Entrevista a João Lima Antunes

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Fátima de Sousa jornalista fs@briefing.pt

“Estamos a apostar claramente nos conteúdos. É a pedra de toque da nossa estratégia”, afirma João Lima Antunes, 48 anos, director comercial da Sony Europa em Lisboa, a propósito do lançamento da mais recente estrela da companhia, o tablet com plataforma Android. O objectivo é liderar em 2012. E os primeiros resultados dão confiança à empresa, que em 2010 facturou 99 milhões de euros

João Lima Antunes, director da Sony Europa em Lisboa

Ramon de Melo

Conteúdos são o futuro

Fibra | A Sony está em Portugal há já quase 30 anos. Que balanço faz dessa presença? João Lima Antunes | A Sony iniciou a sua actividade em Portugal numa altura em que o mercado de consumo não tinha grande maturidade, existindo, inclusive, alguma 30

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“O que a Sony procura é adaptar-se aos novos circuitos para chegar ao consumidor”

escassez em termos de oferta. Apenas outra empresa estava cá directamente, com o mercado a ser abastecido sobretudo através de importadores e distribuidores. A Sony surgiu, por isso, num momento apropriado, introduzindo muitas novidades e fazendo um O novo agregador das comunicações


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trabalho directo com o mercado. A partir daí, o nosso percurso tem-se adaptado à realidade, tendo em conta que nos últimos anos houve uma transformação tremenda, com uma aceleração muito grande na diversidade da oferta por parte da distribuição. O que a Sony procura é adaptar-se aos novos circuitos para chegar ao consumidor, adequando o seu portefólio aquilo que é a procura expectável do consumidor português. Fibra | Diria que a Sony marcou o mercado da electrónica de consumo em Portugal? JLA | A Sony tem uma herança que pode reclamar e que é o facto de ter construído muitíssimo para o desenvolvimento do retalho em Portugal. Trouxemos muita inovação em métodos de trabalho, na forma como as lojas apresentam os produtos e como os lojistas se posicionam. Soubemos acompanhar a transição do pequeno retalho, das lojas tradicionais para os grandes espaços, em que há uma oferta mais extensa e em grandes quantidades. Nessa altura, a Sony foi pioneira na introdução de formas diferentes de chegar ao consumidor. É algo que está no nosso ADN. Continuamos a tratar os pontos de venda com muito cuidado, tendo sempre em consideração que é preciso elucidar o consumidor acerca da mais-valia dos nossos produtos. O mercado mudou e a concorrência multiplicou-se, pelo que há sempre novos factores a influenciar a forma como nos posicionamos. Há uma distância imensa face à nossa chegada a Portugal: não havia os concorrentes que hoje existem nem a capacidade actual de apresentarem propostas altamente competitivas em termos de produtos. Em áreas em que, durante bastante tempo, tivemos a primazia surgiram entretanto concorrentes muito fortes, que nos obrigam a pensar diferentemente o negócio. O que fazemos é ter em consideração as diferentes ofertas e O novo agregador das comunicações

“A Sony tem uma herança que pode reclamar e que é o facto de ter construído muitíssimo para o desenvolvimento do retalho em Portugal. Trouxemos muita inovação em métodos de trabalho, na forma como as lojas apresentam os produtos”

“Não escondemos de forma nenhuma que perdemos parte do nosso share no segmento da televisão. O que aconteceu foi que, na transição do CRT para o LCD, surgiram concorrentes bem posicionados, a competir fortemente no mercado”

adequar a nossa, mas sempre respeitando a tendência que é marcada pela casa-mãe a partir das expectativas de consumo nas várias regiões. Dentro do conjunto de soluções, escolhemos as que, aparentemente, são mais apropriadas para o mercado português. Mas não há grandes especificidades, porque o mercado está globalizado e o que é verdade em Tóquio acaba por ser verdade em Lisboa… Fibra | Os hábitos locais não influenciam? JLA | A forma como se move o mercado pode levar a escolhas distintas num país, mas só acontece pontualmente. O que sabemos – e o fenómeno está estudo - é que o consumidor português se sente muito atraído pelas novidades, por novos conceitos e novos produtos, pelo que o País pode estar sempre na linha da frente em termos da perspectiva de lançamento de um produto. Temos, aliás, exemplos que demonstram que a aceitação e penetração de determinados produtos são mais rápidas em Portugal do que noutros países.

“Continuamos a tratar os pontos de venda com muito cuidado, tendo sempre em consideração que é preciso elucidar o consumidor acerca da mais-valia dos nossos produtos”

Fibra | Durante muito tempo Sony e televisão eram praticamente sinónimos. Hoje, já não é assim. O que aconteceu? JLA | Não escondemos de forma nenhuma que perdemos parte do nosso share no segmento da televisão. O que aconteceu foi que, na transição do CRT para o LCD, surgiram concorrentes bem posicionados, a competir fortemente no mercado. Temos vindo a recuperar, mas o mercado está completamente diferente. Por um lado, as marcas são muito similares a nível tecnológico e de qualidade e, por outro, os critérios de escolha dos consumidores também incluem o design do produto, por exemplo. Em televisão, mantemos um padrão de exigência muito elevado, porque continuamos a acreditar que não podemos colocar no mercado produtos que não preencham determinados requisitos. >>>

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Isso explica um pouco o nosso posicionamento. E o desfasamento que existe nos shares é explicado pelo facto de não darmos primazia aos chamados produtos de entrada no segmento, o que nos retira essa franja de mercado. E não o fazemos devido ao nosso padrão de qualidade.

“Continuamos a acreditar que a ligação ao consumidor tem de ser forte, de confiança e de respeito”

Fibra | A Sony foi ultrapassada por mérito dos concorrentes ou porque não esteve atenta? JLA | Não tiro o mérito aos concorrentes, que souberam explorar bem esse momento e até acelerar a transição. Também não diria que houve demérito da Sony. Admito que tenhamos tido uma maior lentidão a responder, mas não lhe chamaria erro estratégico porque entendemos que a transição tinha de ser garantida com produtos de elevada qualidade, que incorporassem uma série de tecnologia que acrescentassem valor aos produtos. Houve alguma demora, de facto, mas foi por exigência de qualidade. O nosso enfoque é na tecnologia por detrás do equipamento, na qualidade de imagem e de som, por exemplo, e isso é algo aferível pelo consumidor. Em LCD, estamos ao nível que tínhamos no Black Triniton. Em 3D não queremos apenas apresentar a melhor solução, queremos também ter a melhor televisão 2D. É o nosso princípio. Fibra | A televisão ainda é dominante? JLA | Sim, a televisão ainda é dominante, mas não há uma diferença muito significativa com a IT. A nossa opção passa por estarmos presentes, e inclusive liderarmos, noutros segmentos, o que leva a uma repartição muito equilibrada dos valores de vendas. A televisão é responsável por 30 por cento, a IT por praticamente a mesma quota e o resto é dividido pelos demais sectores. Fibra | Qual é a quota de mercado da Sony? JLA | A quota total da Sony, ex-

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“Em televisão, mantemos um padrão de exigência muito elevado, porque continuamos a acreditar que não podemos colocar no mercado produtos que não preencham determinados requisitos”

“A nossa visão é de que os fabricantes não são o único motor que influencia a decisão final do consumidor. A distribuição tem um grande peso e as marcas que melhor se posicionam junto da distribuição são melhor sucedidas”

cluindo a IT, cujos números são aferidos de forma distinta, está na ordem dos 14 por cento. O peso de cada um dos segmentos é distinto: lideramos na fotografia digital e no áudio portátil, temos uma posição forte em televisão embora não sejamos líderes, temos também uma posição forte nas câmaras de filmar. Fibra | Qual tem sido a estratégia para reconquistar a liderança no segmento da televisão? JLA | O que temos feito tem sido, fundamentalmente, criar espaços de excelência onde os nossos produtos são mais do que apresentados, são demonstrados ao consumidor, a quem damos a possibilidade de experimentação efectiva da tecnologia associada. É por aí que temos caminhado: pegamos nas tecnologias disponíveis e tornamo-las evidentes para o consumidor. Continuamos a acreditar que a ligação ao consumidor tem de ser forte, de confiança e de respeito. Naturalmente que queremos que as pessoas comprem televisores Sony, mas gostaríamos que tivessem a possibilidade de os experimentar e que, de forma consciente, adquirissem o produto que corresponda às suas expectativas. A nossa visão é de que os fabricantes não são o único motor que influencia a decisão final do consumidor. A distribuição tem um grande peso e as marcas que melhor se posicionam junto da distribuição são melhor sucedidas. A nossa estratégia assenta numa parceria com os distribuidores, uma parceria autêntica, de partilha da visão do negócio. Fibra | E está a resultar? JLA | A progressão realizada ao longo de 2010 foi muito significativa: a Sony dobrou o share versus 2009. A tendência mantém-se ao longo deste ano. Fibra | Como é recuperar a liderança em anos de crise? JLA | Quando preparámos o exercício para 2011, muitas siO novo agregador das comunicações


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“A progressão realizada ao longo de 2010 foi muito significativa: a Sony dobrou o share versus 2009. A tendência mantém-se ao longo deste ano”

tuações que entretanto ocorreram em Portugal não eram visíveis. Fomos, de alguma forma, surpreendidos por uma série de factos novos que, naturalmente, terão impacto. Aliás, procedemos já a um reajuste da nossa expectativa na ordem dos 10 por cento face ao exercício inicial. E a realidade está, grosso modo, alinhada com essa redução. Fizemo-lo antes do Verão, mas depois disso houve factos maiores que vão ter implicações. Espera-se uma retracção do consumo, mas não sabemos como vai ser o comportamento do consumidor. Estamos numa situação absolutamente invulgar na economia portuguesa. O que podemos fazer é manter viva a chama do consumidor, despertar a necessidade de adquirir os produtos.

Estamos a adoptar uma medida que é comum ao mercado, que é um maior cuidado na gestão do stock. Estamos expectantes. Fibra | Partilha da opinião de que a crise é uma oportunidade para estimular o consumo? JLA | É verdade que, quando as pessoas estão mais pressionadas, têm maior tendência para estar em casa, fazem menos programas fora, viajam menos… Há a expectativa de que as pessoas continuem a procurar soluções que trazem conforto, comodismo. Todas as marcas estão atentas a esse tipo de comportamentos, mas o que isso pode significar no negócio é um exercício impossível. Estamos numa situação anormal. Uma coisa é estimularmos o consumo numa situação normal, no

“Estamos numa situação absolutamente invulgar na economia portuguesa. O que podemos fazer é manter viva a chama do consumidor, despertar a necessidade de adquirir os produtos”

momento actual é diferente. Se for a um ponto de venda não faltam ofertas, promoções, comunicação, mecanismos de compra a crédito… Fibra | Uma área em que a Sony tem uma posição confortável é a de IT. Qual é a aposta? JLA | Nesse segmento, primamos por produtos muito actuais. Estamos no mercado com o conceito VAIO, muito ligado ao entretenimento, não pura e simplesmente ao trabalho. Não estamos num mercado massificado, não competimos com os produtos de trabalho, mais robustos mas também de maior desgaste. Apostamos em produtos personalizados, com uma ligação muito próxima ao consumidor: daí o investimento no design. Mas não abdicando >>>

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nunca da incorporação das últimas tecnologias. A nossa parceria com a Microsoft é bem explícita nesse sentido: estamos na linha da frente do lançamento de novas soluções, pelo que, ao adquirir um VAIO, não adquire apenas hardware, adquire toda uma panóplia de software, o acesso ao mundo Microsoft.

“Estamos no mercado com o conceito VAIO, muito ligado ao entretenimento, não pura e simplesmente ao trabalho. Não estamos num mercado massificado”

Fibra | Quanto é que vale para a empresa e em quota de mercado? JLA | No nosso portefólio, corresponde a um pouco menos de 30 por cento. No mercado, em valor, ronda os dez por cento. É um share importante, que está dentro das nossas expectativas. Não temos a ambição de chegar a alguns segmentos de IT porque não temos oferta para isso, estamos focados em determinadas apostas, no segmento do VAIO. Fibra | A Sony acaba de se lançar no segmento dos tablets. O que diferencia o vosso produto da concorrência? JLA | O tablet foi apresentado ao

mercado a 27 de Setembro, é a nossa coqueluche. É um produto sobre o qual temos expectativas e ambições e uma delas é liderar na plataforma Android no próximo ano. Os primeiros resultados são francamente positivos, dão-nos confiança. O nosso tablet baseia-se no princípio da utilização real pelo consumidor, o que significa que apostámos fundamentalmente nos acessos a conteúdos e na interacção com outros equipamentos. A partir dele posso comandar a televisão, o vídeo, o ar condicionado, os estores eléctricos… tudo o que esteja apto a receber sinal. É o primeiro produto que, de uma forma óbvia, demonstra a capacidade da Sony no que respeita a conteúdos. Ao adquiri-lo, o consumidor adquire uma variedade de conexões, filmes músicas, jogos e outros conteúdos, imediatamente disponíveis. O que pretendemos é integrar cada vez mais as soluções. Estamos a apostar claramente nos

conteúdos. É a pedra de toque da nossa estratégia. Fibra | A estratégia da Sony passou também pelo redimensionamento da empresa. Porquê? Foi ditada pela crise? JLA | Foi um processo global, transversal aos vários países. Em 2008, a Sony Portugal sofreu um realinhamento, houve áreas que passaram a ter direcção ibérica, outras que foram adjudicadas em outsourcing por considerarmos que são acessórias, embora necessárias, podendo ser feitas em regime externo. Não carecem de especialização Sony, mas sim de especialização na respectiva área de serviço. A intenção foi ajustar a estrutura à realidade do negócio, mas o resultado acabou por ser algum emagrecimento. Fibra | Qual é o comportamento da subsidiária portuguesa no universo Sony? JLA | Ao longo destes anos, Portugal tem dado excelentes exemplos de boas práticas e de uma boa relação com o mercado e o

PERFIL

Entre a Sony e o mar João Lima Antunes está na Sony desde Agosto de 1992. Foi convidado pelo director comercial então em funções para constituir um novo grupo de trabalho que se dedicaria a desenvolver a área de negócio de consumíveis. Era uma necessidade que derivava de um fenómeno emergente no mercado português – a grande distribuição, de tal forma que essa área de negócio acabaria promovida a divisão na então Sony Electrónica Portugal. Manteve-se sempre ligado à área comercial e ao marketing, no desempenho de funções que o levaram, a dado passo da carreira, para fora do País. Voltou em 2008, quando, no âmbito do processo de restruturação que a empresa sofreu, foi convidado a assumir o cargo máximo da Sony em Portugal – director comercial, com tutela sobre as áreas de consumo (televisão, home vídeo,

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hi-fi, imagem, áudio portátil, network walkman, car mobile e recording media). De fora fica a área profissional, para a qual existe uma direcção europeia. Entretanto, a Sony Electrónica Portugal deixou de existir como entidade. Transformou-se na sucursal de Lisboa da Sony Europa pela simples razão de que a organização implica que haja partilha de quadros: na prática, há quadros portugueses que não estão fisicamente em Portugal. Quando não está na Sony, João Lima Antunes privilegia as actividades que tenham o mar como cenário. Já praticou surf, mas actualmente deixa a prancha em terra e prefere observar os filhos a cortar as ondas. Também já experimentou windsurf e ainda faz ski aquático. “Sempre que tenho tempo para mim, é isso que faço. Atrai-me sobremaneira tudo o que tenha a ver com o mar”. Está explicado!

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“’Make believe’ tem muito a ver com a possibilidade de cada um realizar os seus sonhos, satisfazer as suas expectativas: é isso que queremos proporcionar aos consumidores com os nossos produtos”

consumidor. A Sony tem um reconhecimento importante por parte do consumidor, como prova um estudo de reputação divulgado há cerca de mês e meio, em que é a principal marca no segmento da electrónica de consumo. Naturalmente que este reconhecimento do mercado se traduz em reconhecimento pela casa-mãe. Penso que o facto de a maior reunião anual de quadros da Sony ter acontecido este ano em Portugal, em Julho, com a presença do presidente, Howard Stringer, é significativo desse reconhecimento. Mas, se me pergunta qual o peso da subsidiária portuguesa na companhia, diria que está associado à dimensão do mercado. O que é expressivo é o share e os O novo agregador das comunicações

“A nossa parceria com a Microsoft é bem explícita: estamos na linha da frente do lançamento de novas soluções, pelo que, ao adquirir um VAIO, não adquire apenas hardware, adquire o acesso ao mundo Microsoft”

“A Sony tem um reconhecimento importante por parte do consumidor, como prova um estudo de reputação divulgado há cerca de mês e meio, em que é a principal marca no segmento da electrónica de consumo”

“O que é expressivo é o share e os resultados que obtemos, o que, tendo em conta o país, são resultados interessantes”

resultados que obtemos, o que, tendo em conta o país, são resultados interessantes. Mas não se podem fazer comparações. Fibra | “Make believe” é a assinatura da empresa. Considera que reflecte o espírito do fundador? JLA | Essa é, de facto, a forma como hoje em dia a companhia se posiciona, a forma como a nossa filosofia é testada no negócio.”Make believe” tem muito a ver com a possibilidade de cada um realizar os seus sonhos, satisfazer as suas expectativas: é isso que queremos proporcionar aos consumidores com os nossos produtos. Penso que é fiel ao espírito do

nosso fundador, um espírito visionário, empreendedor. Aliás, há uma frase de Akio Morita que tenho um prazer especial em revisitar: na altura, não se falava ainda em globalização e ele já dizia que temos de conseguir pensar de forma global mas saber como agir localmente. É uma herança que se mantém viva. E a que muitas outras pessoas depois do fundador têm dado continuidade.

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