Ramon de Melo
Entrevista
“Em termos metodológicos deparamo-nos hoje com um consumidor completamente diferente, mais complexo, com padrões de decisão que deixaram de ser lineares, previsíveis”. Quem o diz é Marina Petrucci, managing partner da empresa de estudos de mercado Ipsos Apeme e que identifica cinco novas tendências nos consumidores em Portugal: tempos de exceção, vontade de desconstrução, exprimentalismo, “como se compra” e crescimento de compras em grupo
Marina Petrucci, managing partner da Ipsos Apeme
Consumidor está diferente Briefing | Quais as novas tendências para 2013 ao nível dos consumidores em Portugal? Marina Petrucci | Destacaria cinco tendências novas em si mesmas ou que se tornam novas por ganharem outra intensidade no conjunto dos comportamentos do consumidor português: Antes de mais, a consciencializa6
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ção progressiva de se viver um tempo de exceção, que não é parecido com nada que se conheça e que, portanto, leva a formas de olhar o consumo excecionais. Quer dizer como as coisas que acontecem não são normais, as decisões que tomo nas compras também não podem ser normais e espero que as marcas, as lojas
também percebam isto mesmo, surpreendendo-me com iniciativas e políticas de preço fora do comum. O caso da ação do Pingo Doce no 1º de maio é exatamente um exemplo de uma ação que se entende como excecional mas completamente coerente com o que se espera das marcas, aliás, vários estudos confir-
mam que o consumidor sente que as insígnias de distribuição estão entre os maiores adjuvantes em tempos de crise. Por outro lado, a vontade de desconstrução, quero dizer, de pôr em causa as verdades que até agora têm sido aceites, pondo as pessoas a interrogar-se sobre os seus comportamentos até há pouco www.briefing.pt
tempo automáticos… há uma tendência não só de pensar duas vezes sobre o que se compra, mas também de pensar se não há outra maneira de ter o mesmo benefício, se não há outros produtos ou serviços que podem substituir o habitual. Esta vontade de pôr em causa, que não se limita ao consumo mas se estende para outras dimensões da vida do cidadão, significa que as marcas vão ter de se voltar a apresentar aos consumidores, renovar as suas propostas de valor, porque o consumidor está com vontade de baralhar e voltar a dar, de encontrar outras soluções, de estar disponível para outros desafios. Extremamente ligado com a desconstrução está, precisamente, o experimentalismo. Como há pouco a perder, o consumidor aceita arriscar novas soluções que lhe sejam apresentadas com a seriedade, a sobriedade, a gravidade do momento. Quer dizer não estamos no tempo da inovação esfusiante, mas no tempo da inovação séria, eficaz, útil para o consumidor. Tão importante como o que se compra vai ser o “como se compra”, ou seja os processos de seleção do cabaz terão que ser mais rápidos, mais claros, mais postos a jeito para serem escolhidos. E, depois, haverá uma tendência para ser mais exigente com a logística, com os processos de entrega em casa, por exemplo, que deveriam ser incentivados, já que não nos podemos esquecer que consumidor vai perder mobilidade automóvel e em simultâneo está a envelhecer. Por exemplo na conferência do Expresso referiu-se que nos EUA as tradicionais caixas de correio, que praticamente deixaram de ser utilizadas porque não há cartas, estão a ser substituídas por caixas para entregas de produtos em casa. Por último, ainda nesta linha da relevância do processo de compra, também será uma tendência para 2013 o crescimento das compras em grupo, numa lógica informal como as famílias alargadas ou os colegas de trabalho, não esquecer que a interdependência entre os diferentes elementos e gerações da família se intensificou nes-
“Estamos a passar de uma lógica de compra automática para uma lógica de compra refletiva, significativa. E o consumidor assume esta mudança sem complexos, é como se estivesse a dizer aos outros que é um cidadão socialmente mais apto”
“Talvez mais importante seja a confirmação de comportamentos mais frugais, como reaproveitar objetos, evitar duplicação, comprar e vender em 2ª mão – algumas marcas já estão a trabalhar nesta direção mas haverá ainda muito a fazer, por exemplo no domínio das embalagens, do tipo de produtos a oferecer e até dos serviços a disponibilizar”
te momento de crise. É comum ouvir-se em focus groups as pessoas dizerem que quem compra a carne lá para casa é a sogra ou que os legumes vêm da terra dos pais. Mas também o crescimento deste tipo de compras de uma forma formal, de que os websites de compras em grupo são o melhor exemplo. Em ambos os casos estão em jogo coisas tão simples como aproveitar as promoções em tempo real – ver e avisar os outros – ou otimização de recursos de deslocação ou de oportunidades de quantidade. Briefing | Como é que a crise está a afetar o consumo? MP | De uma maneira geral, estamos a passar de uma lógica de compra automática para uma lógica de compra refletiva, significativa. E o consumidor assume esta mudança sem complexos, é como se estivesse a dizer aos outros que é um cidadão socialmente mais apto. O estado de exceção levou-o a ser mais inteligente enquanto consumidor. Perante si próprio e perante os outros: é bom fazer uma compra tendo em conta diversas variáveis e afirmar-se como “oportunista” não é necessariamente mau. Em relação às categorias que estão a ser mais afetadas existem diversos estudos credíveis sobre o assunto. Nos nossos estudos destacam-se as viagens, as roupas, os livros, os restaurantes, enfim, categorias mais ou menos previsíveis. Interessante será reparar, no sentido contrário, a pouca vontade de resistir às plataformas tecnológicas, que são muitas vezes justificadas pela necessidade de estar interligado e por uma compensação pelos consumos forçosamente inibidos fora de casa. Mas talvez mais importante seja a confirmação de comportamentos mais frugais, como reaproveitar objetos, evitar duplicação, comprar e vender em 2ª mão – algumas marcas já estão a trabalhar nesta direção mas haverá ainda muito a fazer, por exemplo no domínio das embalagens, do tipo de produtos a oferecer e até dos serviços a disponibilizar. Esta é uma tendência que pode e deve
“O caso da ação do Pingo Doce no 1º de maio é exatamente um exemplo de uma ação que se entende como excecional mas completamente coerente com o que se espera das marcas”
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Entrevista
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MP | Tal como lhe disse, do meu ponto de observação, enquanto gestora de uma empresa de estudos e também como membro da direção da APODEMO, sinto que existe uma quebra, compreensível mas que naturalmente nos provoca alguma apreensão. Essa quebra tem levado a reajustamentos no setor e a processos internos de adaptação mas esse é um fenómeno transversal, típico de empresas de serviços e da fileira do marketing. Tal como em outros setores, é possível que só resistam as empresas mais fortes e os profissionais com maior capacidade de adaptação. Pela nossa parte, na Ipsos Apeme temos sentido essa quebra mas felizmente temos conseguido contrariar essa tendência com projetos colaterais, com a integração da equipa em projetos internacionais e com a colaboração noutros mercados.
ser aproveitada não só pelos negócios mais óbvios, como os sites de compra e venda de artigos usados. É possível que a própria distribuição generalista tenha de se formatar neste sentido.
“Vejo e sinto, naturalmente, uma necessidade de retrair investimentos, e embora como empresária do setor isso me preocupe, não posso deixar de compreender o contexto atual”
Briefing | Como é que as marcas têm usado os estudos de mercado para travar a queda de consumo? MP | O que sentimos na Ipsos Apeme com os nossos clientes, que são os maiores players nacionais e internacionais, e que portanto acredito refletem o comportamento dos principais compradores de estudos de mercado, é a manutenção do interesse pelo conhecimento do consumidor e a consciência de que o momento atual exige uma investigação reforçada e continuada. Vejo e sinto, naturalmente, uma necessidade de retrair investimentos, e embora como empresária do setor isso me preocupe, não posso deixar de compreender o contexto atual. Ou seja, não há quebra no interesse, agora fazem o que podem com o que têm e isso significa fazer menos externamente, como consequência da redução do budget alocado aos estudos. Isto aliás é visível em quase todas as áreas do marketing. Significa também reler relatórios anteriores e acima de tudo, potenciar outro tipo de informação que existe in house, o que, sejamos honestos, não é necessariamente mau numa perspetiva do negócio deles. Outra questão importante é o acesso direto que os nossos clientes têm aos consumidores. No século XX as empresas de estudos de mercado eram os interlocutores exclusivos e privilegiados da informação do consumidor, no século XXI passámos a competir com outras fontes de informação, os CRM, os blogues, enfim… É claro que em situação de crise as empresas tentam potenciar, mais ou menos bem, as fontes de informação disponíveis, estabelecendo contato direto com o consumidor e isso também é compreensível. Briefing | As marcas têm reduzido os seus investimentos em publicidade. Acontece o mesmo com os estudos de mercado?
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“Em termos internacionais, muitos dos estudos de hábitos e comportamentos de utilização são já substituídos por Apps que membros dos painéis aceitam inserir nos seus telemóveis e que dão resultados muito diferentes dos declarados. Este tipo de ferramentas pode depois ser complementado com metodologias qualitativas que aprofundam dimensões relevantes”
Briefing | A crise provocou alguma alteração dos métodos de trabalho da Ipsos Apeme? MP | Em termos metodológicos deparamo-nos hoje com um consumidor completamente diferente, mais complexo, com padrões de decisão que deixaram de ser lineares, previsíveis. Para nós, que temos uma génese qualitativa, esta mudança é um desafio interessante mas obriga a afinar os métodos de auscultação e interpretação, reforçando a ideia de que não devemos confiar em tudo o que os consumidores nos dizem. Não se trata necessariamente de achar que os consumidores nos mentem deliberadamente mas sim aceitar que muitas vezes não sabem verbalizar, se esqueçam, estão condicionados pelo ambiente de resposta. É certo que este fenómeno não é novo mas a verdade é que hoje sabemos menos deste novo consumidor, porque estamos perante uma mudança de paradigma, um tempo de perplexidade. Voltam a fazer sentido técnicas de etnografia, o recurso à observação e até ferramentas sofisticadas de medição passiva. Para lhe dar um exemplo, em termos de telecomunicações, encontramos muitas vezes divergências entre o que os consumidores dizem que fazem e o que as suas faturas >>> www.briefing.pt
Entrevista
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“Existe alguma tendência para sentir as universidades como concorrentes das empresas de estudos de mercado, nós na Ipsos Apeme sentimos as universidades como parceiras de conhecimento”
revelam, isto porque as pessoas se esquecem, não sabem rotular as suas ações. Em termos internacionais, muitos dos estudos de hábitos e comportamentos de utilização são já substituídos por Apps que membros dos painéis aceitam inserir nos seus telemóveis e que dão resultados muito diferentes dos declarados. Este tipo de ferramentas pode depois ser complementado com metodologias qualitativas que aprofundam dimensões relevantes. No que diz respeito a processos propriamente ditos, já há alguns anos que adotámos as técnicas de recolha online, quer qualitativas quer quantitativas, reforçando o nosso painel de consumidores com os painéis internacionais da Ipsos. Por último, o que mudou na nossa cultura interna? Estamos em Portugal alinhados com os princípios orientadores da Ipsos, ou seja, neste momento temos de conseguir fazer cheaper, faster e better.
“O que mudou na nossa cultura interna? Estamos em Portugal alinhados com os princípios orientadores da Ipsos, ou seja, neste momento temos de conseguir fazer cheaper, faster e better”
INTERNACIONALIZAÇÃO
Projetos em Angola e no Brasil Briefing | Em termos de internacionalização, quais as ambições da Ipsos Apeme Portugal? MP | A Ipsos é um grande player mundial, tornou-se o ano passado, com a aquisição da Synovate, na terceira maior empresa do setor e por isso as nossas ambições internacionais são as ambições do grupo de que fazemos parte. No entanto, é nosso objetivo reforçar e valorizar inter-
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namente, dentro do grupo, a nossa estrutura, integrando a equipa em projetos internacionais, exportando metodologias que se revelaram com sucesso em Portugal e até ajudar a estudar fenómenos que já se verificaram em Portugal. Neste âmbito claro que a nossa participação em mercados com os quais temos afinidades históricas e culturais tem sido privilegiada. Há cerca de quatro anos que coordenamos com alguma frequência projetos
em Angola e no Brasil, não só para clientes nacionais que estão presentes nesses mercados como para clientes locais. Briefing | Que tipo de colaborações é que existem entre a Ipsos Apeme e as universidades portuguesas? MP | A minha resposta não é necessariamente a resposta típica da indústria. Existe alguma tendência para sentir as universidades como
concorrentes das empresas de estudos de mercado, nós na Ipsos Apeme sentimos as universidades como parceiras de conhecimento. Muitas vezes somos convidados a colaborar em projetos fundamentais, nomeadamente com a Universidade Católica através do CEPCEP, onde já colaborámos em grandes estudos na área da saúde, da qualificação de adultos, do urbanismo.
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