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Entrevista
Fátima de Sousa jornalista fs@briefing.pt
Assina a nova imagem da ERA, a imobiliária que anda de nave espacial e factura cada vez mais, apesar da crise. Ou, quem sabe, devido à crise. Albano Homem de Melo, 43 anos, desistiu de uma carreira na publicidade mas não da criatividade. Nem do sucesso: os seus hambúrgueres H3 estão nas bocas do mundo
Albano Homem de Melo, consultor da ERA Imobiliária
Ramon de Melo
Casa própria é originalidade portuguesa
Briefing | A ERA tem vindo a crescer apesar da crise. Como explica esta aparente contradição? Albano Homem de Melo | As crises servem muitas vezes para separar o trigo do joio e penso que foi o que aconteceu. A ERA vai sair da crise com maior quota, em parte porque muitas pequenas imobiliárias desapareceram. Por outro lado, pode dizer-se que a ERA se preparou para a crise, mesmo antes de se saber que ia haver crise. Em Portugal, a crise chegou através dos mercados 6
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financeiros. E a ERA, como é uma empresa altamente profissional e profissionalizada, que funciona bem e tem tido uma política consistente, estava muito bem preparada. E por isso tem vindo a ganhar quota de mercado. Briefing | A crise acabou por ser favorável para o negócio… AHM | No que respeita ao crescimento da quota de mercado, sim. Mas a crise traz outras questões, como a retracção da banca. Por ve-
zes, há um trabalho inglório de angariar casas mas as vendas depois não se fazem por falta de financiamento bancário. Além disso, a curva de preços mostra pouca elasticidade no início, com uma tendência para baixar pouco o preço, à espera que o mercado recupere. Mas depois acabam por ceder e isso contribui para aumentar as vendas. A crise nunca é boa para o imobiliário. Sobretudo em Portugal, onde as pessoas estão muito endividadas: uma parte grande dos ordenados é
para pagar as casas. Não há uma crise imobiliária como em Espanha, mas também não é uma chuva de oportunidades. Briefing | Sente que as pessoas recorrem mais à intermediação? AHM | Mesmo antes da crise, já existia um aumento dos negócios intermediados na venda de casas, porque o mercado se sofisticou. As imobiliárias têm o conhecimento do mercado, prestam todo um serviço de valor acrescentado. Ora, numa O agregador do marketing.
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crise, em que as oportunidades de venda se reduzem e há retracção do financiamento, é mais necessário do que nunca que alguém faça esse trabalho de promoção e qualificação do imóvel. Como é mais difícil vender, têm de ser profissionais a fazê-lo. Os proprietários perceberam que a sua profissão não é vender casas. E, aí sim, há uma oportunidade para as imobiliárias. Briefing | O menor acesso ao financiamento deu um novo alento ao arrendamento, ou nem por isso? AHM | À partida, como há menos financiamento bancário para adquirir casa própria, poderia haver mais procura de arrendamento, mas a verdade é que não há oferta. Devia haver mais proprietários interessados em arrendar mas não o fazem por insegurança jurídica. Um imóvel é um activo caríssimo para se correr o risco do incumprimento no pagamento de rendas. Um proprietário com problemas com o inquilino tem grande dificuldade em resolvê-los, o que é péssimo para o negócio. Na minha opinião, o mercado do arrendamento não cresce enquanto a justiça não for mais rápida. Legislação não falta, falta é razoabilidade. Ao mesmo tempo há também a questão da mentalidade: em Portugal, toda a gente quer ter casa própria, é uma originalidade. Lá fora só as classes mais altas têm casa própria, além de que há maior mobilidade social. Aqui mudase pouco de cidade. E durante anos fizeram-se bons negócios, trocavase de casa com mais facilidade. Hoje não é assim. Briefing | A que se deve essa originalidade portuguesa? AHM | Parece-me que é uma aspiração de sempre. Ter casa própria simboliza o aumento da qualidade de vida, do estatuto social. E tem também a ver com um factor de protecção, uma reminiscência da caverna. Basta ver como as pessoas tratam melhor o lado de dentro da casa do que o exterior. Há aqui um sentido de não partilha pública de um bem. Briefing | Disse que a ERA se preparou melhor para a crise. Como? O agregador do marketing.
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“A crise nunca é boa para o imobiliário. Sobretudo em Portugal, onde as pessoas estão muito endividadas: uma parte grande dos ordenados é para pagar as casas. Não há uma crise imobiliária como em Espanha, mas também não é uma chuva de oportunidades”
AHM | A ERA tem um sistema de formação do seu franchisado como deve haver poucos em Portugal. Pensa no franchisado como um homem de negócios, a que é preciso dar formação: não basta acreditar nas características inatas, é preciso dotá-lo de ferramentas, ao nível do acompanhamento dos comerciais, da promoção do imóvel por exemplo. É um sistema praticamente infalível e a casa mãe tem muito a aprender com a ERA Portugal. Mas não é só a formação. A ERA trata as lojas como se fossem suas. Há uma irmandade entre o franchisador e o franchisado e essa unidade faz com que a empresa seja muito forte. O franchisador não é alguém que está de fora, a ver se o negócio corre bem ou mal e que, se correr mal, fecha a porta ao franchisado: é alguém que toma as dores de cada um dos franchisados.
Briefing | Essa postura é boa para o negócio? AHM | No negócio do franchising, pode-se ganhar dinheiro através dos direitos de ingresso ou dos royalties e a ERA optou por esta segunda via. Podia ir renovando direitos de ingresso, mas prefere apostar na estabilidade, numa relação longa com o franchisado, sempre com o limite do profissionalismo. Não é líquido que o sistema gera mais dinheiro, mas a ERA temse dado bem com esta opção mais humanista. Briefing | A empresa sofreu recentemente uma mudança de imagem, com a sua assinatura. Porquê mudar? AHM | Havia claramente um desfasamento entre a imagem da empresa e o seu desempenho. A empresa cresceu muito depressa e deu ênfase a outras ferramentas, descurando um pouco a imagem externa. Havia uma
PERFIL
H3, a fórmula do not so fast food
“Na minha opinião, o mercado do arrendamento não cresce enquanto a justiça não for mais rápida. Legislação não falta, falta é razoabilidade”
Uma empresa feliz. É assim que Albano Homem de Melo define a H3, empresa na qual teve o privilégio – as palavras são do próprio – de poder pensar durante um ano, juntamente com os amigos António Cunha Araújo e Miguel van Uden. Desse brainstorming a três nasceu um conceito revolucionário para o menos óbvio dos produtos de restauração – o hambúrguer. De carne fresca, servido com batatas fritas às rodelas, arroz thai, esparregado, limonada caseira… “As boas ideias são assim”, resume. Hoje são 35 lojas, incluindo a primeira de rua inaugurada em Fevereiro. A not so fast food já chegou à Polónia e está a caminho de Espanha e do Brasil. Albano já era um apreciador de hambúrgueres. Fez até uma viagem a Nova Iorque em busca dos melhores. Viajar para comer é uma ideia que lhe é cara. Cozinhar também. De tal modo que está já na calha um livro de receitas. Descomplicado. Diz-se um publicitário no negócio da restauração, mas poderá vir a ser um publicitário que escreve livros ou faz cinema. “Geneticamente, sou um publicitário”. Academicamente, um licenciado em Direito. Por influência da mãe, em tempos em que não sabia o que queria fazer. Não culpa a mãe e até fez o estágio, só não entregou os “papéis”. E não se arrepende: foi lá que conheceu a mulher, de quem tem três filhos. Em 43 anos de vida, apenas há dois vive em casa própria. E só porque surgiu a oportunidade de adquirir a casa da avó. Negócios de imobiliário com a ERA não fez, mas garante que a aconselha aos amigos.
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maneira de estar muito low profile. Não é que o marketing não estivesse presente – uma empresa que vende casas tem de ter um marketing bem desenvolvido senão não vende, mas a imagem da empresa, das lojas, das peças de comunicação não estava muito trabalhada. Era preciso dar-lhe uma nova pertinência. Fizemos um estudo de mercado e concluímos que as pessoas privilegiam imobiliárias grandes e multinacionais. O estudo apontava para a importância de sermos grandes, pelo que começámos paulatinamente a comunicar os números – de lojas, de colaboradores, de casas vendidas. Além disso, havia necessidade de combater os números que o principal concorrente divulgava alegremente, são números
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“A ERA sabe que é líder, tem os seus números, faz extrapolações de mercado, mas não tem como provar. Pode é comunicar o seu valor. E esse valor tem também a ver com a confiança”
não consentâneos com a realidade. Não há números oficiais. A ERA sabe que é líder, tem os seus números, faz extrapolações de mercado, mas não tem como provar. Pode é comunicar o seu valor. E esse valor tem também a ver com a confiança. Tínhamos indicações de que a ERA, apesar de ser low profile, tinha uma imagem mais confiável. Foi a partir destas duas ideias que desenvolvemos a nova assinatura – “ERA, a imobiliária em que mais portugueses confiam”. Foi um casamento entre confiança e quantidade. Briefing | E como é que chegou à nave espacial e ao claim “A imobiliária que anda mais depressa”? AHM | Tem novamente a ver com a
grandeza e com a confiança. É a imobiliária que anda mais depressa porque vende mais casas, vende mais rapidamente, e quem vende mais e mais rapidamente tem a escolha, a confiança do cliente. Tratava-se de mostrar esse lado da performance de uma imobiliária que tinha uma imagem pouco comunicante por oposição a um concorrente bastante activo e bastante palavroso. Quanto à nave espacial, é uma pequena provocação subliminar com o concorrente principal que se desloca de balão… Se calhar esta provocação funciona menos para o público externo e mais para o interno, que é preciso manter motivado. Toda a comunicação que os colaboradores recebem é no sentido de acreditarem
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que são apoiados por uma empresa que tem força. Mas pode também ficar no inconsciente dos clientes: “Eles andam de balão, nós de nave, escolha-nos a nós!”. Internamente essa analogia foi feita, externamente também poderá ser. Briefing | Abdicou de uma carreira na publicidade mas mantém esta consultoria. Porquê? AHM | Por amizade. Conhecia a empresa, sabia que existia um desfasamento entre a qualidade da empresa e a sua imagem e acreditei que podia prestar um bom serviço. Mas só aceitei com uma condição; disselhes que sou um criativo estragado que já não consegue ouvir muitas
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opiniões e pedi-lhes apenas que me avisassem com dois minutos de antecedência quando quisessem pôr fim a esta parceria. Briefing | A propósito de pôr fim, porque deixou a publicidade? AHM | Sempre trabalhei apaixonadamente a pensar que um anúncio era a coisa mais importante do mundo. Se calhar era uma importância desmesurada, mas era uma paixão. Até que a certa altura, na Y&R, acumulei a presidência com a direcção criativa. Foi quando os aviões chocaram nas torres gémeas e começou a maior crise de sempre na publicidade. Foram tempos muito difíceis, mas não menos entusiasmantes. Foi preciso fazer cortes, despe-
dimentos… Mas ao fim de dois, três anos, os números já estavam bons e eu achei que o meu contributo estava dado. Não me deslumbrava gerir aquela parte do negócio, gostava era de fazer anúncios. Entretanto, tive um convite irresistível da BBDO. Aceitei. Na Young era difícil continuar a ser director criativo sendo ex-presidente e na BBDO ia trabalhar com uma equipa do melhor que havia em Portugal. Entrei a pensar que ia continuar com a mesma paixão, mas descobri que estava na altura de mudar de vida. Não acordava com um entusiasmo por aí além… Foi um dilema, mas ao fim de cinco meses tomei uma decisão irrevogável. E foi um alívio. Apetecia-me um mergulho no abismo. Precisava do risco.
“Por vezes, há um trabalho inglório de angariar casas mas as vendas depois não se fazem por falta de financiamento bancário”
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