Ramon de Melo
Entrevista
A Internet veio mudar o paradigma do marketing farmacêutico, nomeadamente no que respeita à comunicação com os profissionais de saúde. A mesma Internet veio alterar a relação dos cidadãos com a informação sobre medicamentos e doenças, abrindo a porta a que absorvam informação sem qualidade e até errada. Daí que Filipe Novais, diretor de marketing e vendas da Astellas Portugal e presidente da Markinfar – Associação Portuguesa do Marketing Farmacêutico, defenda que a comunicação direta da indústria com o público devia ser possível, ainda que regulamentada.
Filipe Novais, presidente da Markinfar
Comunicação com público devia ser possível Briefing | Esta entrevista acontece no dia em que a Astellas comemora o lançamento no mercado de um novo medicamento. A partir daqui, de que estratégias dispõe o laboratório para o promover? Filipe Novais | A grande diferença entre o marketing farmacêutico e o marketing de grande consumo é que o marketing farmacêutico comunica com um público-alvo que é altamente diferenciado. Es6
Abril de 2013
tamos a falar sobretudo da classe médica, mas também dos profissionais de saúde em geral. São pessoas altamente formadas e altamente informadas. Daí que a nossa comunicação procure ser sempre muito objetiva, aliás tem de ser obrigatoriamente baseada em evidência. Ao contrário do mercado de grande consumo, os claims têm de ser suportados por evidência científica, a partir de ensaios clínicos.
Briefing | Os delegados de informação médica (DIM) ainda são o veículo privilegiado dessa comunicação? FN | Constituíram um modo de levar a informação aos profissionais de saúde muito utilizado até ao início desta década, mas hoje em dia menos porque o acesso à informação através dos meios digitais está muito alargado, mais ainda nesta classe profissional. Daí que grande parte da informa-
ção que é disponibilizada se faça através de meios digitais próprios, com acesso exclusivo para profissionais de saúde. Briefing | Isso significa que os DIM são uma profissão em vias de extinção? FN | O desemprego entre os profissionais da indústria farmacêutica cresceu enormemente nos últimos dois, três anos e os delegados de informação médica foram a área www.briefing.pt
mais afetada. Estima-se que tenham saído cerca de 4000 trabalhadores e que atualmente os DIM sejam metade do que eram há três anos. Além disso, o marketing farmacêutico, tal como o restante marketing, está em evolução e tem de se adaptar aos novos meios. E, de facto, hoje a comunicação é feita sobretudo através de meios digitais e os profissionais preferem este acesso livre e independente, em vez de contactos durante o dia de trabalho. Briefing | O marketing farmacêutico, tal como o restante marketing, visa resultados. Como é que se promovem esses resultados, que, em relação a medicamentos, passa por influenciar a prescrição e a dispensa? FN | É muito importante distinguir o marketing farmacêutico e a comunicação das vendas. Aqui falamos de transações comerciais entre os laboratórios e os grossistas ou entre os laboratórios e os hospitais. O objetivo do marketing farmacêutico é levar a informação aos profissionais de saúde sobre os últimos desenvolvimentos que tenha havido com o medicamento, por exemplo novos ensaios clínicos, novos efeitos adversos para os quais seja importante alertar. A função é só essa – exclusivamente informar, salientando as vantagens do medicamento. Obviamente que o prescritor, conhecendo os diversos medicamentos que possui para tratar determinada patologia, vai escolher o mais adequado para tratar essa patologia num determinado doente. Briefing | Mas os laboratórios não visam o lucro como empresas que são? FN | Os laboratórios da indústria farmacêutica, como empresas que são, obviamente que procuram o lucro. Contudo, na indústria farmacêutica, apenas se consegue isso optando por dois caminhos – um é o da indústria de inovação e outro o da de genéricos. Ambas têm lugar no mercado e coexistem em todos os mercados. A opção da indústria de genéricos é ter economias de escala através da produção de moléculas antigas, não há nenhum investimento em inovação e na www.briefing.pt
“O desemprego entre os profissionais da indústria farmacêutica cresceu enormemente nos últimos dois, três anos e os delegados de informação médica foram a área mais afetada”
procura de novos tratamentos. A indústria de inovação, ao contrário, apenas consegue sobreviver se desenvolver novos medicamentos que sejam melhores do que os que existem. A distinção que eu queria fazer é que, na indústria farmacêutica e por oposição a outros sectores, a comunicação é extremamente regulamentada e nem pode ser de outra maneira. Daí que a comunicação que é feita com os profissionais de saúde seja apenas essa – salientar as diferenças e benefícios obtidos nos ensaios clínicos realizados e que levaram à aprovação do medicamento pelas autoridades. Briefing | Diz que a regulamentação é bem vinda. Mas não é excessiva e não dificulta a vida aos laboratórios? FN | Estamos a falar de medicamentos, de substâncias químicas que, tomadas de maneira errada, podem ter efeitos adversos. Aliás, qualquer medicamento, mesmo bem administrado, pode ter efeitos adversos, pelo que a informação que vai para o doente tem de ser muito específica sobre tudo o que é esperado, dos efeitos mais frequentes aos mais raros. Daí que a regulamentação determine que não se pode comunicar nada para além do que foram os resultados clínicos e a sua aplicação seja, aliás, muito controlada pelas autoridades.
Briefing | Os medicamentos sujeitos a receita médica não podem ser alvo de comunicação comercial dirigida ao público. Concorda? FN | Concordo. É com essas premissas que tenho de trabalhar necessariamente. Contudo, acho que o paradigma deve mudar. Ou seja, voltamos à questão que, de facto, mudou a vida de todos e que é a comunicação digital: hoje em dia, qualquer pessoa, com maior ou menor formação, tem acesso à Internet. É cada vez mais comum que um cidadão, tendo uma patologia que já lhe foi diagnosticada ou tendo um sintoma e não sabendo de que patologia é, procure informação na Internet e há uma probabilidade muito grande de ir parar a blogues em que a informação é completamente desprovida de rigor científico. A realidade é que as pessoas já têm acesso direto a informação sobre patologias, sintomatologia e medicamentos, o que não acontecia há dez anos ou até menos. E o facto de não ser permitida uma comunicação direta da indústria com o público priva o doente de informação rigorosa. Se fosse legislada, pelo menos tal como existe nos Estados Unidos e na Nova Zelândia, a sociedade em geral tinha a garantia de acesso a informação correta e ficava efetivamente informada. Teria de ser obviamente regulamentada e de ser diferente da que é dirigida aos profissionais de saúde. Sem essa comunicação, o que acontece que é deixamos as pessoas a absorver informação que está, na maior parte das vezes, errada. Na melhor das hipóteses, procuram informação em sites com qualidade, por exemplo de sociedades médicas ou de associações de doentes e até da indústria. Ou então em sites alojados nos Estados Unidos, quando deviam ter informação em português sobre medicamentos que são utilizados em Portugal.
“A função (do marketing farmacêutico) é só essa – exclusivamente informar, salientando as vantagens do medicamento”
Briefing | Para os medicamentos não sujeitos a receita médica é permitida a publicidade. Neste caso, é como promover outro produto qualquer… FN | Ao contrário dos medicamentos sujeitos a receita médica, que só podem ser comunicados
>>> Abril de 2013
7
Entrevista
>>>
a profissionais de saúde e publicitados em meios de comunicação exclusivos para profissionais de saúde, os não sujeitos a receita médica podem ser comunicados nos mass media. Aqui o objetivo é alertar para sintomas ou patologias e informar de que existe um determinado medicamento: num spot de segundos é impossível o total esclarecimento do doente. De qualquer forma, a comunicação é regulamentada, porque, apesar de serem sem receita médica, estes medicamentos também têm de passar por todas as aprovações das autoridades.
A reputação do marketing farmacêutico “ainda tem uma margem larga para progredir”: “Por ser uma área tão sensível carece de uma preocupação com a reputação da nossa comunicação”.
“Na indústria farmacêutica e por oposição a outros sectores, a comunicação é extremamente regulamentada e nem pode ser de outra maneira”
Briefing | Mas o objetivo não é vender? Afinal, é publicidade… FN | O objetivo é informar. É natural que as pessoas, identificando-se com os sintomas ou com a patologia, vão à farmácia e comprem o medicamento. Briefing | Voltando à relação entre a indústria e os profissionais de saúde. A regulamentação é cada vez maior, quer ao nível dos eventos, quer das ofertas, por exemplo. Havia um cenário que precisava de ser alterado? FN | As relações entre a indústria e os profissionais de saúde têm vindo a ser regulamentadas ao longo de vários anos, não é uma questão propriamente recente. É um processo evolutivo e digamos que normal e necessário. Penso que tem um benefício geral para todos os intervenientes no sector. Em geral, é positiva.
MARKINFAR
Elevar a reputação Filipe Novais é o atual presidente da Markinfar - Associação Portuguesa do Marketing Farmacêutico. Uma associação que existe há cerca de 20 anos e que pretende agregar os profissionais do sector, bem como comunicar e melhorar a reputação da atividade. Diz Filipe Novais que a reputação do marketing farmacêutico “ainda tem uma margem larga para progredir” e que este é um dos aspetos que os órgãos sociais
8
Abril de 2013
gostariam de mudar no mandato em curso: “Por ser uma área tão sensível carece de uma preocupação com a reputação da nossa comunicação”. É – acrescenta “necessário explicar à sociedade o propósito da profissão e da atividade”. Licenciado em Marketing pelo IADE e com um mestrado em Gestão pela Universidade Lusíada, há 16 anos que Filipe Novais trabalha na indústria farmacêuti-
ca. Tudo começou com a resposta a um anúncio: foi selecionado e iniciou-se como delegado de informação médica, tarefa que desempenhou por quatro anos até ser promovido a gestor de produto. Daí passou a marketing manager, depois a diretor de marketing e atualmente é diretor de marketing e vendas. Sempre na Astellas, laboratório resultante da fusão, em 2005, das empresas japonesas Yamanouchi e Fujisawa.
Briefing | Mas não deixa a indústria sem algumas das suas ferramentas de marketing? FN | De modo algum. O objetivo do marketing farmacêutico é informar os profissionais de saúde sobre os medicamentos que a indústria desenvolveu. A regulamentação, deve ser cumprida por todos, não pode ser vista como um obstáculo. Briefing | Que novos desafios se colocam à atividade? FN | O desafio das novas tecnologias ainda está largamente por ser ultrapassado. É muito atual. Ainda estamos numa fase de adaptação porque, durante muitos e muitos anos, o veículo normal de comunicação com os profissionais de saúde eram os delegados de informação médica e hoje é cada vez menos. O desafio é o de adaptar o marketing farmacêutico à comunicação do século XXI, isto é, como comunicar de forma correta através dos meios digitais. Briefing | Em que medida é que o marketing é determinante na estratégia da indústria farmacêutica? FN | O que é determinante é uma realidade tão óbvia que, às vezes, parece difícil de aceitar: o determinante é a capacidade ou não de investigar e desenvolver medicamentos inovadores que tragam mais-valia para o doente – maior eficácia, maior adesão à terapêutica ou menores efeitos adversos. As companhias só conseguem sobreviver trazendo inovação. Como os medicamentos perdem a patente grosso modo ao fim de dez anos de estarem comercializados, ou o laboratório se transforma numa companhia de genéricos ou continua a apostar na alocação dos seus recursos à investigação e ao desenvolvimento. Não são só dez anos para rentabilizar a investigação do medicamento, mas todo o investimento que falhou em inúmeras outras potenciais moléculas que não chegaram ao mercado e que são a maioria. É um período limitado de tempo para obter o retorno da investigação e em que o marketing é fundamental para levar a informação aos profissionais de saúde. www.briefing.pt