A advogada completa

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Testemunho

Maria Teresa Sequeira de Medeiros, 36 anos, chegou à GM Portugal há 11. Desde 2004 que é directora jurídica, uma função que a faz sentir-se perto do negócio. E que não inviabiliza as idas a tribunal, sem as quais exerceria uma advocacia incompleta

Ramon de Melo

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Longe vão os tempos em que Opel era apenas o carro do avô. Hoje, Maria Teresa Sequeira de Medeiros conduz um Opel Insígnia. Devora quilómetros, ditados pela geografia dos tribunais em que tem de comparecer por força das suas funções de directora jurídica da GM Portugal. Gosta cada vez mais de conduzir, mas não de andar às voltas na cidade nem à noite. E nem muito depressa… Quando entrou para a GM, estava o ano 2000 a começar, não perce18

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bia nada de automóveis. Mas hoje já não é propriamente leiga, até já sabe como funciona o airbag, o sistema de travagem ou o filtro de partículas. Aprendeu com os engenheiros e outros técnicos da empresa, com quem se aconselha sempre que tem de ir a tribunal por qualquer alegação de defeito de um veículo. Não se sente é habilitada a resolver problemas mecânicos no seu carro… Mudar um pneu, sim, já lhe aconteceu uma vez. Mas nada mais. Teresa gosta de ir a tribunal. Aliás,

quando a desafiaram para ingressar no departamento jurídico da GM esse foi um dos aliciantes: “Era uma valência que não queria perder. Gosto de fazer barra e fiz sempre questão de fazê-la. Afinal, tendo-nos tornado especialistas no negócio somos sempre os advogados mais habilitados a defender o produto e a empresa”. Não é que o contencioso abunde: em comparação com as vendas, a percentagem é mínima – 60 casos num universo de 20 mil automóveis

por ano. “Todos os casos cabem nas estantes do meu gabinete”, resume. Teresa era ainda estagiária quando foi convidada a participar na construção de um departamento jurídico “a sério” na GM Portugal. A primeira reacção foi de surpresa, mas foi convencida com o argumento de que não iria ser uma mera gestora de avenças e, sobretudo, com o argumento de que era necessário alguém que gostasse de ir a tribunal. E – admite – também colheu o facto de ser um emprego – remunerado, ao conO agregador da advocacia


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trário do estágio. “Aceitei a título experimental, com alguma renitência, deixando sempre lugar para voltar ao escritório”, recorda. Quase 11 anos depois, dirige o departamento que ajudou a criar. Maria Teresa Sequeira de Medeiros sempre gostou de empresas. Alicia-a ter, todos os dias, a possibilidade de participar na execução dos projectos, não só na invenção dos negócios, mas fazer verdadeiramente parte da equipa, vivendo a empresa na prática e não apenas do lado dos pareceres. Teve a “sorte” de encontrar na GM uma empresa “com uma matriz de compliance muito forte, em que os advogados têm sempre um papel muito próximo da tomada de decisão”: “Em determinadas áreas sabemos que a opinião do advogado condiciona fortemente a execução ou não de um projecto”. Rapidamente aprendeu a conviver com a responsabilidade da decisão e com os critérios da gestão, adquirindo uma visão tridimensional do negócio – jurídica, naturalmente, mas também comercial e financeira. É esta faceta que lhe permite “descomplicar o mais possível”, desconstruindo os conceitos jurídicos para colegas não advogados. Apesar de assumir o contencioso – sem ir a tribunal “sentiria o exercício da advocacia incompleto” – Teresa não abdicou da colaboração de advogados externos. Quando chegou à GM, todo o trabalho jurídico era dado fora, mas hoje é menos de cinco por cento. Há, no entanto, domínios do Direito muito especializados, para os quais Teresa não tem formação ou interesse, que são assumidos externamente. É o caso das questões fiscais. Também acontece com o Direito do Trabalho, mas por razões diferentes. “Trabalhando em equipa, com um envolvimento muito directo com os colegas, torna-se muito constrangedor assumir as questões laborais. Pela proximidade com as pessoas, deixo de ter a independência e a frieza de julgamento necessárias”. Quando, em 2006, a GM encerrou a fábrica da Opel na Azambuja, em que trabalhavam mais de duas mil pessoas, as questões do direito laboral assumiram uma dimensão O agregador da advocacia

Rapidamente aprendeu a conviver com a responsabilidade da decisão e com os critérios da gestão, adquirindo uma visão tridimensional do negócio – jurídica, naturalmente, mas também comercial e financeira. É esta faceta que lhe permite “descomplicar o mais possível”

nunca antes experimentada: “Foi talvez a experiência mais marcante da minha carreira, fez-me crescer do ponto de vista pessoal e profissional”. Teresa não assessorou directamente o processo de rescisão – “Seria muito penoso”. Reconhece que a GM é uma empresa conservadora, mas essa matriz não é incompatível com a capacidade de recriação do negócio: “É um esforço de permanente reinvenção da forma de estar no mercado e isso traz mais trabalho aos advogados. Nessa medida, a empresa arrisca e com sucesso. Até porque quem não tiver essa capacidade não sobrevive”. É igualmente uma empresa muito masculina, mas cada vez menos. Quando ali chegou havia apenas duas ou três mulheres, hoje são mais. Mas ainda é “frequentíssimo ser a única numa mesa de reuniões com 20 homens…”. Apesar disso, Teresa garante nunca ter sentido qualquer discriminação: “Sempre fui respeitadíssima. Nunca senti a menor incompreensão por ter de sair mais cedo quando um filho estava doente, por exemplo. Aliás, nunca abdiquei do meu papel de mãe”. Foi quase a “medo” que assumiu funções no departamento jurídico da GM Portugal. Olhando para trás, não tem dúvidas da importância do advogado no negócio da empresa. Todos os dias alcança vitórias, o que a leva a rejeitar claramente o preconceito de que a advocacia de empresa é uma forma de advocacia menor. “Quando lhe é dado espaço, o advogado de empresa é uma peça valiosíssima para o negócio”.

Quando entrou para a GM, estava o ano 2000 a começar, não percebia nada de automóveis. Mas hoje já não é propriamente leiga, até já sabe como funciona o airbag, o sistema de travagem ou o filtro de partículas

PERFIL

Saudade de emigrante Teresa chegou a Lisboa para frequentar o curso de Direito da Universidade Católica Portuguesa. Veio dos Açores, de S. Miguel, a ilha onde nasceu e cresceu com os pais e dois irmãos. Foi a única na família que seguiu advocacia – o pai é veterinário, a mãe bioquímica, o irmão médico e a irmã professora. Escolheu por “exclusão de partes”, mas também porque lhe interessava o raciocínio jurídico. Veio para o continente estudar e ficou. Entretanto casou e nasceram-lhe os

filhos – o Pedro, de seis anos, e a Leonor de quatro. Mas regressa com frequência à ilha, onde os pais continuam a viver. E volta para que as crianças tenham contacto com os avós. Mas não só. Volta porque os Açores são o sítio onde se sente em casa. Sofre daquilo que designa como “saudade do emigrante”. E um dia, quem sabe, poderá ser de vez: “É sempre bom pensar que, quando decidir acalmar, posso voltar”. Aos 36 anos, esse dia ainda parece longe…

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