A Bola é um centro de comunicação

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Entrevista Herminío Santos jornalista hs@briefing.pt

Bernardo Rodo, managing director da OMD

Investiu cinco milhões de euros no projeto de televisão, criou mais 60 postos de trabalho e em 2013 vai chegar a Moçambique. No site terá em breve conteúdos premium e está muito atenta a tudo o que passa no online. Tudo isto faz parte de uma estratégia multiplataforma que se enquadra naquilo a que Vítor Serpa chama “o centro de comunicação A Bola”. Quase a fazer 70 anos, o título mantém-se independente de grupos editoriais

Vítor Serpa, diretor de A Bola

Ramon de Melo

A Bola é um centro de comunicação

Briefing | Qual o balanço que faz de A Bola TV? Vítor Serpa | É um balanço positivo. Temos tido várias reuniões com a PT e com as pessoas responsáveis pela área de conteúdos do MEO e existe um feedback positivo. Estamos satisfeitos com aquilo que já conseguimos até agora. Percebemos que vai ser 34

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um longo caminho, não é uma corrida de 100 metros, será uma maratona. Mas acho que aquilo que já se conseguiu dá para entender que o projeto faz sentido, que vale a pena apostar nele e que tem futuro. Briefing | Porque é que decidiram lançar o canal de televisão?

VS | Trata-se de uma coisa que penso que é, de alguma forma, inovadora. Entendemos que, principalmente nos tempos que correm, onde a fúria tecnológica nos ultrapassa e onde sempre temos que ir a correr para podermos acompanhá-la, faz todo o sentido a existência de um centro de comunicação A Bola.

Esse centro tem várias plataformas. Não abdicamos do papel e achamos que continua a fazer todo o sentido e a haver gente que tem com o papel uma relação de afetividade que não tem com qualquer outro meio, mas percebemos também que aquilo que é A Bola deve pertencer a um mundo moderno e inovador www.briefing.pt


e por isso tem várias plataformas para se desenvolver. Essas plataformas são o desenvolvimento e continuidade do papel. Com o site temos uma liderança efetiva mas continuamos todos à espera de que se encontre um bom modelo de negócio para o online. Com a televisão quisemos juntar o conceito de imagem. Durante algum tempo tivemos um período de experimentação com a web tv e esta poderá eventualmente um dia regressar se por aí for o futuro. Mas nesta altura percebemos que o projeto que deveríamos abarcar seria um projeto conjunto uno, com um único diretor geral, que sou eu, e que funciona dentro dos parâmetros editoriais que foram traçados para A Bola. Briefing | É possível imaginar que um dia A Bola TV venha, por exemplo, a transmitir jogos da Liga dos Campeões? VS | Tudo é possível. Achamos que devemos primeiro claramente fortalecer a área da informação. Para nós a informação de desporto na televisão tem sido sempre complementar até inclusivamente nos próprios canais de televisão. Os atuais canais desportivos de televisão têm precisamente um figurino que assenta em transmissões diretas e depois, em complemento, outras rubricas. Pretendemos fazer o trajeto contrário: uma aposta na informação desportiva, criar a ideia de que A Bola é o canal de excelência da informação no desporto e a partir daí ser verá para onde iremos. Briefing | O site de A Bola é de acesso livre. A ideia é continuar assim ou entendem que o modelo de negócio terá de evoluir para conteúdos premium? VS | Nesta fase o modelo de negócio terá que evoluir para conteúdos premium. Devo dizer-lhe que é para nós de alguma maneira interessante considerar que o projeto online já gera lucros para a empresa - o que é também possível dentro do enquadramento que temos de que todos trabalham para tudo mas temos a consciência de que a partir de agora temos de apostar nos conteúdos premium e devewww.briefing.pt

“Não abdicamos do papel e achamos que continua a fazer todo o sentido e a haver gente que tem com o papel uma relação de afetividade que não tem com qualquer outro meio, mas percebemos também que aquilo que é A Bola deve pertencer a um mundo moderno e inovador e por isso tem várias plataformas para se desenvolver”

“Devo dizer-lhe que é para nós de alguma maneira interessante considerar que o projeto online já gera lucros para a empresa - o que é também possível dentro do enquadramento que temos de que todos trabalham para tudo - mas temos a consciência de que a partir de agora temos de apostar nos conteúdos premium”

mos de considerar que é uma área de investimento que nos interessa iniciar muito brevemente. Briefing | Foi difícil mudar os hábitos de trabalho da redação, do papel para o digital e televisão? VS | Não foi difícil. Primeiro porque temos uma redação muito jovem, segundo porque o conceito foi: A Bola fará tudo o que estiver ao seu alcance para prosseguir uma linha de defesa dos postos de trabalho. A televisão obrigou a um grande investimento que foi feito com capital próprio – foi da ordem dos cinco milhões nesta primeira fase e em que teremos também de contabilizar cerca de 60 novos postos de trabalho que foram criados. Num momento em que é quase normal assistir a “ondas” de despedimentos coletivos, temos a ideia de que devemos fazer tudo o que estiver ao nosso alcance para evitar esse flagelo. Isto foi muito bem entendido pela redação, que teve um comportamento verdadeiramente excecional. Eu diria que foi simplesmente exemplar não apenas ao nível do entendimento que as pessoas fizeram no sentido de poderem prestar colaboração, em diversas circunstâncias, quer para o site quer para a televisão, mas também na adaptação às novas circunstâncias. Elas próprias criaram condições para aprender algumas técnicas essenciais para poderem trabalhar em cada uma destas plataformas. Isso foi muito gratificante.

“Este jornal tem umas características muito especiais. É um jornal que tem realmente um patrão, a Sociedade Vicra Desportiva – o engenheiro Mário Arga e Lima detém a totalidade da empresa”

Briefing | Quantos trabalhadores tem A Bola? VS | No total, já com a televisão, andará entre as 140 e as 150 pessoas ligadas à redação. Briefing | O jornal mantém-se independente de grupos editoriais. É para continuar? VS | Penso que sim. Este jornal tem umas características muito especiais. É um jornal que tem realmente um patrão, a Sociedade Vicra Desportiva – o engenheiro Mário Arga e Lima detém a totalidade da empresa. O que acontece é que as várias áreas da empresa são próximas umas das outras e há uma interligação permanente. >>>

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“Ninguém hoje poderá dizer que vive exclusivamente das vendas. As vendas continuam a ser absolutamente essenciais. A publicidade começa a ter uma importância decisiva nos resultados da empresa”

INTERNACIONALIZAÇÃO

Luanda é a terceira cidade em vendas Briefing | Como está a correr a operação de A Bola em Angola? VS | Muito bem. Luanda é a terceira cidade de vendas do jornal, depois de Lisboa e Porto. A impressão é local e 10 páginas locais, oito interiores e com a primeira e última também modificadas e neste momento é um jornal de referência em Angola. Briefing | Esse modelo vai evoluir para outros países? VS | Vai evoluir certamente para outros países. Estamos em processo de finalização de algo de parecido em Moçambique, possivelmente no início de 2013. Briefing | E A Bola TV também virá a ser difundida nesses países?

VS | Na televisão estamos a trabalhar para que dentro de relativamente pouco tempo tenhamos distribuição em África, nos EUA e na Europa. Briefing | A Bola está a estudar o lançamento de novos produtos? VS | Não. Neste momento estamos basicamente a pensar consolidar o jornal, resistir o mais possível à descida das vendas em papel, procurar criar condições para que a televisão se consolide e que seja um projeto evolutivo e também ter uma ideia de que há muito por fazer na área do online, além de que temos necessidade de, muito brevemente, olharmos de uma forma mais ativa para o resto das redes sociais. A nossa ideia não é cada coisa por si, existindo realmente uma estratégia A Bola e depois é daqui que nascem as várias estratégias, consoante as plataformas.

Diariamente a direção do jornal pode encontrar-se rapidamente com o dono e com ele trocar algumas impressões. As coisas estão muito agilizadas e isso beneficia-nos bastante. Também existem contra indicações e uma delas é às vezes sermos vistos pelos outros grupos um pouco como os Gauleses, que estamos aqui no meio dos Romanos e que temos uma personalidade especial, sendo vistos não propriamente como inimigos mas entendidos, às vezes, como umas figuras um pouco estranhas neste sistema global da comunicação. Às vezes as pessoas não nos entendem muito bem e também admito que temos dificuldades em estabelecer alguma ponte. Muitas vezes é um pouco por instinto. Há quem diga que A Bola é sobranceira em relação aos outros mesmo até em relação à concorrência mais direta mas não é verdade. Por vezes é um instinto defesa de quem tem a capacidade de viver há quase 70 anos de uma forma que é diferente. A Bola de há 20 anos não é a de hoje, cresceu imenso quer na sua estrutura de comunicação quer no seu património. Briefing | Em tempos A Bola era conhecida por recusar publicidade. Esses tempos mudaram. Qual é o hoje o peso da publicidade nas receitas do jornal? É decisiva? VS | Ninguém hoje poderá dizer que vive exclusivamente das vendas. As vendas continuam a ser absolutamente essenciais. A publicidade começa a ter uma importância decisiva nos resultados da empresa. A transformação de A Bola em relação à publicidade tem cerca de 20 anos. Assumi o cargo de diretor em 1992 – sou o diretor mais antigo na imprensa portuguesa – e quando cheguei ao jornal para este lugar alterei as regras habituais. Tínhamos anteriormente um chefe de redação, o Vítor Santos, que era o homem que dominava não apenas a área editorial mas tinha grande influência na área de gestão. Foi uma figura notável na história do jornalismo, um líder, que aprendi a admirar. O que entendi em 1992 foi que a melhor maneira de o >>>

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admirar e de o respeitar não era copiá-lo. Havia gente nessa altura que entendia que o jornal deveria ter uma evolução na continuidade. Eu entendi que era necessário mudar algumas coisas. Foi por isso que o jornal seguiu um caminho diferente, tendo passado a diário e alterado a sua forma de entender a publicidade. Eu era de uma formação e de uma geração diferente da de Vítor Santos e entendi que a relação tinha de ser outra, respeitando sempre certos princípios. Daí que nunca n’ A Bola tenha alguma vez admitido a publicação dos anúncios relax… Também encontrei uma administração recetiva a não ganhar esse dinheiro mas a perceber que era importante que o jornal mantivesse um determinado tipo de trajeto editorial e a esse trajeto editorial de jornal de referência se pudesse também adaptar uma publicidade de referência. Briefing | Está há mais de 30 anos ligado ao jornalismo, ao futebol, ao desporto em geral. Como é que olha hoje para um jogo de futebol? É mais difícil escrever uma crónica de um jogo? VS | Hoje é menos honesta pois ela tem muito de influência televisiva. Se olharmos para a Europa, se virmos alguns jornais que são considerados de referência, verificamos que já se escreve sobre futebol sem ir ao estádio. A Bola tem resistido, tanto quanto pode, a isso – também se tem notado, em jornais portugueses, que há cada vez menos jornalistas a acompanhar as equipas. Eu diria que hoje, quando um cronista que escreve uma crónica sobre futebol chega ao árbitro, é inevitável que ela tenha perguntado pelo menos três ou quatro vezes determinado tipo de lance que ele teve dúvidas no estádio. Isto é muito desonesto para com os árbitros. Eles estão aqui numa posição extremamente ingrata pois as pessoas escrevem depois de terem analisado os lances. A solução não é que o jornalismo volte para trás mas sim que o futebol ande para a frente e que vá encontrar também ajuda tecnológica para algumas decisões dos árbitros. 38

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“Acho que as vendas em papel vão continuar a diminuir e acho que todos nós devemos estar muito atentos à evolução do online, que pode começar a diminuir em detrimento das redes sociais”

JORNALISMO

Muito atentos à evolução do online Briefing | Entrou para o jornalismo em 1968. Como é que olha hoje para a profissão? Continua a haver lugar para as vendas em papel? VS | Acho que as vendas em papel vão continuar a diminuir e acho que todos nós devemos estar muito atentos à evolução do online, que pode começar a diminuir em detrimento das redes sociais. Esse trajeto de diminuição já começou em alguns países e provavelmente chegará a Portugal muito brevemente. Em relação ao jornalismo e na sua evolução desde os anos 60 até hoje penso que ele se afastou do seu primo literatura. O jornalismo hoje é uma expressão técnica de uma forma de comunicar que abandonou tudo aquilo que o ligava anteriormente à literatura. Passámos a ter um jornalismo mais técnico – infelizmente, às vezes, mais tecnocrata – e o que nós temos vindo a assistir é que

há menos afetividade do leitor em relação ao jornalismo atual. À técnica de comunicação juntou-se uma técnica de marketing do próprio jornal. Ou seja, aquilo que aprendemos noutros tempos, onde o jornalista tinha que estar completamente afastado da área da publicidade e do marketing, a partir de determinada altura esbateu-se completamente. Ninguém o diz hoje nas faculdades mas acho que deviam ter a coragem de o dizer. Quando se está a fazer a primeira página estamos mais na área do marketing do que nos jornalismo. Isto acontece e é incontornável. Eu gosto? Não. Acho que é inevitável? Acho. Briefing | Estreou-se este ano na ficção este ano. É um hobby para continuar? VS | Já me tinha estreado na ficção, com dois livros publicados na D. Quixote, “Sa-

lão Portugal”, em 2008 e “Tanta gente em mim” (2010) e agora, pela primeira vez, publiquei, no Clube do Autor, o livro “O segredo dos pássaros”. É cada vez mais difícil continuar. Sou uma pessoa que dorme pouco e escreve depressa, é uma das vantagens que tenho, e escrever ficção é uma questão de sanidade mental. Parafraseando um amigo meu: quem ache que só percebe de desporto nem de desporto percebe. É fundamental que as pessoas que estejam num cargo de importância – digo isto também a todos os jornalistas deste jornal – leiam muitos jornais, e que não sejam só desportivos, e livros, principalmente poesia, que é rica não apenas na palavra mas também na criatividade. É muito importante que os jornalistas hoje continuem a ler até para que, quando exercerem a sua técnica de comunicação, ela não seja tão árida e possa ainda estabelecer algumas ligações afetivas com os leitores.

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