Campanhas ainda são o que eram

Page 1

www.briefing.pt

Convidado

Estrela Serrano Professora e investigadora

Olha-se para a campanha eleitoral para a Presidência da República de diversas janelas. Passa-se minuciosamente em revista a check list: novos media, personalização, formato, debates televisivos e sondagens. E conclui-se que pouca coisa mudou na maneira como candidatos e jornalistas concebem uma campanha eleitoral e a sua cobertura jornalística

Campanhas ainda são o que eram Os novos media As eleições, sejam elas presidenciais, legislativas ou autárquicas, incluindo os períodos de campanha eleitoral, constituem-se como momentos ritualizados, periódicos e legitimados de escolha de dirigentes para exercício de poder(es) na sociedade. São momentos de grande visibilidade social da política e dos políticos. Dado o seu carácter periódico constituem momentos esperados e agendados por mecanismos do campo político e do campo jornalístico que se traduzem em actividades com algum grau de excepcionalidade, como comícios, caravanas, visitas a feiras, “arruadas” e outros contactos com o povo. Como momentos singulares da política, exigem de todos os seus actores grande investimento na comunicação, o que pressupõe estratégias, dispositivos e instrumentos para comunicar ideias e propostas, de modo a mobilizar os cidadãos. Os media, especialmente a televisão, são o palco onde se desenrolam as principais acções dos candidatos, embora as configurações das campanhas eleitorais não se estendam apenas aos media e incluam também formas de comunicação directa com os cidadãos. As redes sociais vieram introduzir nas campanhas novas formas de comunicação que não são já as da comunicação mediada pelos jornalistas nem as da comunicação directa, “presencial”, permitindo aos candidatos atingir e interagir com eleitores em qualquer local onde estes se encontrem. Trata-se de uma alteração significativa nas formas de comunicação política, 4

Janeiro de 2011

que não se relaciona apenas com a “desintermediação” mas também com a forma e o conteúdo das próprias mensagens. De facto, a comunicação em rede pressupõe um estilo de comunicação caracterizada pela brevidade, concisão e informalidade, em tudo adequada à lógica do soundbite que era antes quase só apanágio de jornalistas, comunicadores e políticos profissionais. Os jornalistas sentem alguma dificuldade em lidar com as novas formas de comunicação, vendo nelas uma ameaça ao seu papel de intermediários entre as fontes e os cidadãos. Por seu turno, os candidatos encontram nas redes sociais uma maneira de evitarem a edição dos seus discursos e iniciativas, sempre sujeitos a critérios jornalísticos que os candidatos não controlam. Contudo, o uso das redes sociais não representa ainda em Portugal uma “ameaça” aos media tradicionais, na medida em que, por um lado, a organização das campanhas e as mensagens dos candidatos continuam a ser adaptadas às rotinas, formatos e lógicas dos media tradicionais e, por outro, estes funcionam como “legitimadores” das mensagens divulgadas nas redes sociais. Acresce que a generalidade dos candidatos não explora as potencialidades da comunicação em rede, raramente interagindo com os internautas.

A persistência de modelos tradicionais na postura dos candidatos e na cobertura jornalística A actual campanha para a eleição

“A organização das campanhas e as mensagens dos candidatos continuam a ser adaptadas às rotinas, formatos e lógicas dos media tradicionais e, por outro lado, estes funcionam como ‘legitimadores’ das mensagens divulgadas nas redes sociais”

“Em Portugal, o conhecimento de aspectos de carácter e de personalidade de um candidato não são geralmente objecto de tratamento jornalístico, sobretudo relativamente ao incumbente, mercê de uma postura “reverencial” dos jornalistas face ao órgão Presidente da República de que dificilmente se conseguem abstrair”

do Presidente da República mostra que se mantêm alguns dos padrões tradicionais de cobertura jornalística, por exemplo, o predomínio de notícias baseadas nas estratégias e tácticas de cada candidato em detrimento da substância das funções e poderes do Presidente. Daí que temas como o modelo semipresidencialista e os poderes do Presidente raramente sejam aflorados pelos candidatos e pelos jornalistas, ou o sejam num registo superficial. Trata-se, em geral, de uma cobertura que valoriza sobretudo o negativo e o sensacional. Exemplo disso é a exploração por parte de cada candidato do “caso BPN”, erigido a tema central da campanha. Sendo de inegável importância, dada a sua repercussão negativa na situação financeira do país, são contudo os aspectos da luta político-partidária a serem privilegiados, ao invés do papel do Presidente nesse caso, antes e depois da sua eleição como Presidente da República: o que podia fazer e não fez e o que fariam (farão) os outros candidatos se vierem a ser eleitos. Também a ausência na cobertura jornalística de questões relacionadas com a interpretação que os candidatos fazem das funções do Presidente, em temas como a representação externa do país, o “comando supremo” das Forças Armadas, as relações com o Governo e as forças partidárias, a relação com a sociedade civil, a sua visão sobre a cultura e a cidadania, etc., não favorecem a compreensão do papel do Presidente e, consequentemente, o voto consciente e esclarecido. O agregador do marketing.


Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.