Ramon de Melo
Entrevista
O sector da distribuição é muito aberto a novas ideias sendo, por exemplo, um campeão do ecommerce. Por isso, a crise pode ser uma oportunidade para “servir sempre mais consumidores muito bem em qualquer que seja o contexto”, disse à Store Lucy Neville-Rolfe, presidente do Eurocommerce, e que esteve em Portugal para participar numa iniciativa da Associação Portuguesas das Empresas de Distribuição (APED).
Lucy Neville-Rolfe, presidente do Eurocommerce
Crise pode ser oportunidade Store | Como é que o comércio moderno pode contribuir para a recuperação económica na Europa? Lucy Neville-Rolfe | Pela minha experiência, tanto na Europa como na Ásia, o sector da distribuição pode contribuir de forma muito importante para o crescimento e a recuperação 18 Janeiro/Fevereiro/Março de 2013
da economia. É uma indústria muito inovadora, que está perto do consumidor. Por isso pratica bons preços e envolve-se noutras ações como, por exemplo, em campanhas contra o desperdício de comida. Acho que é interessante ver que cada vez mais consumidores estão a ir às compras mais perto de casa
“Na distribuição, o grande desafio é servir sempre mais consumidores muito bem em qualquer que seja o contexto”
porque querem poupar o dinheiro gasto em combustível. Considero que o investimento que fazemos em novas lojas, centros comerciais e na supply chain pode ser muito importante. Por isso é que a indústria alimentar se tem mantido relativamente bem durante a recessão. As pessoas têm de comer e tem-se STORE MAGAZINE
visto uma inovação contínua na produção de alimentos. O sector do comércio representa 11 por cento do Produto Interno Bruto (PIB) na União Europeia e tem 6 milhões de companhias com 33 milhões de empregados. Isto são números muito importantes. Store | Quais são os grandes desafios para a distribuição em Europa num cenário de crise económica? LN-R | Na distribuição, o grande desafio é servir sempre mais consumidores muito bem qualquer que seja o contexto. O que a distribuição tem de conseguir fazer é perceber o que querem os consumidores, como é que nos podemos adaptar e investir. Somos muito abertos a novas ideias: a distribuição tem sido um grande campeão no ecommerce, por exemplo, tanto em roupa como em comida. Isso está a ajudar à criação de uma nova dinâmica numa nova sociedade em que toda a gente tem tablets e smartphones e que está a mudar a maneira como a distribuição trabalha. Por isso acho que isso é uma oportunidade. Se pergunta quais os principais desafios para o Eurocommerce, que é a associação que representa a totalidade do sector na Europa, os que constam da agenda são o trabalho com a cadeia de fornecedores e as taxas cobrados nos cartões de crédito. Store | E outros modelos de comércio, lojas locais em vez de grandes centros comerciais, acha que isso também é uma tendência? LN-R | É necessário existir, em vários Estados-membro, uma rede de hipermercados, lojas maiores. A impressão que tenho, resultado da minha experiência na Tesco, é que ocorreu agora uma mudança. A rede de hipermercados teve um crescimento muito rápido e agora estamos perante um crescimento mais rápido de lojas mais pequenas, embora continue a existir inovação nos hipermercados. Uma das preocupações é também
“A impressão que tenho, resultado da minha experiência na Tesco, é que ocorreu agora uma mudança. A rede de hipermercados teve um crescimento muito rápido e agora estamos perante um crescimento mais rápido de lojas mais pequenas, embora continue a existir inovação nos hipermercados”
“Considero que o investimento que fazemos em novas lojas, centros comerciais e na supply chain pode ser muito importante. Por isso é que a indústria alimentar tem-se mantido relativamente bem durante a recessão”
PRIORIDADE
Reduzir o desperdício Store | Quais são os compromissos do Eurocommerce em assuntos como a luta contra o desperdício e uma economia verde? LN-R | O nosso principal papel foi partilhar uma boa prática por toda a Europa. Aqui tem um exemplo: em outubro apresentámos uma conferência em Bruxelas, falamos com a Comissão e com grandes e pequenos grupos de distribuição
de toda a Europa, e todos eles vieram e mostraram o que tinham feito para reduzir o desperdício. Se agora for a um supermercado verá que se usam lâmpadas de baixo custo energético e que se desligam se ninguém está numa determinada área. Poderá ver também a reciclagem até à cadeia de fornecedores e verá uma gestão dos desperdícios.
>>>
STORE MAGAZINE
Janeiro/Fevereiro/Março de 2013
19
Entrevista
>>>
tornar a loja mais atraente para o consumidor como, por exemplo, a comida fresca. Eu considero sempre que os desafios têm de ser transformados em oportunidades, para estar em sintonia com estes tempos difíceis. Nenhum de nós sabia que a recessão ia durar tantos anos e que a crise do euro ia ser tão difícil. As pessoas terão sempre que comer e que usar roupas por isso vão sempre existir oportunidades e o truque é ter a certeza que o sector consegue agarrá-las.
“As pessoas terão sempre que comer e que usar roupas por isso vão sempre existir oportunidades e o truque é ter a certeza que o sector consegue agarrá-las”
Store | O Eurocommerce apoia grupos de distribuição europeus que vão para mercados emergentes como a Índia e o Brasil? LN-R | Oferecemos algum apoio através do trabalho que fazemos com algumas organizações e também ao nível da Organização Mundial do Comércio. Considero que temos um papel importante até porque o comércio tem de ser feito nos dois sentidos, sendo que há certas coisas que têm de ser importadas da Ásia e acho que o reconhecimento deste equilíbrio no comércio é importante. Se você for à China verá que as máquinas são alemãs, algumas japonesas, estes países têm investimentos muito fortes no país e essa relação é importante. Se a Europa vai continuar a ser uma
“Se agora for a um supermercado verá que se usam lâmpadas de baixo custo energético e que se desligam se ninguém está numa determinada área. Poderá ver também a reciclagem até à cadeia de fornecedores e verá uma gestão dos desperdícios”
referência na economia e na indústria, há que manter esses mercados abertos. Store | Alguns dos maiores grupos de distribuição já estão a investir nestes países… LN-R | De facto estão. O Carrefour está a investir no Brasil e na China, país em que também estão a Tesco e a Auchan. Vê-se as marcas Tesco e Casino na Tailândia. Na Índia também, mas aí o mercado está sujeito a condições difíceis. Penso que a Europa é uma zona onde a distribuição é muito proactiva. Se pensar em vários distribuidores europeus - Carrefour, Metro, Tesco - o único que será maior que esses é o Walmart. Cinco grupos do Top10 do sector da distribuição são europeus. É uma área em que temos sucesso e devemos apoiar-nos nisso. Store | O problema das taxas cobradas nos cartões de crédito está na ordem do dia? LN- R | Estamos muito empenhados nessa questão, que também afeta Portugal, onde as comissões cobradas aos comerciantes são das mais altas ao nível da União Europeia. Em Portugal e na Polónia, por exemplo, chega-se a pagar uma taxa que por vezes é 2,5% do preço e parece-me que isso é um problema que, no caso português, a APED percebe e que a preocupa.
CONFERÊNCIA
Líderes do retalho reuniram-se em Lisboa A presidente do Eurcommerce esteve em Lisboa para participar numa iniciativa organizada pela instituição e pela Associação Portuguesa de Empresas de Distribuição (APED) e que trouxe a Portugal, pela primeira vez, os principais líderes do setor. Intitulado “O papel do comércio moderno na retoma económica”, o evento contou com a participação do ministro da Economia, Álvaro Santos Pereira. Na sua intervenção, Luís Reis, presidente da APED, considerou que o sistema de pagamentos com cartões deve ser mais eficiente, mais justo e menos oneroso. Para o mesmo responsável o sistema atualmente existente
20 Janeiro/Fevereiro/Março de 2013
de pagamentos através de cartões bancários contém um conjunto de custos “injustos, desrazoáveis, excessivos e insustentáveis, que é preciso desmembrar”. Em Portugal, por exemplo, entre 2007 e 2010, e só para falar dos associados da APED, “foram suportados custos com comissões cobradas aos comerciantes da ordem dos 320 milhões de euros”, afirmou. O nosso país é atualmente um dos que pratica os valores mais elevados nas comissões cobradas aos comerciantes. O presidente da APED considera que as denominadas comissões interbancárias multilaterais (multilateral interchange fees) que “os
bancos emissores cobram aos acquirers – e que estes depois repercutem sobre os retalhistas – são exageradas e carecem de fundamento”. No seu discurso, Luís Reis falou ainda do estado atual das relações ao longo da cadeia de valor e a posição do comércio, e em especial do retalho moderno, nessa cadeia. Concluiu que os “grandes poderosos não são os retalhistas; são as grandes multinacionais produtoras, que, para citar apenas o caso português, se relacionam com cadeias de retalho que são várias vezes mais pequenas que elas - em facturação, em EBITDA, em margem, em qualquer parâmetro!”.
STORE MAGAZINE