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RIO GRANDE DO SUL
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ENTREVISTA COM O ECONOMISTA MÁRCIO POCHMANN PÁGIN A CENTR A L
REFORMA ADMINISTRATIVA É UMA AMEAÇA AO SUS PÁGIN A 3
17 de setembro de 2021 distribuição gratuita brasildefato.com.br
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Ano 3 | Número 27
VEJA COMO VOCÊ VAI PAGAR A CONTA DA REFORMA ADMINISTRATIVA Foto: Jorge Leão
ATRÁS DA REFORMA QUE BOLSONARO QUER VEM A PERDA DE DIREITOS, A MANUTENÇÃO DE PRIVILÉGIOS E A PIORA DOS SERVIÇOS PÚBLICOS
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Ideologia
Quatro mitos sobre a reforma administrativa federal Governo propaga a ideia de que servidores são privilegiados e pouco eficientes WALLACE OLIVEIRA | BELO HORIZONTE O Congresso Nacional está prestes a votar, em setembro, uma das mudanças mais agressivas no E stado br asileiro, apelidada pelo governo de reforma administr ativa. Tr ata-se da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 32 /2020. Se aprovada, ela significar á o fim da estabilidade no emprego, a ex tinção de concursos públicos, a substituição de concursados por apadrinhados políticos, o arrocho salarial, a retir ada de direitos e obstáculos par a a progressão na carreir a. Como a proposta é muito impopular, o governo Bol sonaro, a mídia comercial e alguns parlamentares propagam a ideia de que o objetivo é tornar o E stado br asileiro mais moderno. Par a especialistas entrevistados pelo Br asil de Fato, essas afirmações, na verdade, são mitos que ocultam o verdadeiro car áter da PEC 32.
MITO 1: “ VA I COMBATER PRI V ILÉGIOS”
Em palestra à Fundação Getúlio Vargas (FGV), o ministro da Economia, Paulo Guedes, disse que os servidores públicos são “parasitas” e “privilegiados” e prometeu combater privilégios. Porém, chama a atenção que os grupos realmente privilegiados no Estado brasileiro, com altos salários, não são atingidos pela reforma de Guedes. “Não se mexe nos magistrados, nos militares, na carreira parlamentar. Pegando o exemplo das Forças Armadas, todo o dese-
nho das reformas tem sido para poupar essa categoria. Ela ficou fora da reforma da Previdência e toda a canalização de recursos do orçamento privilegia a corporação”, afirma Maria de Fátima Lage Guerra, doutora em demografia e economista do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese).
MITO 2: “ VA I COR TA R GA S TOS”
O governo Bolsonaro promete reduzir gastos, mediante o congelamento de salários, a não reposição de trabalhadores que
AUMENTA AS RACHADINHAS. SERVIDOR COM ESTABILIDADE NÃO DIVIDE SALÁRIO www.brasildefators.com.br (51) 98191 7903 redacaors@brasildefato.com.br /brasildefators @BrasildeFatoRS brasildefato.rs CONSELHO EDITORIAL Danieli Cazarotto, Cedenir Oliveira, Frei Sergio Görgen, Saraí Brixner, Enio Santos, Neide Zanon, Ademir Wiederkehr, Luiz Muller, Télia Negrão, Diva da Costa, Grazielli Berticelli, Bernadete Menezes, Gerson José Ferrari, Salete Carollo, Ronaldo Schaefer, Vito Giannotti (In memoriam) | EDIÇÃO Ayrton Centeno (DRT3314), Katia Marko (DRT7969) | REDAÇÃO NESTA EDIÇÃO Ayrton Centeno, Laura Zschaber, Mariana Arêas, Marcelo Ferreira, Patrícia Brum e Wallace Oliveira | DIAGRAMAÇÃO Marcelo Souza | DISTRIBUIÇÃO Ronaldo Schaefer e Saraí Brixner | IMPRESSÃO Gazeta do Sul | TIRAGEM 25 mil exemplares. * Matérias sobre reforma administrativa gentilmente cedidas pelo Brasil de Fato MG.
se aposentarem e a criação de obstáculos para a progressão na carreira. Mas, se quer cortar do bolso do servidor, por outro lado, o governo deve aumentar o gasto em outra direção. O número de cargos ocupados por pessoas sem vínculo com o serviço público tende a crescer 29%, de acordo com a nota técnica “Aspectos Fiscais da PEC 32/2020”, produzida pela Consultoria de Orçamentos do Senado. Cargos em comissão e funções de confiança, que só podem ser preenchidos por servidores de carreira, serão substituídos pelos ditos “cargos de liderança e assessoramento”, ocupados por qualquer pessoa. As livres nomeações podem gerar mais gasto público. No lugar de profissionais capacitados e aprovados em concurso, o velho apadrinhamento político, que cria ainda mais espaço para a corrupção.
MITO 3: “ VA I AUMENTA R A EFICIÊNCI A”
O governo defende que
CHARGE | Santiago
seja adotada no serviço público uma dinâmica semelhante à do setor privado, facilitando demissões. Isso, segundo ele, proporcionaria mais eficiência. Ignora-se, neste caso, que o setor público não tem a mesma finalidade do setor privado. O empresário privado quer, acima de tudo, lucrar. Já o setor público tem como missão servir à população, garantindo direitos. Sob efeito da reforma, a cada mudança de governo, quadros inteiros poderiam ser substituídos, ao sabor do novo governante, provocando, inclusive, a perda de eficiência. “Com a demissão, vai embora a história da política pública, quem tem a expertise, o servidor que está ali o tempo todo. Ele é a garantia de continuidade e até mesmo da qualidade da mudança”, pontua a economista Maria de Fátima Lage.
MITO 4: “N ÃO A FE TA AT UA IS SER V IDORE S”
Outro mito é que a PEC 32 só atingirá os “futuros servidores”, os que vão ingressar
ALTOS SALÁRIOS NÃO SÃO ATINGIDOS PELA REFORMA DE GUEDES depois da vigência do texto aprovado. De fato, a PEC veda aos servidores futuros vários direitos, como a estabilidade após três anos de efetivo exercício e aprovação em estágio probatório. Contudo, o texto também diz que, se a lei que institui esses direitos for revogada ou alterada, os trabalhadores que já estão no serviço público serão afetados pelas mudanças. Todos os demais dispositivos da PEC se aplicam aos servidores atuais. O ponto central da reforma é a estabilidade, que fica ameaçada por uma avaliação de desempenho, que será definida em lei ordinária. Essa avaliação poderá ser usada como instrumento de demissão e, consequentemente, de perseguição e assédio contra servidores atuais e futuros.
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Foto: Camila Batista Semsa
Privatização
PEC 32 abre as portas para o fim do SUS
Se reforma for aprovada, será “um golpe mortal” no Sistema Único de Saúde MARIANA ARÊAS BELO HORIZONTE
▶ Voltar o Brasil aos tempos de pré-Constituição, como pretende a chamada reforma administrativa proposta pelo governo Bolsonaro, atinge em cheio uma das maiores conquistas do país: o Sistema Único de Saúde. Se aprovada, o SUS tal qual como conhecemos hoje, será um dos grandes alvos das mudanças estruturais da Proposta
de Emenda à Constituição (PEC) 32. Além de perder financiamento, as políticas públicas de saúde poderão ser repassadas à iniciativa privada até mesmo sem contrapartida financeira. O ex-presidente do Conselho Nacional de Saúde (CNS) e atual conselheiro, Francisco Batista Júnior, avalia que se não for barrada, a PEC 32 “será a mais dura derrota, porque significará, na prática, a extinção da po-
SUS seguirá sendo essencial após pandemia, mas PEC limitará seu funcionamento
lítica pública mais democrática e inclusiva que dispomos. É um golpe mortal no Sistema Único de Saúde, naquilo que diz respeito aos seus princípios fundamentais, a universalidade, a integralidade e a equidade”. Para o médico e professor do Curso de Saúde Coletiva da UFRGS, Alcides Miranda, a PEC 32 “reforça a transmigração da gestão pública pautada por direitos e deveres na esfera pública para o
gerenciamento mercantil pautado pela indução e a regulação do consumo de serviços com baixo custo orçamentário”. Na sua visão, não existe proposta para uma reforma administrativa na perspectiva do direito público “de garantia de direitos humanos e sociais a partir da melhor gestão de políticas públicas”. O que há, segundo Miranda, é “uma reforma alinhada aos propósitos e termos
REFORMA ALINHADA À PRECARIZAÇÃO DO SERVIÇO PÚBLICO de contingenciamento de recursos orçamentários governamentais e de precarização do serviço público em função da agiotagem do mercado financeiro”.
Foto Joel Rodrigues /Agência Brasília
Conselho de Saúde denuncia favorecimento ao setor privado Redução de servidores de carreira dará lugar ao fisiologismo e ao cabide de empregos ▶ A possibilidade de entregar a estrutura do SUS ao setor privado preocupa o Conselho Nacional de Saúde (CNS) que pediu o arquivamento imediato da PEC 32. O documento com as considerações e recomendações foi enviado à Câmara dos Deputados, ao Supremo Tribunal Federal (STF) e ao Tribunal de Contas da União (TCU). “A PEC nº 32/2020 entrega grande parte do serviço público ao setor privado, repassando a esse, recursos financeiros e sem retorno aos cofres públicos, restando para a sociedade setores sucateados e longa espera em atendi-
mento”, diz trecho da nota técnica do CNS. Na avaliação do ex-presidente do CNS, Francisco Batista Junior, a redução de servidores de carreira proposta pela PEC também dará lugar ao fisiologismo e ao cabide de empregos como regra no serviço público. Ainda, segundo ele, o concurso público, as carreiras e a estabilidade do servidor são “a garantia de acesso ao Sistema dos mais preparados profissionais e da sua imunidade à nociva ingerência político partidária na Administração Pública, com todos os graves problemas que essa ingerência causa”.
150 MILHÕES DE BRASILEIROS DEPENDEM APENAS DO SUS ▶ Serviço que está sendo essencial na pandemia terá seu funcionamento limitado pela proposta do governo Bolsonaro A lição que muitos tiraram com a pandemia da covid-19 foi que a estrutura pública, em especial na área da saúde, é um forte aliado para superar esta que é a mais grave crise desde a Segunda Guerra Mundial. Mais de 150 milhões de brasileiros dependem ex-
clusivamente do SUS, segundo dados do IBGE de 2019. Essa necessidade da saúde pública ficou ainda mais evidente no enfrentamento da pandemia. No Brasil, a produção de vacinas, por exemplo, teve o aporte de duas autarquias ligadas ao SUS, a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e o Butantã. Para Francisco Batista Júnior, o SUS terá ainda que acompanhar as sequelas da covid-19 nos próxi-
mos anos. “Suas consequências a médio e longo prazos já são bastante conhecidas com as pessoas vitimadas necessitando de longos tratamentos de problemas clínicos, físicos e psicológicos que permanecem após a fase aguda e de tratamento. As alterações propostas pela PEC 32 eliminam qualquer possibilidade de disponibilizar para a população um sistema com plena capacidade de dar a resposta necessária.”
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Entrevista
“Hoje, o Brasil não tem projeto nem visão de futuro”, critica Pochmann Para o professor da Unicamp, o neoliberalismo dirige o país na contramão do mundo onde as estatais já são metade das 500 maiores empresas mundiais AYRTON CENTENO PORTO ALEGRE
Gaúcho de Venâncio Aires, o economista Márcio Pochmann, 59 anos, diz que o Brasil sofre hoje do que chama “curtoprazismo”, praticado pela União e por governos como o do Rio Grande do Sul. “São governos que conseguem olhar, no máximo, as eleições do ano que vem”, diagnostica. Não há projeto nacional nem visão de futuro. O país parou e encolheu. Está mais pobre e com quase 15 milhões de desempregados. Anda na contramão do mundo, onde as estatais ganham cada vez maior espaço. E, na história do Brasil, foi sempre o Estado que impulsionou o crescimento. Ex-presidente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), Pochmann radiografa o panorama brasileiro das últimas décadas chegando até o caótico governo atual que fechou 2020 com atividade econômica 7% inferior àquela de seis anos atrás.
BdFRS - Privatizar continua sendo uma palavra mágica. Mas o que os trabalhadores ganham com a venda das empresas públicas? Márcio Pochmann - Na década de 1950, nós tínhamos o serviço privado voltado para o atendimento de energia elétrica e de telefonia. Foram estatizados porque o setor privado não conseguia oferecer um sistema adequado. O Estado interveio e construiu um sistema nacional de energia e telefonia. Cito esse debate dos anos 1950 porque hoje, na verdade, não há um debate sobre a privatização. Desde a crise de 2008, ficou claro que o setor privado não tem toda esta eficiência. O que temos visto é um crescimento da presença do Estado com a reestatização de vários serviços públicos em diferentes países. Em 2005, as estatais respondiam por 5% das 500 maiores empresas do mundo. Em 2020, 47%
EM 2020, A ATIVIDADE ECONÔMICA DO BRASIL FOI 7% INFERIOR ÀQUELA QUE TINHA EM 2014
das 500 maiores do mundo são estatais. O Brasil não tem projeto nem visão de futuro. Bolsonaro, logo que assumiu, disse que o governo dele era um governo de destruição. Nisso está sendo coerente. BdFRS - O governo Bolsonaro – e muitos governos estaduais, como o do Rio Grande do Sul – continua querendo passar o rodo no patrimônio público. Faz sentido essa preocupação estar sempre à frente de problemas mais urgentes como o enfrentamento da pandemia e do desemprego? Pochmann - Estamos vivendo, no caso nacional e estadual, governos de “curtoprazismo”, que conseguem olhar no máximo as eleições do ano que vem. É um equívoco acreditar que menos Estado faz com que o setor privado seja maior e vice-versa. No capitalismo há um hibridismo entre Estado e setor privado. Estado fraco indica setor privado fraco, Estado forte pode indicar empresas privadas fortes. O que vemos no Brasil é isso. O Brasil, em 2020, teve uma atividade econômica 7% menor do que havia tido em 2014. Não há o que esperar de positivo com a privatização, nem do ponto de vista do emprego, muito menos de renda.
Para Pochmann, a privatização torna difícil acred
O RIO GRANDE DO SUL, PELOS GOVERNOS QUE VEM TENDO, AVANÇA NUM PROCESSO DE DECADÊNCIA INIMAGINÁVEL BdFRS – O presidente da República disse que o Brasil “está quebrado”, que ele “não consegue fazer nada” e que parte dos brasileiros “não está preparada para fazer nada”. Sobrou, portanto, para os trabalhadores. A culpa do caos é dos brasileiros? Pochmann - Tem sido recorrente entre os governos de receituário neoliberal fazer com que as vítimas do desemprego sejam responsabilizadas por sua situação. Nos anos 1990, a explicação para o desemprego era dada pela
baixa qualificação dos trabalhadores. Ou seja, a culpa não era da economia que não crescia, mas do próprio trabalhador. Nos anos 2000, a economia voltou a crescer, e o Brasil entrou numa fase de quase pleno emprego. A partir de 2016, o receituário voltou a ter dominância. O que se diz é que as empresas querem contratar trabalhadores, mas não os contratam porque custam muito e a legislação é rígida. Ao reduzir os custos do trabalho, as empresas contratariam mais. Ora, esse argumento foi adota-
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ditar que o Rio Grande possa ter um futuro melhor
do em 2017 no governo Temer. Quatro anos depois, o desemprego não se alterou. O que determina um emprego não é o custo de contratação do trabalhador, mas se há ou não demanda para a produção da empresa. BdFRS – No RS, o governador Eduardo Leite (PSDB) já vendeu a CEEE, quer vender a Corsan, a Procergs e o Banrisul. É curioso como a privatização continua na moda no Brasil... Pochmann - O Rio Grande do Sul, pelo tipo de governo que vem tendo,
avança em um processo de decadência inimaginável, quando se compara a pujança, a prosperidade com que o estado se apresentava para o Brasil. Hoje, o que estamos vendo com esse processo de privatização torna cada vez mais difícil acreditar que o Rio Grande do Sul possa ter um futuro melhor. BdFRS - Bancos públicos estão presentes onde nenhum banco privado está. O mesmo acontece com os Correios, com o abastecimento de água, saneamento, energia etc. A lógica é a da prestação
NO BRASIL, DEVE HAVER UMA SIMBIOSE ENTRE INVESTIMENTO PÚBLICO E EXPANSÃO PRIVADA
de serviço à população. Como seria o Brasil, com mais de cinco mil municípios, com tais serviços entregues a particulares, cuja lógica é apenas a do lucro? Pochmann - A lógica privada faz com que, por exemplo, um banco mantenha agências em um determinado município apenas se naquele município a receita adquirida for superior à despesa. É a diferença de um banco público que deve manter a agência e seus serviços, sobretudo para os setores que mais precisam. Há a garantia de agências em cidades e bairros cuja receita até pode ser inferior à despesa. Esse é o papel do banco público, porque o privado não vai fazer. BdFRS - Os governos – e a mídia empresarial – festejam os números do agronegócio. Mas é este o destino do Brasil? Ser um mero produtor/exportador de soja, como foi no Brasil-Colônia de açúcar ou, mais tarde, de café? Pochmann - Produzir para exportar a partir de matérias-primas, representa a lógica pela qual o Brasil foi fundado pelos portugueses. É uma situação colonial. Um país que joga fora a possibilidade da sua emancipação porque depende das exportações, das decisões de quem compra esses produtos. Sem falar que o agronegócio brasileiro, embora importante, não produz tecnologia, depende da compra de sementes e da importação de equipamentos. Mais de 213 milhões de habitantes não têm condições de se manter como país dependendo apenas da atividade agrícola, especialmente o agronegócio, que emprega cada vez menos pessoas. BdFRS - Nos últimos seis anos, o Brasil encolheu. Ficou menor
UM PAÍS QUE DEPENDE DE EXPORTAR MATÉRIAS-PRIMAS JOGA FORA A POSSIBILIDADE DA SUA EMANCIPAÇÃO na economia e maior no desemprego. Qual a culpa que as estatais têm disso? Pochmann - A regressão está relacionada ao que aconteceu com o Estado. Foi o diagnóstico de que os problemas brasileiros são responsabilidade do Estado e a saída seria reduzir o Estado. Foram tomadas medidas, entre elas a aprovação da emenda 95, que impossibilita a expansão dos recursos públicos além da inflação. Esse aprisionamento deverá ser mantido por 20 anos. Não existe nenhum país do mundo que fez uma opção dessa natureza. BdFRS - O Brasil pode renunciar a suas empresas públicas sem perder sua soberania? Pochmann - O papel da empresa pública é fazer o que o setor privado não faz. E a experiência das empresas estatais no Brasil se deu dentro dessa trajetória: foram criadas para ocupar o espaço que o setor privado se mostrou incapaz (de ocupar). É difícil imaginar que um país de dimensão continental, subdesenvolvido, poderia deslocar a centralidade do Estado tão somente para as empresas privadas. Se fosse verdade, esses últimos cinco anos deveriam apresentar resultados diferentes dos que temos hoje. BdFRS - Você já disse que, no Brasil, quando se enfraquece o Estado, também enfraquece a iniciativa privada. Poderia
detalhar esta ideia? Pochmann - Vamos dar um exemplo: uma universidade pública aberta atrai investimentos privados. De que forma? A construção do prédio, a contratação de professores, os alunos na sala de aula demandam alimentação, transporte, moradia. Para atender essa demanda, é o setor privado que vai fazer o investimento imobiliário, ampliação de restaurantes e outros serviços. Então, o que temos visto no Brasil, ao longo do tempo, é a simbiose entre investimento público e expansão do setor privado. BdFRS - Apesar da gravidade do quadro, a maioria das pessoas, envolvidas com as lutas do dia a dia pela sobrevivência, ainda não percebe o risco das privatizações. O que é possível dizer para que tomem posição? Pochmann - Um povo sem perspectiva de futuro não adere a lutas mais gerais, pois está submetido à sobrevivência. O indivíduo é levado a planejar o seu dia no máximo por um ano. Agora, os dirigentes de sindicatos e partidos têm um dever de planejar o médio e longo prazo. É nesse sentido que o debate ajuda aqueles que estão submetidos ao curtíssimo prazo da sobrevivência. A discussão acerca da privatização, do mal que está sendo construído no Brasil, merece ter um espaço. A mídia comercial não dá espaço porque é uma das interessadas na própria privatização.
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Desmonte
Com a PEC 32, servidor perde direitos e a população o serviço público Emenda extingue estabilidade, licençaprêmio, promoção por tempo de serviço entre outros direitos LAURA ZSCHABER, PATRÍCIA BRUM E MARCELO FERREIRA
▶ Enxugar a máquina pública tem sido o argumento do governo federal para “passar a boiada” no projeto de sucateamento dos serviços públicos por meio da reforma administrativa - Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 32. A equipe econômica culpa os servidores pela
“Cortes de direitos vão desestruturar as políticas públicas”
crise enfrentada pelo país, induzindo a população a acreditar que o caminho para a prosperidade está em acabar com as garantias que oferecem transparência e com os “supersalários”, restritos a uma minoria do funcionalismo. “Essa afirmação do governo é absurda”, rebate a diretora do Sindicato dos Trabalhadores da Justiça Federal do RS (Sintrajufe/ RS), Arlene Barcellos.
Defesa da sociedade
Um dos pontos mais preocupantes da reforma administrativa é o fim da estabilidade. Diferente do que tem sido dito, esse não é um privilégio do servidor público e, sim, um mecanismo que protege a própria sociedade. É a estabilidade que garante ao servidor público tomar decisões corretas, fazer denúncias sem temer retaliações, proteger o bem e o interesse público acima de tudo. Na sua ausência, o serviço público abre a porteira para o apadrinhamento, para o atendimento a interesses politiqueiros e para o desvio de recursos públicos.
Ela explica, a partir de pesquisa do Dieese sobre informações do Ministério da Economia de 2019, que o Brasil tem 10,3 milhões de servidores públicos civis ativos, considerando as esferas municipal, estadual e federal. Desse total, 53,1%, ou seja, mais de cinco milhões, recebem entre 1 e 4 salários-mínimos. “Lembrando que militares, parlamentares, juízes, promotores, procuradores
não estão na reforma”, pontua Arlene. “A reforma administrativa não reduz despesas, nem impostos, nem taxas. Ela autoriza é que recursos públicos sejam repassados para empresas privadas”, acrescenta. A PEC 32 extingue garantias como a estabilidade; a licença-prêmio; a progressão ou promoção baseada exclusivamente em tempo de serviço; a incorporação ao salário de valo-
Risco para todos
O governo afirma que a reforma administrativa trará impactos para futuros servidores. Arlene Barcellos, também diretora de aposentadoria e pensão do sindicato, contesta: “atinge servidores e servidoras atuais e futuros e, também, os já aposentados e pensionistas”. A estabilidade foi relativizada pela perda do cargo por decisão de órgão judicial colegiado, avaliação de desempenho insatisfatória ou na extinção do cargo. Já as contratações temporárias atingem as contribuições que custeiam as aposentadorias e pensões.
Atinge aposentados e pensionistas
Foto: CPERS
“Havendo menos servidores contribuindo, haverá a diminuição da arrecadação para o Regime Próprio de Previdência Social, o que levará a um déficit”, explica. Isso autoriza o governo a cobrar contribuição previdenciária sobre proventos acima de um saláriomínimo, “atingindo em cheio os já aposentados e pensionistas”. Além disso, os instrumentos de cooperação, previstos no Art. 37-A, representam colocar na Constituição Federal a terceirização e privatização dos serviços públicos. “E, aqui, a população que mais necessita será duramente atingida pela reforma”, conclui a servidora aposentada.
res referentes ao exercício de cargos e funções; os adicionais por tempo de serviço; e os pagamentos retroativos, ou seja, a quitação das dívidas do patrão com os trabalhadores. “Direitos são conquistas da classe trabalhadora, nunca foram privilégios. Os governos liberais, com apoio de setores da mídia tradicional, são hábeis em difundir essa falsidade”, defende Arlene.
Melhora para quem?
O argumento do governo é que tudo isso custa caro. Que o serviço público é ruim, ineficiente. Para a diretora do Sintrajufe, a ineficiência se dá pela falta de investimentos. “É preciso revogar a EC 95/2016 (emenda do Teto dos Gastos) que limitou por 20 anos os investimentos em saúde, educação e proteção social. Isso, sim, é o que traz prejuízos à prestação dos serviços à população”, afirma. Além disso, complementa, sem concurso público, sem estabilidade, com a possibilidade de contratações temporárias, com critérios de seleção simplificada, “estarão abertas as portas para o apadrinhamento, o nepotismo e as famosas rachadinhas”.
53,1% DOS SERVIDORES PÚBLICOS RECEBEM ENTRE UM E QUATRO SALÁRIOS-MÍNIMOS
A Frente dos Servidores Públicos (FSP-RS), junto de centrais sindicais do estado, promoveu uma manifestação, no dia 14 de setembro, em frente ao Hospital de Pronto Socorro (HPS), em Porto Alegre, contra a Proposta de Emenda a Constitucional (PEC 32/2020), a chamada reforma administrativa
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Arrocho
Servidores perderam 45% de seus salários com Sartori e Leite e agora buscam reposição SindsepeRS e Sindicaixa apontam perdas do funcionalismo nos últimos sete anos e cobram resposta do governador ▶ Servidores públicos estaduais representados pelo Sindsepe-RS e Sindicaixa decidiram intensificar a campanha para recuperar as perdas salariais acumuladas nos últimos sete anos durante os mandatos de José Ivo Sartori (MDB) e Eduardo Leite (PSDB). No período, os vencimentos foram corroídos em 45%, percentual que os sindicatos cobram agora do governo estadual. Aprovada em assembleia virtual unificada em 12 de agosto, a pauta foi entregue ao Palácio Piratini no dia 18. Para a presidente do SindsepeRS, Diva da Costa, a gestão de Leite é responsável por grande parte da defasagem acumulada de vencimentos, pelo confisco salarial dos aposentados e por vencimentos básicos inferiores ao salário-mínimo. “Não dá mais para aceitar esse arrocho, as mentiras
Fotos: Gustavo Schmitt
e essa política destruidora do governo Leite”, afirma.
PR A ZO ACA BOU E N ÃO HOU V E RE SP OS TA O presidente do Sindicaixa, Érico Corrêa, lembra que o ano de 2020 foi marcado pela luta pela sobrevivência diante do avanço da pandemia da covid-19. “As duas categorias lutaram para sobreviver e, no meio do caminho, perderam tragicamente muitos colegas. Agora, mesmo sem as condições ideais, vamos cobrar do governador os nossos direitos", adianta. Ao receber a pauta de reivindicações, o governo se comprometeu a marcar uma primeira reunião de negociação em até 15 dias. O prazo terminou no dia 2 de setembro e, até agora, nada de resposta.
Ao receber a pauta, o governo se comprometeu a marcar uma primeira reunião em até 15 dias, o que não aconteceu ainda
Um grupo de servidores acompanhou a direção dos sindicatos na entrega da pauta de reivindicações no dia 18 de agosto
R$ 20 bilhões em isenções fiscais Redução de servidores de carreira dará lugar ao fisiologismo e ao cabide de empregos ▶ “A sociedade precisa ser esclarecida sobre as consequências do projeto político abraçado por Leite, que está transformando o Estado em agente dos interesses da iniciativa privada. Desgastar os servidores é parte desta estratégia de desmonte dos serviços públicos”, diz peça da campanha desenvolvida pelos sindicatos. Enquanto o poder aquisitivo dos servidores caiu pela metade e não se abre negociação sobre as perdas salariais, Leite segue beneficiando os grandes empresários com fartas isenções fiscais. Calcula-se que, por conta disso, R$ 20 bilhões deixam de ser injetados nos cofres públicos a cada ano. Sem resposta do governo, as duas categorias voltaram a se reunir em assembleia unificada, de modo virtual, no dia 16 de setembro, para avaliar a campanha sa-
larial e definir os próximos passos da mobilização.
CORREÇÃO DE S A L Á RIOS E FIM DOS DE SCONTOS
A pauta de reivindicações dos funcionários inclui reposição inflacionária de 45% referente ao período 2014/2021; correção do valor do vencimento básico recebido pelos servidores em atividade e aposentados; fim dos descontos previdenciários para os servidores aposentados; reorganização dos quadros dos servidores em atividade e aposentados; pagamento da GISAE para servidores aposentados; manutenção do IPE público, com reabertura dos escritórios no Interior e ampliação da rede conveniada; instituição da data-base para a revisão dos salários, com negociação coletiva.
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2021, o ano em que voltamos às ruas Não dá mais para segurar: diante do mais desastroso governo da história do Brasil, o povo começou a ir às ruas apesar da pandemia. Ocorre que, além da morte de quase 600 mil pessoas, o país está mergulhado em uma crise econômica, política, social e moral de grandes dimensões. Mesmo debaixo de chuva, foi o que fizeram estudantes, trabalhadores, sindicatos, partidos, igrejas e movimentos sociais no 27º Grito dos Excluídos e das Excluídas, em Porto Alegre (fotos). Tendo por norte a remoção do genocida do poder, o Fora Bolsonaro já tem nova manifestação agendada para 2 de outubro e promete ganhar cada vez mais força.
Fotos: Assessoria/CPERS
CHEGOU A HORA DE VOTAR E NÃO DEIX AR ROUBAREM NOSSO DIREITO AO FUTURO Você acha que o governador é quem deve decidir o seu futuro? Ele é quem decide por você? Sem essa, né? É a gente que vai dizer o que serve para a gente ou não! Mas para isso é preciso que o povo vote e faça ouvir a sua vontade. Esta é a proposta do Plebiscito Popular. E por que devemos votar? Porque, simplesmente, o futuro de todos nós está em jogo. Acontece que o governador Eduardo Leite quer vender a Corsan, o Banrisul e a Procergs sem ouvir ninguém a não ser a sua turma de deputados. Não importa que deem lucro. Só o Banrisul lucrou R$ 824 milhões em 2020. E a Corsan teve lucro líquido de R$ 480 milhões. Os gaúchos e gaúchas vão perder seu patrimônio e levar a pior. Mas o negócio do Leite é vender, vender, vender. O que fazer então? Votar, ora! E votar no Plebiscito Popular sobre as Privatizações é fácil. Dá para votar sem sair de casa, através do celular ou computador, cadastrando-se no site https://decidimrs.com.br e o cadastro pode ser feito agora mesmo. Para sua segurança, você receberá um email para confirmar sua inscrição, garantindo, assim, que ninguém usou o seu endereço eletrônico para se cadastrar no seu lugar. Também haverá locais de votação nos municípios para quem não tem acesso à internet e urnas volantes nas comunidades sem acesso à internet.
A CONSULTA SER Á RE A LIZ A DA DE 16 A 23 DE OU T UBRO.