advocatus, 43

Page 1

Diretor: João Teives

n

Diretor Editorial: Hermínio Santos

n

Mensal

n

Ano IV

n

N.º 43

n

Outubro de 2013

Miguel Castro Pereira, managing partner da Abreu Advogados

Transformar custos em receitas Pág. 30

06

Estado tem de fazer dieta

O Estado está mal habituado e portanto “quanto mais dinheiro tem mais gasta e não há volta a dar”. Por isso, João Espanha, sócio da Espanha e Associados, especialista em Direito Fiscal, defende que é “preciso fazer dieta”, o que passará, provavelmente, por uma “grande razia no que diz respeito ao funcionalismo público”. Sobre a sociedade, Espanha diz que “se podem esperar algumas surpresas nos tempos mais próximos”.

15 euros

O agregador da advocacia

www.advocatus.pt

João Espanha, sócio da Espanha e Associados

n

19

O Tribunal Constitucional tem futuro?

Desde abril de 2012 que as relações entre o Governo e o Tribunal Constitucional têm sido marcadas pela turbulência. O Advocatus pediu a quatro advogados uma opinião sobre o tema. O resultado são artigos de Alexandre de Albuquerque, da Albuquerque & Associados, José de Matos Correia, da CMS-Rui Pena & Arnaut, Eduardo Paz Ferreira, da Eduardo Paz Ferreira & Associados, e Tiago Duarte, da PLMJ.



www.advocatus.pt

Diretor-geral João David Nunes jdn@briefing.pt Diretor João Teives joao.teives-14761l@advogados.oa.pt Diretor Editorial Hermínio Santos hs@briefing.pt

Destaques

12

PASSEIO PÚBLICO

Raízes alemãs

Nasceu e criou-se em Hamburgo, na Alemanha, mas rumou a Portugal para encontrar no Direito o sentido de Justiça que tanto lhe agradava. Tânia Pinheiro é hoje sócia da Caiado Guerreiro & Associados onde voltou a cruzar-se como o alemão, pois é a responsável pelo German Desk.

Editora Executiva Fátima de Sousa fs@briefing.pt

Diretora de Marketing Maria Luís Telf. 961 571 629 ml@briefing.pt

Distribuição por assinatura Preço: 180€ (12 edições; oferta de voucher Odisseias) assinaturas@briefing.pt Tiragem média mensal: 2.500 ex. Depósito legal: 308847/10 N.º registo erc 125859 Editora Enzima Amarela - Edições, Lda Av. Infante D. Henrique, 333H, 37 1800-282 Lisboa Tel. 218 504 060 Fax: 210 435 935 advocatus@briefing.pt www.advocatus.pt Impressão: TYPIA – Grupo Monterreina Área Empresarial Andalucía 28320 Pinto Madrid - España

Comunicação, Design e Multimédia Av. Marquês de Tomar, 44-7 1050-156 Lisboa Tel: 217 957 030 geral@motioncreator.net

PRODUTORA DE AUDIOVISUAIS Rua Luis Simões, 14 | 2745-033 Queluz Tel: 214 348 010 www.comsom.tv

RAMONDEMELO

PHOTOGRAPHY www.ramondemelo.com

Rua Luz Soriano, 67-1º E Bairro Alto 1200-246 Lisboa - PORTUGAL www.who.pt// contacto@who.pt

O agregador da advocacia

16

estudo

Magistrados à lupa

“Quem são os nossos magistrados? Caracterização profissional dos juízes e magistrados do Ministério Público em Portugal” foi o título de um seminário realizado em Lisboa e onde foram apresentados os resultados de um inquérito sobre as magistraturas feito pelo Centro de Estudos Sociais (CES) da Universidade de Coimbra.

26

crónica

Estudar Direito no tempo do não direito

No tempo em que não havia liberdade de escolha, Eduardo Paz Ferreira recorda para o Advocatus os seus tempos de Faculdade e de estudante e como a sua carreira foi evoluindo na área do Direito.

29

passaporte

Rita Assis Ferreira à conquista da China

Foi com empenho e espírito de aventura que Rita Assis Ferreira partiu para Oriente. Conta agora, na primeira pessoa, como é que foi conquistando a China. Outubro de 2013

3


www.advocatus.pt

Cortar a direito

João Teives diretor

Primeiras impressões A existência de um novo código não é motivo para paralisações ou entraves ao normal decurso dos processos e da aplicação da Justiça. Os problemas surgem porque nem todos os magistrados têm o mesmo entusiasmo pela nova lei. Já diz a expressão popular, e com razão, que nunca temos uma segunda oportunidade para causar uma primeira boa impressão. E assim parece ser com a entrada em vigor do novo código de processo civil. As primeiras impressões que tenho são puramente pessoais e resultantes da minha experiência direta, pelo que, do seu empirismo, não posso extrair conclusões gerais sobre a forma como tem sido entendido e aplicado o novo código. Agora, mesmo não recorrendo à falibilidade dos casos concretos experienciados, há algumas conclusões seguras que podemos retirar da entrada em vigor do novo código. A primeira, positiva e expectável, é que o mundo não acabou. Tudo continua a decorrer com normalidade. Os dias seguem-se às noites. E as noites seguem-se aos dias. E a existência de um novo código não é motivo para paralisações ou entraves ao normal decurso dos processos e da aplicação da Justiça. A segunda, também ela positiva, é

que, quando os magistrados aplicam a interpretação que julgo ser a correta de aplicação imediata das novas normas aos julgamentos em curso temos sentenças, com respostas à matéria de facto nelas incluídas, muito mais expeditas, seja, em casos de manifesta simplicidade, oralmente, seja por escrito, em casos que não sejam assim tão simples. Os problemas surgem porque nem todos os magistrados têm o mesmo entusiasmo pela nova lei. E muitos dos que não são entusiastas são, por vezes, resistentes à mudança. Para estes parece que não há novo código ou há algo de híbrido, uma mescla entre o antigo e novo. Esta resistência tem originado e vai continuar a originar, não tenho dúvidas, grandes discrepâncias e incertezas na aplicação da lei. Ora, valerá a pena refletirmos sobre os motivos desta resistência. Podemos pensar que é algo de imanente à própria condição humana. É verdade. Agora, quando a primeira formação específica para

“Ainda é possível e desejável fazer um esforço suplementar de envolvimento de todos os atores judiciais para o novo código de processo civil”

os magistrados judiciais, sobre o novo código de processo civil, é agendada para meados de outubro, sendo certo que o código entrou em vigor a 1 de setembro, rapidamente compreendemos que não houve, para os resistentes, sequer uma tentativa de envolvimento numa realidade que é nova, que implica uma abordagem nova, com uma cultura nova e diferente da anterior. Parece-me evidente que não há que voltar atrás. Deve-se deixar sedimentar estas soluções por muitos e longos anos. Mas parece-me que ainda é possível e desejável fazer um esforço suplementar de envolvimento de todos os atores judiciais para o novo código de processo civil. Por último, não podemos deixar de lamentar a ineficiência prática de muitas soluções, nomeadamente na ação executiva, em que a praxis da vida e as limitações das infra-estruturas informáticas existentes ultrapassam tudo o que foi belissimamente decretado em Diário da nossa centenária República.

LIVRO

Somos quase escuridão “Estamos muito mais próximos da escuridão, somos quase escuridão, tudo o que temos são recordações e a esperança que, em todo o caso, se desvaneceu, continua a desvanecer-se e em breve se assemelha a uma estrela extinta, um rochedo escuro”. É este o mote de partida do romance “Paraíso e Inferno”, do islandês Jón Kalman Stefánson, agora traduzido por João Reis e editado, este ano, pela Cavalo de Ferro. Romance de luz e sombras, ou de luz e trevas. O que há aqui de diferente é a visão ou descrição da luz não como exterior ao Homem, uma luz deífica, mas imanente ao próprio Homem. A visão do narrador é, assim, antropocêntrica. Somos nós

4

Outubro de 2013

os lampejos de luz na escuridão da vida. Prossegue: “Não há assim tantos lampiões na Localidade, existindo grandes distâncias entre eles. São, na verdade, como a vida: alguns momentos brilhantes separados por dias escuros” (pg. 141). E é esta demanda de luz de Homens sombrios o centro desta belíssima narrativa. Narrativa centrada num rapaz que não tem nome, que não sabe quem é, que não sabe para onde vai, até encontrar refúgio numa trindade profana. Livro sobre a humanidade, na ausência de Deus mas não do divino, entre a luz e a escuridão que a consome, corroí e desumaniza.

O agregador da advocacia



www.advocatus.pt

Entrevista

Hermínio Santos Jornalista hs@briefing.pt

“Parece-me que o Governo tem sido precipitado nas medidas que toma e na forma como as toma. Aliás, algumas, cuja constitucionalidade ainda não foi sindicada, são muito discutíveis quanto à sua regularidade face à Constituição”. É desta forma que o advogado João Espanha, especialista em Direito Fiscal, avalia a ação do Executivo. Sobre a sociedade da qual é sócio, promete surpresas para os tempos mais próximos.

João Espanha, sócio da Espanha e Associados

Governo tem sido precipitado

Advocatus | Vem aí um novo Orçamento de Estado. Do ponto de vista fiscal o que é que espera desse documento? João Espanha | Infelizmente não espero grandes novidades. Não gostaria que a suposta reforma do IRC viesse a constar do Orçamento. Deveria constar de um diploma 6

Outubro de 2013

próprio. Considerando os constrangimentos que temos neste momento ao nível de financiamento público e em termos do défice que se está a anunciar não estou a ver que a carga fiscal venha a ser reduzida e portanto considerando que, normalmente, onde o Estado consegue ir buscar dinheiro é ao IVA ou ao IRS e como

o IVA já deu o que tinha a dar e o IRS vai continuando a dar, não estou a ver grandes alterações do ponto de vista tributário neste Orçamento. Advocatus | Prevê, então, um aumento da carga fiscal? JE | Aumento, tenho dúvidas pois já não há muito por onde aumentar.

O IRS está a níveis absolutamente confiscatórios. Gostaria de ver que o equilíbrio das contas públicas fosse feito pelo lado da despesa e não das receitas até porque me parece que estamos a chegar a um nível de saturação que, aliás, já está a ser indiciado pelo aumento da economia paralela. O agregador da advocacia


www.advocatus.pt

Advocatus | Mas, pelo lado da despesa, continuamos com o mesmo problema que já dura há alguns anos. É irresolúvel o problema da despesa? JE | Diria que o professor Vítor Gaspar tinha razão quando escreveu na sua carta de demissão que elegeram a prioridade errada e que o início da governação deveria ter sido a reforma do Estado cujos contornos ainda estamos para ver. Não me parece que o problema seja impossível de resolver nem pode ser impossível. Se estamos a falar daquilo que o Tribunal Constitucional tem vindo a contrariar, algumas das suas decisões são fundadas em princípios constitucionais, nem sequer em normas postuladas. Esses princípios, mesmo que houvesse uma revisão constitucional, continuariam a constar da Constituição. Parece-me que o Governo tem sido precipitado nas medidas que toma e na forma como as toma. Aliás, algumas, cuja constitucionalidade ainda não foi sindicada, são muito discutíveis quanto à sua regularidade face à Constituição. Se, eventualmente, o Governo tem feito um melhor trabalho de casa não teríamos tantos chumbos no Tribunal Constitucional e alguma coisa já poderia ter feito. Tenho pena que o Governo tenha desbaratado o capital de estoicismo que havia na sociedade portuguesa quando tomou posse. Isso perdeu-se e agora é capaz de ser algo difícil recuperar.

“O professor Vítor Gaspar tinha razão quando escreveu na sua carta de demissão que elegeram a prioridade errada e que o início da governação deveria ter sido a reforma do Estado cujos contornos ainda estamos para ver”

Advocatus | O Governo não fundamentou bem, perante o Tribunal Constitucional (TC), aquilo que queria fazer? JE | Diria que algumas das normas que o Governo preparou e algumas medidas que tentou tomar poderiam ter sido melhor preparadas pelo Governo. Não digo que seja uma questão de fundamentação, digo sim que eventualmente se pode atingir o mesmo objetivo através de outros meios que não aqueles que o TC veio a julgar inconstitucionais. Advocatus | Porque é que preferia que o IRC fosse objeto de um diploma à parte e não constasse do Orçamento? JE | Porque estou algo saturado de ver reformas fiscais feitas em Orçamentos de Estado. Na gíria da fiscalidade as normas fiscais que vão penduradas nos orçamentos chamam-se budget riders – o que “vai a cavalo” do Orçamento – e nessa situação não deve ir muita coisa senão o sistema fiscal fica uma coisa perfeitamente intratável. Estamos sistematicamente todos os anos a refazer o que é memorando, a avisar os clientes que agora mudou isto, agora mudou aquilo. Portanto, é um sintoma daquilo que é a instabilidade da legislação fiscal em Portugal e um sistema fiscal instável, mesmo que tenha medida boas, ou que possa ser bom, é o primeiro passo para assustar o

“Não gostaria que a suposta reforma do IRC viesse a constar do Orçamento. Deveria constar de um diploma próprio”

>>>

sociedade

“Vamos ter algumas surpresas nos tempos mais próximos” Advocatus | A sociedade, a Espanha e Associados, está bem e recomenda-se? Como é que se adaptou a estes tempos de crise? JE | A Espanha e Associados foi apanhada de surpresa pela crise. Estávamos numa magnífica trajetória de crescimento e quando chegámos a 2008/2009 percebemos que isso não estava a acontecer. Tivemos pelo menos um ano em que sofremos bastante com a crise, tivemos quase que nos reinventar um pouco, alterar a forma de trabalhar, reorien-

O agregador da advocacia

tarmo-nos em termos de mercado e perceber que algumas das coisas que não gostávamos de fazer tínhamos mesmo de as fazer e outras que, se calhar, nem nos tinha passado pela cabeça fazer e tivemos de começar a abraçar. Passados estes anos tivemos uma surpresa: há dois anos tivemos um resultado muito interessante. Terá sido aí o ponto de viragem. Em 2014 fazemos 10 anos e entendemos que tinha chegado a altura de parar um pouco para pensar. Vamos agora fazer al-

guma reflexão sobre como é que nos vamos reorganizar mas parece inelutável que vamos voltar a crescer – pelo menos neste momento estamos a contratar –, vamos reorientar alguma da nossa atividade, quer em termos de mercado, quer em termos da nossa atividade e eventualmente vamos tentar incorporar uma ou duas sociedades mais pequenas que tenham valências que não temos. Podem-se esperar algumas surpresas nos tempos mais próximos.

Outubro de 2013

7


www.advocatus.pt

Entrevista

>>>

“É necessário que Portugal vença uma série de obstáculos que para si próprio criou, principalmente ao nível da burocracia. Portugal não é, de todo, business friendly”

investidor estrangeiro. Se eu não sei com o que é que conto daqui a dois anos, até posso achar que o regime é favorável mas se, normalmente, esse regime muda todos os anos, um plano de negócios a quatro/cinco anos, na parte fiscal, vai ter um grande ponto de interrogação e isso não faz bem a ninguém. É certo que nos dá algum trabalho mais eu preferia prescindir de alguns honorários e ter um País um pouco mais em condições de trabalhar. Resumindo: preferia que não visse no Orçamento para dar sinal, sobretudo aos investidores estrangeiros, que se trata de uma medida excecional, anormal, extraordinária, uma coisa de facto diferente e não apenas mais um conjunto de medidas que vêm enxertadas no Orçamento e que se calhar no próximo vamos desfazer tudo.

“Estamos sistematicamente todos os anos a refazer o que é memorando, a avisar os clientes que agora mudou isto, agora mudou aquilo. Portanto, é um sintoma daquilo que é a instabilidade da legislação fiscal em Portugal e um sistema fiscal instável, mesmo que tenha medida boas, ou que possa ser bom, é o primeiro passo para assustar o investidor estrangeiro”

Advocatus | Sente um aumento de interesse dos investidores estrangeiros por Portugal ? JE | Infelizmente não sinto, com exceção de investidores de alguns países que vêm a Portugal porque o dinheiro é muito e a língua é semelhante. Portugal como destino

Eleições

Ordem dedicou-se a desperdiçar oportunidades Advocatus | As eleições para a Ordem dos Advogados estão marcadas para novembro. A Ordem vai entrar num novo ciclo? Precisa de se reinventar? JE | A Ordem dos Advogados precisa de se reinventar há três mandatos atrás. Fui cooptado para o Conselho Distrital quando o presidente era o Rogério Alves, sendo bastonário o José Miguel Júdice e depois estive novamente no Conselho quando o Raposo Subtil era o presidente e o bastonário era o Rogério Alves. Acompanhei as eleições que foram ganhas pelo Rogério Alves e essas eleições, do ponto de vista da sociologia da profissão foram muito interessante pois apareceu o candidato do regime, que normalmente era quem ganhava e, curiosamente, esse foi o que teve a derrota mais pesada, que era o dr. João Correia. Ganhou o Rogério Alves que se candidatou sem a bênção do dr. Júdice e candidatou-se o dr. Marinho Pinto, que nem era advogado, ele é meio jornalista,

8

Outubro de 2013

meio advogado. Analisando as mesas de voto, o dr. João Correia perdeu em toda a linha, o que quer dizer que a formulação normal da Ordem dos Advogados tinha acabado. E o que é que substitui isso? O mediatismo, no caso do dr. Rogério Alves, e o populismo, no caso do dr. Marinho Pinto, que se assume como o candidato dos descamisados e que ganha em quase todo o País e mesmo em Lisboa na mesa dos advogados mais antigos. Nessa altura, a convicção de quem lá estava foi ou fazemos alguma coisa ou na próxima ganha o Marinho. Tentou-se fazer alguma coisa mas não se conseguiu. Depois disso tivemos uma Ordem que praticamente se dedicou a desperdiçar oportunidades. Este tipo de bastonato baseado na gritaria, do berro, não faz o nosso estilo. Já quando o Rogério ganhou as eleições a Ordem ficou pequena demais para tanto advogado e sobretudo pequena para tantas formas de fazer advocacia.

de investimento estrangeiro só sinto num aspeto e isso até é capaz de ser positivo: algumas multinacionais, inclusive da área financeira, têm escolhido Portugal para localizar centros de serviço partilhados. Isso tem a ver com um conjunto de características que não apenas o País tem mas sobretudo a força de trabalho portuguesa tem. Os portugueses que são contratados para este tipo de trabalho têm formação acima da média, são normalmente bilingues e têm uma muito boa capacidade de entrosamento com o estrangeiro e, para mal dos nossos pecados, têm níveis remuneratórios muito abaixo daquilo que se pratica na Europa Central. Normalmente competimos com a Europa de Leste, com a Turquia e temos ganho sistematicamente pois é um destino pacífico, saudável, solarengo. Neste sector tem havido alguma atração de investimento estrangeiro, fora disso Portugal tem muito pouco para oferecer para além do sol e da praia. Advocatus | Como é que vamos dar a volta a isso? JE | Não creio que seja só com a reforma do IRC… É necessário que Portugal vença uma série de obstáculos que para si próprio criou, principalmente ao nível da burocracia. Portugal não é, de todo, business friendly. É um sítio difícil para montar uma fábrica, para instalar um centro de serviços partilhados, para contratar e despedir pessoas, muito complicado para obter licenças. Advocatus | Em termos estruturais nada disso mudou? JE | Não. Eu ainda não vi nenhuma austeridade. Aquilo que vi foi aumento de impostos. Não vi reforma do Estado, pelo contrário. Tenho de admitir que se alguém fez alguma coisa pelo combate à burocracia em Portugal foi o governo do sr. Sócrates com as medidas do Simplex e da simplificação administrativa. Advocatus | Como é que os tribunais lidam com as questões fiscais? Têm sensibilidade para estes assuntos? JE | Eu diria que nalgumas coisas O agregador da advocacia


www.advocatus.pt

melhoraram. Houve um movimento recente de tentativa de criação de equipas para limpar processos antigos. Tivemos a sorte, finalmente, de em alguns processos com 14/16 anos e ainda em primeira instância ter obtido pelo menos uma sentença. Os tribunais tributários padecem de dois grandes males: pouca gente e embora muito trabalhadora e com muita vontade muitas vezes não tem a formação adequada. Isso não quer dizer que os juízes sejam mal formados, quer dizer que algumas das questões fiscais são multidisciplinares e os juízes só têm formação jurídica. Tentam socorrer-se de especialistas, de pessoas que percebam um pouco mais de Direito Fiscal mas infelizmente quem está mais próximo e dá conselho gratuito é o representante da Fazenda Pública. Temos aqui um problema de conflito de interesses material e não formal. Isso era mais sentido há alguns anos atrás e agora já se nota uma maior independência do juiz, pese embora, e eu não sei por que razão isso acontece, alguns tribunais, mesmo Superiores, de há três anos a esta parte, têm tirado umas decisões que são um bocadinho justiceiras e às vezes nota-se uma certa tendência para, em casos que roçam a imoralidade, o juiz ter a tentação de inventar um pouco para tentar ele próprio substituir-se à lei e ir cobrar o imposto que acha que a pessoa devia pagar. Como bom prenúncio destaco o Centro de Arbitragem, que tem cada vez mais trabalho – eu próprio já sou árbitro – e dá garantias de celeridade e a garantia de que as pessoas que são chamadas a pronunciar-se sobre aquela questão têm alguma experiência sobre a matéria. O que não quer dizer que exista qualquer tipo de preconceito a favor do contribuinte. Neste momento começa a ser costume, quando queremos saber a doutrina do caso julgado sobre determinada matéria, o primeiro sítio onde vamos ver é à jurisprudência do Centro de Arbitragem e só depois ao STA (Supremo Tribunal Administrativo). O STA tira as melhores decisões mas com sete a 10 anos O agregador da advocacia

“Os tribunais tributários padecem de dois grandes males: pouca gente e embora muito trabalhadora e com muita vontade muitas vezes não têm a formação adequada. Isso não quer dizer que os juízes sejam mal formados, quer dizer que algumas das questões fiscais são multidisciplinares e os juízes só têm formação jurídica”

de atraso. O que quer dizer que, muitas vezes, a decisão é sobre lei que já foi revogada e substituída duas ou três vezes. Advocatus | Portugal tem bons reguladores na área financeira? JE | Tecnicamente os reguladores são bons, a lei também é boa e está alinhada pelo que há de melhor a nível da União Europeia. Quanto à atuação dos reguladores eu diria que há alguns casos, nomeadamente no sector bancário, que falam por si e não carecem de grande comentário. Advocatus | Acredita que a receita da austeridade está esgotada? São precisas novas ideias? JE | É impossível continuar no caminho em que estamos pois o poder de compra baixou drasticamente, o desemprego não

se suporta, estamos para ver se, do ponto de vista social, isso não vai ter consequências mais graves do que aquelas que assistimos até agora, pois os subsídios de desemprego vão terminando e sendo substituídos pelo subsídio social e um dia acabam mesmo. Quando tivermos meio milhão de pessoas sem dinheiro pelas ruas as coisas podem ficar um pouco tremidas. Aquilo que se fez até agora, e que foi, basicamente, aumentar impostos e pôr as pessoas no desemprego, não funciona. A única coisa que estamos a sentir é a estagnação da atividade económica e, paradoxalmente, o aumento da dívida pública e com esta na casa dos 130 por cento não vamos a lado nenhum. Alguma coisa tem de mudar. Se isso passa por lançar incentivos ao investimento, criar incentivos à empregabilidade e reduzir os impostos, isso não lhe sei dizer. Pessoalmente penso que o saneamento das finanças públicas não se faz pelo lado da receita. O Estado está muito mal habituado e portanto quanto mais dinheiro tem mais gasta e não há volta a dar a isso. Portanto tem de ter uma cura de emagrecimento e a única de emagrecer é cortar-lhe a comida… Tem de fazer exercício mas fazê-lo sem dieta normalmente não funciona. O Estado tem mesmo de fazer dieta. Infelizmente isso provavelmente - passará por uma grande razia no que diz respeito ao funcionalismo público.

“Aquilo que se fez até agora e que foi, basicamente, aumentar impostos e pôr as pessoas no desemprego, não funciona”

Advocatus | Cinco anos depois do Lehman o sistema financeiro foi de facto reestruturado ou corremos o risco de uma nova crise? JE | Acho que vamos sempre correr risco de uma nova crise enquanto permitirmos que a liberdade impere. Mas esse é o preço da liberdade. Prefiro uma crise do que um estado central. Claro que devemos aprender com a crise, regular melhor o que deve ser regulado, não devemos deixar o mercado à rédea solta e são os próprios norte-americanos que nos ensinam isso. Outubro de 2013

9


www.advocatus.pt

Legislação

A proibição das práticas comerciais desleais: uma realidade ou utopia? Como pode conceber-se que exista um consumidor médio que sirva para aferir se uma determinada prática comercial é desleal? Lamentamos esta opção e esperamos que aquando da revisão da Diretiva e do atual regime tal possa ser revisto sob pena desta proibição continuar a ser uma utopia. Com a efetiva mudança de paradigmas na sociedade de consumo, quanto aos termos em que se realiza a procura de bens e a sua aquisição, o legislador teve de ponderar a criação de mecanismos de maior proteção dos consumidores contra todas as violações dos seus direitos fundamentais. Através da lei de defesa do consumidor, Lei n.º 24/96, de 31 de julho, o nosso ordenamento passou a deter um elenco mais alargado de direitos em defesa dos consumidores, podendo dar-se aqui ênfase ao direito à qualidade dos bens e serviços, previsto no art.º 4, bem como o direito à informação em particular, previsto no art.º 8. A importância da defesa deste direito foi alvo de análise pelo Comité Económico Social e Europeu1, ao considerá-lo um pilar, bem como através da Diretiva relativa aos direitos dos consumidores2, onde também se deu especial relevância ao direito à informação, como a base para a efetiva prevenção de conflitos de consumo. Sendo o direito à informação um dos pilares base da defesa dos consumidores, a ele interligada está a proteção contra as chamadas práticas comerciais desleais. Atualmente tal destrinça é mais profunda do que na mera determinação de regras específicas para a compra e venda à distância, e equiparada, uma vez que, para estas situações, já se dispunha de

“Criou-se um regime que sumariamente pretendeu harmonizar ao máximo o tratamento legislativo de uma matéria, esquecendo que a realidade dos Estados-membros é muito diferente”

mecanismos legais específicos. A necessidade de proibir práticas comerciais desleais já não tem o mesmo alvo que tinha quando pensada pela primeira vez em termos comunitários através da Diretiva 2005/29/ CE de 17 de Maio de 2005. Criou-se um regime que sumariamente pretendeu harmonizar ao máximo o tratamento legislativo de uma matéria, esquecendo que a realidade dos Estados-membros é muito diferente. O DL n.º 57/2008, de 26 de março, veio abordar a proibição de práticas comerciais desleais, tomando a Diretiva em apreço, e copiando a mesma para o nosso ordenamento jurídico. Para uma prática ser considerada desleal, e ficar assim sujeita a uma proibição legal, e à consequente anulabilidade dos contratos onde estas estejam inseridas, nos termos do art.º 14 do diploma supra referido, será necessário que a prática em geral seja3: 1) Desconforme

com a diligência profissional; 2)Distorça ou seja suscetível de distorcer de maneira substancial o comportamento económico do consumidor; 3) Ou que o afete na decisão relativamente a um certo bem ou serviço. Mas para além destas considerações, ainda tem de se atender ao preconizado pelo n.º 2 do art.º 5 do DL n.º 57/2008. Indica este que: “O carácter leal ou desleal da prática comercial é aferido utilizando-se como referência o consumidor médio, ou o membro médio de um grupo, quando a prática comercial for destinada a um determinado grupo de consumidores.”4 Como pode conceber-se que exista um consumidor médio que sirva para aferir se uma determinada prática comercial é desleal? O preâmbulo da Diretiva 2005/29/CE propunha que esta tornasse as relações no mercado comunitário mais iguais, e mais fáceis, pela falta de regras à escala comunitárias que fossem uniformes. Mas acreditar que perante o mesmo caso pode existir um grupo médio que responda da mesma maneira, foi algo utópico, não só porque os consumidores são todos entre si diferentes, como a abordagem das relações comerciais é com certeza também diferente. Lamentamos esta opção e esperamos que aquando da revisão da Diretiva e do atual regime tal possa ser revisto sob pena desta proibição continuar a ser uma utopia.

Elionora Cardoso Jurista e docente na UAL. Autora da Coimbra Editora, grupo Wolters Kluwer

Publicado no JO C 44/62 de 11.02.2011. Parece de iniciativa de Jorge Pegado Liz sobre o tema «Que informação para os consumidores». Diretiva 2011/83/UE de 25 de Outubro. 3 Nos termos do n.º 1 do art.º 5 do DL n.º 57/2008 de 26 de Março. 4 Sublinhado nosso. 1 2

10

Outubro de 2013

O agregador da advocacia


www.advocatus.pt

PUB

O agregador da advocacia

Outubro de 2013

11


www.advocatus.pt

Passeio Público

Ana Duarte

Nascida e criada em Hamburgo, na Alemanha, Tânia Pinheiro quis descobrir mais sobre as suas raízes portuguesas e decidiu ingressar na faculdade em Lisboa. Encontrou no Direito o sentido de Justiça que tanto lhe agradava. Hoje é sócia da Caiado Guerreiro & Associados e responsável pelo German Desk: assim junta o melhor de duas culturas – que na verdade são também as suas: a portuguesa e a alemã.

O método alemão

Pragmática, dinâmica e alegre são características que definem bem a personalidade da mais recente sócia da Caiado Guerreiro & Associados, Tânia Pinheiro. A educação germânica encontra-se, ainda hoje, bastante enraizada no dia-a-dia da advogada, que é adepta do pragmatismo alemão e que o aplica tanto no trabalho como na vida pessoal. Tânia nasceu na Alemanha, mais concretamente em Hamburgo. Foi lá que passou toda a infância e adolescência, educada de acordo com as regras e princípios da cultura alemã. No verão, tudo era bastante diferente… As férias eram passadas em Portugal e os pais de Tânia aproveitavam a oportunidade para mostrar à filha o País de norte a sul. Era um tempo dedicado à família e aos amigos portugueses. 12

Outubro de 2013

Recorda com saudade essas férias, em que estavam habitualmente 40 graus – bastante diferente do que estava habituada – e os dias eram passados na praia ou em brincadeiras com amigos. Passadas as férias tinha de regressar à Alemanha: e, de cada vez que voltava, deparava-se com todo um novo período de adaptação aos horários rigorosos, ao tempo mais fresco e ao sistema de regras germânico. Por ter nascido na Alemanha e ser filha de portugueses, Tânia foi educada numa mistura das duas culturas. Em casa falava-se essencialmente português e as tradições eram mantidas, mas também se praticavam algumas alemãs. Além disso, a comunidade portuguesa na região sempre foi muito grande, o

“Mantenha os seus olhos nas estrelas e os seus pés na terra”: para a advogada, esta frase de Roosevelt resume na perfeição a sua educação

que lhe permitiu estar muito próxima dos hábitos portugueses. “Mantenha os seus olhos nas estrelas e os seus pés na terra”: para a advogada, esta frase de Roosevelt resume na perfeição a sua educação. Ao estar em contacto com as duas culturas, Tânia acredita que conseguiu ter “melhor de dois mundos”. Ainda que muitos diferentes, “complementam-se na perfeição”. “Sou portuguesa e ligada à parte mais emocional de “olhar as estrelas” mas a educação germânica deu-me esta parte pragmática de manter sempre os “pés na terra”, explica. Estudou na Alemanha até completar o Abitur – exame de conclusão do secundário. Era chegada a altura de ingressar na faculdade. O curso estava escolhido - Direito, a dúvida O agregador da advocacia


www.advocatus.pt

Em Hamburgo

Com amigos

Visita a Hamburgo

era se estudaria em Portugal ou se continuaria no sistema alemão. Havia uma certa vontade de conhecer melhor Portugal e de se aproximar do País, uma vez que somente nas férias Tânia era totalmente portuguesa. Decidiu então fazer os exames de ingresso para a faculdade nos dois países, na esperança de facilitar a decisão. Entrou em ambos. Arriscou e veio para Portugal estudar. Mas o que a levou a tomar esta decisão? “Penso que foi o meu lado mais português, de querer “olhar as estrelas”. A emoção transcendeu a razão, neste caso”, explica. Apesar de ser “filha única e mimada” escolheu vir para Portugal. Entrou para a Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa. Confessa que a adaptação não foi nada

fácil, principalmente porque sabia falar português mas expressava-se muito melhor em alemão, mas lá foi fazendo as cadeiras sem nunca demonstrar as suas dificuldades. No primeiro ano as disciplinas eram anuais e por isso conseguia regressar a “casa” (Alemanha) de dois em dois meses. Era uma oportunidade para recarregar baterias para voltar depois para Portugal. As saudades dos pais eram a parte mais difícil, pois sempre foi muito próxima. Chegou a ponderar abandonar o curso e regressar… mas resistiu e decidiu levar o desafio até ao fim. Foi na faculdade que conheceu o marido, mais precisamente no primeiro dia enquanto fazia a inscrição. Uma coincidência colocou-os em lugar sequencial na fila. Começaram a falar, ele contou-lhe que tinha es-

O agregador da advocacia

Gosta de se sentir um fixer, ajudando os clientes a resolverem os problemas e a cumprirem os objetivos. É com este intuito que aplica o sentido pragmático, fruto das raízes germânicas

>>> Outubro de 2013

13


www.advocatus.pt

Passeio Público

>>>

“Admiro os alemães revejo-me em muitos dos seus princípios e também na forma de pensar e encarar a vida. Acho que nós portugueses podemos e devemos ter mais orgulho no que é nosso, no que temos de bom…”

“A relação com os clientes tem de se basear em confiança mútua e em segurança”

German Desk

A (re) aproximação à Alemanha Na Caiado Guerreiro Tânia teve a oportunidade de construir o German Desk e assim estar mais próxima da Alemanha. A sociedade sempre teve uma forte ligação a este país, assim como importantes clientes na Áustria e na Suíça. Em parceria com o Tiago Caiado Guerreiro, a advogada tentou focar-se mais nos clientes alemães. O profundo conhecimento da língua e cultura germânica representavam mais-valias, além disso Tânia detinha ainda um profundo conhecimento do mercado português. A plataforma está especificamente

14

Outubro de 2013

direcionada para assistir empresas e investidores de matriz germânica, algo que é bastante familiar à advogada. Criar esta plataforma foi quase como criar um bebé, o seu bebé. Foram necessárias muitas horas de trabalho, a tentar traçar uma estratégia e para perceber quais as necessidades de um alemão que queira investir em Portugal. Como principio têm a transparência, pois é necessário fazer o trabalho inicial de esclarecimento ao cliente e ganhar a confiança dele.

tado no ano antes em Hamburgo e que tinha gostado muito da cidade. Houve logo empatia. Ao acabar a faculdade, Tânia começou a estagiar no escritório Miguel Reis, em Lisboa. Reconhece que no início tinha uma ideia um pouco romântica do Direito, que se foi desvanecendo na faculdade… mas que voltou com a vertente prática. É efetivamente essa parte prática que a faz adorar a advocacia. Foi o sentido de Justiça que a conduziu ao estudo do Direito. Sempre se preocupou e tentou proteger quem achava que necessitava. Gosta de se sentir um fixer, ajudando os clientes a resolverem os problemas e a cumprirem os objetivos. É com este intuito que aplica o sentido pragmático, fruto das raízes germânicas. Reconhece que esse “método” alemão, que lhe foi incutido durante o tempo que viveu lá, hoje lhe é muito útil, principalmente ao nível do trabalho. Mas alerta que, além disso, é preciso criar uma relação de confiança. “Numa época em que a advocacia é vista cada vez mais como sendo compartimentada e dividida em especialidades/especialistas, eu entendo que o serviço ao cliente passa por um apoio transversal em todos os domínios do direito. A relação com os clientes tem de se basear em confiança mútua e em segurança”, afirma. Finalizou o estágio na Caiado Guerreiro, onde se voltou a reaproximar da Alemanha: o escritório já tinha uma ligação a clientes com componente germânica e Tânia viu ai uma oportunidade. Como profissional compreendia o pensamento alemão e o português; a nível pessoal conseguia estar mais perto das suas duas culturas. “Admiro os alemães revejo-me em muitos dos seus princípios e também na forma de pensar e encarar a vida. Acho que nós portugueses podemos e devemos ter mais orgulho no que é nosso, no que temos de bom…”, diz. Tânia continua a viver em Lisboa – uma cidade que adora – mas não coloca de lado um regresso a Hamburgo. Entretanto vai voltando ao seu país de origem - afinal é lá que tem a maioria da família e dos amigos. Em cada regresso recorda momentos que a fizeram ser quem é hoje. O agregador da advocacia


www.advocatus.pt

a influenciar desde 1986

www.lpmcom.pt O agregador da advocacia

Outubro de 2013

15


www.advocatus.pt

Estudo

A esmagadora maioria dos magistrados considera que a magistratura não é adequadamente compreendida e apoiada pelos outros poderes do Estado, revela um inquérito do Centro de Estudos Sociais (CES) da Universidade de Coimbra e cujos resultados foram divulgados em setembro, em Lisboa, num seminário intitulado “Quem são os nossos magistrados? Caracterização profissional dos juízes e magistrados do Ministério Público em Portugal”.

Poderes do Estado não compreendem magistraturas

No capítulo das Magistraturas e Sociedade e quando colocados perante a questão “a magistratura é adequadamente compreendida e apoiada pelos outros poderes do Estado”, 57,3 por cento discorda e 32,9 por cento discorda totalmente. A maioria dos magistrados (51,2 por cento) concorda com a afirmação de que “a magistratura é alvo de críticas injustas e exageradas por parte 16

Outubro de 2013

Sobre o papel da comunicação social na construção de uma imagem pública negativa da Justiça, 55 por cento dos magistrados concorda plenamente com a afirmação e 41 por cento concorda

das pessoas” e 38,4 por cento concorda totalmente com aquela afirmação. Sobre o papel da comunicação social na construção de uma imagem pública negativa da Justiça, 55 por cento dos magistrados concorda plenamente com a afirmação e 41 por cento concorda. A afirmação “os magistrados sentem-se desconfortáveis pela excessiva atenção da comunicação

social” mereceu a concordância de 46,3 por cento dos magistrados ouvidos no inquérito, que contou com respostas de 574 juízes e procuradores. Nos últimos 10 anos a independência do exercício profissional tem permanecido igual para 51,2 por cento dos magistrados, a remuneração tem piorado muito para 61,1 por cento e a preparação e competência profissional O agregador da advocacia


www.advocatus.pt

tem permanecido igual para 33,9 por cento e melhorado para 36,6 por cento. Os juízes e os magistrados do MP consideram que o seu prestígio na sociedade tem piorado muito (52,5 por cento). Nas conclusões apresentadas no seminário, a equipa de investigação considera que “existe atualmente uma evolução para uma realidade em que as magistraturas são o espelho da sociedade, ao contrário do que sucedia há cerca de 30 anos atrás, que não refletiam cabalmente já os processos de litoralização, urbanização e trajetória de classe”. Para a equipa, “atualmente, coexistem ainda diferentes trajetórias, mas percebe-se que, a prazo, evoluiremos para magistraturas mais homogéneas, a partir de características maioritárias evidentes: prevalência do sexo feminino, proveniências dos grandes centros urbanos (Lisboa, Porto e Coimbra), curso de Direito tirado nas duas faculdades principais (Clássica-Lisboa e Coimbra), trajetórias de classe cada vez mais estabilizadas em habilitações/profissões qualificadas, seja do pai/mãe ou cônjuge e uma orientação política a caminhar para o chamado “centrão””. Quanto à rubrica “valores sociais das magistraturas” a equipa de investigação afirma que se observam “diferenças assinaláveis, que configuram o espaço onde

A maioria de magistrados, 57,8 por cento, considera que a reforma mais importante para a organização da Justiça é “agilizar a administração da Justiça mediante simplificação dos procedimentos vigentes”

Orientação Política

O agregador da advocacia

Outubro de 2013

17


www.advocatus.pt

Estudo

a diversidade de opinião emerge de forma mais vincada. Se nalgumas situações, a posição é bastante consensual, como a defesa da igualdade salarial, o direito de associação dos trabalhadores ou o direito de divórcio quando solicitado por um dos cônjuges, noutras se verificam opiniões contraditórias ou opostas, como sejam a pobreza como algo atribuído aos próprios, os cidadãos não terem por vezes cultura política para votar, a necessidade (ou não) de haver um maior controlo sobre os imigrantes por causa da

criminalidade, os toxicodependentes serem vistos como doentes ou a permissão de adoção por casais homossexuais”. A maioria de magistrados, 57,8 por cento, considera que a reforma mais importante para a organização da Justiça é “agilizar a administração da Justiça mediante simplificação dos procedimentos vigentes”, 9,7 por cento afirma que é a reorganização do mapa judiciário e 8,7 por cento defende que a reforma mais importante é a melhoria da remuneração dos profissionais do sector.

Nas conclusões apresentadas no seminário, a equipa de investigação considera que “existe atualmente uma evolução para uma realidade em que as magistraturas são o espelho da sociedade, ao contrário do que sucedia há cerca de 30 anos atrás”

OBJETIVOS

Do perfil às questões sociais Os objetivos principais do estudo foram conhecer e caracterizar os juízes e magistrados do Ministério Público nos seguintes aspetos: • o perfil sociográfico dos juízes e magistrados do Ministério Público, tendo em consideração as diferenças de género, idade, a trajetória da educação, origem geográfica, de classe, entre outros; • O itinerário profissional, mobilidade e atitude em relação à carreira, seus direitos e deveres e à administração da justiça; • Atitudes e valores relativos a questões sociais que estão cada vez mais chegar aos tribunais. Equipa de Investigação: António Casimiro Ferreira (Coordenador) João Paulo Dias Conceição Gomes Madalena Duarte Paula Fernando Alfredo Campos Fonte: CES

18

Outubro de 2013

O agregador da advocacia


www.advocatus.pt

Tribunal Constitucional

Não é de hoje a discussão sobre qual o melhor modelo para a justiça constitucional em Portugal, mas voltou a reacender-se à luz das recentes posições do tribunal em matéria económica. Advogados de quatro sociedades dão a sua opinião sobre o atual sistema.

Catarina Vieira/ Who

Qual o melhor modelo?

O agregador da advocacia

As recentes posições do Tribunal Constitucional sobre matéria legislativa de natureza económica vieram colocá-lo de novo sob o escrutínio público, fazendo levantar vozes a favor da revogação do atual modelo de justiça constitucional em Portugal. A propósito, o Advocatus ouviu quatro advogados. Alexandre de Albuquerque, sócio sénior da Albuquerque & Associados, sustenta que o sistema em vigor tem como vantagens a certeza do Direito, a especialização e a sensibilidade às implicações políticas e comunitárias globais dos problemas, e como desvantagem o perigo de um exagerado poder do órgão fiscalizador e a sua vulnerabilidade às pressões. Já José de Matos Correia, da CMS – Rui Pena & Arnaut, está convicto de que, apesar da necessidade de melhorar ou de corrigir alguns aspetos da justiça constitucional, o Tribunal Constitucional tem desempenhado um papel positivo. O sócio fundador da Paz Ferreira & Associados, Eduardo Paz Ferreira, defende que deixar o Tribunal Constitucional trabalhar livre de pressões, admitindo, com naturalidade democrática, que formule decisões com sentido diverso do de cada um, constitui a melhor forma de contribuir para a coesão da comunidade e para que o Direito cumpra a sua missão de tutelar. E o sócio da PLMJ Tiago Duarte chama a atenção para o facto de ser nas alturas de crise que o papel do tribunal se torna mais difícil, porque é também nessas alturas que o legislador mais arrisca ao nível das soluções para combater a crise, atuando no limiar da fronteira do constitucionalmente admissível. Outubro de 2013

19


www.advocatus.pt

Tribunal Constitucional

Justiça inconstitucional ou Governo de Juízes? A invasão da esfera do político e do legislativo tem, no contexto em que nos encontramos, uma consequência ainda mais dura, resultante da impunidade com que os juízes constitucionais, não sujeitos a qualquer controlo de democraticidade como acontece ao todos os decisores políticos, tomam decisões críticas para a vida do país, em áreas que extravasam o domínio do Direito e do seu saber-fazer. 1. O debate sobre a legitimidade e a justificação da existência do Tribunal Constitucional, no contexto do qual foi solicitada a nossa reflexão, é da maior importância e dificilmente poderia ter mais atualidade. Trata-se de tema de largo espectro. As reflexões que seguem são apenas um telegráfico contributo para esse debate. 2. O tema da fiscalização da constitucionalidade é incontornável no constitucionalismo contemporâneo. Mais do que a sua necessidade – pacificamente assumida -, discute-se os grandes modelos ou sistemas. Redutoramente podem identificar-se três modelos: o da fiscalização política, o da fiscalização judicial e o da fiscalização por Tribunal Constitucional (TC). São conhecidos os argumentos favoráveis e contrários a tais sistemas. Diremos apenas que o sistema de TC tem, em tese, como vantagens, entre outras, a certeza do Direito, a especialização e a sensibilidade às implicações políticas e comunitárias globais dos problemas, e como desvantagem o perigo de um exagerado poder do órgão fiscalizador e a sua vulnerabilidade às pressões vindas de vários quadrantes do sistema político e da Sociedade. 3. Somos da opinião de que o sistema em vigor em Portugal é o mais adequado, sendo que o método e o critério de designação dos juízes do TC se afigura acertado: preenche o quadro de decisores 20

Outubro de 2013

“O sistema de TC tem, em tese, como vantagens, entre outras, a certeza do Direito, a especialização e a sensibilidade às implicações políticas e comunitárias globais dos problemas, e como desvantagem o perigo de um exagerado poder do órgão fiscalizador e a sua vulnerabilidade às pressões”

com personalidades do Direito de várias origens e com formação profissional, sensibilidades e experiências diversificadas, permitindo enriquecer o seu património cultural e científico e, por essa via, as respectivas decisões. 4. Acontece que o TC se encontra na ordem do dia – o que é sempre mau para um tribunal. Não é possível proceder, neste momento, à análise, por genérica que seja, do conteúdo das decisões que foram tiradas a propósito da

apreciação da constitucionalidade das normas jurídicas destinadas à execução do Programa de Assistência Económica e Financeira e à redução do deficit. Sempre podemos contudo afirmar, à laia de conclusão, que o TC, ao contrário do que perorou, invadiu a área da política e do poder legislativo, em grosseira violação da Constituição e do princípio da separação de poderes. Para que não fiquem dúvidas, transcrevemos uma de entre muitas das passagens dos arestos que são prova desta culpa: “A imposição de sacrifícios (…) não pode ser justificada por factores macroeconómicos relacionados com a recessão económica e o aumento do desemprego, que terão de ser solucionados por medidas de política económica e financeira de carácter geral (…) “ – cfr. Acórdão nº 187/2013 de 5 de Abril (sublinhado nosso). Maximalista na utilização dos poderes de fiscalização da constitucionalidade das normas, o TC foi profundamente redutor da verdadeira dimensão da Constituição, reconduzindo-a a uma função radicalmente garantística e subalternizando as suas demais dimensões vitais. A gravidade desta atuação não é apenas formal. A invasão da esfera do político e do legislativo tem, no contexto em que nos encontramos, uma consequência ainda mais dura, resultante da impunidade com que os juízes constitucionais, não sujeitos a qualquer

Alexandre de Albuquerque Sócio sénior da Albuquerque & Associados. Licenciado pela Universidade Católica de Lisboa e mestre em Direito pela Faculdade de Direito de Lisboa, é especialista em Direito Público

controlo de democraticidade como acontece ao todos os decisores políticos, tomam decisões críticas para a vida do país, em áreas que extravasam o domínio do Direito e do seu saber-fazer. E esta gravidade torna-se extrema, quando o TC assume a oposição ao Governo, em substituição de outra institucionalmente manietada, pautando a decisão política num momento crítico do país, com o risco de o precipitar num segundo resgate financeiro absolutamente desastroso ao não prever a integralidade das suas consequências, em delapidação dos mais elementares e fundamentais pilares do Estado e da Constituição que jurou servir e preservar. Não restam, pois, dúvidas do que pior do que um mau Governo só um Governo de Juízes. O agregador da advocacia


www.advocatus.pt

Sim ou não? A necessidade de melhorar ou de corrigir alguns aspectos da justiça constitucional não afecta em nada, porém, a nossa convicção de que o Tribunal Constitucional tem desempenhado um papel positivo. Uma convicção que nem sequer é abalada pela avaliação negativa que fazemos de algumas decisões recentes. Vem de longe o debate sobre qual o melhor modelo para a justiça constitucional: se a outorga dessa responsabilidade aos tribunais ordinários, na linha da “judicial review” norte-americana; se a criação de um órgão especificamente destinado à apreciação do respeito pela lei fundamental, inspirado em maior ou menor medida pelas soluções consagradas na Constituição austríaca de 1920. Em boa hora, o legislador constituinte português optou, em 1982, pela instituição de um Tribunal Constitucional, Com efeito, essa é a solução que melhor assegura uma adequada aplicação da lei fundamental – até por força da crescente complexidade que as questões constitucionais vêm assumindo no quadro dos Estados de Direito Democráticos -, convicção reforçada, aliás, pelo facto de ser esse o caminho seguido por quase todos os países europeus. De resto, afigura-se até contraditório que, quando o sentido para que se aponta em todas as áreas é o da especialização jurisdicional, se queira daí excecionar as questões constitucionais, entregando a sua apreciação definitiva à hierarquia dos tribunais e não a um órgão que detenha, por dever de ofício, um conhecimento particular desses temas. Confiar na superioridade do modelo não significa, porém, aderir acriticamente a todas as dimensões que entre nós apresenta. E, nessa medida, deixaríamos aqui referência a três questões que, na nossa perspectiva, merecem reflexão. Em primeiro lugar, a composição do Tribunal Constitucional. A solução vigente, em que apenas a Assembleia da República tem intervenção, direta ou indireta, na escolha dos juízes (porque elege 10 e os restantes 3 O agregador da advocacia

“Afigura-se-nos também evidente que tem pouco sentido instituir um tribunal especializado em matérias constitucionais e não atribuir um peso dominante na sua composição a quem delas detenha, ‘ab initio’, conhecimento aprofundado”

são por estes designados), presta-se a críticas de politização (ou, mesmo, de partidarização) da sua atuação. Críticas que, sendo injustas (como a análise da sua jurisprudência demonstra), não deixam de ter consequências na avaliação pública que é feita da sua atuação. Nessa medida, uma diversificação das fontes de legitimação dos juízes seria, a nosso ver, apropriada. Em segundo lugar, os critérios de seleção dos membros. Com efeito, os 30 anos de existência do Tribunal evidenciam que é imensa a minoria

de juízes que detinham, à data da sua escolha, experiência relevante, académica ou profissional, na área específica do direito constitucional. É certo que a transversalidade ordenacional do direito constitucional exige a presença de juízes que carreiem conhecimentos e práticas dos diversos ramos do direito. Mas afigura-se-nos também evidente que tem pouco sentido instituir um tribunal especializado em matérias constitucionais e não atribuir um peso dominante na sua composição a quem delas detenha, “ab initio”, conhecimento aprofundado. Em terceiro lugar, uma reflexão relacionada com os poderes materiais de controlo. Referimo-nos à possível consagração de soluções próximas da verfassungsbeschwerde alemã ou do recurso de amparo espanhol. Na verdade, a previsão da possibilidade de os cidadãos se dirigirem diretamente ao Tribunal Constitucional em caso de violação grave dos seus direitos, liberdades e garantias, daria um contributo acrescido para a efetivação de tais direitos e conduziria a uma maior aproximação entre cidadãos e Tribunal, algo que seria, a todos os títulos, benéfico. A necessidade de melhorar ou de corrigir alguns aspectos da justiça constitucional não afecta em nada, porém, a nossa convicção de que o Tribunal Constitucional tem desempenhado um papel positivo. Uma convicção que nem sequer é abalada pela avaliação negativa que fazemos de algumas decisões recentes, que parecem revelar uma postura imobilista na interpretação dos princípios constitucionais e uma desadequada perspectiva sobre a compatibilização, que a própria Constituição impõe, entre direitos fundamentais e outros interesses por ela protegidos.

José de Matos Correia Advogado da CMS – Rui Pena & Arnaut. Licenciado pela Universidade Lusíada de Lisboa, leciona atualmente Direito Constitucional nesta instituição. Preside à Comissão de Defesa Nacional da Assembleia da República

Outubro de 2013

21


www.advocatus.pt

Tribunal Constitucional

Sem pressões Deixar o Tribunal Constitucional trabalhar livre de pressões, admitindo, com naturalidade democrática, que formule decisões com sentido diverso do das opiniões que perfilhemos, constituirá a melhor forma de contribuir para a coesão da comunidade e para que o Direito cumpra a sua missão de tutelar. A conformidade da legislação ordinária com a Constituição é apreciada judicialmente na generalidade dos Estados em que está consagrado o princípio da separação de poderes e, sem embargo de se reconhecer as dificuldade que este controlo pode por vezes suscitar, continua a revelar-se totalmente válida a afirmação de Alexander Hamilton: “A Constitution is, in fact, and must be regarded by the judges, as a fundamental law. It therefore belongs to them to ascertain its meaning, as well as the meaning of any particular act proceeding from the legislative body. If there should happen to be an irreconcilable variance between the two, that which has the superior obligation and validity ought, of course, to be preferred; or, in other words, the Constitution ought to be preferred to the statute.” O reconhecimento da importância fundamental do controlo da constitucionalidade tem levado a que, na maior parte dos casos, sejam tribunais específicos a ocuparem-se das questões constitucionais, cujo conhecimento está vedado aos tribunais ordinários. Não se pode, ainda assim, esquecer que é, porventura, o Supremo Tribunal de Justiça Norte Americano - que formalmente não é um tribunal constitucional -, aquele que desenvolve há mais tempo uma atividade decisiva nessa matéria e que mais claramente põe em destaque as implicações políticas desse tipo de fiscalização, assim como dos mecanismos de escolha dos magistrados. É, por outro lado, digna de nota a existência daquilo a que, por vezes, se designa por uma segunda geração de tribunais constitucionais, criados em Estados que saíram de 22

Outubro de 2013

“As mais recentes tomadas de posição do tribunal em matéria de medidas económicas, alegadamente tomadas em execução do acordo com a troika, vieram sujeitá-lo, de novo, a forte escrutínio”

regimes ditatoriais, ou que são dotados de estruturas federais ou ainda que assentam em amplas descentralizações democráticas (Alemanha, Áustria, Itália, Espanha, Portugal, África do Sul ou a generalidade dos países da antigo bloco soviético). Nesse Estados coloca-se, com especial acuidade, a questão da garantia dos direitos, liberdades e garantias, muitas vezes alheia à cultura jurídica e política dominante, bem como a da arbitragem dos equilíbrios entre os diferentes entes territoriais. Naturalmente que em Portugal, onde existe uma Constituição Económica significativamente rica, a fiscalização da constitucionalidade é particularmente importante. O Tribunal Constitucional teve, aliás, um papel decisivo na conformação do regime económico português, fazendo uma interpretação liberalizante de anteriores versões da Constituição e

agilizando processos de reequilíbrio entre o sector público e privado, que favoreceram este último. As mais recentes tomadas de posição do tribunal em matéria de medidas económicas, alegadamente tomadas em execução do acordo com a troika, vieram sujeitá-lo, de novo, a forte escrutínio. Um escrutínio desta natureza tem de ser feito à luz de um princípio fundamental que o Tribunal reafirmou - o da supremacia da Constituição -, o que envolve a clara recusa da possibilidade de acordos políticos porem em causa o Pacto Social estruturante de cada sociedade. Numa outra perspetiva, há que ter em consideração que, como recentemente foi salientado pelo recém empossado Presidente do Supremo Tribunal de Justiça - Conselheiro Henriques Gaspar -, os tribunais não podem ser encarados numa mera lógica de extensão dos modelos de mercado a todos os sectores da vida, porque “... o Estado e as suas instituições fundamentais, particularmente a instituição judicial, não são, nem podem ser tratados, como empresas em regime de mercado. Mesmo nas concepções ideológicas do Estado mínimo, a Justiça tem de estar do lado do melhor Estado; Estado mínimo exige Justiça máxima”. Deixar o Tribunal Constitucional trabalhar livre de pressões, admitindo, com naturalidade democrática, que formule decisões com sentido diverso do das opiniões que perfilhemos, constituirá a melhor forma de contribuir para a coesão da comunidade e para que o Direito cumpra a sua missão de tutelar e hierarquizar os valores, tantas vezes concorrentes, que estão na sua génese e na da vida em sociedade.

Eduardo Paz Ferreira Sócio fundador da Eduardo Paz Ferreira & Associados. É licenciado pela Faculdade de Direito de Lisboa e mestre em Direito pela mesma instituição

O agregador da advocacia


www.advocatus.pt

O TC, o mar e a terra É nas alturas de crise que o papel do TC se torna mais difícil, porque é também nessas alturas que o legislador mais arrisca ao nível das soluções para combater a crise, actuando no limiar da fronteira do constitucionalmente admissível. O Tribunal Constitucional (TC) celebra este ano 30 anos e não se pode dizer que estes últimos anos sejam anos sem história na história do TC. Pode concordar-se ou não com as suas mais recentes decisões relativa às “medidas de austeridade” – e eu tenho discordado de algumas – mas é nestas alturas de crise que o TC é mais preciso. A vida do TC é uma vida difícil. Primeiro, porque as normas que tem de apreciar estão sempre na fronteira do constitucionalmente admissível, pois, caso contrário, ou não eram aprovadas ou não eram enviadas para o TC. Depois, porque tem constantemente de procurar um equilíbrio entre uma aceitação generalizada das opções legislativas, o que acabaria por desvalorizar a Constituição e uma crítica mais intensa a essas mesmas opções, o que acabaria por tornar o TC numa espécie de Governo alternativo, discutindo com o Parlamento ou o Governo quais as melhores opções políticas a seguir. Ora, enquanto a Constituição estabelece as “regras do jogo”, onde todos, independentemente das opções políticas, têm de saber e de poder jogar, o TC actua como fiscalizador da Constituição, que, por natureza, é contra-maioritária, ou seja, serve para limitar o poder da maioria parlamentar e do Governo. Claro que a interpretação da Constituição efectuada pelo TC é tanto mais difícil quanto os conceitos constitucionais sejam indeterminados, precisamente para que possam ser mais maleáveis e adaptados aos tempos que correm em cada momento. Cabe, então, ao TC confrontar as leis com esses mesmos princípios constitucionais, que, como as próprias leis, têm de ser contextualizados e ponderados, em vez de serem cristalizados e absolutizados. O agregador da advocacia

“O problema não está assim, nem na Constituição, nem no Tribunal Constitucional, enquanto instituição, nem no modo de designação dos juízes, mas no juízo que em cada momento a maioria dos juízes faz da Constituição”

É que, é bom lembrar, as opções políticas, traduzidas em actos legislativos, são da responsabilidade do Parlamento e do Governo e estes têm de ter liberdade para escolher as soluções que lhes pareçam ser as mais adequadas, desde logo para poderem, depois, ser responsabilizados perante o eleitorado pelos resultados dessas mesmas soluções. Mas, também é bom lembrar, nem todas as opções político-legislativas são constitucionalmente aceitáveis. Ora, se as mais recentes decisões do TC em matéria de “medidas de austeridade” têm sido consideradas por muitos como demasiado restritivas, por não tomarem na devida conta a situação de excepcional interesse público em que vivemos, o certo é que o mesmo TC, ainda que com outros juízes, decidiu, no acórdão

11/83, com a mesma Constituição, aceitar, de modo também criticável, pelo excesso de sentido contrário, que a introdução de um imposto totalmente retroactivo não violava o princípio da confiança, por estarem em causa relevantes motivos de interesse público relacionados com a existência de um défice orçamental excessivo. O problema não está assim, nem na Constituição, nem no Tribunal Constitucional, enquanto instituição, nem no modo de designação dos juízes, mas no juízo que em cada momento a maioria dos juízes faz da Constituição. Não podemos, no entanto, esquecer que, ao longo de 30 anos, o TC tem desempenhado um papel muito relevante para o funcionamento do nosso sistema constitucional e o facto de haver decisões criticáveis não afasta a jurisprudência sólida e pacífica que tem resultado de 30 anos de actuação, onde, é bom recordar, o TC toma, em média, mais de 600 decisões por ano. É que, para além da fiscalização preventiva e sucessiva abstracta, o TC desenvolve uma actividade muito relevante ao nível da fiscalização concreta. Naturalmente que é nas alturas de crise que o papel do TC se torna mais difícil, porque é também nessas alturas que o legislador mais arrisca ao nível das soluções para combater a crise, actuando no limiar da fronteira do constitucionalmente admissível. Se compararmos as decisões de 1983 e de 2012/13 do TC, sobre as chamadas medidas de austeridade num contexto de emergência nacional, veremos que ambas têm fragilidades, de sentido contrário, estando ainda por encontrar, a meu ver, o equilíbrio perfeito, que o TC sempre procura, mas nem sempre encontra, e que o leve a navegar nem tanto ao mar, nem tanto à terra.

Tiago Duarte Sócio da PLMJ e professor de Direito Constitucional na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa (FDUL). É licenciado pela FDUL

Outubro de 2013

23


www.advocatus.pt

Conhecimento

A relevância das parcerias estratégicas entre universidades e sociedades de advogados As parcerias entre as Universidades e as Sociedades de Advogados são apenas um primeiro passo. Aos agentes económicos, sociais e culturais caberá também a iniciativa para a criação de ligações multipolares que incluam também as empresas, as ordens profissionais e a sociedade civil. As Universidades são, por excelência, polos aglutinadores de conhecimento, centros de inovação e de criação de valor para a economia e motores de uma formação teórica exigente e em permanente atualização. A ligação das Universidades ao mercado de trabalho através das empresas e da definição de planos curriculares que tenham em conta as necessidades do mercado é uma temática recorrente nas diversas áreas do conhecimento. O Direito não é, nem deve ser, exceção. Nesse sentido, as sinergias entre a teoria e o saber de experiência feito e a permanente atualização de conhecimentos – nomeadamente num mundo jurídico em permanente ebulição legislativa – surgem como questões incontornáveis e desafios a que urge dar resposta. A defesa dos direitos, liberdades e garantias, a boa aplicação das leis e o aperfeiçoamento da cultura jurídica e cívica têm conduzido a uma formação mais integrada e transversal nas Universidades, sendo que se justifica o aprofundamento e sedimentação das ligações entre a academia e o mundo profissional (não apenas jurídico) que permita a criação de vias de comunicação e partilha. O Direito regula as situações da vida em sociedade, de acordo com princípios estruturantes e comummente aceites. Ora, as Universidades desempenham um importante (e insubstituível) papel: habilitam os alunos com os instrumentos de trabalho necessários para fazer face à 24

Outubro de 2013

“As Universidades e as Sociedades de Advogados estão também confrontadas com o desafio da internacionalização. A troca de informações, de conhecimentos e de experiências nestes domínios é particularmente relevante e, como tal, justifica a realização de iniciativas conjuntas”

riqueza das situações do dia-a-dia profissional. Todavia, a ciência jurídica não é uma ilha isolada e sem comunicação com as outras áreas do conhecimento e visa a solução de casos concretos, a qual convoca, frequentemente, o conhecimento de várias áreas do Saber. Esta multidisciplinariedade tem origem na Universidade, mas é na vida profissional que ganha dimensão e relevância. Deste modo, o conhecimento adquirido na Universidade constitui a chave de ouro que abre a porta da vida profissional, mas não deve ficar cristalizado ou imune à inovação. Essa chave de ouro deve constituir, porém, um incentivo para continuar a estudar e a aprender ao logo da vida, de forma a garantir aos cidadãos o

desenvolvimento e aperfeiçoamento das soluções jurídicas que permitem antecipar e resolver os problemas do quotidiano. Por outro lado, nos nossos dias, embora sob diferentes prismas, as Universidades e as Sociedades de Advogados estão também confrontadas com o desafio da internacionalização. A troca de informações, de conhecimentos e de experiências nestes domínios é particularmente relevante e, como tal, justifica a realização de iniciativas conjuntas que abram fronteiras e alarguem horizontes e que promovam a inovação e a competitividade da nossa economia. Numa sociedade aberta, somos cada vez mais confrontados com situações plurilocalizadas e com a necessidade de antecipar e resolver litígios com origens ou ramificações em diferentes ordenamentos jurídicos. Conhecer o que se passa lá fora deixou de ser um mero exercício de curiosidade intelectual para constituir uma obrigação dos profissionais do foro. A resposta a estes desafios tem sido uma preocupação constante da Gómez-Acebo & Pombo. Por um lado, está presente em diferentes países (Espanha, Portugal, Bélgica, Reino Unido e Estados Unidos da América). Por outro lado, conta com diversos advogados com ligações a Universidades e dispõe de um Conselho Académico, composto por Professores Universitários, que proporcionam uma forte ligação ao meio académico nas diversas áreas do Direito.

David Carvalho Martins Responsável pela área de prática de Direito do Trabalho da Gómez-Acebo & Pombo (GA&P) em Lisboa. É licenciado e mestre pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa

Em Portugal, a Gómez-Acebo & Pombo foi pioneira no apoio à realização do JobShop da Faculdade de Direito da Universidade Católica Portuguesa e celebrou recentemente um Protocolo com a Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa para o desenvolvimento de ações de formação nas áreas do Direito do Trabalho e do Direito da Segurança Social. Uma nota final: as parcerias entre as Universidades e as Sociedades de Advogados são apenas um primeiro passo. Aos agentes económicos, sociais e culturais caberá também a iniciativa para a criação de ligações multipolares que incluam também as empresas, as ordens profissionais e a sociedade civil. O agregador da advocacia


www.advocatus.pt

Televisão

Atualidade em revista O “Direito a Falar” está de regresso ao Económico TV, conduzido pelo diretor editorial do Advocatus, Hermínio Santos. O objetivo principal do programa mantém-se: debater e analisar semanalmente a atualidade jurídica.

Revisão da Constituição: Sim ou não? A possibilidade de se proceder a uma revisão da Constituição da República Portuguesa foi o tema em debate na emissão que marcou o regressou do “Direito a Falar”, depois de uma pausa no período de verão. Para analisar o tema foram convidados os advogados José de Matos Correia (CMS-Rui Pena & Arnaut), Manuel Magalhães e Silva (Jardim, Sampaio, Magalhães e Silva & Associados) e Tiago Duarte (PLMJ). O programa foi conduzido pelo diretor editorial do Advocatus, Hermínio Santos, que será o responsável por dirigir as emissões nesta nova série.

Os prós e contras da Mediação e Arbitragem A Mediação e a Arbitragem como sistemas alternativos de resolução de litígios estiveram em foco no “Direito a Falar”. A emissão teve como convidados os especialistas Fernando Tonim, presidente do ILMAI (Instituto de Mediação e Arbitragem Internacional), e Domingos Soares Farinho, coordenador da área Mediação na BAS Advogados, que debateram as vantagens e desvantagens daqueles sistemas.

A estratégia da Miranda e do CDL O sócio executivo da Mirada Correia Amendoeira & Associados, Rui Amendoeira, foi convidado do “Direto a Falar”, num programa em que explicou qual tem sido a estratégia da sociedade em África, mais concretamente na região francófona. Rui Amendoeira apontou as razões que têm conduzido ao crescimento da firma nesta região. A segunda parte do programa contou com a presença de Vasco Marques Correia, presidente do Conselho Distrital de Lisboa da Ordem dos Advogados, que, em fim de mandato, fez um balanço sobre o triénio em que dirigiu este órgão.

O agregador da advocacia

Outubro de 2013

25


www.advocatus.pt

Crónica

Esta é a frase que na perspetiva de Eduardo Paz Ferreira melhor define a época em que ingressou na faculdade para estudar. Hoje, sócio fundador de uma firma e professor catedrático da Faculdade de Direito de Lisboa recorda o tempo em que não havia liberdade de escolha e teme que possa vir a haver um novo tempo do “não direito”…

Estudar Direito no tempo do não direito

Vim estudar Direito no tempo do não Direito que queríamos que se tornasse um tempo de direitos; escrevo este artigo no tempo dos direitos, um tempo que querem que se transforme, de novo, no tempo do não direito. Isso explicava, então, a urgência do estudo do direito e fundamenta, hoje, a exigência do exercício das profissões jurídicas em patamares de excelência qualitativa e de devoção total. Pelo meio, fica uma história que só pode ser contada em pinceladas rápidas. Para quem, como quase todos nós, acreditava que era preciso pôr termo à ditadura e instituir uma democracia cívica, política e económica, 26

Outubro de 2013

estudar direito e exercer uma profissão jurídica era uma via absolutamente lógica e totalmente inevitável. A opção estendia-se, ainda, àqueles que se interessavam pelo vasto campo das humanidades e ciências sociais, mas se não reconheciam no estreito leque das licenciaturas então existentes. A outros, o prestígio da magistratura ou da advocacia, a influência/imposição familiar substituíram-se ao apelo. Penso, no entanto, que estes últimos acabavam por integrar a legião dos desiludidos que, pouco depois, partiam para a Faculdade de Letras ou para as redacções de jornais. Na Faculdade encontrámos um

conjunto de grandes Mestres que marcaram o Direito Português de forma indelével, métodos de ensino clássicos, disciplinas abstrusas (Direito Corporativo, Direito Ultramarino) e um ambiente de enorme efervescência cívica, cultural e política, em que centenas de estudantes se empenharam activamente nas lutas pela instauração de um Estado de Direito. Jovens, determinados e comprometidos com uma ideia de bem comum, raparigas e rapazes romperam as barreiras que os separavam por géneros, batendo-se também, pela igualdade e pasme (quem distraidamente ler este texto hoje) pelo pleno acesso das mulhe-

res às profissões jurídicas de acesso reservado a homens. Após o 25 de Abril, a institucionalização da democracia envolveu profundas transformações no sistema jurídico português e nas condições do exercício das profissões jurídicas. No plano dos direitos civis e políticos, a revogação da legislação opressora e o desmantelamento do aparelho repressivo foram acompanhados pela profusão de nova legislação que viria a ser enquadrada pela Constituição de 1976. A democracia, numa demonstração de superioridade ética e política, tratou com clemência os algozes que serviram a ditadura, desde os memO agregador da advocacia


www.advocatus.pt

bros da polícia política aos magistrados dos tribunais plenários - que tinham convivido com os abusos policiais e com o desrespeito pelos direitos de defesa -, preocupando-se mais em criar condições para que essas práticas se não repetissem. O desenho do processo penal português e da autonomia do Ministério Público tornaram-se referência para organizações como o Conselho da Europa. Às mulheres foi aberto o acesso à diplomacia e às magistraturas, onde hoje tendem a ser maioritárias, tendo chegado já em número significativo aos tribunais superiores. O direito da família foi profundamente revisto e eliminadas as disposições que menorizavam a posição das mulheres e garantido o direito ao divórcio mesmo em relação aos casamentos católicos, através de uma hábil revisão da Concordata. Uma sólida ordem jurídica jus-laboral foi institucionalizada em coerência com as principais convenções internacionais. Nasceu um moderno direito da segurança social, apto a garantir os direitos dos mais débeis e estruturar um Estado Social. É uma nota de especial agrado saber que muitas dessas alterações se fizeram sob a batuta de Ministros da Justiça que tinham sido grandes advogados, grandes mestres para muitos de nós e inspirado vocações jurídicas: Francisco Salgado Zenha, primeiro que todos, Almeida Santos, depois. Para quantos, como eu, começaram a actividade jurídica nos tempos fundadores da democracia e tiveram, ainda, por cima, o privilégio de, na Universidade, colaborar na formação dos advogados, magistrados e outros juristas do Portugal Democrático, fica a sensação de um período fascinante de busca dos melhores caminhos e de partilha de uma aventura cívica comum, mesmo quando exercida em actividade liberal isolada, como se manteve, por longos anos, a advocacia. A evolução social e económica portuguesa, com a maior liberalização da economia, a busca de novas formas de funcionamento da economia, a integração europeia e um período longo de crescimento económico, O agregador da advocacia

criaram as condições necessárias ao aparecimento das sociedades de advogados, muitas vezes rodeadas de uma certa aura (quiçá herdada das séries americanas de televisão) de poder e glória e envoltas em suspeitas difusas de ligações políticas impróprias. Não sendo adepto das generalizações, nem para o bem nem para o mal, parece-me que as sociedades, sem prejuízo da possibilidade de aperfeiçoamento de certos aspectos do seu funcionamento, permitem uma conjunção de esforços e especializações que só pode beneficiar os clientes e, consequentemente, a Justiça em Portugal. Por isso, fundei a Sousa Franco, Paz Ferreira e Associados, bem como a Paz Ferreira e Associados e, com o que aprendi da vida societária, em breve conjugarei, numa nova sociedade, gerações e valências diferentes, unidas em torno das mesmas ideias com que parti de Ponta Delgada para estudar Direito. Com a plena consciência de que estes são tempos difíceis, porque se tendeu a criar a ideia de que há

Almeida Santos

demasiados direitos e que a resposta a esse “excesso” consistiria em ignorar, em desvalorizar, até mesmo em diabolizar a simples ideia da existência de certos direitos, numa atitude deslegitimadora e fundadora de um tempo sem direito. Felizmente vivemos num espaço de liberdade, que convive com a chamada de atenção, que vem sendo feita para o facto de esses direitos se encontrarem consagrados no nosso texto Constitucional, mas também nas várias Cartas e Convenções da União Europeia e do Conselho da Europa, que criaram uma ordem jurídica densa e coerente, que tem permitido à Europa viver em paz. Num tempo como este é, pois, crucial a reafirmação do papel dos juristas na afirmação e defesa da tutela dos direitos, com a exigência e o rigor que as distintas condições estatutárias propiciam, inviabilizando a criação de espaços de negação de direitos. Foi essa a génese das escolhas profissionais de muitos de nós. Esse será o elo de ligação com o nosso passado e o nosso contributo para o futuro da Justiça e do Direito.

Eduardo Paz Ferreira Sócio fundador da Eduardo Paz Ferreira & Associados. Professor Catedrático da Faculdade de Direito de Lisboa. Presidente do Instituto de Direito Económico, Financeiro e Fiscal (IDEFF) da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa.

“É uma nota de especial agrado saber que muitas dessas alterações se fizeram sob a batuta de Ministros da Justiça que tinham sido grandes advogados, grandes mestres para muitos de nós e inspirado vocações jurídicas: Francisco Salgado Zenha, primeiro que todos, Almeida Santos, depois”

Francisco Salgado Zenha

Outubro de 2013

27


www.advocatus.pt

Economia

Riscos e desafios de uma “privatização” Importará aguardar pela sua definição em concreto para averiguar se a possibilidade de subconcessão a privados no setor da água e do saneamento não corresponde a uma efetiva privatização indireta. Em 11 de junho passado, a Lei n.º 35/2013 procedeu à alteração da Lei de Delimitação de Setores (Lei n.º 86-A/97), que regula o acesso da iniciativa económica privada a determinadas atividades económicas, visando assim a reorganização do setor de abastecimento de água e saneamento de águas residuais e recolha e tratamento de resíduos sólidos. A insustentabilidade destes setores essenciais determinou a necessidade da reestruturação do modelo de organização, que é todavia tratado de forma diferente consoante o setor em questão. Para o setor dos resíduos prevê-se a respetiva autonomização no Grupo Águas de Portugal e a implementação de medidas que promovam a sua abertura ao setor privado, afastando a regra da maioria pública nas entidades gestoras deste setor, indo ao encontro dos objetivos definidos no Programa do Governo em cumprimento do acordado com a Troika. Neste sentido, avançou, já, o Governo com a privatização da EGF (Empresa Geral de Fomento), a unidade da Águas de Portugal que gere os resíduos, a concretizar até ao final do ano. No setor da água e do saneamento, atenta a especificidade e sensibilidade que o caracterizam, as alterações não foram tão longe, visando antes um compromisso com a sua reorganização, mantendo a natureza pública das entidades concessionárias, não obstante a possibilidade conferida a estas de subconcessionar, total ou parcialmente, a empresas do setor privado, desde que previamente autorizado pela concedente. No âmbito da aludida estratégia de reorganização tendente ao incremento da sustentabilidade económi28

Outubro de 2013

“A verticalização dos sistemas prevê a participação voluntária dos municípios, o que, atendendo a oposição já manifestada por alguns, deixa por antecipar o impacto no funcionamento e no sucesso do modelo”

co-financeira, foi publicado, um mês depois, o Decreto-Lei n.º 92/2013, que disciplina o regime de exploração e gestão dos sistemas multimunicipais de captação, tratamento e distribuição de água para consumo público, de recolha, tratamento e rejeição de efluentes e de recolha e tratamento de resíduos sólidos, introduzindo as modificações necessárias à viabilização da operação de privatização do setor dos resíduos. A reestruturação do modelo de organização dos referidos setores foi alicerçada na agregação de sistemas com vista à atenuação das disparidades tarifárias, na verticalização das operações com o intuito de obter uma gestão integrada e eficiente com poupanças para os consumidores, visando-se a otimização na gestão operacional de in-

fraestruturas. Todavia, com o receio manifestado de que, com a entrada de entidades privadas no setor nos moldes definidos, se ponha em causa a qualidade e sustentabilidade do serviço prestado, aumentem significativamente as tarifas, se diminuam os investimentos nas redes e se verifique um afastamento dos municípios na gestão de proximidade deste serviço público, o desafio é grande. Acresce que a verticalização dos sistemas prevê a participação voluntária dos municípios, o que, atendendo a oposição já manifestada por alguns, deixa por antecipar o impacto no funcionamento e no sucesso do modelo. Neste âmbito, será bastante relevante o reforço de competências da entidade reguladora (ERSAR) e a efetiva intervenção na regulação, promoção e na defesa da concorrência tutelando a posição dos utentes finais bem como na supervisão da gestão dos sistemas multimunicipais. Dado que os diplomas ora aprovados determinam que as concessões nos referidos setores sejam estabelecidas mediante Decreto-lei que conterá os respetivos termos e condições aplicáveis (não obstante já se encontrarem definidas algumas regras gerais nesta matéria), designadamente os fundamentos do possível resgate e os poderes do concedente, devendo as subconcessões ser atribuídas em consonância com os direitos e obrigações estatuídos nas aludidas concessões, importará aguardar pela sua definição em concreto para averiguar se a possibilidade de subconcessão a privados no setor da água e do saneamento não corresponde a uma efetiva privatização indireta.

Carla Martins Branco Sócia fundadora da PBBR. Licenciada pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, conta também com duas pós-graduações na mesma instituição, uma em Direito da Sociedade de Informação e outra em Direito da Energia

O agregador da advocacia


www.advocatus.pt

Crédito Passaporte

Uma advogada à conquista da China Quando foi confrontada com a possibilidade de ir advogar para Oriente, Rita Assis Ferreira decidiu aceitar o desafio com “empenho e espírito de aventura”. Hoje reconhece que tem sido uma constante aprendizagem, num país em que a cultura e o sistema legal andam de “braço dado”. A pouco e pouco, a advogada está a conquistar a China, como relata na primeira pessoa.

Foi com grande empenho e espírito de aventura que abracei o desafio que PLMJ me lançou em 2011 para ser a Coordenadora da parceria PLMJ/Dacheng em Beijing. A experiência que antecipava era única, vivendo numa cidade com 19 milhões de habitantes (registados!), onde pouco mais de 10% da população conseguia entender outra língua para além do mandarim e trabalhando diariamente integrada num escritório com 3000 Advogados chineses. Passar por esta experiência com a minha família também era um factor decisivo para a minha deslocalização e para o próprio sucesso deste projecto profissional e familiar… e por isso “com armas e bagagens” nos mudámos à conquista da China! A China revelou-me algo de surpreO agregador da advocacia

endente e que eu não conseguia antecipar naquela data: a aprendizagem de que a cultura e o sistema legal andam de “braço dado”. Quem de facto enseja pelo “negócio da China” e pretende vencer as adversidades do País do Meio (como lhe chamam os seus habitantes), deve aculturar-se e conscientemente respeitar os “timings” de uma negociação em longos jantares de confraternização, o início da discussão dos termos de um contrato após a sua assinatura formal, e o respeito pela contraparte oriental “em não perder a face”. A cultura chinesa é desafiante para quem chega do Ocidente com os standards rigorosos de um sistema legal e das sociedades de Advogados europeias, exigindo uma capacidade diária de adaptação a outra

forma de pensar de Clientes que estão à frente das maiores empresas do mundo, as famosas State Owned Enterprises (empresas detidas pelo Estado). É igualmente uma cultura que provoca algum deslumbramento, ao pensarmos como é que um país com cerca de um 1.5 bilião de habitantes se organiza e assegura a coexistência em harmonia, não obstante as disparidades de classes sociais. Sair de Portugal e viver na China é um choque, mas não o chamaria de choque cultural. É um choque de dinamismo, de economia de escala, do “germinar” a cada esquina de um negócio, face ao ávido consumo de uma China que se abre lentamente ao mundo e aos gostos ocidentais. Poder assistir a este percurso que

a China faz a cada dia que passa, de forma estratégica e ponderada, é mais do que uma experiência de vida; é fazer parte de um processo de internacionalização que um dia fará parte História do Mundo e poder relatá-lo na primeira pessoa.

Rita Assis Ferreira Associada Sénior PLMJ, advogada na Portuguese Desk da Dacheng Law Office, escritório membro da PLMJ International Legal Network Outubro de 2013

29


www.advocatus.pt

Sociedades Entrevista

Fátima de Sousa Jornalista fs@briefing.pt

A Abreu cresceu muito com o investimento estrangeiro em Portugal. De tal forma que 50 por cento da faturação da sociedade tem origem, direta ou indiretamente, em clientes estrangeiros. Está a crescer também no estrangeiro, nomeadamente nos países de língua portuguesa, que representa 10 por cento do negócio. O managing partner, Miguel Castro Pereira, traça a estratégia de uma firma que tem ganho dimensão com diversificação.

Miguel Castro Pereira, managing partner da Abreu Advogados

Ramon de Melo

Crescemos com o investimento estrangeiro

30

Outubro de 2013

O agregador da advocacia


www.advocatus.pt

Advocatus | É managing partner da Abreu desde 2011. Que desafios coloca gerir uma sociedade com 250 pessoas? Miguel Castro Pereira | Um dos pontos que é essencial na gestão de uma sociedade com a dimensão da Abreu é que a gestão tenha caráter técnico e profissional. E um dos primeiros aspetos que foi necessário acautelar foi que a intervenção dos sócios fosse mais do género de uma sociedade anónima, isto é, remetida sobretudo para as assembleias gerais, e que se criasse uma estrutura de governação profissional. Uma das alterações que introduzimos foi a criação de uma comissão executiva, que tem funções de supervisão das áreas de gestão, todas elas atribuídas a profissionais, como acontece em qualquer outra empresa. O que se pretendeu foi libertar os sócios que estavam envolvidos na gestão para aquilo que sabem fazer melhor, que é serem advogados. E isso teve um reflexo objetivo desde logo: no primeiro ano, o aumento do valor hora médio da sociedade foi claramente influenciado pelo facto de os fee earners que têm as taxas mais altas alocarem mais tempo à prática da advocacia. O envolvimento dos sócios na gestão limitava claramente a capacidade de geração de receitas da sociedade. A estrutura profissional, que é constituída por quadros de direção licenciados em diversas áreas, reporta à diretora-geral, que, por sua vez, reporta ao managing partner. A minha função é de intervenção, mas não de intervenção operacional. Sempre achei que o órgão máximo de gestão em qualquer estrutura deve ser aquele que está menos sobrecarregado com tarefas de execução quotidiana, tem de estar livre para pensar a função e para decidir. Advocatus | Que alterações foram introduzidas com esse modelo de gestão? MCP | Tendo como objetivo um processo de gestão profissionalizado, introduzimos uma série de medidas, nomeadamente um O agregador da advocacia

“Acreditamos que o nosso conceito pode ser aplicado em qualquer parte do mundo. A questão não é tanto nós, advogados portugueses, exercermos localmente. A questão é o nosso modelo de gestão ser aplicado localmente com advogados locais”

“O que se pretendeu foi libertar os sócios que estavam envolvidos na gestão para aquilo que sabem fazer melhor, que é serem advogados. E isso teve um reflexo objetivo desde logo: no primeiro ano, o aumento do valor hora médio da sociedade foi claramente influenciado”

controlo de custos muito apertado. Contratámos uma consultora, que trabalhou apenas na base da remuneração correspondente à efetiva redução de custos. Olhou-se de fora sistematizada para toda a estrutura de decisão, nomeadamente o processo de compras, de adjudicação de serviços. Uma coisa que também fizemos foi diversificar bastante as nossas áreas de negócio, Com a privatização dos atos notariais, por exemplo, abriu-se claramente uma janela de oportunidade porque há muitos atos que podem ser

praticados por advogados. Por isso, criámos uma área de registos e notariado, que é um centro de custos e de proveitos autónomo, em que temos a trabalhar oito a dez solicitadores. É uma one stop shop: fazemos tudo no escritório. Parece não ter grande novidade, mas quando o fazíamos com uma estrutura externa estávamos a cobrar ao cliente um custo que para nós era também um custo, assim passa a ser um proveito. É uma área que tem tido bastante crescimento. Outra área de grande novida>>>

Outubro de 2013

31


www.advocatus.pt

Entrevista

>>>

“Há, de facto, muitas oportunidades para encontrar negócio. E nós procuramos transformar custos em receitas. O cliente fica melhor servido, as nossas margens são mais competitivas e passamos a ter essa receita”

“A partir de determinada altura, crescemos e tivemos de pensar se íamos continuar uma boutique ou prestar serviços de natureza global. E o que decidimos foi crescer para os serviços de natureza mas tentar continuar uma boutique em cada uma das áreas”

MARQUES MENDES

Uma contratação valiosa Foi em finais de 2011 que a Abreu contratou, como consultor, o ex-ministro e ex-líder do PSD Luís Marques Mendes. Um processo que Miguel Castro Pereira resume em poucas palavras: “Nós sabíamos que o Luís tinha interesse em voltar à vida profissional de advogado e, por um conjunto de circunstâncias, fizemos o convite e ele acei-

32

Outubro de 2013

tou. Estamos bastante satisfeitos”. Diz o managing partner, que “um membro da equipa muito valioso”, com “uma capacidade de gestão de dossiês que faz toda a diferença”. Que “consegue trabalhar com equipas multidisciplinares”, que “tem sensibilidade jurídica” e “dá confiança aos clientes”.

de é a das traduções jurídicas. Tínhamos uma grande necessidade interna e solicitações dos nossos clientes, pelo que acabámos por criar um serviço próprio. Áreas como estas são tão simples. Há, de facto, muitas oportunidades para encontrar negócio. E nós procuramos transformar custos em receitas. O cliente fica melhor servido, as nossas margens são mais competitivas e passamos a ter essa receita. São áreas de negócio que começam a ter alguma expressão. Uma das que tem mais expressão é a do contencioso de cobrança, que tradicionalmente não existe nos escritórios de advogados. Nós desenvolvemos um modelo próprio que é muitíssimo rentável e que atingiu o break even logo no primeiro ano. Neste momento representa cerca de 11 por cento da faturação do escritório. Temos um modelo muito eficiente em que a margem é inferior à do restante negócio, mas em que o volume permite libertar lucros muito interessantes. Advocatus | Esta diversificação acontece como uma compensação face à contração noutras áreas de prática da sociedade? MCP | Nas áreas de referência do escritório não tivemos quebra de faturação, o que já diz alguma coisa nesta conjuntura. No volume global, há alguma compensação: mantivemos os níveis e subimos noutras áreas, nomeadamente na área internacional, que representa 10 ou 11 por cento da nossa faturação. Outra das áreas que tem crescido muito é a do desporto. Não representa o volume de faturação de corporate, M&A ou mesmo financeiro, mas tem dobrado a faturação a cada ano. O que está aqui em causa é a relação entre a dimensão e o risco. Se eu tiver dimensão, mas o negócio concentrado apenas uma área, o risco aumenta. Mas se tiver dimensão diversificada, o risco diminui. Fala-se muito que as sociedades cresceram demais, mas se tivéssemos continuado uma boutique de financeiro e fiscal, o que teria O agregador da advocacia


www.advocatus.pt

acontecido agora? O que é importante é que há um crescimento sustentado e com sinergias. Claramente acredito neste modelo, que nos permite minimizar o risco da atividade. Advocatus | A área internacional é uma das que está a crescer. Qual é a estratégia da Abreu nos mercados externos? MCP | Temos um histórico de presença efetiva nos países de língua portuguesa. Estamos em Angola há dez anos. Não fomos a correr agora. Estamos presentes através de uma associação com a FBL Advogados, que é a sociedade de advogados independente de maior dimensão. No Brasil, temos uma associação com a Siqueira Castro, mas o foco é diferente: há muito interesse brasileiro em investimento nos outros países de língua portuguesa, sobretudo em Moçambique, e os nossos colegas careciam de ter um apoio consistente nesses países. A associação com o Brasil não significa prestar serviços no Brasil, onde não temos valor acrescentado dado o nível de sofisticação e de qualidade da advocacia brasileira. Mas temos um núcleo de advogados brasileiros em Portugal, que apoia projetos de investimentos português no Brasil. E de lá encaminham clientes, quer para investimento em Portugal – representamos por exemplo a Embraer e a Amil – quer para investimento em Angola e Moçambique. O nosso nível de prestação de serviços é uma garantia para os nossos colegas brasileiros quando encaminham esses clientes. Não queremos um escritório da Abreu em cada jurisdição. O que queremos é que o nível de serviço seja o da Abreu em cada jurisdição. Em Moçambique temos um escritório recente, criado de raiz, em que o sócio que dá o nome, Rodrigo Ferreira Borges, é também sócio da Abreu. Em Angola a solução que nos interessa é a ligação com a FBL, com quem temos equipas conjuntas. Em Timor-Leste, temos uma joint-venture com a C&C, que é o nosso

“Nas áreas de referência do escritório não tivemos quebra de faturação, o que já diz alguma coisa nesta conjuntura. No volume global, há alguma compensação: mantivemos os níveis e subimos noutras áreas, nomeadamente na área internacional” “Não queremos um escritório da Abreu em cada jurisdição. O que queremos é que o nível de serviço seja o da Abreu em cada jurisdição”

“Sempre tivemos uma marca característica de apoio a clientes internacionais, mas havia uma janela de oportunidade que eram os países de língua portuguesa e há cerca de dez anos decidimos avançar”

>>>

O agregador da advocacia

Outubro de 2013

33


www.advocatus.pt

Entrevista

>>>

escritório associado em Macau. Acreditamos que o nosso conceito pode ser aplicado em qualquer parte do mundo. A questão não é tanto nós, advogados portugueses, exercermos localmente. A questão é o nosso modelo de gestão ser aplicado localmente com advogados locais.

“O managing partner deve ir onde está o negócio, deve procurar potenciar o negócio, não deve apenas concentrar-se na gestão interna, deve continuar a intervir em clientes. Deve estruturar a gestão e deixá-la funcionar, pensar a estratégia e o negócio, estabelecer contactos internacionais e parcerias locais”

Advocatus | Há outros países que vos interessem? MCP | Temos claramente interesse em estar presentes em mais um ou dois países de língua portuguesa. Por outro lado, temos acompanhado os nossos clientes noutras jurisdições, por exemplo, na Argélia, onde se verifica uma série de investimentos por construtoras portuguesa que estamos a acompanhar através da associação com a FIDAL, um escritório francês com uma presença muito sólida na África francófona. Advocatus | Qual o peso dos clientes internacionais no negócio da Abreu? MCP | Cerca de 50 por cento da nossa faturação é originada em clientes internacionais. Quando falamos na Embraer ou na Amil, na realidade a partir de determinada altura fazem investimentos em Portugal e tornam-se clientes portugueses, mas nós consideramos que são, direta ou indiretamente, clientes internacionais. A Abreu cresceu muito com o investimento estrangeiro em Portugal. Acontece que, entretanto, muitos desses clientes que assessorámos nos projetos de aquisição em Portugal constituíram as suas sociedades locais, que continuam a ser detidas maioritariamente por capital estrangeiro, pelo que continuam a ser para nós clientes internacionais. É uma característica do escritório que faz com que o próprio tipo de advocacia que exercemos seja muito virado para o internacional. É uma marca identitária do escritório desde que tinha 12 advogados. Isso, transposto para realidades como o exercício da advocacia em Angola e Moçambique, faz a diferença e permite-nos aceder a trabalho de maior valor acrescentado.

34

Outubro de 2013

“A Abreu cresceu muito com o investimento estrangeiro em Portugal. Acontece que, entretanto, muitos desses clientes que assessorámos nos projetos de aquisição em Portugal constituíram as suas sociedades locais, que continuam a ser detidas maioritariamente por capital estrangeiro”

Advocatus | Como é que a Abreu cresceu de 12 advogados para 250 pessoas e uma prática full-service? MCP | Houve vários momentos de evolução da sociedade. Quando cheguei, éramos 12 pessoas e já prestávamos serviços em nichos como Fiscal e Financeiro – o que continua uma característica do escritório. A partir de determinada altura, crescemos e tivemos de pensar se íamos continuar uma boutique ou prestar serviços de natureza global. E o que decidimos foi crescer para os serviços de natureza mas tentar continuar uma boutique em cada uma das áreas. O que é muito difícil, mas evoluímos para isso. Mais tarde tivemos de decidir se iríamos para fora. Sempre tivemos uma marca característica de apoio a clientes internacionais, mas havia uma janela de oportunidade que eram os países de língua portuguesa e há cerca de dez anos decidimos avançar. Pensámos logo num triângulo que ligaria Angola, Portugal e Moçambique. Advocatus | Nessa altura seguiram os clientes ou foram, digamos assim, pelo próprio pé? MCP | Na altura, fomos atrás de clientes portugueses. Mas não é hoje a nossa realidade. Hoje prestamos sobretudo serviços a clientes estrangeiros e, cada vez mais, a clientes angolanos e moçambicanos através dos colegas locais. No início foi, como lhe disse, uma janela de oportunidade, mas entretanto evoluímos no conceito e achamos que em qualquer jurisdição podemos ter uma presença. Diferenciamo-nos precisamente pela questão da língua portuguesa, mas não significa que este modelo não possa ser exportado para outras jurisdições. O que tivemos sempre em mente foi procurar alternativas de negócio. Outra coisa que procuramos é antecipar os movimentos de mercado, criando áreas de negócio e produtos específiO agregador da advocacia


www.advocatus.pt

cos. Esta questão dos golden visa, por exemplo; estudámo-la profundamente, temos uma equipa montada que atende todos os dias um ou dois investidores chineses, fizemos e continuamos a fazer promoções na China, criámos um package à medida destes clientes. Advocatus | A Abreu cresceu organicamente e por integração. Ainda há margem para crescimento? MCP | De facto, a nossa dimensão foi feita não só organicamente, mas também por integração de outras firmas, sempre com menor dimensão do que a Abreu no momento das respetivas integrações. O que tem sucedido com as nossas integrações é que, em praticamente todos os casos, tem havido sinergias que, efetivamente, têm gerado rendimento superior em conjunto. Hoje, ainda é possível fazer algumas integrações, em áreas muito específicas de negócio, em que há escritórios de advogados muito especializados e que nos podem interessar, para valorizar competências que já temos, mas em que podemos ganhar alguma diferenciação. Temos tido bastante crescimento orgânico – diria que dos nossos 28 sócios oito foram estagiários no escritório. E pontualmente fazemos algumas integrações individuais, correspondentes ao mesmo conceito de encontrar escritórios muito especializados. Costumo dizer que as pessoas boas têm sempre trabalho. Advocatus | Para terminarmos como começámos: uma das vantagens da gestão profissionalizada foi libertar os sócios para a advocacia. No seu caso, como foi? MCP | O meu plano era continuar a trabalhar nos assuntos dos clientes como antes, mas não se consegue. Diria que talvez 30 por cento do meu tempo é alocado a clientes. Gostaria que fosse mais. Continuo a fazer a gestão dos meus clientes, porque, mesO agregador da advocacia

“O que tivemos sempre em mente foi procurar alternativas de negócio. Outra coisa que procuramos é antecipar os movimentos de mercado, criando áreas de negócio e produtos específicos”

“O managing partner deve ir onde está o negócio, deve procurar potenciar o negócio, não deve apenas concentrar-se na gestão interna, deve continuar a intervir em clientes”

mo numa estrutura institucional como esta, cria-se uma empatia entre clientes e advogados. É do interesse do escritório. Por isso, deleguei mais do que delegava. Gosto de ser advogado e gosto de ser gestor, mas não acho que deva estar só vocacionado para a gestão. Dedico-lhe outros 30 por cento do meu tempo e o resto é para a promoção. O managing partner deve ir onde está o negócio, deve procurar potenciar o negócio, não deve apenas concentrar-se na gestão interna, deve continuar a intervir em clientes. Deve estruturar a gestão e deixá-la funcionar, pensar a estratégia e o negócio, estabelecer contactos internacionais e parcerias locais. Outubro de 2013

35


www.advocatus.pt

Testemunho

Um pecúlio de experiência especializado Pedro Sameiro é diretor de Assessoria Jurídica e secretário-geral do Montepio. Uma função que o coloca próximo do centro decisor e que lhe dá o conhecimento que lhe permite contribuir para a satisfação das necessidades de apoio jurídico da instituição. Aquilo que designa como “um pecúlio de experiência especializado” que um advogado in house tem e um advogado externo dificilmente terá.

Pedro Sameiro é um apaixonado pelo Direito Bancário, que considera “uma área fascinante da ciência jurídica por ser fundamentalmente uma criação da doutrina plasmada na vida prática, sem que se verifique, até agora, uma intervenção condicionante do legislador”. É uma área do Direito em que – sublinha “a erudição jurídica (tão presada…) deve ceder perante a capacidade de criação e adaptação, o que não dispensa um profundo enraizamento na ciência jurídica”. Daí que não hesite 36

Outubro de 2013

em classificar como “muito enriquecedora do ponto de vista profissional e pessoal” a sua experiência como diretor de Assessoria Jurídica do Montepio (é igualmente secretário-geral da instituição). É esta experiência que lhe permite concluir que o apoio jurídico interno permite normalmente uma satisfação das necessidades de enquadramento e tratamento jurídico das empresas de uma forma mais rápida, com intervenções sedimentadas e, no geral, com benefício de cus-

tos. Diz mesmo que as vantagens do apoio jurídico interno são tanto mais evidentes quanto as empresas, como é o caso específico das instituições bancárias, são forçadas a realizar a sua atividade através da prática constante de atos jurídicos, que, se no passado se reduziam a um certo número de modelos correntes, se tornam na atualidade cada vez mais complexos e diversificados, requerendo um cuidado jurídico permanente. A sua opinião é de que “a existên-

cia de um apoio jurídico nos quadros da sociedade se revela, em certas circunstâncias, não só conveniente mas necessário”. Mas ressalva que há outras circunstâncias em que o recurso a advogados externos possa ser, também ele, inevitável: desde logo se a empresa desenvolve atividade em múltiplas jurisdições, o que requer a intervenção de especialistas em cada uma das ordens jurídicas aplicáveis, necessidade só normalmente satisfeita através de assessoria externa. O agregador da advocacia


www.advocatus.pt

Vantagens encontra-as naturalmente para a instituição de que é diretor jurídico, um caso – afirma – “de grande originalidade”. E explica porquê: é que, na designação global de Montepio, compreende-se uma associação de socorros mútuos, sujeita a um regime jurídico próprio e submetida a autoridades de supervisão especiais, e uma caixa económica, de natureza fundacional, que concorre para a satisfação dos fins do primeiro, mas se encontra submetida ao Regime Geral das Instituições de Crédito Sociedades Financeiras, supervisionada pelo Banco de Portugal e pela Comissão do Mercado de Valores. Transposta esta realidade para o Direito, significa que “o Direito das sociedades não se lhes aplica, salvo quanto à caixa económica, por remissão, em matérias omissas nos estatutos e, mesmo assim, com as devidas e prudentes adaptações”. A este fenómeno, Pedro Sameiro acresce “o silêncio quase total da legislação mutualista sobre as operações das mutualidades, a flagrante desatualização da mesma legislação em matéria de governo institucional, a ignorância pela Lei do regime das fundações-empresas, o carácter mais que obsoleto da norma reguladora das caixas económicas, o desconhecimento pela Lei geral destas situações específicas e o alheamento da doutrina em relação a estas singularidades”. O resultado é “um quadro geral em que é requerido um especial cuidado na determinação das soluções jurídicas corretamente aplicáveis”. Daí que – conclua – a necessidade de advogados internos resulte mais do que evidente. É certo que, em matéria operacional, tem a caixa económica uma atividade coincidente com a dos bancos, mas Pedro Sameiro defende que, pelo “volume dos casos” e pela “complexidade casuística envolvida, não obstante todas as tentativas de normalização”, é requerido apoio jurídico permanente. Como diretor de Assessoria Jurídica, presta consulta fundamentalmente nas áreas de direito institucional e de governo das empresas, intervém em aquisições, tomadas de partiO agregador da advocacia

“As vantagens do apoio jurídico interno são tanto mais evidentes quanto as empresas são forçadas a realizar a sua atividade através da prática constante de atos jurídicos, que se tornam na atualidade cada vez mais complexos e diversificados”

“A advocacia interna está basicamente treinada para lidar com as especificidades da empresa, atuando com prontidão, valendo-se de uma jurisprudência interna significativa e conciliando esforços das várias entidades que possam resolver internamente os problemas”

cipação, constituição de empresas subsidiárias e, quando se trate de asseguras os direitos de acionista do Montepio Geral – Associação Mutualista e da Caixa Económica Montepio Geral, nas suas participadas. Há circunstância em que, porém, ocorre recurso a consultoria externa: quando estiver em causa a aplicação de normas de outros sistemas jurídicos, em segundo lugar quando se trate de operações de elevada especialidade e grau de ocorrência não suficientemente frequente para justificar a formação e treino de advogados internos, finalmente quando o melindre das situações aconselhe o seu tratamento externo. Mas sempre mantendo-se os advogados do Montepio como interlocutores, organizando matéria de facto, reunindo provas, promovendo a prestação de esclarecimentos, chamando a atenção para as especificidades dos regimes jurídicos próprios. Uma das áreas em que tem havido recurso a esta solução é a do contencioso, sobretudo em matéria de recuperação de créditos. É que – explica - não existem diferenças apreciáveis entre o contencioso da caixa económica e o de uma outra qualquer instituição de crédito. No seu caso, a proximidade ao negócio é inevitável: é que, além de diretor jurídico, é secretário-geral da instituição, dependendo diretamente do conselho de administração. “Nestas funções tenho cooperado na preparação das linhas de orientação estratégica e o meu parecer, mas não a minha intervenção deliberativa, é solicitado em múltiplas ocorrências de importância estratégica para a empresa”, esclarece. Globalmente falando, Pedro Sameiro entende que “a advocacia interna está basicamente treinada para lidar com as especificidades da empresa, atuando com prontidão, valendo-se de uma jurisprudência interna significativa e conciliando esforços das várias entidades que possam resolver internamente os problemas”. Ora, na sua opinião, “é difícil reunir todos estes predicados numa assessoria jurídica externa, que está mais distante dos factos e das pessoas e não dispõe de um pecúlio de experiência tão especializado”.

Pedro Sameiro está no Montepio desde 1973. É licenciado em Direito pela Universidade de Lisboa.

Outubro de 2013

37


www.advocatus.pt

Raquel Montes Fernandes é a nova advogada da equipa de Direito Fiscal da CMS-Rui Pena & Arnaut. A jurista é especialista em matéria fiscal, mais concretamente na área de impostos indiretos. Transita da Secretaria de Estado dos Assuntos Fiscais, onde desempenhava funções de assessoria jurídica.

Miranda candidata a firma internacional do ano em África A Miranda Correia Amendoeira & Associados é uma das oito sociedades internacionais nomeadas para o prémio “International Law Firm of the Year” na primeira edição dos African Legal Awards 2013, uma iniciativa da Legal Week e da Corporate Lawyers Association of South Africa (CLASA). A Miranda é a única firma portuguesa entre as finalistas. Da lista de finalistas fazem ainda parte a Allen & Overy, Baker & McKenzie, Clifford Chance, Norton Rose Fulbright, Dentons, DLA Piper e a White & Case.O vencedor será conhecido a 24 de outubro, numa cerimónia em Joanesburgo, África do Sul. Esta iniciativa visa premiar as melhores sociedades da advocacia mundial em 16 categorias.

Carla Matos é a nova responsável pelo departamento de Direito Fiscal da CCA Ontier. A advogada conta com experiência em áreas como IRC, IRS e Segurança Social. Transita da PWC, onde trabalhou durante os últimos 18 anos. João Veiga Gomes é recomendado como “Adviser of the Year”, na edição da Who’s Who edition for Civil/Comercial Litigation in Portugal, da Who’s Who Legal. A distinção é fruto do desempenho do jurista na área de Contencioso, nomeadamente Contencioso Civil e Contencioso Societário.

O SITE DO ADVOCATUS EM setembro As mais lidas Novas regras da ação executiva em vigor a partir de domingo Deputados acusam provas da OA de serem ilegais Homicídio de agente de execução: lei penal atual é suficiente Pragal Colaço: “É preciso mudar tudo na Ordem” CEJ promove formações sobre novo Processo Civil

As mais partilhadas no Facebook Miranda candidata a firma internacional do ano em África Conceição Gamito e Catarina Belim foram consideradas líderes na área do IVA, pela International Tax Review. As associadas da Vieira de Almeida & Associados fazem parte da lista dos Indirect Tax Leaders pelo segundo ano consecutivo. 38

Outubro de 2013

Deputados acusam provas da OA de serem ilegais “Jovens advogados terão de ser os arquitetos da mudança” Guilherme Figueiredo oficializa candidatura Constituição deve regular Justiça arbitral

O agregador da advocacia


www.advocatus.pt

PLMJ e CMSRPA na privatização da ANA

Assine o Advocatus e fique descansado Farto de informação negativa que só lhe provoca mal-estar, ansiedade e stress? A melhor terapia é assinar o Advocatus. Porque, neste caso, a informação dá-lhe prazer. A assinatura do Advocatus inclui um programa gratuito de relaxamento e diversão na Odisseias. É uma oportunidade única para, gratuitamente, melhorar a saúde física e mental.

Veja em www.odisseias.com o programa que mais lhe agrada Be Cool Baptismo de mergulho, Baptismo de Moto 4, Bridge Jumping, Canoagem, Baptismo de Windsurf, Back Massage, Bob cat Experience, Segway Discover ou Speed Boat A Parpública e o Estado elegeram a PLMJ para os assessorar no processo de privatização da ANA – Aeroportos de Portugal, por seu lado a Vinci escolheu ter o aconselhamento jurídico da CMS – Rui Pena & Arnaut (RPA). Neste processo, o Estado português vendeu 95 por cento do capital da ANA ao grupo francês Vinci pelo valor de 3080 milhões de euros, representando o maior processo de privatização realizado em Portugal. A CMS – RPA foi responsável pelo aconselhamento jurídico da Vinci desde a fase inicial de elaboração da proposta, sob a coordenação dos advogados José Luís Arnaut, Mónica Carneiro Pacheco e Francisco Xavier de Almeida. Do lado da PLMJ, a operação foi conduzida pelos sócios Jorge Brito Pereira e Pedro Melo, contando ainda com o contributo da sócia Bárbara Godinho Correia e dos associados seniores Duarte Schmidt Lino, Raquel Azevedo e Maria Cordeiro.

Be Happy Massagem Sweet Escape, Spa Experience, Esfoliação de Chocolate, Aula de Maquilhagem, Aula particular de esgrima, Cook Experience, Gocar City Break ou Baptismo de Moto 4

Para receber, na volta do correio, o voucher do programa escolhido basta assinar o Advocatus – o agregador dos Advogados. Com o Advocatus fica informado e… fica descansado. Não é todos os dias que tem uma oferta destas.

O agregador da advocacia

www.advocatus.pt

Toda a informação por 180 €

Envie para: Advocatus • Av. Infante D. Henrique, nº 333 H, 44 • 1800-282 Lisboa

SIM, desejo assinar o jornal Advocatus com o custo total de 180€ (12 edições; oferta de voucher Odisseias).

Formas de pagamento:

Transferência bancária para o NIB 0010 0000 43265960001 81. Envio do comprovativo para o fax 210 435 935 ou através do email assinaturas@briefing.pt Cheque à ordem de Enzima Amarela Edições Lda. • Av. Infante D. Henrique, nº 333 H, 44 • 1800-282 Lisboa O voucher Odisseias será entregue após boa cobrança. Be Cool

Be Happy Assinatura

O agregador da advocacia

Outubro de 2013

39


www.advocatus.pt

www.advocatus.pt

Seis advogados concorrem a bastonário Vasco Marques Correia, Elina Fraga, Guilherme Figueiredo, Jorge Neto, António Raposo Subtil e Jerónimo Martins são os seis candidatos a bastonário da Ordem dos Advogados (OA). Estes advogados oficializaram a candidatura até ao final do mês de setembro – data limite imposta pela Ordem dos Advogados – e irão a votos a 29 de novembro. Vasco Marques Correia é atualmente presidente do Conselho Distrital de Lisboa e Guilherme Figueiredo preside ao Conselho Distrital do Porto. Por seu lado, Elina Fraga é a 1ª vice-presidente da OA e vogal do Conselho Geral. António Raposo Subtil é sócio fundador da Raposo Subtil & Associados e antigo presidente do Conselho Distrital de Lisboa. Jorge Neto é sócio fundador da Jorge Neto & Associados e foi deputado

SRS assina artigo sobre Portugal no ICLG Os sócios da SRS Advogados Octávio Castelo Paulo e Luís Neto Galvão são os autores do capítulo dedicado a Portugal do Guia jurídico internacional sobre Telecomunicações, Media e Internet 2014, da International Comparative Legal Guides (ICLG). A publicação analisa esta área em vários países. Octávio Castelo Paulo e Luís Neto Galvão analisam as áreas de regulação das comunicações, da gestão do espectro radioelétrico, do regime jurídico da instalação de infraestruturas de comunicações, da interceção legal de comunicações, cibersegurança e distribuição de conteúdos audiovisuais. A Telecoms, Media and Internet Laws and Regularions é uma publicação anual que contempla as contribuições de diversos especialistas mundiais nesta área. O guia analisa questões jurídicas em 35 jurisdições.

40

Outubro de 2013

do PSD. Por fim, Jerónimo Martins é advogado em prática individual e foi vice-presidente do Conselho Geral da OA. As eleições estiveram ameaçadas depois de o atual bastonário, António Marinho e Pinto, ter invocado que o facto de não ter dado entrada qualquer lista para o Conselho Deontológico da Madeira inviabilizava a data inicial. Contudo, as críticas sucederam-se, com alguns candidatos a argumentarem que a decisão carecia de fundamento legal, o que levou o bastonário a recuar e manter o ato eleitoral. Assim, ao escrutínio dos cerca de 28.500 advogados inscritos na Ordem concorrem seis dos sete candidatos que se haviam perfilado – António Pragal Colaço desistiu entretanto.

FDUCP com nova direção

A Faculdade de Direito da Universidade Católica Portuguesa (FDUCP) conta agora com uma nova direção. Mário Aroso de Almeida assume o cargo de diretor da FDUCP, enquanto Fernando A. Ferreira Pinto e Manuel Fontaine Campos serão diretores da Escola de Lisboa e da Escola do Porto, respetivamente.

O agregador da advocacia


www.advocatus.pt

O agregador da advocacia

Outubro de 2013

41


www.advocatus.pt

O livro de…

Rodrigo Almeida Dias

Escrever sobre o livro da minha vida não é fácil, desde logo porque tal livro não existe ou, se existe, ainda não o descobri. Isso explicar-se-á, pelo menos em parte, por me considerar um bibliófilo, na acepção de amante dos livros. Em termos de bens materiais, poucos objectos me entusiasmam tanto como uma boa primeira edição. Os bibliófilos que me lêem sabem do que falo: estamos na presença de uma patologia relativamente rara; grave, na medida em que destrói qualquer orçamento familiar; e certamente crónica e com tendência para se agravar. O dito amor aos livros leva-me, portanto, a concluir que estou pior do que o Marco Paulo: tenho vários amores, e não apenas dois, e também não sei de qual gosto mais. Limito-me, assim, a dar um exemplo de um livro de que gosto e que ilustra a vertente da bibliofilia. Enquanto não consigo uma primeira edição dos Lusíadas, opto pela nossa primeira Constituição – “Constituição Política da Monarchia Portugueza”, edição da Imprensa Nacional, de 1822. Como compilação de artigos que é, não será, à primeira vista, um livro de leitura particularmente entusiasmante. No entanto, um segundo olhar mostra-nos 240 artigos carregados de história e de significado e, o que é mais curioso, maioritariamente plenos de actualidade, volvidos dois séculos. Porém, reconheço que o que acabo de referir não seria suficiente para eleger o livro para este texto. Sucede que, no caso concreto, ao interesse intrínseco do livro se somam as particularidades do exemplar em concreto. Começando pelo hábito, que na bibliofilia muitas vezes faz o monge, assinalo a beleza da encadernação em marroquim encarnado, com as armas de Portugal gravadas em ambas as pastas. E, ao abrir o exemplar, por cima das belas guardas, o ex-libris de D. Manuel II, com a conhecida divisa Brigantina “Depois de Vós, Nós”. Estamos, portanto, na presença do exemplar da biblioteca real, que pertenceu ao ilustre bibliófilo D. Manuel II. Mais um passo e conseguimos reconstituir-lhe a história: terá andado por Inglaterra, com o nosso Rei no exílio, transitou para Sigmaringen, na Alemanha, e acabou leiloado no Palácio do Correio-Velho, em 1989. Entrou então no circuito alfarrabista nacional e foi aí que o consegui adquirir, há uns anos. 42

Outubro de 2013

“Constituição Política da Monarchia Portugueza” Editora: Imprensa Nacional – 1822

Rodrigo Almeida Dias Sócio da FCB&A. Licenciado pela Faculdade de Direito da Universidade Católica Portuguesa. Integra o departamento de Direito Societário e Comercial.

O agregador da advocacia


www.advocatus.pt

Office with a view

A serenidade de Monsanto

Do escritório onde trabalham, em Lisboa, Luís Filipe Pereira e Pedro Ramos Almeida têm vista para a mancha verde de Monsanto. A partir da janela das suas salas, os sócios da Capa Advogados conseguem apreciar o contraste da serenidade de Monsanto com o pulsar da zona comercial e empresarial das Amoreiras. O espaço ainda é recente para estes advogados: a Capa tem sede em Coimbra, mas este ano decidiu abrir uma filial na capital, vocacionada para clientes aqui sedeados mas com interesses empresariais na região centro e na cidade de Coimbra. O sócio administrador Luís Filipe Pereira considera o espaço nas Amoreiras um lugar de eleição para trabalhar. Para o advogado, é fundamental beneficiar da luz única da cidade de Lisboa e da vista “serena e tranquila” do parque de Monsanto. Para Pedro Ramos de Almeida, não é a primeira vez que pode apreciar a vista a partir de um escritório em Lisboa: é que o responsável pela nova filial da Capa colaborou outrora com o Ministério da Justiça, onde tinha uma vista para o histórico Terreiro do Paço. Agora experimenta outra sensação, que é trabalhar num edifício que é símbolo da modernidade arquitetónica e que está entre as zonas empresariais mais importantes da capital portuguesa, mas sempre com a calma de Monsanto ao fundo… O agregador da advocacia

Luís Filipe Pereira Sócio administrador da Capa Advogados

Pedro Ramos de Almeida Associado da Capa Advogados Outubro de 2013

43


www.advocatus.pt

Restaurante

Manuel Falcão diretor-geral da Nova Expressão

Um café de petiscos

Café Lisboa

Largo de São Carlos 23 211914498

Aos poucos o Chiado está a transformar-se num território gastronómico que nestes dois últimos anos foi dominado por José Avillez. Atualmente ele comanda as operações no Belcanto (que tem uma estrela Michelin), no Cantinho do Avillez (que foi a sua primeira experiência no Chiado), na Pizzaria Lisboa (que fica perto do Cantinho) e, agora, no Café Lisboa, que desde o início do Verão abriu portas no Largo do Teatro Nacional de S. Carlos, bem perto do Belcanto por sinal. De todos o único de onde saí com fraca impressão foi da Pizzaria Lisboa – dos outros saí como freguês. O Belcanto tem de facto uma cozinha e um nível de serviço superiores e é provavelmente o melhor restaurante do ano em Lisboa. O Cantinho continua a ser um bom ponto de encontro, descontraído, com boas propostas, bom para petiscar mas também para almoçar ou jantar. E o novo Café Lisboa merece loas – na boa disposição do pessoal, no aconchegado do pequeno foyer do Teatro de S. Carlos onde está a sua sala, e da renovada esplanada que vale a pena ser usada – para comer, petiscar ou beber um copo - sempre que as condições atmosféricas permitam. Com o Café Lisboa recupera-se para o uso da cidade esta bela praça que há anos andava desleixada no se refere que aos restaurantes que por lá têm existido. Olhemos então para a sala – decoração clássica, própria do Teatro de S. 44

Outubro de 2013

Carlos, baseada no desenho original do foyer teatral, uma dezena e meia de mesas com cadeiras confortáveis. O ambiente é discretamente desassossegado por uma obra de Joana Vasconcelos numa das paredes - a peça, intitulada “la traviata” reproduz, em crochet branco e com generosas dimensões, uma sapateira –o bicho, o marisco, para muitos a delícia. Não reparei que na lista fossem propostas sapateiras mas em compensação há uma bela variedade de sugestões, dos sabores tradicionais até aos bifes. Existe ainda um conjunto de ideias para quem vai comer fora de horas, petiscos variados e

uma boa carta de bar com cocktails, alguns deles criados expressamente para esta Café Lisboa – o Costa do Castelo, o Dona Antónia e o Pomar. A casa serve a cerveja artesanal Sovina – e aconselho quem nunca a provou a experimentá-la num fim de tarde. O vinho da casa foi desenvolvido numa parceria de José Avillez com José Bento dos Santos e o branco é especialmente recomendável. Passemos então à comida. Das propostas tradicionais destaco o Bacalhau à Brás com Azeitonas Explosivas, o Arroz de Pato com Couve Lombarda, os Croquetes de Novilho com Arroz de Tomate e sobretudo os

Pastéis Lisboa com arroz de grelos. Os Pastéis Lisboa são de facto pastéis de massa tenra, levíssimos, de massa fina e estaladiça e o arroz de grelos da casa já ganhou fama. Tanto os pastéis de massa tenra como os croquetes podem ser pedidos à unidade, e vêm sempre quentinhos e acabados de fazer. Qualquer deles merece elogios. Nos bifes registo o Bife à Café Lisboa (inspirado no Bife à Marrare), outro com Cogumelos Portobello, um com Molho de Foie Gras e Trufas e um outro com Copita, Cebola e Queijo da Serra. O molho é mais leve que é habitual, felizmente com menos natas do que se tornou (mau) hábito. Nestas carnes regista-se ainda um honesto rosbife, um bom bife tártaro e um hambúrguer decente. O Bacalhau à Braz que provei vinha perfeito e as suas azeitonas explosivas, uma das imagens de marca do Chef Avillez, dão-lhe um inesperado toque de frescura. Por falar em azeitonas, destaco o tempero das que vêm no couvert, assim como uma pasta de grão bem temperada. Finalmente nas sobremesas a minha preferência recai na torta de laranja, perfeita, húmida, saborosa – a lembrar as que comia em pequeno. Tudo junto, para duas pessoas, ficou perto dos 60 euros. O serviço é atento e cordial, acredito que nestes dias de outono valha a pena marcar porque se a esplanada estiver fora da temperatura a sala torna-se pequena para a procura. Vou lá voltar mais vezes.

Sting

The Last Ship Este é o primeiro disco de Sting com material original desde há uma década. Na realidade é um pouco mais que um disco, é um projeto que inclui uma peça de teatro que estreará na Broadway em 2014, de que estas canções são a banda sonora. O disco conta a história do declínio da indústria de construção naval em Newcastle, onde Sting cresceu, e conta com as colaborações dos Unthanks, Wilson Family, Kathryn Tickell, Jimmy Nail e Brian Johnson, dos AC/DC. As canções têm um sabor folk inesperado e são mais uma prova da versatilidade de um músico que desde os seus tempos nos Police já fez experiências na área da música clássica e do jazz. São canções duras, es-

tas – reflexões sobre a vida, sobre o que é transitório, sobre a família e a comunidade. “I Love Her So But She Loves Someone Else” é uma balada carregada de sensualidade, e os duetos “What Have We Got”, com, Jimmy Nail, e “So To Speak” com Betty Unthank, são pontos altos, assim como o primeiro single, “Practical Arrangement” ou o delicioso “The Night The Pugilist Learned To Dance”. (CD Cherry Tree/Universal).

O agregador da advocacia


www.advocatus.pt

Montra

Pulsar marca as horas na nova estação A Pulsar apresenta para a nova estação dois relógios multifunções criados com o objetivo de não deixar nenhum homem indiferente. Com um design clássico e estruturado, estes relógios apresentam uma caixa de 43 mm de diâmetro e bisel em aço, disponíveis em duas versões. Uma com bracelete em pelo preta e detalhes nos ponteiros e índices em prateado e outro com bracelete em pele castanha e detalhes em dourado nos ponteiros, coroa e índices.

O amor de Lolita Lempicka Lolita Lempicka acaba de lançar um novo perfume, o Elle L’Aime, que une de forma harmoniosa os sons e as letras da marca, criando uma emoção arrebatadora. Esta fragância “conta” uma história de amor que irá mudar as mulheres e a natureza. O Elle L’Aime junta o desejo do limão verde, com o perfume das flores brancas – predominando a flor de coco – com um toque de jasmin e Ylan Ylang.

Caran d’Ache em versão desportiva A Ecridor Golf é a nova peça da coleção Ecridor criada pela Caran d’Ache, como forma de homenagear o mundo do desporto. Este novo instrumento de escrita surge na sequência do torneio de golfe “Quality First”, organizado pela marca com a Câmara do Comércio e Indústria Suíça em Portugal. A Ecridor Golf é decorada com um guilhochado geométrico, inspirado nas ondulações de uma bola de golfe, com revestimento em paládio. Anotar um par, um birdie ou um hole-in-one nunca mais vai ser o mesmo.

“Desejo” em coleção da Cubanas O desejo invade a nova coleção outono/inverno 2013 da marca de calçado Cubanas através do modelo Desire Pleasure Technology. O “sapato do desejo” - como já é conhecido – foi desenvolvido com o intuito de criar um sapato de salto alto tão confortável como um raso. Foram necessários 18 meses de investigação para dar vida a este modelo que pretende tornar a mulher ainda mais sexy aumentando a autoconfiança. O modelo está disponível nas cores Camel, Black, Red e Green.

Le Beau Male… a frescura tórrida de Gualtier Jean Paul Gaultier apresenta a nova fragância La Beau Male, um perfume com uma frescura tórrida para o homem do terceiro milénio. O La Beau Male destina-se a homens que reivindicam o seu sex appeal, utilizando-o como uma armadilha… em que se quer cair. O agregador da advocacia

Outubro de 2013

45


www.advocatus.pt

Os filmes de ...

Viagens no tempo, ações no passado que terão repercussões no futuro e personagens complexas são os principais “ingredientes” dos filmes que compõem as escolhas cinematográficas da sócia da Pedro Raposo & Associados Susana Valente.

Susana Valente

01

Sócia da Pedro Raposo & Associados (PRA), é responsável pelo departamento de Recuperação de Créditos e Insolvência da sociedade.

46

Outubro de 2013

Título: Perto Demais (Closer), 2004 Realizador: Mike Nichols Protagonistas: Natalie Portman, Jude Law, Clive Owen, Julia Roberts História: Esta é história de quatro estranhos que se cruzam em relações amorosas, atrações fatais e traições, convergindo para um perigoso esquema de sedução de que ninguém sairá ileso.

02

Título: As Horas (The Hours), 2002 Realizador: Stephen Daldry Protagonistas: Meryl Streep, Nicole Kidman, Julianne Moore e Ed Harris História: Conta a história de três mulheres, de três épocas diferentes, que procuram dar sentido às suas vidas. Virginia Woolf vive no início dos anos 20 e tenta combater a loucura enquanto escreve o seu primeiro romance, “Mrs. Dalloway”. No final da Segunda Guerra, Laura Brown começa a ler o romance de Woolf, o que poderá alterar para sempre a sua vida. No final dos anos 90, Clarissa Vaughan representa a versão contemporânea de “Mrs. Dalloway”.

03

Título: Pequenos crimes entre amigos (Shallow Grave), 1994 Realizador: Danny Boyle Protagonistas: Kerry Fox, Christopher Eccleston, Ewan McGregor e Ken Stott História: Alex, David e Juliet são amigos e dividem um apartamento. A casa recebe um novo inquilino, Hugo, que pouco tempo depois aparece morto. Os três amigos não sabem o que fazer, até que encontram no quarto de Hugo uma mala cheia de dinheiro e veem nessa descoberta a possibilidade de mudarem de vida.

04

Título: Efeito Borboleta (The Butterfly Effect), 2004 Realizador: Eric Bress e J. Mackye Gruber Protagonistas: Ashton Kutcher, Amy Smart e Melora Walters História: Evan Treborn é um jovem que não consegue guardar memórias dos momentos cruciais da vida. Aconselhado pelo psicólogo começa a escrever um diário. Durante a faculdade descobre que esses diários o transportam para o passado e decide reescrever a história da sua vida. No entanto, cada ação do passado terá consequências no futuro…

05

Título: Cloud Atlas, 2012 Realizador: Tom Tykwer, Andy Wachowski e Lana Wachowski Protagonistas: Tom Hanks, Halle Berry, Hugh Grant, Hugo Weaving História: Diversos lugares no tempo ao longo de 500 anos servem de palco a uma história de amor em que as personagens conhecem-se, separam-se e voltam a juntarse em vários ciclos de nascimento e morte. Cada escolha e cada ação destas personagens terá repercussões no passado, presente e futuro. O agregador da advocacia




Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.