Entrevista Fátima de Sousa jornalista fs@briefing.pt
Começou na Six and Co, passou para a Samsung e rapidamente para a Pernod Ricard. Aos 30 anos, Luís Spencer Freitas é regional digital marketing manager para os mercados do continente americano. Afirmando-se digital desde sempre e obcecado pelas redes sociais, acredita que é preciso mudar o mindset nas estratégias de marketing: o digital não pode vir no fim, tem de ser embebido e estar no centro
Luís Spencer Freitas, regional digital marketing manager da Pernod Ricard Americas
Ramon de Melo
Digital tem de estar no centro da estratégia
Briefing | O digital tem estado sempre presente na sua carreira. Foi um acaso ou uma opção? Luís Spencer Freitas | Eu sempre fui digital. Entrei em Comunicação Social mas arrependi-me, não por causa da profissão, mas não era a minha paixão. Sempre gostei de marketing acima de tudo, de estratégia, de arquitetura da marca. Por isso quando surgiu a oportunidade de fazer um curso de Comunicação Digital na Católica não hesitei, era perfeito para mim. Depois es34
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tagiei na Novabase e, por uma via de um amigo, acabei por integrar a Six and Co, um pequeno ramo da Fullsix com cinco pessoas. Foi uma escola fabulosa, trabalhei com o Erick Lassche, que é o CEO da Grand Union e foi o meu mentor. Agarrou em mim e teve a paciência de me acompanhar e de me ensinar, treinou-me na parte estratégica do marketing, de construção e apresentação de propostas. Trabalhava algumas marcas da Coca-Cola, a Proter & Gamble,
a Cetelem, mas o meu principal cliente era a Samsung, com o qual trabalhei desde o dia 1. Estas marcas permitiram-me compreender como entra o digital em cada uma das perspetivas de negócio. Briefing | Da agência passou rapidamente para o lado do cliente, aliás de um dos seus clientes… LSF | Na altura, a Samsung tinha um novo diretor de marketing, o Pedro Gândara, e estava a contratar para uma função dupla. Por
um lado tratar da parte de negócio das aplicações para Smart TV e telemóveis – na Smart TV era desbravar terreno enquanto nos telemóveis era rentabilizar a plataforma Android e encontrar aplicações de valor acrescentado para o consumidor português, mas também gerir a plataforma Bada, da Samsung, que tinha muito menor adesão mas também necessitava de aplicações. A segunda função era de Digital PR, alguém para lidar com blogues e redes sociais, excewww.briefing.pt
to o Facebook. O objetivo era alargar o universo de blogues e temas que a Samsung pudesse abordar – até ali só falava com blogues de tecnologia, mas queria alargar para os de modo, arquitetura, design e posicionar-se como uma marca de status. Fiquei na Samsung. A certa altura, a Virgínia Coutinho, organizadora do Upload, convidou-me para fazer parte da equipa. Fiquei com o dossiê dos oradores e um dos que contactei foi o Damon Crepins-Burr, chief creative officer do grupo Fullsix a nível mundial. Conversa puxa conversa e ele diz-me que a Pernod Ricard Americas estava a contratar alguém para gerir a comunicação digital. Eu sempre quis ir para os Estados Unidos, desde os 12 anos que tinha algum fascínio porque me identifico com a cultura de entretenimento. E senti que tinha de participar nessa cultura pelo menos uma vez na vida. Fiquei interessado, apesar de gostar do que estava a fazer e de a Samsung me tratar muito bem. Isto foi em outubro de 2011 e em novembro ligam-me. Fui a Nova Iorque para uma entrevista. Comecei a trabalhar em fevereiro do ano passado e em março mudei-me. Briefing | O que implica ser regional digital manager? LSF | As minhas funções abrangem os mercados do Canadá, Estados Unidos, México, Venezuela, Colômbia, Brasil, Argentina e Chile e ainda o travel retail, que é uma das maiores fontes de negócio e lida com os mercados domésticos das Caraíbas e os duty free nos aeroportos. Nos Estados Unidos tenho menos interferência, pois é um mercado muito grande que já tem uma equipa digital dedicada. Por isso o foco da minha ação está nos mercados emergentes, como o Brasil e o México, que estão a crescer absurdamente a nível económico e apresentam uma maturidade digital muito interessante ainda que complemente diferente. Um dos pilares das minhas funções é o training. Em cada um dos mercados, reúno as equipas de marketing e treino-as sobre como construírem campanhas com um mindset digital. Podemos falar no digital enquanto execução, mas o www.briefing.pt
“O mais importante é perceber que o consumidor é ele próprio digital. Costumo dar o exemplo do Blade Runer, que é um cyborg, isto é, um ser humano cuja capacidade é aumentada por um dispositivo mecânico. Ora o que é o consumidor hoje em dia com um smartphone na mão?”
mais importante é perceber que o consumidor é ele próprio digital. Costumo dar o exemplo do Blade Runer, que é um cyborg, isto é, um ser humano cuja capacidade é aumentada por um dispositivo mecânico. Ora o que é o consumidor hoje em dia com um smartphone na mão? É importante que as estratégias de marketing incorporem este pensamento: o digital não pode vir no fim, tem de estar no centro de uma estratégia e de uma experiência de marca. Já não se pode pensar como usar o Facebook na viagem que o consumidor faz com a marca, mas sim como utilizar os meios digitais offline e online para que a viagem seja o mais seamless possível para o consumidor. Temos de pensar que vamos fazer uma campanha com um anúncio em televisão, em que colocamos um link, uma hashtag ou um QR Code para levar o consumidor até ao nosso site, depois temos de avançar e verificar quantas pesso-
as seguiram o anúncio até ao site pensar para onde queremos levá-las a seguir. Se é para o Facebook e dali para a loja, no ponto de venda podemos dar a possibilidade ao consumidor de com o um scan de telemóvel ou uma hashtag aceder a receitas para fazer cocktails com as nossas bebidas. É este tipo de pensamento que estamos a implementar na Pernod Ricard, fazendo com que este mindset seja incorporado de uma forma transversal. Briefing | Qual é o posicionamento da Pernod Ricard face ao digital? LSF | Faz parte da estratégia embeber o digital em tudo o que é marketing. E se procurássemos isolar uma métrica que traduza a mentalidade Pernod Ricard eu diria que é o engagement. O nosso objetivo final é que os consumidores interajam connosco, que gostem dos nossos conteúdos, que os partilhem e que se tornem nossos embaixadores. Queremos proporcionar-lhes boas experiências e ser relevantes. Afinal, o nosso mote é a convivialidade. Isto pode soar metafísico, mas é o que pode fazer a diferença de chegar ao bar e, no momento de decidir a bebida, escolher a nossa, aquela marca que é capaz de lhes provocar um sorriso.
“O digital tem uma grande dose de senso comum. Costumo até usar nas minhas apresentações a expressão ‘o senso comum é tão raro hoje em dia que devia ser considerado um super poder’”
Briefing | Ter fãs não chega? LSF | Estamos neste momento a rever a forma como estabelecemos KPI para sermos mais modernos e mais atuais, porque cada vez mais percebemos que não é o número de fãs no Facebook que vai aumentar o negócio. É bom ter fãs, mas fãs com qualidade, que se interessem pelos nossos conteúdos, que interagem connosco e a que podemos dar valor acrescentado. Todas as marcas vão dizer que é o objetivo delas, mas a Pernod Ricard tem uma máxima – a convivialidade, proporcionar uma boa experiência. É isso que é a indústria do álcool, é sobre momentos que as pessoas partilham à volta de uma bebida. Briefing | Lida com mercados com diferentes maturidades face às redes sociais. Como se gere essa diversidade? Fevereiro de 2013
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“Uma empresa que tem mais sucesso é a que consegue trabalhar toda junta para o mesmo propósito. Tem de haver um mindset transversal a toda a empresa, por isso não treino apenas o marketing, treino também o ceo e os vicepresidentes”
LSF | De facto, há diferentes fases de maturidade dos mercados: a forma como os consumidores interagem com o Facebook nos Estados Unidos é completamente diferente do modo como agem em Portugal ou no Brasil. Quando o Facebook começa a ganhar dimensão no país, o que acontece é que a maior parte dos consumidores está à procura de prémios, passatempos e a fazer spam; quando começa a amadurecer as pessoas vão filtrando o que não lhes interessa e começam a exigir uma interação completamente diferente das marcas, já não querem só prémios, querem conteúdos que as entretenham no dia a dia. Eu costumo dizer que a internet tem uma “mão invisível” que a regula, tal como a teoria de Adam Smith para os mercados. Há sempre aqueles artigos que dizem que X pessoas seguem marcas no Facebook, mas na verdade 100 por cento das pessoas seguem marcas no Facebook – as que dizem que não seguem ou não usam o Facebook ou seguem uma marca e não têm noção, acham que estão a seguir um produto ou serviço, mas é uma marca. E as marcas têm esta função de falar com os consumidores, de os entreter. As marcas são storytellers: o objetivo final é vender o produto ou o serviço, mas existe muito mais à volta para criar uma relação com o consumidor e para lhe dar o que ele espera da marca. Porém, é preciso ver em que estado de amadurecimento está cada uma
“É importante que as estratégias de marketing incorporem este pensamento: o digital não pode vir no fim, tem de estar no centro de uma estratégia e de uma experiência de marca”
redes sociais
“Sinto-me em controlo” Luís Spencer Freitas diz-se “obcecado” pelas redes sociais. Usa o Linkedin para seguir determinados grupos e atualizar o currículo, o Twitter numa lógica de acompanhar determinados profissionais da área, no Facebook está “sempre a publicar”. Mas – garante – sente-se sempre “em total controlo”. “Sou completamente livre nas redes sociais porque adoto o mesmo comportamento que tenho em sociedade. Não publico nada que não queira que alguma vez alguma pessoa veja. Nós somos seres sociais. Porque aplicamos uma fórmula diferente só porque é virtual? As pessoas pensam que o Facebook é pessoal e que podem publicar o que querem, mas é um erro. É um espaço público”.
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das redes sociais e como usá-la da forma correta. Briefing | Uma das questões mais sensíveis nas redes sociais é a gestão de crise. Qual é a estratégia da Pernod Ricard? LSF | Tenho andado precisamente a reunir-me com a vice-presidente de Recursos Humanos para definirmos guidelines de social media para a empresa, documentos que ajudem a compreender como agir numa situação de crise. Mas o primeiro ponto que temos de aceitar é que não há uma fórmula certa. Sou apologista do faill fast – basicamente, falhar o mais rápido possível, aprender, tentar novamente, falhar novamente, continua, continuar… Não estou a falar de falhar rápido com um orçamento de dois milhões, mas de fazer testes e perceber como é que as pessoas reagem e adequar o comportamento. Na Pernod Ricard o digital acaba por quebrar os silos isolados, em que cada um está com as suas funções. Uma empresa que tem mais sucesso é a que consegue trabalhar toda junta para o mesmo propósito. Tem de haver um mindset transversal a toda a empresa, por isso não treino apenas o marketing, treino também o ceo e os vice-presidentes. Imagine-se uma situação em que alguém está muito chateado com um produto da marca, faz imensa publicidade e toda a gente começa a ir contra a marca. Se a marca se silenciar, o que impede essas pessoas de irem ao Linkedin e enviarem mensagens diretas aos empregados da empresa? A única forma de garantir a gestão da crise é todos os empregados terem noção do que está a acontecer e de que têm instruções sobre como agir. É preciso alterar comportamentos, incutir isto na cultura da empresa. O digital tem uma grande dose de senso comum. Costumo até usar nas minhas apresentações a expressão “o senso comum é tão raro hoje em dia que devia ser considerado um super poder”. As pessoas estão fechadas nas marcas e perdem a capacidade de senso comum: os documentos de gestão de crise são indicações gerais, a que a pessoa tem de aplicar uma grande dose de senso comum. www.briefing.pt