que a renda emergencial em 2020 reduziu pela metade a queda do PIB. Portanto, precisamos de soluções que viabilizem o nosso pacto social de 1988, e não o contrário. Precisamos fortalecer a capacidade do Estado para garantir direitos, proteção social e promover o desenvolvimento.

(*) Dão Real Pereira dos Santos, vice-presidente do Instituto Justiça Fiscal

www.brasildefators.com.br (51) 98191 7903 redacaors@brasildefato.com.br /brasildefators @BrasildeFatoRS brasildefato.rs CONSELHO EDITORIAL Danieli Cazarotto, Cedenir Oliveira, Frei Sergio Görgen, Saraí Brixner, Enio Santos, Neide Zanon, Ademir Wiederkehr, Luiz Muller, Télia Negrão, Diva da Costa, Grazielli Berticelli, Bernadete Menezes, Gerson José Ferrari, Salete Carollo, Ronaldo Schaefer, Vito Giannotti (In memoriam) | EDIÇÃO Ayrton Centeno (DRT3314), Katia Marko (DRT7969) | REDAÇÃO NESTA EDIÇÃO Ayrton Centeno, Marcelo Ferreira e Eliane Silveira | DIAGRAMAÇÃO Marcelo Souza | DISTRIBUIÇÃO Ronaldo Schaefer e Saraí Brixner | IMPRESSÃO Gazeta do Sul | TIRAGEM 50 mil exemplares

Com a decisão de 2019, Leite retomou a orgia privatizadora a qualquer custo e de qualquer jeito do ex-governador Antônio Britto, hoje um nome esquecido e exilado da política. Antes de sua eleição, Britto chamara de “mentira” sua intenção de vender a CRT. Eleito, vendeu a CRT. Em campanha, Leite prometeu não vender Banrisul e Corsan. Agora, quer vendê-los. Contra este atentado à Constituição riograndense e ao direito da participação popular, 70 centrais sindicais, sindicatos e movimentos sociais lançaram a campanha do Plebiscito Popular sobre as Privatizações, que vai acontecer em outubro. É uma resposta à entrega dos serviços públicos aos grandes grupos privados transnacionais, prática adotada em Brasília que Leite reprisa no Sul. Aliás, Bolsonaro e Leite, ao contrário do que alguém possa pensar, representam o mesmo projeto. Quem os respalda é a banca, o alto empresariado, o agronegócio. Verdade que um é casca grossa e outro possui o seu verniz, mas as diferenças se esgotam aí, na epiderme. Nesta edição especial, mostramos que, quando o estado e a União embarcam na onda neoliberal, navegam na contramão do mundo. Que Leite e Bolsonaro querem vender empresas altamente lucrativas, abrindo mão da soberania e do futuro do Rio Grande e do Brasil. E a grande tarefa da população é fazer ouvir sua voz e dizer não ao desastre.


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Foto: Jorge Lansarin

Plebiscito

Chegou a vez da nossa voz e do nosso voto Eduardo Leite e sua turma cassaram o direito de votar de 8,4 milhões de gaúchas e gaúchos. Impediram que o povo opinasse sobre a entrega de mão beijada das empresas que pertencem a todos. Veja aqui como podemos responder a essa violência. ▶ Estava na Constituição Estadual: é obrigatório ouvir os gaúchos e gaúchas antes de vender as empresas que pertencem a todos. Desde 2002, estava escrito que deveria ser assim. A proposta foi aprovada na Assembleia Legislativa/RS sem nenhum voto contrário, após intensa mobilização dos trabalhadores. Na memória

geral ainda estavam presentes as traumáticas privatizações dos anos 1990, obra do então governador Antônio Britto (MDB). Britto vendeu dois terços da distribuição da Companhia Estadual de Energia Elétrica (CEEE), em 1997, que retirou 50% da receita da estatal e lhe deixou 88% de despesas trabalhistas e pre-

CEEE DISTRIBUIÇÃO FOI VENDIDA POR SÓ R$ 100 MIL ▶ As privatizações de Eduardo Leite o aproximam de Bolsonaro. Pelo menos, quando se trata do modelo de sociedade em que os serviços deixam de ser prestados pelo Estado e passam a ser fonte de lucro para empresas. A entrega das empresas públicas tem como plano de fundo a adesão ao Regime de Recuperação Fiscal do governo federal. O programa possibilita a renegociação da dívida do estado com a União, a partir de contrapartidas como privatizações e corte de investimentos. Primeira empresa já privatizada por Leite, a área de distribuição da CEEE foi comprada por apenas R$ 100 mil pela Equatorial Energia. O grupo é responsável pela distribuição de energia em outros estados brasileiros e está por trás de recentes apagões que deixaram milhares de consumidores sem energia elétrica.

CONSUMIDORE S E PREFEIT UR A S LE VA M A PIOR A Equatorial assumiu um passivo de R$ 4,4 bilhões em ICMS da empresa, mas pagará somente cerca de R$ 1,7 bilhão e no prazo de 15 anos. O restante dos R$ 2,7 bilhões foram “perdoados” ao comprador e já foram pagos às prefeituras pelo estado, logo após a privatização. Ou seja, Leite pagou a maior parte da dívida da CEEE com dinheiro da população antes de vendê-la.

Campanha do Plebiscito Popular sobre as Privatizações foi lançada no dia 23 de setembro com atos em todo o estado

videnciárias. Agora, menos de 20 anos depois, em nova onda privatista, o governador Eduardo Leite (PSDB) e sua base aliada aprovaram duas PECs, Propostas de Emenda Constitucional, que revogaram os parágrafos da Constituição que previam o plebiscito. Na visão do governador, a privatização seria um tema complexo demais para ser submetido à consulta pública. Nem com os representantes das empresas houve diálogo, já que o governo não participou da maioria das audiências públicas.

A EXEMPLO DE BRITTO, LEITE PROMETEU E NÃO CUMPRIU ▶ Trabalhadores, movimentos sindicais e populares denunciaram a face antidemocrática do tucano com mobilizações e campanhas, antes e durante a pandemia. Lembraram que Leite descumpriu uma promessa de campanha. Em 2018, o candidato prometeu que não venderia a Corsan e o Banrisul. Vale lembrar que Britto fez o mesmo na campanha de 1994, quando jurou que não venderia a CRT. Britto, aliás, não se reelegeu... Em 2019, foi extinto o plebiscito para a venda da CEEE, da Companhia Riograndense de Mineração (CRM) e Companhia de Gás do RS (Sulgás). Em 2021, da Companhia Riograndense de Saneamento (Corsan), do Banrisul e da Companhia de Processamento de Dados (Procergs).

CRÍTICO À VENDA, O MOVIMENTO DOS ATINGIDOS POR BARRAGENS LISTA SEIS SÉRIAS CONSEQUÊNCIAS PARA O POVO GAÚCHO:

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AUMENTO DAS TARIFAS PARA CONSUMIDORES E CONSEQUENTE DIFICULDADE NA RETOMADA DA ECONOMIA

NÃO CONTRATAÇÃO DE TRABALHADORES E DEMISSÃO DOS ATUAIS SERVIDORES

AS PREFEITURAS NÃO RECEBERÃO AS DÍVIDAS ACUMULADAS DE ICMS NÃO PAGAS PELOS GOVERNOS LEITE E SARTORI.

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PERDA DE PATRIMÔNIO ESTRATÉGICO

PERDA DA SOBERANIA ENERGÉTICA

RISCO DE APAGÃO


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Entrevista

“São tempos de afiar as ferramentas de luta” A socióloga Eliane de Moura Martins pesquisa o tema do trabalho e dos trabalhadores. Também da coordenação nacional do MTD, o Movimento das Trabalhadoras e dos Trabalhadores por Direitos, ela analisa aqui a situação das privatizações e seu reflexo na vida dos brasileiros.

Brasil de Fato RS - Existem pessoas que acham que o fato de um governo vender patrimônio público não as afeta. Como convenceria alguém que concordar com a venda de bens públicos construídos por gerações acaba sendo um péssimo negócio para a imensa maioria? Eliane de Moura Martins - Um caminho para estabelecer essa conversa pode partir de uma revisão das últimas contas domésticas, das tarifas de energia, água, gás, o preço da gasolina. Fazendo as contas junto com as pessoas de como estas tarifas sobem às vésperas da venda destas empresas, como os serviços pioram e como esses custos ligados à reprodução de nossas vidas, não entram no cálculo de nossos salários. Ou seja, uma conversa que exige um certo tempo e que precisa partir dessa base real, concreta, se

possível com os boletos das contas nas mãos. A militância precisa se preparar para esse tipo de diálogo. BdFRS - É curioso que a ideia do plebiscito (decreto da plebe) remonta à Roma lá do ano 287 A.C., quando os plebeus se revoltaram contra a opressão da nobreza e conquistaram esse direito. De alguma maneira, a cassação do voto popular (do direito de opinar sobre a venda de estatais) pelo governador Eduardo Leite e seus deputados nos devolve à Antiguidade? Eliane - O plebiscito feito por nós, assim como aquele feito pelos plebeus em Roma, é uma forma de organizarmos a nossa voz, denunciando que a superexploração sobre nosso trabalho tem limites. BdFRS - Governantes como Jair Bolsonaro e Eduardo Leite estão vendendo empresas públicas sem relacionar esse negócio com o fato de, agindo assim, estarem abrindo mão dos destinos do estado e do país. É possível privatizar sem colocar em risco a soberania? Eliane - Não é possível. A soberania vem sendo atacada, sem tréguas, desde o começo dos anos de 1990, com a primeira onda neoliberal. Estamos em um momento histórico em que o modelo de produção capitalista, elevou os valores e as práticas da concorrência agressiva à máxima potência, ao ponto de nem poder garantir a esperança de um trabalho assalariado para a maioria.

Eliane de Moura Martins é da coordenação nacional do MTD

NÃO É POSSÍVEL PRIVATIZAR SEM COLOCAR EM RISCO A SOBERANIA BdFRS - A mídia empresarial construiu uma imagem das empresas públicas vinculada à ineficiência e ao prejuízo. Mas o governo federal e os estaduais também vendem empresas altamente lucrativas. Como se justifica que o estado e a União desistam de suas empresas e do seu lucro em favor do investidor privado? Eliane - Estes governos não desistem das empresas e de seus lucros, ao contrário, eles lutam por elas. A diferença é que eles lutam para que a riqueza que elas geram sejam direcionadas ao setor privado do qual eles são sócios menores ou maiores. Isto também é reflexo do quanto nós, classe trabalhadora, enfraquecemos os nossos debates políticos. Onde anda a pauta dos interesses da classe trabalhadora? Como estamos dialogando com os nossos representantes? Como estamos fortalecendo a construção de nossas forças, de base sindical popular, partidária, para participar de modo orgânico dos debates? BdFRS - Ao longo das últimas décadas, a gestão

pública foi atacada e criminalizada pela mídia empresarial. Por que isto aconteceu e continua acontecendo e por que o Estado e suas estatais são essenciais para o processo de desenvolvimento do país? Eliane - Pensemos na imagem do estádio e do jogo de futebol. O time patronal joga contra o time dos trabalhadores. Em tese, o Estado deveria ser o juiz desse jogo e garantir as suas regras. Nas últimas décadas, a estratégia de jogo do time dos trabalhadores, colocou todas as forças no jogo institucional, eleitoral. Essa estratégia levou uma goleada, em especial desde o golpe de 2016. O time da burguesia atacou o trabalho, acusando-o de muito caro, cheio de direitos. Então, para ter empregos, era preciso largar os direitos. Qualquer espaço coletivo que tenhamos, e o plebiscito é um grande espaço, temos de debater a estratégia do jogo, a reorganização desta nossa imensa, fragmentada e precarizada classe trabalhadora. Estamos em condições adversas, mas também temos muitas ferramentas de luta. São tempos de afiá-las.

O PLEBISCITO É UM ESPAÇO DE REORGANIZAÇÃO DOS TRABALHADORES


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TR ABALHADOR UBERIZADO TEM QUE TER LUGAR NOS SINDICATOS

Boaventura de Sousa Santos é professor nas universidades de Coimbra e Wisconsin-Madison

Entrevista

“O Brasil é um estudo de caso cruel, de um genocida que se mantém no poder” Autor traduzido em cinco idiomas, com dezenas de livros publicados, professor nas universidades de Coimbra e Wisconsin-Madison, o português Boaventura de Sousa Santos é autoridade internacional em Sociologia do direito, direitos humanos, globalização, democracia e participação popular. Confira aqui o que ele pensa sobre privatizações e outros temas. Brasil de Fato RS - No Rio Grande do Sul, a população deflagrou uma campanha pelo plebiscito, exigindo ser consultada antes da venda de companhias públicas estaduais. A venda das estatais é apresentada como solução para todos os problemas do município, do estado ou do país. Parece que o grande obstáculo no caminho do progresso são as empresas públicas. É isso mesmo?

como é o caso do Brasil, é razoável pensar em reduzir ainda mais o tamanho do Estado?

Boaventura – O Brasil hoje está atrasado em dois níveis. Está submetido a um processo ativo de retrocesso e, por outro lado, procura renovar as políticas neoliberais tão desacreditadas em todo o mundo. O obstáculo ao caminho do progresso são as privatizações. Visam fundamentalmente resolver uma crise da acumulação do capital. A empresa a ser privatizada é preparada para dar prejuízo para, depois de privatizada, voltar a dar lucro.

BdFRS - O Brasil caminha para 600 mil mortos pela covid-19. Se não fosse o SUS, a cifra seria mais terrível. No

BdFRS - Em um país com tamanhas desigualdades

Boaventura - Não é razoável nem justo reduzir ainda mais o tamanho do Estado. Encolher o Estado é destruir direitos. Não encontramos outra maneira de dar acesso universal ao direito, à saúde, à educação, a uma vida digna, à água potável, que não seja por via pública.

NA PANDEMIA, NINGUÉM PROCUROU O MERCADO PARA SE PROTEGER

mundo inteiro, o Estado cumpriu um papel decisivo. As pessoas relacionam a presença do Estado à preservação da saúde e da vida? Boaventura - Quando veio a pandemia, ninguém procurou os mercados para se proteger. Procuraram o Estado. Países com o serviço público de saúde como o Brasil tiveram a proteção que foi possível dar aos cidadãos. Ficou patente que o Estado é fundamental. Não vamos nos ver livres desta pandemia. Vai entrar em fase endêmica. O serviço nacional de saúde vai ser fundamental nos próximos tempos. BdFRS - Embora o neoliberalismo empunhe a bandeira da democracia, há quem diga que, na visão dos neoliberais, existe democracia demais... Boaventura - O neoliberalismo só conhece uma liberdade. É a liberdade econômica. Não conhece nenhuma outra: liberdade política, cívica, cultural, nada disso interessa. Aliás, todas podem ser cortadas, restringidas, limitadas. Uma ditadura pode garantir a liberdade econômica. Só a democracia é que garante as outras. BdFRS - Um governante, em tese, deve buscar o bem comum. Mas, apesar dos resultados pífios na venda do patrimônio público, governantes continuam rezando pela cartilha das privatizações. Qual a lógica atrás disso? Boaventura - Publiquei recentemente um livro pela editora Boitempo, intitulado “O futuro começa agora: da pandemia à utopia”. Os que responderam melhor (foram) Estados com governos de esquerda ou centro-esquerda. E os que se comportaram pior - Inglaterra, EUA, Brasil, Índia, Colômbia - eram governados pela direita.

Os governos de direita são bons em destruir, mas não são bons em construir. Quando é preciso uma política para os cidadãos numa crise, nada fazem porque não querem e não sabem fazer. Há uma incompetência constitutiva. Foram treinados para deixar tudo na mão dos mercados e cuidar apenas das polícias, do Estado repressivo, não do Estado de proteção. BdFRS - O governo Bolsonaro consegue unir neoliberalismo exacerbado e ultradireitismo. Qual é a visão que, após três anos do atual governo, o Brasil atual deixa aos olhos de um estrangeiro? Boaventura - O governo brasileiro é um laboratório do negacionismo. É a política de negar a gravidade da pandemia e querer, a todo custo, proteger a economia antes de proteger a vida. Esses governos têm mostrado que nem são bons em proteger a vida nem em proteger a economia. O Brasil é um estudo de caso patético, cruel, de um genocida que se mantém no poder e cuja aceitação social ainda é demasiado alta para o desempenho desastroso. BdFRS - A defesa da democracia e, com ela, a defesa dos direitos dos trabalhadores é um dos grandes temas neste momento da história das lutas populares? Boaventura - A defesa da democracia continua a ser a grande bandeira de luta popular. Os jovens, as mulheres, os povos indígenas, os camponeses, quilombolas, afrodescendentes querem uma democracia real. Tem que se defender o direito de todos os trabalhadores e não apenas daqueles de carteira assinada. Muitos estão uberizados. Querem convencê-los de que são empreendedores. Não, são trabalhadores. E têm que ter lugar nos sindicatos. Suas lutas têm que ser reconhecidas. O capitalismo, neste momento, não tem outra opção senão precarizar cada vez mais a força do trabalho. A dívida das famílias nunca foi tão alta e, para pagar as dívidas, é (imposta) uma nova forma de escravatura, trabalhar 70 horas (por semana) sem descanso.


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Duas mentiras que contam para a gente Vamos conversar sobre Estado e privatizações? É preciso que a gente tenha essa conversa. E sabem por quê? Porque existe muita mentira rolando nessa parada. Combinado? Então vamos lá. Pra começo deste nosso papo, não há quem não tenha ouvido alguma frase assim: - Ah, no Brasil o Estado tem funcionário público demais. É preciso cortar a folha de pagamentos.

SER Á QUE IS SO É V ERDA DE? ▶ Bem, uma relação elaborada pela OCDE, a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico, uma instituição internacional com sede em Paris e acima de qualquer suspeita, mostra justamente o contrário. O estudo aborda a quantidade de funcionários públicos na comparação com os demais trabalhadores.

E O RE SULTA DO QUA L FOI? ▶ Simples: o Brasil é um dos países com menor quantidade de funcionários públicos, que são apenas 12% na comparação com os demais trabalhadores. Apenas para se ter uma ideia: o primeiro lugar é dividido entre a Dinamarca e a Noruega com 35%. De 30 países pesquisados, o Brasil é apenas o 25º, levando-se em conta a mesma comparação. Ou seja, querem nos engambelar! E o mais interessante é que, entre os países que têm mais pessoal no setor público, estão aqueles com melhor qualidade de vida no planeta!

QUER S A BER OU TR A LOROTA QUE CONTA M? ▶ Dizem que é preciso vender as empresas públicas construídas com a grana da gente durante décadas e mais décadas. Dizem que tudo vai melhorar, que vai ficar uma maravilha. E mais, que a iniciativa privada é que sabe administrar e que os preços dos serviços dessas empresas vão até baixar. É uma ilha da fantasia.

M A S E S SE CONTO DE FA DA S N ÃO TEM FIN A L FELIZ. QUEREM UM A PROVA? ▶ Então lá vai: vários países que privatizaram tiveram que comprar de volta suas empresas. Isto mesmo! A Alemanha recomprou 348 empresas, os Estados Unidos, 67, a França, 152, a Espanha, 56, e o Reino Unido, 65. É o que descobriu um estudo de 2020 feito pelo Instituto Transnacional (TNI). A maioria das empresas recompradas são das áreas de saneamento e energia.

M A S O QUE HOU V E? ▶ Acontece que, nas mãos dos novos donos, as tarifas subiram loucamente e a qualidade do serviço despencou... Então, quando você ouvir essa conversinha antiga onde a privatização cura até joanete, ligue logo o seu desconfiômetro. Será que não tem alguém, por trás dos panos, ganhando e muito com essa jogada? Pense bem: se países que entraram na onda das privatizações antes de nós estão comprando suas empresas de volta, por que a gente vai entrar nessa roubada?


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Empresas que estão na mira das privatizações BA NCO DOS GAÚCHOS LUCROU QUA SE R$ 1 BILH ÃO, M A S LEITE QUER V ENDÊ-LO ▶ Por que alguém venderia um banco que, em 2020, lucrou R$ 824,8 milhões? Vocês venderiam? Não, né? Mas o governador Eduardo Leite quer vender o Banrisul de qualquer jeito. E isso que ele disse, na campanha eleitoral, que não iria vender... Não importa que o Banrisul tenha um patrimônio líquido de R$

8,3 bilhões. Ele quer vender. Não importa que os ativos totais do banco cheguem a R$ 91,8 bilhões, um crescimento de 12,6% em relação a 2019. Ele quer vender. Não importa que todos esses números aí em cima sejam do próprio governo Leite. Ele quer vender. Não importa o papel do Banrisul na crise da pandemia, aju-

dando com crédito pessoas físicas, microempresários e pequenas empresas numa hora tão difícil. Ele quer vender. O Banrisul está presente em 360 municípios do Rio Grande e, em muitos deles, sua agência é a única que existe. Financia os hospitais, patrocina feiras e eventos. Metade dos correntistas

do Banrisul ganham até um salário-mínimo. Nos bancos privados, só tem conta quem tem mais dinheiro. Mas ele quer vender. O slogan do Banrisul no governo Leite é “Nossa parceria faz a diferença”. Como ele só pensa em vender, vale perguntar: parceria com quem? E diferença para quem?

PRI VATIZ AÇÃO A ME AÇA SIGILO DE DA DOS DO P OVO GAÚCHO ▶ Nem o Bolsonaro e sua patota pensaram em se desfazer do Serpro, a sua empresa de processamento de dados. Mas aqui no Rio Grande, o nosso governador quer ser mais vendilhão

que o presidente. Imaginem que ele quer vender a Procergs, a empresa estadual que atua na mesma área! E aí o que vai acontecer? Ah, vai acontecer que todos os

dados do povo gaúcho vão parar na mão de sabe-se lá quem. Vai-se todo o controle público sobre as informações importantes sobre saúde, educação e segurança. Quem vai se sentir seguro com

algo assim? Com suas preciosas informações entregues a empresas totalmente centradas no lucro e nada mais? Com os roubos de dados e os golpes que a gente já testemunhou? Já imaginou?

NA CONTR AMÃO DE 312 CIDADE S DO MUNDO, GOVERNO QUER PRIVATIZ AR ÁGUA E SANE AMENTO ▶ Na lógica do governo gaúcho, parece até que a palavra de ordem é “O que dá lucro, a gente vende”. Em 2020, a Corsan teve lucro líquido de R$ 480 milhões. E vem lucrando, ano a ano, na média de R$ 295 milhões. É

bom, mas para Leite deve ser ruim. Pouco importa que água seja um bem precioso, fonte da vida e, portanto, público. Ele quer vender a Corsan, claro. É um movimento na contramão de 312 cidades de 36 países.

Desde 2000, elas reestatizaram seus serviços de tratamento de água e esgoto. E não são quaisquer cidades. Entre elas figuram Paris, Berlim e Buenos Aires. Aqui no estado, Uruguaiana privatizou a água e o esgoto. Hoje,

o serviço custa 11% mais do que aquele oferecido pela Corsan. No Brasil, Manaus privatizou o saneamento. Resultado? Vinte anos depois, o esgoto tratado não chega a 10% da população. E 600 mil não têm abastecimento de água.

DOIS MIL MUNICÍPIOS P ODEM FICA R SEM CA RTA S E ENCOMENDA S ▶ Mais de duas mil cidades do Brasil não têm banco. Mas se elas não têm agência como fazem as pessoas quando precisam de um contato presencial com o banco? É aí que entram os Correios. É a única empresa pública

presente nos 5.570 municípios do país. E o povo dali usa o banco postal. Mas tem mais: os Correios entregam cartas e encomendas em qualquer lugar do país, até no meio de uma floresta. O que cus-

ta caro e dá prejuízo. Mas a entrega acontece porque é um serviço público. Os municípios onde os Correios ganham dinheiro – são só 324 – bancam os demais que são quase cinco mil. Mas Bolsonaro quer vender os Cor-

reios! Como quem comprar vai estar de olho somente no lucro e em nada mais, será que vai fazer o que os Correios fazem? Dá pra acreditar? Que confusão vai ser para a vida desse povo todo! Já pensou?

MELO ENTR A NA ONDA DE BOLSONARO E LEITE E TAMBÉM QUER VENDER ▶ Como se não bastasse Bolsonaro e Leite quererem vender tudo, o prefeito Sebastião Melo, de Porto Alegre, juntou-se à dupla. O problema é que eles querem vender o que não é deles...

Na real, todos são do bloco dos vendilhões. Na cabeça de Melo, é preciso entregar a empresa pública de ônibus da prefeitura na mão de particulares. Vejam só que interessante: a

Carris pertencia à multinacional norte-americana Bond & Share, mas o serviço privado era tão ruim que teve de ser encampada. E quem encampou foi um prefeito bem conservador, Ildo Mene-

ghetti, em 1953. De lá para cá, a Carris ganhou dezenas de prêmios e, inclusive, foi considerada por duas vezes a maior empresa de transporte coletivo do Brasil. E o Melo quer vender...


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Tudo que a gente deve saber sobre o Plebiscito O QUE É UM PLEBISCITO P OPUL A R? ▶ É uma consulta à população organizada por movimentos sociais e todos os cidadãos e cidadãs que quiserem trabalhar para que ele seja realizado. Ele é muito representativo porque é organizado pelo povo. O Plebiscito Popular não tem valor legal, mas exerce uma forte pressão política e social, permitindo que milhões de pessoas/as expressem a sua vontade política.

P OR QUE UM PLEBISCITO P OPUL A R SOBRE A S PRI VATIZ AÇÕE S? ▶ O artigo 22 da Constituição Estadual estabelecia, no seu parágrafo segundo, que “no caso das sociedades de economia mista Banco do Estado do Rio Grande do Sul S.A. e Companhia Riograndense de Saneamento, a alienação ou transferência do seu controle acionário, bem como a sua extinção, fusão, incorporação ou cisão dependerá de consulta popular, sob a forma de plebiscito”. O governador Eduardo Leite e sua base de apoio na Assembléia Legislativa extinguiram este parágrafo, acabando com a exigência de consultar a população antes de processos de privatização.

P L E B IS C IT O O D S A T N U G A S PER

to, saúde, água, saneamen , ca ri ét el a icos gi 1) Ener são serviços públ os ei rr co , vo ti le entrega transporte co concorda com a cê Vo . vo po ao is essencia ivadas? para empresas pr os iç rv se es st de ( ) Não ( ) Sim , Elergs, CRM, Sulgás ce ro P n, sa or C aixa, Tren2) Banrisul, sil, Petrobras, C ra B do co an tam B trobras, io público e pres ôn im tr pa o sã s . surb e Carri desenvolvimento o ss no ao is ia egue serviços essenc imônio seja entr tr pa te es e qu Você concorda ivadas? para empresas pr ( ) Não ( ) Sim paador entregue o rn ve go o e qu 3) Você concorda lação? sem ouvir a popu o ic bl pú io ôn im tr ( ) Não ( ) Sim

QUANDO SERÁ O PLEBISCITO? DE 16 A 23 DE OUTUBRO. COMO ORGA NIZ A R UM COMITÊ DO PLEBISCITO? ▶ Os Comitês Populares podem ser organizados por qualquer voluntário, convidando amplamente todas as pessoas interessadas em participar da campanha. O critério é a disposição de participar e que seja um espaço de participação popular, massiva, militante e de cidadania.

ONDE P ODE SER ORGA NIZ A DO UM COMITÊ? ▶ No bairro ou vila da nossa cidade; ▶ Na empresa, fábrica, comércio, cooperativa etc; ▶ Com seu grupo religioso; ▶ No sindicato, seja pelos associados, seja pelos funcionários; ▶ Nas escolas de ensino médio; ▶ Nas faculdades/universidades; ▶ Nos acampamentos, assentamentos e comunidades rurais; ▶ Nos povoados, agrovilas, ou distritos dos municípios; ▶ Nas câmaras municipais; ▶ Em entidades, grupos, coletivos, associações, clubes, ONGs.

COMO FA ZER A CA MPA NH A DO PLEBISCITO?

ONDE VOTA R? ▶ Será possível votar, de forma digital, sem sair de casa, através do celular ou computador, cadastrando-se no site: https://decidimrs.com.br O cadastro já pode ser feito agora. Para sua segurança, você receberá um email para confirmar sua inscrição, garantindo, assim, que ninguém usou o seu endereço eletrônico para se cadastrar no seu lugar. Também haverá locais de votação nos municípios para quem não tem acesso à internet e urnas volantes nas comunidades sem acesso à internet.

QUEM P ODE VOTA R?

▶ Os comitês devem organizar panfletagens, colagens de cartazes, mensagens para carros de som, atividades culturais, oficinas de formação. Outra forma de divulgação é participar de entrevistas em rádios, jornais e TVs locais para falar sobre a importância das empresas públicas e do direito do povo decidir sobre o patrimônio que é público. Também é muito importante fazer a campanha nas redes sociais, com cards, vídeos, lives, charges e muita criatividade.

▶ Todo cidadão e cidadã com 16 anos ou mais, a exemplo da legislação eleitoral.

COMO ACOMPA NH A R A S AÇÕE S DO PLEBISCITO?

QUER CONTRIBUIR COM O PLEBISCITO?

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