Jornal Brasil de Fato / RS - Número 30

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Foto: Jefferson Rudy/Agência Senado

RIO GRANDE DO SUL

Foto: Haroldo Britto

PEDRO HALLAL: “BRASIL ERROU EM PRATICAMENTE TUDO NO ENFRENTAMENTO DA PANDEMIA” PÁGIN A 4

CENTRAIS QUEREM REAJUSTE DE 10,3% NO MÍNIMO REGIONAL MAS LEITE ACENA COM APENAS 2,7% PÁGIN A 3

03 de novembro de 2021 distribuição gratuita brasildefato.com.br

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Ano 3 | Número 30

TODOS OS CRIMES

DO PRESIDENTE A CPI DA COVID ACUSA BOLSONARO DE COMETER NOVE CRIMES. VEJA AQUI QUAIS SÃO. PÁGINA CENTRAL

Arte sobre fotos de Marcelo Camargo/Agência Brasil e Marcio James/Semcom


2 Foto: Jefferson Rudy/Agência Senado

EDIÇÃO N O 30 - 03 DE NOVEMBRO DE 2021 - W W W.BRASILDEFATORS.COM.BR

CHARGE | Santiago

Ex-Ministro da Saúde General Eduardo Pazuello em depoimento na CPI da Pandemia

Editorial

Militares, poder e fracasso ▶ Uma das mentiras mais bem contadas aos brasileiros versa sobre o suposto conhecimento superior dos militares em relação aos problemas do país e sua não menos superior capacitação para enfrentá-los. É tão falso quanto uma nota de três reais. Os militares mostram-se mais talentosos para tomar o poder. Foi assim desde o começo ao derrubarem o Império e proclamarem a República em 1889. Foi uma quartelada. Desde então, no decurso de quase toda a história brasileira, eles estiveram no poder. Ou estiveram conspirando para dele se apossarem. Sua ausência mais longa – mas não lamentada – ocorreu na redemocratização pós-1985. Neste novembro, o 132º aniversário da República inventada pelos marechais encontra os militares novamente no controle. Coube a um deles, o general Eduardo Pazuello, alinhar suas tropas não para golpear um presidente civil, mas para enfrentar antagonista mais possante. Foi uma catástrofe. Seguindo as ordens do comandante Bolsonaro, Pazuello caiu de joelhos diante da covid-19 na mais retumbante derrota sofrida por um general brasileiro. Durante a ditadura, em 1970, os generais encararam outro inimigo invisível: a meningite que assolou o Brasil, causando 2,5 mil mortes apenas em São Paulo. Doze por cento dos infectados morriam. Incapaz e atarantado, o regime impôs a censura total para esconder seu fracasso. Até os médicos estavam proibidos de falar que a doença existia. Mas a bactéria prosseguia circulando e matando. Somente em 1974, quando não era mais possível ocultar a tragédia, o assunto veio à tona. São duas histórias interessantes para lembrar quando alguém elogiar a qualidade superior da gestão militar.

www.brasildefators.com.br (51) 98191 7903 redacaors@brasildefato.com.br /brasildefators @BrasildeFatoRS brasildefato.rs CONSELHO EDITORIAL Danieli Cazarotto, Cedenir Oliveira, Frei Sergio Görgen, Saraí Brixner, Enio Santos, Neide Zanon, Ademir Wiederkehr, Luiz Muller, Télia Negrão, Diva da Costa, Grazielli Berticelli, Bernadete Menezes, Gelson José Ferrari, Salete Carollo, Ronaldo Schaefer, Vito Giannotti (In memoriam) | EDIÇÃO Ayrton Centeno (DRT3314), Katia Marko (DRT7969) | REDAÇÃO NESTA EDIÇÃO Ayrton Centeno, Fabiana Reinholz, Pedro Neves e Walmaro Paz. | DIAGRAMAÇÃO Marcelo Souza | DISTRIBUIÇÃO Ronaldo Schaefer e Saraí Brixner | IMPRESSÃO Gazeta do Sul | TIRAGEM 25 mil exemplares.

Opinião

A República da opressão VALDETE SOUTO SEVERO * ▶ Dia 15 de novembro festeja-se

nossa “república de parentes”, como diz Chico César, recheada de fascistas que “babam e arreganham os dentes”. Eles sempre estiveram lá, foram escravocratas, burocratas e integralistas. Hoje, são bolsonaristas. A nova República não expurgou os “cães do fascismo”. As mesmas famílias revezam-se no poder, como se o Brasil fosse o quintal de suas casas, em um condomínio fechado, cercado e altamente vigiado, fora do qual vive o povo faminto, seus serviçais. Desde a primeira República, instituída por golpe dado pelo marechal monarquista que dois anos depois dissolveu o Congresso, decretou Estado de sítio e autorizou o exército a prender oposicionistas, passando por Getúlio, que não aceitou a derrota nas eleições e tomou o poder em 1930, nossa história é feita de golpes. A nova República, parida na força da luta contra a violência da ditadura civil-militar, nasceu fraca. Os militares seguiram no poder; a Constituição foi em parte ignorada. Em 2016, a primeira mulher eleita presidenta foi afastada do poder. Era preciso aprofundar o abismo. E o problema não foi apenas o respeito ao voto, pois em 2018 mais de 57 milhões de pessoas elegeram o discurso antirepublicano. Há algo de mais grave a ser compreendido, pois a eleição de 2018 representa uma espécie de coroação do uso privado da res pública,

O BRASIL AFUNDA NA POBREZA, DIZ O LE MONDE, ENQUANTO SEU MINISTRO DA ECONOMIA FAZ FORTUNA COM SUA OFFSHORE NAS ILHAS VIRGENS. prova de esgotamento desse modelo, supostamente democrático. Hoje, quem governa nega a ordem jurídica, boicota medidas sanitárias e divulga fake news, enquanto nos bastidores destrói o ambiente, os direitos sociais e a possibilidade de sobrevivência de tanta gente. O Brasil afunda na pobreza, diz o Le Monde, enquanto seu ministro da Economia faz fortuna com sua offshore nas Ilhas Virgens. O calote nas dívidas com precatórios é justificado pelo Auxílio Brasil, a utilização escancarada do dinheiro público para obter vantagem eleitoral, em uma realidade de bilionários e miseráveis. Os poderes da República silenciam. A grande mídia é cúmplice do saque institucional, “fruto podre do cinismo”. Uma República que não pode ser comemorada, precisa ser reinventada. Antes que seja tarde demais. * Juíza do trabalho no Tribunal Regional do Trabalho da Quarta Região


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“A CPI escancarou a vergonha da resposta brasileira à pandemia”

Foto: Jefferson Rudy/Agência Senado

Entrevista especial – Pedro Hallal

Epidemiologista diz que Brasil errou “em praticamente tudo” ao enfrentar a covid-19

O epidemiologista e pesquisador da Universidade Federal de Pelotas (UFPel), Pedro Hallal, depôs na CPI da Pandemia

▶ O epidemiologista Pedro Hallal, da Universidade Federal de Pelotas (UFPel), tornou-se personagem nacional ao coordenar a primeira pesquisa brasileira sobre a pandemia. Converteu-se em questionador implacável das tropelias do governo Bolsonaro ao longo de um ano e nove meses e de quatro ministros da saúde. Ex-reitor da sua universidade, surgiu como voz incisiva contra a negação da ciência. Hoje professor visitante da Universidade da Califórnia em San Diego, Hallal afirma que o Brasil pouparia mais de 400 mil vidas com uma atuação pelo menos mediana perante a ameaça do vírus. AYRTON CENTENO PORTO ALEGRE - RS

Brasil de Fato RS - Qual a sua avaliação da CPI da Covid, seu trabalho, seu relatório e suas consequências? Pedro Hallal - É muito positiva. A CPI escancarou para o Brasil toda a vergonha que tem sido a resposta brasileira à pandemia. Não é por acaso que um país com a estrutura de saúde do Brasil consegue ter uma mortalidade por covid-19 cinco vezes maior do que a média mundial. É preciso errar muito para atingir esse patamar. E o Brasil errou em praticamente tudo no enfrentamento da pandemia. A CPI soube expor esses erros para toda a população. BdF RS - Como segundo país com mais mortes no mundo, o Brasil pagou um preço brutal para a covid-19. Se não tivéssemos fake news, produzidas ou disseminadas pelo

presidente da República e seus apoiadores, nosso custo – mesmo sem vacinas – seria mais baixo. De quanto seria? Hallal - Não existe resposta mágica para essa pergunta, mas existem vários cenários que podem ser explorados. O primeiro seria caso o Brasil tivesse ouvido a ciência desde o princípio e, com isso, tivesse uma mortalidade acumulada parecida com os melhores países do mundo no enfrentamento da pandemia. Nesse cenário, não teria mais do que 20 mil mortes. Mas acho mais adequado comparar o Brasil com a mortalidade média do resto do mundo. Se tivéssemos um

SEM NEGACIONISMO, O BRASIL NÃO TERIA 600 MIL MORTES, MAS CERCA DE 120 MIL

desempenho mediano, melhor do que a metade e pior do que a outra metade dos países. Nesse cenário, nosso número de mortes atual seria próximo de 120 mil. Como são mais de 600 mil mortes confirmadas, dá para se ter uma ideia do tamanho do estrago causado pela política negacionista de enfrentamento da pandemia. BdF RS - Sabemos sobre as mortes da covid-19, mas pouco sobre os milhares que não morreram e sobrevivem com sequelas pesadas. O que se poderia dizer a respeito não somente das sequelas deixadas pela infecção, mas também das doenças que se manifestam a partir da covid? Hallal - Comemorar o número de recuperados é equivalente a comemorar o gol que o Brasil fez na derrota de 7x1 para a Alemanha na Copa de 2014. Uma grande parte das pessoas que tiveram covid-19, e felizmente não morreram, convivem com sequelas de todas as ordens. Isso inclui sintomas de longa duração, sequelas emocionais, além do luto de muitos desses sobreviventes, que muitas vezes são familiares de outras pessoas que, infelizmente, não sobreviveram. BdF RS - Existem muitas advertências no ar quanto ao advento de futuras pandemias originadas do salto de

HÁ UM CERTO EX AGERO EM RELAÇÃO ÀS FUTURAS PANDEMIAS animais para os humanos a partir do processo de destruição ambiental. Qual o seu temor diante disso? Hallal - Acho que há um certo exagero. Sinceramente, pandemia é algo que costuma ocorrer em contagem de séculos e não de décadas. BdF RS - Existe alguma coisa positiva que a experiência humana com a covid-19 pode ter deixado à humanidade? Hallal - No caso do Brasil, os erros foram tantos que é difícil falar em legado positivo. Certamente a pandemia mostrou o quanto é importante valorizar a ciência. Mostrou também que aprendizados antigos da saúde pública, como cordão sanitário, testagem e rastreamento de contatos, isolamento, continuam sendo as melhores estratégias para frear uma pandemia. Não se freia pandemia comprando respiradores e construindo leitos hospitalares, mas sim cessando a transmissão do vírus. Espero que o Brasil aprenda com esses erros.


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Corrupto, charlatão, falsário. É a

Além de violar sete artigos do Código Penal, o presidente é acusad AYRTON CENTENO PORTO ALEGRE - RS

▶ Oitenta nomes indiciados em 1.289 páginas. Entre eles, o presidente da República. É o relatório final da CPI da Covid que atraiu as atenções do país em 60 reuniões e seis meses de investigação, durante os quais foi municiada com mais de quatro milhões de documentos sigilosos. Os senadores pedem o indiciamento de Jair Bolsonaro por nove crimes referentes a ações e omissões na pandemia. Veja aqui o que ele fez ou deixou de fazer para estar nesta situação:

Espalhando a doença e a morte ▶ EPIDEMIA – Provocar a disseminação de epidemia e, eventualmente, da morte. Na visão da CPI, o crimino so não é somente aquele que provoca a doença, mas também quem atua ou se omite causando o agravamento da epidemia. Inclui-se aí a falta de defesa do uso de máscaras e do distanciamento social e o atraso na compra das vacinas. Sem contar o fato de que o presidente ata-

cou sempre tais providências. Então, pediu seu indiciamento. Os senadores apontaram o crime baseados no que diz o artigo 267 do Código Penal: “Causar epidemia, mediante a propagação de germes patogênicos”. A pena é de reclusão máxima de 15 anos. Porém, se houver morte, a punição dobra, passando para 30 anos.

Vendendo uma falsa cura ▶ CHARLATANISMO – Pratica charlatanismo quem anuncia cura por “meio secreto ou infalível”, iludindo as pessoas. Os senadores entenderam ser justamente o caso do presidente. Em plena pandemia, ele divulgou as supostas propriedades curativas de drogas cuja eficácia já havia sido des-

mentida pela ciência, especialmente a hidroxicloroquina, a ivermectina e a azitromicina. O crime consta do artigo 283 do Código Penal. A pena determina detenção de três meses a um ano, além de multa.

A invasão de hospitais ▶ INCITAÇÃO AO CRIME – Quando estimulou a população a reagir contra as medidas sanitárias – máscaras, distanciamento social e recusa da vacinação – Bolsonaro incitou a prática de crimes. É a interpretação da CPI. Teria agido desta maneira quando propôs aos seus seguidores a invasão e a gravação de cenas

em hospitais onde leitos estariam supostamente vazios. Incentivou a invasão de domicílios, expondo pessoas ao risco de contaminação ou morte. A incitação ao crime está no artigo 286 do Código Penal. A pena vai de três a seis meses de detenção, mas pode ser trocada por multa.

Incitação ao crime, falta de decoro

Braços cruzados diante da corrupção ▶ PREVARICAÇÃO – Prevaricar é o mesmo que corromper ou submeter-se à corrupção. Prevarica aquele agente público – aqui, o presidente – que atrasa ou deixa de praticar indevidamente ato de ofício. Ou seja, algo que é sua obrigação fazer. Ou pratica tal ação agindo contra aquilo que manda a lei, visando satisfazer “interesse ou sentimento pessoal”. Bolsonaro é acusado de prevaricar ao ouvir o relato feito pelo deputado federal Luis Miranda (DEM-DF), que apontava corrupção na compra da vacina indiana

Covaxin, e nada fazer para apurar as denúncias. Ocorreu em março e só em 30 de junho foi instaurado o inquérito policial, depois do escândalo explodir na CPI. O governo federal estava informado sobre o alto risco de colapso da saúde do Amazonas – onde pacientes morreram por falta de oxigênio _ mas não agiu a tempo. O Código Penal contempla a conduta criminosa no artigo 319. A punição é de três meses a um ano de detenção e multa.

Torrando o dinheiro do país ▶ EMPREGO IRREGULAR DE VERBAS PÚBLICAS – Aqui, o presidente foi enquadrado por ordenar o Laboratório Químico do Exército a gastar R$ 1,14 milhão para produzir cloroquina, droga ineficaz no combate à pandemia. A CPI descobriu também que Bolsonaro e seu então ministro Eduardo Pazuello, da Saúde, torraram mais de R$ 40 milhões

na compra de cloroquina, hidroxicloroquina, ivermectina e azitromicina mesmo depois de estar cientificamente comprovado que nenhuma dessas drogas funcionava contra o coronavírus. A tipificação do crime está no artigo 315 do Código Penal e resulta em detenção de um a três meses ou multa.


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CPI apontando para Bolsonaro

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do de crimes de responsabilidade e contra a humanidade Foto: Alan Santos / PR

Desprezo pela vida dos brasileiros ▶ CRIMES DE RESPONSABILIDADE – Para a CPI, Bolsonaro mostrou-se “descomprometido com o combate à pandemia”, obrigação legal de qualquer presidente. Deste jeito, não se importou com “a preservação da vida e integridade física de milhares de brasileiros”. Deu pouca importância à gravidade da covid-19, apostou em drogas sem efeito e condenadas pela ciência, não coordenou o combate à pandemia, não lançou campanhas de esclarecimento da população, atacou medidas de contenção da epidemia como o uso de máscaras e o distan-

ciamento social, atrasou a compra de vacinas – o governo demorou dois meses para responder a uma carta da Pfizer que oferecia 1,5 milhão de doses. Teria cometido dois crimes de responsabilidade: violação de direito social e incompatibilidade com a dignidade, honra e decoro do cargo. O artigo 85 da Constituição trata destes delitos que são regulados pela lei 1.079/50. A pena é política: perda do cargo ou proibição de exercer cargo público.

Violando a lei que ele mesmo assinou ▶ INFRAÇÃO DE MEDIDA SANITÁRIA PREVENTIVA – Bolsonaro ignorou repetidamente a necessidade do uso de máscaras de proteção, essencial para não espalhar ou contrair a covid-19. Agiu assim em público, inclusive em aglomerações. Sem nenhum motivo especial, violou a lei

e prevaricação e mais seis delitos. É Bolsonaro na visão da comissão do Senado

O estudo que não existia ▶ FALSIFICAÇÃO DE DOCUMENTO PARTICULAR – Falsificar um documento ou modificar algum verdadeiro. No relatório, Bolsonaro é acusado de se valer de qualquer meio para justificar seu ponto de vista. Deste jeito, falsificou uma análise de um auditor do Tribunal de Contas da União (TCU) sobre uma possível supernotificação das mortes causadas pela covid-19 no país. Era um rascunho de relatório e

de cunho pessoal. Mas o presidente divulgou o texto como se fosse um estudo do TCU. A base para o indiciamento vem do artigo 298 do Código Penal. Lá está escrito que “falsificar, no todo ou em parte, documento particular ou alterar documento particular verdadeiro” rende pena de reclusão de um a cinco anos mais multa.

As mortes por falta de oxigênio em Manaus ▶ CRIMES CONTRA A HUMANIDADE – As ações e omissões do presidente nas mortes por falta de oxigênio hospitalar no Amazonas, nas relações entre a empresa Prevent Senior e o governo e seus ataques frequentes contra as populações indígenas comprovariam “crimes contra a humanidade” conforme o relatório. Envolve riam “extermínio, perseguição e outros atos desumanos". No caso de Manaus, o governo, mesmo sabendo do colapso, teria apostado no chama-

do “kit precoce”, sabidamente ineficaz, em vez de enviar oxigênio para salvar vidas. Os crimes contra a humanidade estão previstos no Estatuto de Roma, tratado que tem a assinatura do Brasil e de mais 121 nações. Integrado por 18 juízes de diferentes países, o Tribunal Penal Internacional (TPI), tem sede em Haia, na Holanda. Desde 2019, a procuradoria do TPI investiga Bolsonaro por crimes ambientais.

federal 13.979, de 6 de fevereiro de 2020, que ele próprio sancionou. O delito também está contemplado no artigo 268 do Código Penal. A punição implica detenção de um mês até um ano além de multa.

Opinião

A barriga de Aras e o traseiro de Lira AYRTON CENTENO A CPI fez a sua parte, mas existem dois obstáculos físicos que terá de superar. E nenhum deles é fácil. São a barriga do procurador geral da República Augusto Aras e o traseiro do presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira. Ambos têm se esmerado na blindagem a Bolsonaro. Aras especializou-se em empurrar com a barriga as denúncias contra o presidente. Só ele pode investigar Bolsonaro que possui foro privilegiado. Já abriu investigação preliminar em cima do calhamaço entregue pelos senadores. Porém, vamos com calma. Não será surpresa se seu abdômen funcionar novamente em prol do sossego palaciano. Abrir inquérito, ele abre. Já abriu dois envolvendo o presidente em 2020. Hoje estão em banho-maria. Abre e esquece. Lira é um caso mais grave. Seu traseiro inexpugnável repousa no topo de uma montanha de 130 pedidos de impeachment contra Bolsonaro. Com o chamado Centrão, que ele representa, sendo amamentado com emendas e verbas públicas, é pouco provável que Lira tenha alguma dificuldade para se sentar no relatório e se equilibrar no alto da pilha. O que nem a barriga de Aras nem as nádegas de Lira poderão impedir é o efeito corrosivo da abundância de evidências de desleixo criminoso nas chances do candidato à reeleição.


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Segurança

Projeto prevê que policiais do RS devem portar câmeras nos uniformes Foto: Policia Militar de SC

Proposta já foi aprovada em duas comissões da Assembleia Legislativa e vai a plenário neste mês PEDRO NEVES PORTO ALEGRE / RS

▶ Os uniformes dos policiais civis e militares e suas viaturas devem portar câmeras de vídeo e dispositivos de localização via GPS. É o que aponta o projeto de lei 211/2020 em discussão na Assembleia Legislativa/ RS. Apresentada pelo mandato da deputada estadual Luciana Genro (PSOL), a proposta já recebeu parecer favorável nas comissões de Constituição e Justiça e de Segurança Pública e deve ir a plenário ainda neste mês de novembro. O projeto de lei (PL) foi elaborado por muitas mãos. Diversos setores da sociedade civil organizada se envolveram na sua concepção e apresentação. Foi batizado de “Lei Gustavo Amaral”, em homenagem ao jovem engenheiro negro, morto durante uma ação da Brigada Militar, em 2020.

“CONTROLE SOCIAL E NÃO AUTORITÁRIO”

CÂMER AS VÃO A JUDAR A SEPAR AR “O JOIO DO TRIGO”

Orlandi lembra que o Brasil tem um histórico de violência policial normalmente direcionada aos mais pobres, pois os mais ricos cometem crimes sem precisar se exporem. Ele argumenta que ainda temos uma situação em que existem policias que se organizam para agredir e muitas vezes matar, mas não para fazer valer a ordem e sim visando garantir rendimentos e benefícios próprios. O irmão marista entende que a instalação de câmeras pode ajudar a separar "o joio do trigo", que são aqueles policiais que não agem com uma conduta adequada, além de ajudar os bons policiais. Reforça também que já existe apoio de uma parte da base do governo na Assembleia Legislativa, inclusive do deputado Tenente-Coronel Zucco (PSL), que é da carreira militar e preside a comissão que deu o parecer favorável ao projeto.

O objetivo do PL não é ter um controle autoritário sobre as polícias e sim um controle social

EM SÃO PAULO, MENOS 40% DE MORTES EM AÇÕES POLICIAIS ▶ A assessoria de Luciana

Genro ressalta os números positivos em estados onde projetos semelhantes foram aprovados. “Em São Paulo, a utilização das câmeras diminuiu em 40% o número de mortes em ações policiais em julho, em relação ao mesmo período do ano passado”, enfatiza. Afirma também que, em SP, nos primeiros dois meses de uso das

câmeras, houve apenas uma morte em ações policiais dos batalhões que participam do projeto, enquanto os batalhões que não usam câmeras foram responsáveis por 45 mortes. Além disso, assinala que a presença das câmeras em uniformes policiais no estado paulista também ajudou a melhor identificar casos de violência doméstica, au-

mentando em 67,5% o registro de casos. “Sem câmeras, esses atendimentos muitas vezes eram reportados de outras maneiras, ou até não reportados. Agentes da Segurança Pública que apoiam a proposta defendem que as gravações protegem os próprios policiais de acusações injustas e podem ajudar a identificar criminosos”, completa.

Foto: Divulgação Governo do Estado de São Paulo

Foto: divulgação Ponte Jornalismo

De acordo com irmão marista Miguel Orlandi, educador da Associação do Voluntariado e da Solidariedade (Avesol), o objetivo do PL não é o de estabelecer um controle autoritário sobre as polícias e sim um controle social. Ele repara que nossas polícias foram estruturadas em um tempo em que não havia esse tipo de controle. Vinculado a uma das entidades que participaram da elaboração do PL, ele

acentua que a articulação para esse projeto atende à demanda de uma sociedade que não seja autoritária. "Ninguém discorda de que um delito ou a quebra de uma regra social deva ter uma punição, conforme define a justiça. O que está se discutindo [nesse PL] é a forma [de atuação das polícias]", explica.

Em SP, nos primeiros dois meses de uso das câmeras, houve apenas uma morte em ações policiais dos batalhões que participam do projeto


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Fotos: Katia Marko

Cultura

“Vivemos o século da indiferença”, afirma o patrono da Feira do Livro de Porto Alegre de 2020, Jeferson Tenório Às vésperas do mês da Consciência Negra e com a volta à praça da Feira do Livro de Porto Alegre, o Brasil de Fato RS conversou com o escritor sobre afeto, racismo e a importância da leitura. FABIANA REINHOLZ PORTO ALEGRE / RS ▶ Nascido no Rio de Janeiro e radicado em Porto Alegre, Jeferson Tenório é autor do romance O Avesso da Pele e doutorando em Teoria Literária pela PUCRS. Teve textos adaptados para o teatro e contos traduzidos para o inglês e o espanhol. Até o início desse ano Tenório ministrava aulas de literatura, devido ao sucesso do recente livro, suspendeu a atividade docente para se dedicar a agenda intensa provocada por sua obra. Brasil de Fato RS - Para além do racismo O Avesso da Pele é um livro sobre afeto. Nos tempos atuais que estamos vivendo como manter vivo esse sentimento? Jeferson Tenório - O afeto é o que nos mantém vivo. Essa é a origem do livro, é por isso que o título do livro é “O Avesso da Pele”. A pele está ali quase como um adendo, não é o principal, o principal é o avesso. E as conversas que o Henrique, o pai do Pedro, tem com ele no livro, é justamente buscando a preservação desses afetos. BdFRS - E o que que são esses afetos? São as nossas contradições, os nossos conflitos, as nossas angústias, porque é isso que nos faz humanos. Agora como é que se preserva isso? Tenório - Acho que a primeira coisa é você não ser in-

diferente às dores dos outros, talvez o nosso grande mal do século não seja mais a solidão como foi séculos atrás. Talvez o nosso grande mal hoje seja a indiferença. Vivemos uma crise muito grande da indiferença do outro. Ou seja, tanto faz que o outro esteja morrendo, que ele esteja num hospital morrendo sem ar. “Ah, você vai pegar a gripe de qualquer jeito e vai morrer mesmo muita gente”. Esse discurso da indiferença é brutal, violento, e acho que vivemos o século da indiferença. BdFRS - A busca e interesse por autores negros parece estar crescendo bastante nas últimas décadas. Como tu vês esse movimento? Tenório - Esse aumento ao mesmo tempo que é significativo, ele também é muito pouco. Porque se formos avaliar o número de escritores que são publicados no Brasil, ainda somos a minoria. Então pode passar sim a ilusão de que, pelo fato de o Itamar Vieira Júnior, a Conceição Evaristo, por exemplo, estarem aparecendo, parece então que agora conseguimos um grande alcance da literatura negra. Ainda temos espaços pra conquistar, e não me parece que seja uma onda, eu acho que é algo que veio pra ficar.

está fazendo com Os Supridores. Qual a importância do estímulo à leitura e de levar oficinas literárias, principalmente aos jovens negros da periferia, que, talvez, tenham pouco contato com a literatura, mas que pode acontecer isso, de surgir um Falero ou outros que contam a sua história? Tenório - Que contam as suas escrevivências, como diria a Conceição Evaristo. Eu nunca fiz curso de escrita criativa por um simples moti-

vo, eu não tinha dinheiro nem tempo, mas eu gostaria de ter feito. No caso das periferias, eu acho que isso é mais importante ainda. Eu posso dizer, e eu acho que serve também pro Falero, que a gente se tornar leitor literário foi o ato mais transgressor que a gente pode fazer na vida, porque foi isso que nos levou à escrita. Você ter oficinas literárias nas periferias é um movimento muito importante, você conseguir mostrar para aquele menino negro da periferia que a leitu-

ra é importante para formação dele, mesmo ele sabendo que aquela leitura não vai resolver os problemas práticos e cotidianos dele. Acho que esse movimento é o mais difícil, como é que se convence um menino de 15 anos, que vive numa situação precária, a ler Clarice Lispector? Como é que se convence ele a ler Drummond, Conceição Evaristo? Como é que vai levar poesia num momento em que a pessoa não tem o que comer? Então por isso que é transgressor, ler é um ato transgressor.

A entrevista completa pode ser conferida no nosso site.

BdFRS - Nós entrevistamos o José Falero e ele falou que começou a escrever a partir da leitura, ele nem imaginou que fosse virar escritor e fazer o sucesso que

"Ler é um ato transgressor", afirma Jeferson Tenório ao se despedir como patrono da Feira do Livro de Porto Alegre

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EDIÇÃO N O 30 - 03 DE NOVEMBRO DE 2021 - W W W.BRASILDEFATORS.COM.BR Foto: Carolina Lima

POPULAÇÃO GAÚCHA DIZ NÃO ÀS PRIVATIZAÇÕES

Centrais sindicais realizaram um ato simbólico em frente à Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul

Piso Regional

Centrais sindicais defendem reajuste de 10,3% para o salário mínimo regional Enquanto sindicatos lutam pela reposição da inflação, Eduardo Leite defende reajuste quatro vezes menor e patrões querem acabar com a conquista dos gaúchos WÁLMARO PAZ PORTO ALEGRE - RS

▶ O reajuste do salário mínimo regional do Rio Grande do Sul ainda está em discussão na Comissão de Constituição e Justiça da Assembleia Legislativa e será votado na comissão neste dia 9. As centrais de trabalhadores se unificaram e apoiam a proposta do parecer do deputado estadual Luiz Mainardi. O projeto do deputado do PT acena com a reposição da inflação dos últimos dois anos, ou seja, 10,3%. Já a ideia do governador Eduardo Leite (PSDB) empurra o reajuste para baixo, só 2,7%. No ano passado, Leite sancionou a proposta patronal, negando qualquer aumento aos trabalhadores. Agiu assim embora tivesse enviado ao Legislativo projeto que aumentava o mínimo regional em 4,5%.

CESTA BÁSICA JÁ SUBIU 35%

Em valores absolutos, a proposta das centrais representaria um acréscimo de R$ 127,42 na primeira faixa do piso, que é hoje de R$ 1.237,15. Já o projeto do governador traria uma elevação de somente R$ 33,77 na mesma faixa. Segundo o presidente da Central do Trabalhadores do Brasil (CTB/RS), Guiomar Vidor, apesar da inflação oficial apontar o índice de 10,3% proposto pelas centrais e apoiado pelos deputados da oposição, a cesta básica já subiu 35% no mesmo período. E é a cesta que reflete a verdadeira inflação sofrida pelos mais pobres.

Para o secretário de Administração e Finanças da CUT-RS, Antônio Güntzel, “o relatório de Mainardi está em sintonia com a reivindicação das centrais sindicais, que prevê reajuste de 10,3% para repor a inflação dos últimos dois anos”.

1,5 MILH ÃO DE GAÚCHOS BENEFICI A DOS

Güntzel diz que “o mínimo regional beneficia cerca de 1,5 milhão de gaúchos e gaúchas que recebem os menores salários no estado”. Nota que a remuneração mínima regional funciona “injetando dinheiro no consumo, ajudando o comércio e a indústria, e

aumentando a arrecadação de impostos. Todos saem ganhando”. Já as entidades patronais da indústria, agropecuária e comércio - Fiergs, Farsul e Fecomércio alegam dificuldades para dar o aumento. Querem simplesmente a extinção do mínimo regional. Porém, conforme análise do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), os estados de Santa Catarina e Paraná, que também possuem piso regional, estabeleceram reajustes. Aumentaram os valores em 2020 e 2021, de forma cumulativa. Santa Catarina subiu 10,62%, enquanto o Paraná 12,29%. E os dois estados possuem menores taxas de desemprego que o Rio Grande do Sul.

MÍNIMO FOI CONQUISTA DO GOVERNO OLÍVIO DUTRA ▶ As centrais sindicais, além de uma campanha de esclarecimento à sociedade sobre a importância do mínimo regional, estão promovendo encontros com deputados tanto da situação quanto da oposição, para garantir o reajuste. Querem também conversar com o governador. Pretendem convencer Leite a retificar o projeto encaminhado, contemplando, pelo menos, a inflação apurada no período, que é de 10,3%. O mínimo regional gaúcho foi criado em 2001, durante o governo Olívio Dutra. Sua intenção era proteger as categorias profissionais que não dispunham de acordos coletivos, como as empregadas domésticas. Naquele ano, quando Fernando Henrique Cardoso (PSDB) presidia o país, o valor do mínimo nacional era R$ 180,00. Enquanto isso, o piso regional foi estabelecido em R$ 230,00 Além de Mainardi, integram a comissão que votará o tema, os deputados Tiago Simon (MDB), Pepe Vargas (PT), Juliana Brizola (PDT), Elton Weber (PSB), Vilmar Zanchin (MDB), Sérgio Turra (PP), Mateus Wesp (PSDB), Frederico Antunes (PP), Elizandro Sabino (PTB), Tenente-Coronel Zucco (PSL) e Sergio Peres (Republicanos).

ENTRE OS DIAS 16 E 24 DE OUTUBRO OCORREU A VOTAÇÃO DO PLEBISCITO POPULAR SOBRE AS PRIVATIZAÇÕES NO RS. No total de votos online e presenciais, 90.265 pessoas participaram da votação. A ampla maioria disse não às privatizações (veja abaixo). Na avaliação da coordenação estadual, o voto de quase 100 mil pessoas, num plebiscito organizado pelos movimentos populares, sem recursos financeiros e sem publicidade na grande mídia, mostra que a sociedade quer participar das decisões do Estado todos os dias e não ser chamada a votar apenas a cada quatro anos. Participantes do Comitê Estadual destacaram a riqueza do diálogo realizado com a população gaúcha. “Percebemos que muitas pessoas não sabiam que a Corsan estava sendo privatizada. O resultado do plebiscito explica por que o governo Leite tirou a consulta da Constituição. Quando o povo tem a oportunidade de se manifestar, ele defende o patrimônio e os serviços públicos.”

VEJA O RESULTADO

1) Energia elétrica, água, saneamento, saúde, transporte coletivo, correios são serviços públicos essenciais ao povo. Você concorda com a entrega destes serviços para empresas privadas? Não – 85.958 | Sim – 3.777 | Brancos – 91 | Nulo – 439 2) Banrisul, Corsan, Procergs, CRM, Sulgas, Eletrobras, Banco do Brasil, Petrobras, Caixa, Trensurb e Carris são patrimônio público e prestam serviços essenciais ao nosso desenvolvimento. Você concorda que este patrimônio seja entregue para empresas privadas? Não – 86.402 | Sim – 3.319 | Brancos – 34 | Nulo – 410 3) Você concorda que o governador entregue o patrimônio público sem ouvir a população? Não – 87.689 | Sim – 2.044 | Brancos – 118 | Nulo – 414

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