Entrevista a Diogo Leónidas, sócio partner da Garrigues Portugal

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Entrevista

Tatiana Canas Jornalista tc@briefing.pt

Diogo Leónidas, sócio partner da Garrigues Portugal

Ramon de Mello

“É mais fácil fundir bancos do que sociedades de advogados”

“É mais fácil fundir bancos do que sociedades, porque estas são feitas por pessoas, o que implica também a coordenação de diferentes mentalidades. A maior parte das saídas e consolidações têm muito a ver com as relações pessoais e as sinergias que se criam entre profissionais”, afirma Diogo Leónidas, 42 anos, o sócio-partner da Garrigues, a maior sociedade de advogados ibérica, acrescentando que o máximo de colaboradores que uma firma comporta, em Portugal, são 200 advogados: “Mais do que isso é complicado, tanto devido à dimensão do País, como depois, na gestão de conflitos de interesses com os clientes” 6

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Advocatus | De acordo com as conclusões do Legal 500, a tendência para o crescimento por incorporação nas sociedades de advogados portuguesas terminou. Concorda? DL | Mais ou menos. Acho que tivemos claramente o exemplo, através da maior sociedade de advogados portuguesa [a PLMJ], que o máximo de colaboradores que uma firma comporta são 200 advogados. Mais do que isso é complicado, tanto devido à dimensão do País, como depois, na gestão O novo agregador da advocacia


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de conflitos de interesses com os clientes. Penso que vamos continuar a ter vários escritórios com cerca de cem advogados, mas o mercado é volátil e o que temos assistido, de facto, é a uma especialização crescente dentro das firmas, bem como ao surgimento de boutiques. Dantes havia o preconceito, na advocacia, como na consultoria, que o branding estava directamente relacionado com a dimensão dos escritórios. Mais uma vez, a realidade veio demonstrar o contrário. Recentemente, têm surgido muitos escritórios de pequena dimensão especializados em matérias jurídicas concretas. Vão continuar a existir as grandes sociedades, mas haverá sempre espaço para as pequenas, desde que trabalhem bem. Advocatus | Quando falava há pouco da cisão na PLMJ [com a saída dos sócios Fernando Campos Ferreira e Maria Castelos, em Outubro de 2009], é um sinal de como todas as firmas têm um tecto para crescerem? DL | Não sei qual foi a razão da cisão na PLMJ, mas é mais fácil fundir bancos do que sociedades, porque estas são feitas por pessoas, o que implica também a coordenação de diferentes mentalidades. A maior parte das saídas e consolidações tem muito a ver com as relações pessoas e as sinergias que se criam entre profissionais. Não vejo o que se passou na PLMJ como uma crise de crescimento, acho que tem mais a ver com as relações entre as pessoas. No mercado anglo-saxónico, isto não aconteceria com tanta facilidade porque o branding está muito associado às pessoas. Na Europa continental não é tanto assim, há mais espaço para o surgimento de novas sociedades com um “branding” igualmente forte. Advocatus | Por contraposição ao crescimento por incorporação, temos a especialização. Foi esta a resposta da Garrigues Portugal para contornar a crise? DL | A Garrigues, sendo a maior sociedade de advogados da Euro-

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pa continental, sempre apostou na especialização dos seus associados. A especialização portuguesa decorre um pouco da espanhola. Essa é, aliás, uma das vantagens de sermos um escritório com origem espanhola. Agora, sendo a Garrigues uma sociedade de vocação internacional, claro que a aposta no branding será sempre uma tónica forte. Advocatus | Devido à crise económica, foi necessário fazer alguma alteração estratégica dentro da Garrigues Portugal? DL | Não, não houve nenhuma saída de advogados devido à crise. Na verdade, nem sentimos muito o seu efeito, continuamos a ter um crescimento bom em Portugal, e mesmo a nível internacional a Garrigues cresceu mais 10% no ano passado. Temos uma estratégia de crescimento bastante imune às crises, porque assenta numa base sustentável, pelo que não atinge grandes picos, tanto para o melhor como para o pior. Inúmeros escritórios na Península Ibérica e variedade de departamentos jurídicos tratados são outros factores que explicam o sucesso do nosso modelo de crescimento. Advocatus | A Linklaters, única sociedade britânica com presença em Portugal, acaba de dispensar seis colaboradores devido a motivos conjunturais. Assim, só as três grandes firmas espanholas [Cuatrecasas, Garrigues e Uría Menéndez] se mantêm de pedra e cal no País. Como explica isto? DL | As sociedades espanholas sempre tiveram uma visão estratégica de Portugal, enquanto as firmas britânicas operam duma forma mais financeira. Não é por acaso que a Linklaters está em Portugal [para além da Simmons & Simmons, mas está numa mera relação de best friend, com a Sociedade Rebelo de Sousa]. A Clifford Chance não está em Portugal, a Allen & Overy também não. Portugal é muito pequeno para as sociedades anglo-saxónicas, que nos vêem com uma vocação mais

“As sociedades espanholas sempre tiveram uma visão estratégica de Portugal, enquanto as firmas britânicas operam duma forma mais financeira. Portugal é muito pequeno para as sociedades anglo-saxónicas”

“Temos assistido a uma especialização crescente dentro das firmas, bem como ao aparecimento de boutiques. Têm surgido muitos escritórios de pequena dimensão especializados em matérias jurídicas concretas. Vão continuar a existir as grandes sociedades, mas haverá sempre espaço para as pequenas, desde que trabalhem bem”

financeira, ou seja, se dá para rentabilizar, avançam, senão recuam. A Garrigues, por exemplo, tem vocação internacional, mas vê Portugal como uma peça ibérica. Dissociado o critério de rentabilidade, perde-se a mais-valia financeira. A Linklaters é uma sociedade extraordinária, altamente rentável, que chegou a Portugal através de advogados conhecidos que, depois “puxaram” pela multinacional britânica cá. Advocatus | As suas áreas de especialização - Fusões & Aquisições, Societário e Financeiro e Mercados de Capitais - foram dos departamentos mais penalizados em 2009. De acordo com o balanço do primeiro trimestre do ano, como perspectiva 2010? DL | A recuperação continua a ser lenta. As empresas estão mais conservadoras nos seus investimentos e o acesso ao crédito está mais complicado. Numa negociação de project finance, dantes bastava falar com o líder do consórcio bancário, agora é preciso

negociar banco a banco. As condições para a concessão de crédito estão muito mais apertadas, o que também dificulta as operações, que ficam assim mais alavancadas. Não significa que não apareçam novos projectos, mas é uma área que está um bocado parada, ao invés da reestruturação de empresas. Os momentos de crise são sempre aproveitados para “arrumar a casa”. O próximo ano ainda deve ser de recuperação, mas atravessamos apenas um ciclo económico, nada de assustador. Advocatus | Relativamente à OPA sobre a Cimpor, a Camargo Correia comprou acções da Teixeira Duarte, a Votarantim comprou acções da Lafarge, e a CSN, que foi quem começou por lançar a operação, acabou por ver a sua oferta recusada. A Garrigues assessorou a CSN nesta operação. Concorda com a leitura de que a Camargo Correia e a Votarantim se uniram para impedir a entrada, no mer>>>

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cado dos cimentos, de um novo player? DL | Não é fácil responder a essa questão. No final, nunca saberemos a verdadeira razão para o falhanço da OPA. É um facto que nesta oferta em particular, comparando com a OPA da Sonae sobre a PT [onde a Garrigues assessorava a PT], esta não teve sucesso porque o Conselho de Administração apresentou uma proposta que foi preferida pelos accionistas. Agora, no caso da CSN, a maior parte do capital social foi movimentado, embora não para o oferente, a CSN. Esta OPA mostrou ao mercado um aspecto muito positivo - a Cimpor é uma empresa com uma grande vocação internacional em vários países, nomeadamente no Brasil. Foi discutida em diversos tabuleiros e movimentou vários outros concorrentes, agora se teve manobras de concentração paralelas, cabe aos reguladores investigarem. Mas é curioso que uma OPA não tenha sucesso, não porque os accionistas estratégicos não queiram vender, mas porque o fazem a uma parte que não é a oferente. Advocatus | Partindo para uma área mais genérica, o mau estado da justiça portuguesa também condiciona a advocacia de negócios [para além da advocacia contenciosa, dos tribunais]? DL | O Direito condiciona a área empresarial, na medida em que pode servir de factor atractivo de investimento para Portugal. A importância de boas normas regulatórias, bem como uma maior eficiência processual, são essenciais para o País funcionar. Montar uma sociedade em Portugal é muito caro porque, para além da quantidade de burocracias, o tempo destas se resolverem arrasta-se. E depois, quando alguma coisa corre mal, os processos não podem passar anos em tribunal. Mas têmse feito muitos e bons progressos na desburocratização da justiça em Portugal. Hoje em dia, é possível fazer vários actos registrais através da Internet, o notariado também foi muito simplificado. O 8

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“A recuperação continua a ser lenta. As empresas estão mais conservadoras nos seus investimentos e o acesso ao crédito está mais complicado. Numa, negociação de project finance, dantes bastava falar com o líder do consórcio bancário, agora é preciso negociar banco a banco”

Direito não pode ser um entrave para o investimento. Continuar a investir na desburocratização e tornar transparentes as regras regulatórias, para todos saberem as regras do jogo, é fundamental para atrair investimentos para o País. Este é o grande traço que distingue os mercados emergentes dos mercados desenvolvidos. Advocatus | Nessa dicotomia de países emergentes versus países desenvolvidos, onde colocaria Portugal? DL | Gosto de acreditar que caminhamos para os países desenvolvidos. Foi feita uma grande evolução nos últimos tempos, que não é de desprezar. Advocatus | Em breve será eleito um novo Bastonário na Ordem dos Advogados (OA). Esta mudança pode afectar, positivamente, a imagem da justiça portuguesa, ou é irrelevante? DL | A OA não tem a importância

HÓBIS

Com Sócrates no Clube do Stress Diogo Leónidas tem 42 anos (nasceu a 5 de Novembro de 1967). Licenciado em Direito pela Católica (1990), a advocacia é uma tradição familiar. Nos tempos livres, gosta de praticar jogging e de ouvir música. Há quatro anos, aderiu ao Clube do Stress, de que fazem parte, entre outros, José Sócrates, Artur Santos Silva, Rosa Mota, Susana Feitor ou Pedro Teixeira Duarte. Numa iniciativa denominada “Unir para sorrir”, o grupo fez o percurso do Porto a Lisboa por etapas, durante um fim-de-semana, com o objectivo de angariar carrinhas para deficientes. Já perdeu a conta às meiasmaratonas que correu. Em maratonas completas (42 km), já participou na de Berlim, Londres e Atenas. “Uma vez, estava tão viciado no jogging, que saí do escritório à meia-noite, calcei os ténis, e fui correr para as Avenidas”, diz o advogado, garantindo que este é um hóbi “verdadeiramente entusiasmante”. Neste momento, porque foi operado a um joelho, está a retomar a forma aos poucos, pois na preparação de maratonas chega a correr 60 km a 70 km por semana. Sobre a música, confessa-se um fã desde criança: “Tocava todos os instrumentos que apanhava a jeito, apesar de nunca me ter especializado em nenhum”. Piano e guitarra são os eleitos, mas – sobre tocar em público – o advogado diz que “não gosta de protagonismos”, pelo que será pouco provável vê-lo em palco.

social que devia. E faço “mea culpa”. Um dia fui convidado para ir almoçar às instalações da OA, e quando me perguntaram se já conhecia as novas dependências e disse que não, a reacção foi de surpresa, por esta ser, também, “a minha casa”. Penso que a OA é vista como uma Assembleia de Condóminos – uma inevitabilidade. Mas louvo os colegas que se envolvem nela, pois não me considero com vocação para essa tarefa. Mas a Ordem são todos os advogados, o Bastonário pode representar a classe, mas não é dele que depende uma revolução no sector. Advocatus | O que é ser advogado para si? Uma profissão, um trabalho, uma vocação? DL | A advocacia mudou imenso nos últimos anos. Dantes, havia muitas pessoas que iam para Direito porque queriam “fazer justiça”. Actualmente, o Direito é muito mais abrangente do que isso. Eu

comecei a trabalhar há 20 anos e a realidade era muito distinta. Hoje em dia, somos uma espécie de “médicos da lei”, se não actuarmos depressa, o cliente morre (salvo seja!). Lembro-me que, de início, não havia e-mails, o telex estava em vias de extinção, começava-se a generalizar o fax. O cliente colocava-nos as suas dúvidas, nós respondíamos dois a três dias depois. Tudo era mais conservador. A advocacia aumentou muito de velocidade, somos uns verdadeiros médicos de emergência. Os clientes perguntam-nos coisas que esperam que saibamos na ponta da língua, os assuntos são acompanhados em tempo real, pelo que a especialização se torna obrigatória, e assumimos isso com toda a frontalidade na Garrigues. Caminhamos para uma advocacia mais rápida e preventiva, onde conhecer bem o cliente e antecipar as suas necessidades é o grande desafio dos advogados. O novo agregador da advocacia


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