Passeio Público
Ramon de Melo
Fátima de Sousa jornalista fs@storemagazine.net
Nasceu em Porto Alegre, no Brasil, mas adoptou Lisboa, a cidade onde vive há 12 anos. Luiz Mór, administrador da TAP, das Lojas Francas de Portugal e da Cateringpor, diz-se mesmo um “alfacinha de gema”. É já português por direito e por lei. E é por cá que gostaria de ficar “para sempre”
Alfacinha de Porto Alegre A chegada de Luiz Mór a Lisboa é contemporânea da entrada de Fernando Pinto para a presidência da transportadora aérea nacional. Aliás, uma acontece por causa da outra. Ambos já tinham trabalhado juntos no Brasil – em 1996, quando Fernando assumiu a gestão da Varig, Luiz era director de Logística Operacional, convidado logo de seguida a assumir a direcção comercial e, pouco tempo depois, a acumu18
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lar com a direcção de marketing, sob a designação de vice-presidente de Vendas e Marketing. Tudo parecia correr bem, até que, em 2000, a recém-empossada administração da Fundação Ruben Berta – constituída por funcionários da companhia de bandeira brasileira – abre um precedente ao assumir claramente que pretendia interferir na gestão da empresa. Estala uma crise política na Varig, que de-
sembocou na demissão de toda a administração. Fernando Pinto sai e, com ele, Luiz Mór. Das várias propostas de trabalho que recebeu, Fernando Pinto acaba por se inclinar para a da Swissair, que aguardava apenas luz verde das autoridades de Bruxelas para adquirir a TAP. Todavia, o aval europeu não chegou e o negócio não se concretizou. Mas – lembra Luiz Mór – nesse entretanto a TAP deteriorava-se
e o governo português pediu-lhes que assumissem a empresa e dessem início ao processo de recuperação económico-financeira. Vieram em Outubro. Em Janeiro, a Swisair desiste, mas o executivo mantém a confiança em Fernando Pinto. Foi há 12 anos. Nesse Outubro, Luiz veio sozinho. Os filhos ainda estavam na escola – no Brasil, o ano lectivo funciona em ciclo inverso ao português. Só em STORE MAGAZINE
Dezembro, chegou a restante família – a mulher e os dois filhos. Mas a filha, mais velha, sentiu dificuldade em adaptar-se – ainda viveu um ano em Lisboa e outro em Paris, mas acabou por voltar para o Rio de Janeiro, onde concluiu a faculdade. Hoje, vive e trabalha em São Paulo. Não foi Lisboa a razão do regresso ao Brasil – diz o pai que estranharia qualquer cidade de tão integrada que estava no Rio. O filho, mais novo, também não ficou por cá – quando veio estudou no Colégio Americano (“não sabíamos por quanto tempo íamos ficar e pensei que uma escola internacional facilitaria se tivéssemos de mudar”), mas preferiu fazer a faculdade nos Estados Unidos, a que seguiu um mestrado em Londres, onde se radicou. Com os filhos encaminhados, Luiz e a mulher trocaram Cascais por Lisboa. Só então comprou apartamento na capital. Hoje, gostaria de ficar cá “para sempre”. Já adquiriu cidadania portuguesa, mas se lhe perguntam se se sente português ou brasileiro diz que não sabe responder. Ou melhor, responde que “já não é uma pergunta que cabe mais”. “Se fosse preciso, diria que sou um brasileiro morando há muito tempo em Portugal. Sou muito velho para não ser brasileiro, mas me sinto em casa em Portugal, mais do que no Brasil. Até porque não existe um só Brasil. Eu sou do Sul e me senti mais estrangeiro morando no Rio do que em Lisboa. Acho Lisboa mais parecida com Porto Alegre do que Porto Alegre com o Rio de Janeiro. Primeiro tem o clima, a passagem das estações. Depois, os gaúchos são mais parecidos com os portugueses do que com os cariocas, são mais formais do que os cariocas, embora não tanto quanto os portugueses. E há a coincidência de serem cidades com rio. O Rio é um centro esmagadoramente grande”. A dificuldade em dizer-se brasileiro ou português estende-se aos amigos. Com mais de uma década por cá, Luiz tem amigos de ambas as nacionalidades. “Me acostumei tanto que não STORE MAGAZINE
Gostaria de ficar cá “para sempre”. Já adquiriu cidadania portuguesa, mas se lhe perguntam se se sente português ou brasileiro diz que não sabe responder
Estala uma crise política na Varig, que desembocou na demissão de toda a administração. Fernando Pinto sai e, com ele, Luiz Mór
percebo diferença. Cada um deles é uma pessoa única. Não são diferentes entre si pelo facto de um ser português e outro ser brasileiro”, comenta, ainda que reconhecendo que existe um estereótipo dos portugueses em relação aos brasileiros e o oposto. Já quando fala da cidade, não tem dúvidas em afirmar-se “alfacinha de gema”. De Lisboa aprecia a vida a pé, as colinas, o movimento das pessoas e a segurança. “Lisboa dá-me isso”. É a pé que faz a sua “peregrinação” de todos os sábados: pelas livrarias. “Sou um rato de livraria”. E conhece bem as livrarias que a cidade tem. O mercado de livros em segunda mão na travessa paralela à Bertrand, no Chiado, a Buchholz, que agora é Leya, onde se cruza com pessoas – os indefectíveis – que lhe dão a impressão de já terem lido tudo… “O único perigo é que se vai para comprar um livro e se traz cinco…”. Luiz Mór lê muito. E muitos autores, autores diversos. Dos clássicos aos novos prosadores portugueses como Gonçalo M. Tavares e José Luís Peixoto. Dos espanhóis, como o catalão Enrique Vila-Matas, que acaba de dar à estampa “Aire de Dylan”. Dos argentinos, como Borges. E dos russos: “Terminei de ler ‘Guerra a Paz’, sai uma nova tradução brasileira directa do russo. Era um livro que não tinha enfrentado até hoje e consegui terminar”. Gosta de ler, mas no papel, no folhear das páginas. “Mais do que ler livro, eu gosto do livro”. Por isso, não é adepto dos e-books: “Se lesse no iPad não podia comprar o livro. É por isso que não leio livro emprestado – vou avisando ‘não me empreste, porque não devolvo’. Há tanto livro que não li…”. Isso não significa, porém, que Luiz Mór seja resistente à tecnologia. Antes pelo contrário: aponta a secretária e mostra o iPhone, o iPad. “Não vivo sem o meu iPad, ando sempre carregando para cima e para baixo”. Nem outra coisa se poderia esperar de quem, entre muitos pelouros, também assume o da
“Se fosse preciso, diria que sou um brasileiro morando há muito tempo em Portugal. Sou muito velho para não ser brasileiro, mas me sinto em casa em Portugal, mais do que no Brasil”
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“Se lesse no iPad não podia comprar o livro. É por isso que não leio livro emprestado – vou avisando ‘não me empreste, porque não devolvo’. Há tanto livro que não li…” >>>
Comunicação. E a TAP – recorda – é uma empresa aberta às novas tecnologias, tendo mesmo sido pioneira na estratégia de relacionamento com o consumidor com a web 2.0, nomeadamente usando o Facebook como uma ferramenta que vai muito para além do promocional. Reconhece que existe um temor das empresas na utilização
Não tem dúvidas em afirmar-se “alfacinha de gema”
das redes sociais, por medo de se exporem, mas vai dizendo que esse é um temor infundado desde que haja uma atitude de transparência. “É preciso saber gerir e essa preparação fascina-me”. Foi com a crise do encerramento do espaço aérea devido às cinzas vulcânicas do Eyjafjallajökull que a TAP potenciou o Facebook como elo com os seus clientes. “Todo o mundo quis entrar em contacto connosco, não houve telefone que chegasse. E percebemos que as pessoas estavam colocando as suas perguntas no Facebook, então construímos uma equipa só para esse canal de comunicação”. Depois da crise, a bonança, e hoje a empresa possui uma equipa de “campeões internos” recrutados nos diversos departamentos, de modo a que haja sempre alguém disponível para dar uma resposta imediata. Luiz Mór não tem dúvidas de que o Facebook aproximou a empresa dos clientes. Este exemplo sintetiza bem o perfil deste administrador: “Gosto desse movimento de mudança, de perceber o novo, para onde temos de ir, o que está errado e é preciso corrigir. É o que faço o tempo inteiro na TAP”.
carreira
As máquinas e as pessoas Luiz Mór é licenciado em Engenharia. Hoje está muito longe do engenheiro (“Graças a Deus”, deixa escapar). “Na minha época, era assim: se você era bom a Português ia para Direito, se era bom em Biologia ia para Medicina, se era bom a Matemática ia para Engenharia. Eu era muito bom a Matemática…”. Está explicada a escolha, tanto mais que Luiz não tinha clareza quanto ao que queria. E não se arrepende: a faculdade de Engenharia era “muito puxada, exigia bastante”. Formou-se em Engenharia Mecânica na sua cidade natal. Em 1972, estava no segundo ano do curso, ingressou na Varig, na área de manutenção de turbinas, ali tendo continuado ainda um ano após a formatura. Foi contratado então por uma empresa de aviação de pequeno porte, que revendia aparelhos e fazia manutenção. Mas – recorda – fazer manutenção de aviões de terceiros é muito diferente do que fazer manutenção dos seus próprios aviões, envolve um trabalho muito mais comercial, de relacionamento com o cliente. E foi aqui que comprovou que o que o interessa não são as máquinas, são as pessoas. De tal forma que quando se decidiu por um mestrado ainda equacionou Gestão de Recursos Humanos, mas abandonou a hipótese porque não o motivava traçar planos de carreira ou incentivos – o que queria mesmo era relacionar-se com as pessoas. Marketing foi a
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opção. No entretanto, é de novo convidado para Varig, desta vez – estava-se em 1990 – para participar na reabertura da escola de formação de pilotos da companhia. Ali ficou, na qualidade de director, até à constituição do primeiro curso superior de Ciências Aeronáuticas, em parceria com a Universidade Católica do Rio Grande do Sul. Mantém-se na Varig, ainda em Porto Alegre como gerente comercial do estado, depois no Rio de Janeiro, como director de Logística Operacional. É quando conhece Fernando Pinto. E o princípio de uma vida de 12 anos em Portugal. Uma vez por ano, Luiz regressa a Porto Alegre, para visitar a família. É uma das viagens que faz a título pessoal, porque a maior parte das vezes é o trabalho que o faz voar. Todos os anos também, desde há nove, faz uma semana na neve – elege os Alpes como destino para uma actividade completamente anti-stress. São momentos de “relaxamento total”, ele, a paisagem, o silêncio. Momentos de grande esforço físico também, mas já está habituado: afinal, em Lisboa vai ao ginásio todos os dias, excepto ao sábado, reservado às livrarias. Vai no final do expediente: “Tenho um horário de trabalho um pouco em contraciclo, chego cedo, saio cedo, evito almoços fora, se querem marcar uma reunião comigo marcamos, mas almoços não”.
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