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Entrevista
Jorge Fiel Jornalista jf@briefing.pt
António Pires de Lima, presidente executivo da Unicer
“Ou somos muito bons ou produzimos para terceiros”
António Pires de Lima, ceo da Unicer, presidiu ao Steering Comittee que orientou os trabalhos do estudo Marketing Beyond/Os frutos do Marketing no futuro, levado a cabo pela Deloitte. Perceber, do ponto de vista das empresas, as principais opções da sociedade, quais os novos valores, hábitos de consumo e comportamentos do futuro é o objectivo deste trabalho que tem como horizonte temporal a década 10/20. O essencial desta entrevista tem como pano de fundo este estudo, que resulta de um inquérito a administradores e directores de primeira linha, ligados ao Marketing 36
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Fernando Veludo
“Ou as marcas conseguem criar uma relação forte com os consumidores ou as pessoas optam simplesmente por marcas que se baseiam no preço ou marcas de distribuição. Ou se é muito bom, ou se acaba a produzir para terceiros”, afirma António Pires de Lima, que acrescenta: “As marcas podem atingir um valor extraordinário se conseguirem criar uma relação de cumplicidade com o consumidor, o que implica tratá-lo pelo nome, conhecê-lo”
Briefing | Depois de ler o estudo da Deloitte, se eu tivesse um filho na fase de escolha de curso, não descansaria enquanto ele não escolhesse Marketing. O futuro vai resumir-se ao Marketing? António Pires de Lima | Essa é a visão que os directores de Marketing têm. Não acredito que a realidade venha a ser exactamente como antevê o estudo.
rketing sejam promovidos e passem a ter um lugar na administração, que depois do ceo e do cfo passa a existir o cmo (chief marketing officer). Não partilha deste ponto de vista? APL | O Marketing está a deixar de ser uma função para passar a ser o negócio, por isso é cada vez mais uma responsabilidade da administração. O Marketing é demasiado importante para ser delegado no director de Marketing. O CEO tem de assumir essa responsabilidade.
Briefing | O estudo aponta para que os responsáveis pelo Ma-
Briefing | Na análise das tendências sociais do consumo, salien-
e vendas, de empresas de oito sectores de actividade.
te-se que a principal é a green obsession. Isso é inquestionável? APL | Estamos a ser confrontados com um desafio muito grande que é a escassez de recursos, que nos obriga a termos sempre presente a questão da sustentabilidade. Briefing | Esta obsessão pode ser prejudicial para o desempenho das empresas? APL | Pelo contrário. A prova disso é que a sustentabilidade tem sido uma das nossas prioridades e permitiu-nos uma melhoria nos indicadores de gestão. Na produção de um litro de cerveja melhorámos o níO novo agregador do marketing.
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vel do consumo de água, de energia e a emissão de dióxido de carbono. Temos hoje indicadores de gestão substancialmente melhores do que há uns cinco anos, comparáveis com as melhores práticas internacionais. Briefing | Não é mais possível gerir sem preocupações ambientais? APL | Uma empresa não pode ter sucesso se na sua relação com os consumidores não estiver implícito um comportamento social responsável, o que implica estimar e cuidar do ambiente.
Entrevista
“O Marketing está a deixar de ser uma função para passar a ser o negócio, por isso é cada vez mais uma responsabilidade da administração. O Marketing é demasiado importante para ser delegado no director de Marketing”
Briefing | As redes sociais são um fenómeno que cresce exponencialmente. Não fica impressionado com o facto de Portugal ser o terceiro país com maior penetração das redes sociais? APL | Sim. Creio que este é um tema que, claramente, veio para ficar. Há cada vez mais casos interessantes de sucesso comercial, empresarial e político com origem nas redes sociais. Briefing | Qual dos factores vai ser mais decisivo? A obsessão verde ou as redes sociais? APL | Não sei. Os dois temas são muito importantes. Os impactos negativos de uma má gestão ambiental podem ser avassaladores. Veja-se o que se está a passar com a BP, que, apesar de ter uma gestão nova, altamente credível, que estava a fazer um trabalho espectacular, perdeu 40% do valor de mercado no último mês. Os mercados são muito sensíveis aos problemas ambientais, mas o efeito só se sente por razões negativas – quando as empresas metem a “pata na poça” ou demonstram incapacidade para resolver um assunto que é importante para as pessoas. Quando as empresas, como a Unicer, cumprem sistematicamente a sua actividade com boas práticas ambientais, não é claro que haja uma valorização extraordinária desse comportamento. Briefing | Sente que as empresas ainda não se estão a aproveitar, no Marketing de serviços e proO novo agregador do marketing.
dutos, o potencial máximo das redes sociais? APL | Ainda estamos a tactear neste novo território. Não deixa de ser verdade que a utilização da internet está a constituir-se como um elemento fundamental para a marca Super Bock criar uma relação de intimidade com os consumidores. Este é um tema muito importante e caro aos marketeers. As marcas podem atingir um valor extraordinário se conseguirem criar uma relação de cumplicidade com o consumidor, o que implica tratá-los pelo nome, conhecê-lo. A tendência está aí. Em muitos casos, ainda estamos à procura e a fazer experiências com muita paciência e fé, para sabermos qual o melhor caminho para explorarmos o potencial da tecnologia. Briefing | Tratar o consumidor como único vai ser decisivo? APL | Vai. Já não chega comunicar coisas genéricas em grandes meios de Comunicação Social, com mensagens standard para milhões de pessoas. A adesão à marca tem de ser feita com intensidade, commitment e com cumplicidade. As marcas têm de despertar paixão.
“Já não chega comunicar coisas genéricas em grandes meios de Comunicação Social, com mensagens standard para milhões de pessoas. A adesão à marca tem de ser feita com intensidade, commitment e cumplicidade. As marcas têm de despertar paixão”
Briefing | Isso vai implicar inovar na distribuição e o estabelecer canais próprios? APL | Hoje começamos a ver empresas que criam um produto de enorme sucesso, sobrepondo-se aos tradicionais canais de distribuição. É o caso da Nespresso da Nestlé. Não vemos Nespresso nos super e nos hipermercados. Isto é, tem um produto com lojas emblema escolhidas a dedo e, depois, uma relação estabelecida com os consumidores, que privilegia o contacto directo, seja por telefone ou por Internet. Há já exemplos de novos produtos de grande sucesso que estão a utilizar a Internet para estabelecer uma relação directa com os consumidores sem intermediários. Briefing | O que estão a fazer nesse sentido na Unicer? APL | Na Unicer não estamos a ir por aí, mas reconhecemos que é possível estabelecer uma relação,
nomeadamente, com grupos de consumidores – os que gostam de música, os que amam o futebol – que passam por uma relação que pode ser potenciada através da internet. A Super Bock, por exemplo, tem um desafio grande nesta década, que é ganhar o território da paixão pelo futebol, onde está apenas há dois anos - em 82 anos de história, 80 foram passados ao lado do futebol. Nesta plataforma estamos a tentar criar, através da internet, um conjunto de valores e de adesões que permitam chegar aos super adeptos. Cada empresa anda à procura do seu caminho, mas penso que é inquestionável que a internet e as novas tecnologias vão ter um papel absolutamente determinante na criação desta relação de intimidade, de cumplicidade e de paixão entre as marcas e os consumidores. Briefing | O estudo diz que o foco está no produto mas vai passar a estar na rentabilidade do consumidor. Qual é o preço do litro da Super Bock? APL | Depende dos produtos, pode ser 1, 08, 1,50, 2,00 ou 2,50 euros. Briefing | A diferenciação dos preços vai-se acentuar? APL | É um caminho que se vai fazendo e que passa por segmentar, segmentar e segmentar. Acima de tudo, temos é de fugir precisamente à questão que estava a levantar. Quanto é que vale por litro o meu produto? Isso não existe. O que existe é você estar num meio de um concerto com uma temperatura de 40º C a curtir imenso a música com os amigos e apetecer-lhe desesperadamente uma Super Bock. Quanto paga por esse um momento de prazer? Paga dois, três ou quatro euros e não lhe parece caro. Há outras ocasiões em que vemos pessoas que querem comprar uma garrafa de litro para partilharem numa refeição com a família. Estamos a falar de um produto que não é muito diferente, mas que em alguns casos o litro pode ser vendido por 1,5 euros e noutros casos uma unidade de consumo de 20, 25 ou 30 cl pode ser vendida por dois ou três euros. >>> Junho de 2010
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Temos de ter a capacidade de criar modelos de negócio e de valor que vão ao encontro das necessidades das pessoas e daquilo que valorizam. Briefing | Até onde é possível ir na segmentação? APL | As maiores mudanças têm a ver com a profundidade a que se vai chegar na segmentação do mercado. A tendência durante esta década é valorizar mais modelos de segmentação comportamentais e psicológicos. Deste modo, os modelos demográficos, geográficos e de rendimento vão ser menos valorizados.
48 anos. Fez a Primária e o Secundário no Colégio S. João de Brito, onde foi colega e fez amizade com Paulo Portas. Licenciado em Economia na Católica. Esteve na Procter & Gamble, Scottex, Tetra Pak e Compal/Nutrinvest. Casado, tem cinco filhas. É sportinguista e dirigente do CDS/PP. Joga golfe (handicap 15)
Briefing | O critério do rendimento deixa de ser relevante? APL | O critério do rendimento é importante, mas não é o único. Num concerto de rock vemos pessoas com rendimentos completamente diferentes, mas com sentimentos que as aproximam em termos de vivência colectiva. É simples segmentar o mercado em função de dados geográficos, etários, ou de rendimento. É muito mais elaborado, sofisticado - e exige técnicas de compreensão muito mais profundas -, uma marca procurar segmentar mercado e estabelecer laços de afecto com grupos de consumidores em função das suas preferências, comportamentos e estilos de vida. Mas a tendência é essa. Briefing | No estudo, o futuro do Marketing é pintado em tons corde-rosa: os departamentos vão ter mais gente, mais orçamento e mais peso nas decisões das empresas. Acha que vai ser mesmo assim? APL | Os marketers estão demasiado convencidos da sua própria função e, por isso, acham que o director de Marketing vai ser uma figura cada vez mais importante e que os seus departamentos de Marketing vão ser cada vez mais vastos e gastar cada vez mais dinheiro. Penso que não vai ser nada assim. O nível de exigência em mercados maduros – e a Europa não me parece que vá crescer muito - sobre o retorno do investimento já é muito grande, pelo que o desafio para as organizações de hoje é fazer mais e
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“Quanto é que vale por litro o meu produto? Isso não existe. O que existe é você estar num meio de um concerto com uma temperatura de 40º C a curtir imenso a música com os amigos e apetecer-lhe desesperadamente uma Super Bock. Quanto paga por esse momento de prazer? Paga dois, três ou quatro euros e não lhe parece caro”
melhor com menos. Isto está a começar a tocar no Marketing. Já não é aceitável dizer “eu sei que metade do meu investimento no Marketing é desperdício. Só não sei qual é a metade que se desperdiça”. Briefing | O que responderia se o seu director de Marketing lhe dissesse isso? APL | Qualquer director de Marketing que disser isso, com um ar blasé, numa reunião da Unicer, tem o emprego em risco. É muito importante que cada euro investido em Marketing seja medido em termos de retorno. Esta tendência está a chegar ao Marketing. Temos de medir a eficácia do que fazemos, seja por critérios de quota de mercado, satisfação dos clientes ou retorno financeiro. Briefing | Agora fala-se muito de uma nova frugalidade, de mudanças profundas nos hábitos de consumo, de um novo normal, mas isso não é contemplado no trabalho. Não lhe parece que o estudo passa ao lado da palavra crise? APL | Estou de acordo consigo. Há um par de questões que não estão presentes neste estudo, talvez por ter sido feito numa perspectiva muito local. Dá-me a sensação que as pessoas que respondem estão a pensar em Portugal e para nós esta crise não é muito diferente da que estamos a viver nos últimos dez anos.
“As maiores mudanças têm a ver com a profundidade a que se vai chegar na segmentação. A tendência vai ser valorizar mais modelos de segmentação comportamentais e psicológicos, em detrimento dos demográficos, geográficos e de rendimento”
Briefing | O que acha que esta crise vai mudar nos hábitos de consumo? APL | Ou as marcas conseguem criar uma relação forte com os consumidores ou as pessoas optam simplesmente por marcas que se baseiam no preço ou marcas de distribuição. Nesta matéria o mundo vai ser mais bipolar. Ou compro uma marca muito boa, mesmo que custe o dobro porque há uma relação de mais-valia e de cumplicidade que o justifica, ou simplesmente não compro nenhuma marca. Ou se é muito bom, ou se acaba a produzir para terceiros. É um mundo complicado, mas isso é cada vez mais evidente. A crise veio acelerar este processo. O novo agregador do marketing.
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Entrevista
Edição vídeo desta entrevista em www.briefing.pt
STEERING COMITTEE
O projecto Marketing Beyond foi supervisionado por um painel de personalidades do Marketing português, das empresas à academia, dos consultores aos media
Luís Mesquita Dias ex-presidente do conselho de administração da UnileverJerónimo Martins
Joaquim Goes comissão executiva do BES
Jorge Magalhães Correia presidente da Fidelidade Mundial e Império Bonança
Jorge Marrão partner da Deloitte
Pedro Leitão partner da Deloitte
Luís Paixão Martins administrador da LPM Comunicação
Marcos Baptista administrador e cco dos CTT
Pedro Norton de Matos vice-presidente da Impresa
José Carlos Pinto Coelho presidente da Confederação do Turismo Português
José Veríssimo professor de Marketing e Estratégia do Instituto Superior de Economia e Gestão (ISEG)
Carlos Galamba de Oliveira consultor de publicidade da DRAFTFCB
Domingos Soares de Oliveira cfo do Benfica SAD
cerveja caiu 3%. Nos quatro primeiros meses deste ano terá caído entre 4% a 5%, uma queda muito influenciada pelo facto do clima não ter ajudado. Atendendo às dificuldades enormes que outros sectores estão a sentir e às consequências, por vezes, avassaladoras que esta crise está a ter, diria que, apesar de tudo, o mercado das bebidas - e das cervejas em particular - tem mostrado uma certa resistência à crise. Tem estimulado comportamentos mais responsáveis por parte das empresas que nele participam. Aquelas lamentáveis guerras promocionais e de preços que existiam neste mercado e que faziam
manchetes nos jornais atenuaram-se muito. As empresas percebem que têm de ter um comportamento mais responsável, que assegure a sustentabilidade das suas contas de exploração, a sustentabilidade dos postos de trabalho que podem manter, uma maior atenção à gestão daquilo que gera cash nas empresas e da relação com os clientes. Estas crises são muito desagradáveis, mas obrigam as empresas a tornarem-se mais competitivas e mais eficientes. Isso aconteceu na Unicer entre 2006 e 2008 e tem sido uma das razões pelas quais temos passado por esta crise de uma forma bastante sólida.
Briefing | E qual está a ser o impacto nas organizações? APL | Há uma tendência para a centralização não abordada no estudo, talvez devido ao wishful thinking das pessoas consultadas. Anda tudo à procura de todas as eficiências possíveis e isso acelera o movimento de centralização das organizações, por oposição às empresas que funcionavam num registo de grande autonomia e independência relativamente às casas mães. Penso que esta tendência é clara e cada vez mais tenho convivido com exemplos de multinacionais, muito orientadas para a inovação e para o Marketing, que hoje estão a centralizar estas funções nas suas casas O novo agregador do marketing.
mães e a retirá-las dos mercados locais. Deste modo, o papel que é destinado às empresas locais é o de excelente executante daquilo que é definido a nível central. Graças a Deus, trabalho na Unicer, e como se trata de uma empresa maioritariamente portuguesa conseguimos escapar a esta tendência. Briefing | 2010 está a ser muito duro nas bebidas? APL | 2009 e este princípio de 2010 têm sido muito duros do ponto de vista do consumo. Os mercados de bebidas que acompanhamos mais de perto não estão a crescer ou decrescem. No ano passado, o mercado da
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