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Entrevista
Jorge Fiel jornalista jf@briefing.pt
Luís Reis, presidente da APED
“Na crise, o consumidor fica mais racional”
nFACTOS
“Num momento de contracção económica e do consumo, o consumidor torna-se mais racional e refugia-se em quem confia e lhe dá a melhor relação qualidade/preço”, afirma Luís Reis, 48 anos, médico com MBA, presidente da Associação Portuguesa das Empresas de Distribuição (APED), chief corporate officer da Sonae e professor na Escola de Gestão do Porto
Briefing I A APED tinha uma grande bandeira: a abertura das grandes superfícies nas tardes de domingos e feriados. Agora que finalmente viu satisfeita essa reivindicação, o que vai fazer? Luís Reis I Estamos numa fase de mudança, no sentido de ter um 36
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maior protagonismo na sociedade portuguesa. Os associados da APED empregam 88 mil pessoas e têm um volume de negócios que representa 9% do PIB. Mas há um gap enorme entre a nossa relevância e a percepção que há da APED, nos corredores do poder e nos media.
Briefing I Quando se fala em APED o que nos ocorre é Continente, Jumbo e Pingo Doce, os gigantes da distribuição alimentar – e não Fnac ou Ikea. É esse o problema? LR I Há duas grandes diferenças entre a percepção e a realidade. Essa talvez seja a mais relevante, pois 70% dos nossos associados O novo agregador do marketing.
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são não alimentares – a Fnac e Ikea mas também Media Markt, El Corte Inglés, Zara, Decathlon, Worten, Leroy Merlin ou SportZone, etc. A outra é que a APED não é uma associação de grandes distribuidores mas sim de distribuidores modernos, incluindo alguns de pequena dimensão como o algarvio Apolónia e os supermercados Cavadinha. Somos uma associação de distribuidores modernos com fortíssimo teor nãoalimentar, com responsabilidades e preocupações que vão muito para lá daquilo que as pessoas imaginam. Briefing I Quais são então as vossas preocupações? LR I Em primeiro lugar a ambiental. Temos um papel de interface fundamental entre a produção de resíduos e a sua recolha. Os nossos associados estão no meio, fazendo a distribuição. Há uma preocupação enorme com a valorização de resíduos e uma relação intensíssima com o ministério do Ambiente. São os pontos verdes, os selos nas embalagens, as reciclagens, as recolhas com cada vez regras mais apertadas de recolha, a reciclagem dos equipamentos eléctricos e electrónicos. Depois há uma coisa muito importante para os não-alimentares – sobretudo quem vende livros e música – que é a protecção de direitos. Outro tema muito importante é o das taxas de pagamento à SIBS e à Unicre, que estão muito distantes do benchmark europeu. Briefing I Pagam muito mais? LR I Mais do dobro dos valores standard europeus. Temos na Autoridade da Concorrência uma queixa contra a SIBS e outra contra a Unicre por abuso de posição dominante. Briefing I Encaram a hipótese de promover uma alternativa à SIBS e à Unicre? LR I Com certeza. Isso já foi discutido. Não é o caminho que preferimos. Estas coisas não se resolvem com guerra, mas com conversa e sensatez. Mas se não nos restar alternativa, não é um caminho que nos aflija. Outra das nossas preocupações é a questão dos combustíveis. Fomos chamados à Comissão PermanenO novo agregador do marketing.
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te da Energia no âmbito da audição parlamentar sobre o lançamento, pela Galp, de uma operação low cost. Briefing I Qual é a vossa posição? LR I Sempre dissemos que os combustíveis que os nossos associados comercializam têm uma relação qualidade/preço muito interessante e é por isso que centenas de milhares de consumidores os preferem – os hiper têm uma quota superior a 25% no mercado nacional de combustíveis . As gasolineiras começaram por fazer de conta que a distribuição era irrelevante. Depois adoptaram a estratégia de dizer que os combustíveis que distribuímos não são bons – o que é obviamente falso. Os consumidores não são parvos. Se o combustível não fosse bom, as pessoas não o metiam nos carros. Agora, o facto de a Galp estar a lançar um combustível que é idêntico ao do hipermercado, é o reconhecimento implícito e explícito de tudo o que vínhamos a dizer era verdadeiro. Não é preciso chamar um prémio Nobel da economia para perceber que o consumidor está sempre mais bem servido se houver mais oferta.
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dos associados da APED são não alimentares, como a Fnac, Ikea também Media Markt, El Corte Inglés, Zara, Decathlon, Worten, Leroy Merlin ou SportZone, etc
Briefing I É errada a dicotomia entre grande distribuição nos centros comerciais versus comércio tradicional de rua? LR I Isso é um mito. Um erro. Os associados da APED tanto estão nos centros comerciais como na rua, onde a distribuição moderna está a crescer. O corte é entre uma distribuição que evolui e um retalho ultrapassado, amarrado ao passado, muitas vezes subsídio-dependente, constituído por comerciantes que em vez de se preocuparem com o cliente, andam a ver onde podem ir buscar mais uns subsídios…
Briefing I A APED não está satisfeita com a legislação que regula a venda de medicamentos. O que defendem? LR I Ao inverso do que acontece na generalidade dos países europeus ainda temos uma lei absolutamente restritiva relativamente às propriedades das farmácias. Isso é algo que pode demorar um ano, pode demorar três, pode demorar cinco, mas inevitavelmente vai ter de acabar. Briefing I Está a referir-se à obrigatoriedade de as farmácias serem propriedade de um farmacêutico? LR I E ao facto da propriedade estar confinada a uma farmácia. Ao proibir a formação de cadeias, está a impedir-se a introdução de eficiência na distribuição. E as ineficiências são sempre pagas pelo consumidor final. Briefing I Qual é a pedra de toque que distingue a distribuição moderna e o comércio tradicional? LR I É preciso ter cuidado com es-
ses conceitos. Não há uma oposição entre o moderno e o tradicional. Há excelentes distribuidores modernos a trabalhar em nichos de produtos tradicionais. A clivagem é entre operadores modernos e ultrapassados. Os operadores modernos são bons a compreender o consumidor e ajustar a oferta aos seus desejos e necessidades, que mudam com muita frequência. Portanto, é preciso quase permanentemente estar a adaptar, mudar não só os produtos mas também os serviços, os aparelhos físicos e os ambientes em que as compras se realizam. Além disso o retalhista moderno tem de estar atento à sofisticação nos processos, aos sistemas de informação e processos logísticos. O retalhista ultrapassado normalmente tem um aparelho físico decadente, uma oferta desajustada às necessidades do consumidor, está pouco disponível para evoluir - e sofre as consequências disso.
“Os associados da APED empregam 88 mil pessoas e têm um volume de negócios que representa 9% do PIB. Mas há um gap enorme entre a nossa relevância e a percepção que há da APED nos corredores do poder”
Briefing I Há muitos produtores a acusarem a distribuição de ter um poder excessivo. Têm razão? LR I É uma acusação frequente. Analisando bem as coisas, seria impensável que não existissem tensões na cadeia de valor que vai da produção até ao consumidor. No fim do dia, o produtor tem de passar pelo distribuidor para chegar ao consumidor final. O distribuidor quer fazer chegar os produtos ao consumidor final ao melhor preço possível, porque tem outros concorrentes ao lado, e por isso quer poder apresentar o produto melhor, mais depressa, >>> Outubro de 2010
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a um preço menor. Essa competitividade faz com que seja colocada pressão sobre os produtores. Briefing I A excessiva concentração da distribuição não é prejudicial para produtores e consumidores? LR I Os cinco maiores grupos de distribuição em Portugal têm 70% de quota de de mercado, o que nos coloca em termos médios na Europa. Do lado da distribuição, não somos dos países mais concentrados. Mas, como temos apenas 10 milhões de habitantes e somos um mercado pequeno, a concentração do lado da produção está no topo em termos europeus. Na generalidade dos sectores, os cinco primeiros produtores têm quotas acima dos 90%. Há mais poder do lado dos produtores que dos distribuidores. “A distribuição já percebeu há muito tempo que quem decide é o consumidor. Acreditamos no primado do consumidor: Acreditamos que ele escolhe bem. Nós costumamos dizer que escolhe com os pés – se não está satisfeito com a oferta de um retalhista vai comprar a outro lado”
Briefing I Não há fronteiras, podem ir comprar lá fora…. LR I Não é verdade. A generalidade de produtos de que estou a falar leite, açúcar, cervejas, massas, detergentes, perfumaria, higiene pessoal - viajam mal. A distribuição tem seguramente mais razões de queixa do que a produção. Briefing I Está a esquecer muitos sectores em que a produção está atomizada… LR I Há áreas, principalmente nos perecíveis, em que há uma grande fragmentação, uma assimetria de escala que pode levar a que os produtores tenham razões de queixa. Isso ultrapassa-se quando todos os distribuidores e produtores perceberem que não adianta o conflito. Está demonstrado, escrito e estudado que a melhor maneira de um distribuidor e de um produtor ganharem mais é organizarem-se por forma a serem mais eficazes na sua relação. Daí gera-se valor - uma parte ficará no consumidor e uma parte ficará com eles. Em vez de andarem a discutir as condições comerciais, melhor seria se muitas vezes estudassem como aumentar o valor na cadeia, como integrar melhor, como ter uma logística mais eficiente, como perceberem melhor as necessidades do consumidor. Os produto-
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res e distribuidores mais sofisticados já perceberam isso há muito tempo. Depois é preciso aperfeiçoar os mecanismos de resolução dos conflitos. Briefing I De que maneira? LR I Com arbitragem. Nem tudo é perfeito. Não vamos dizer que os distribuidores são todos uns santinhos e cumprem rigorosamente as regras. Mas também não é verdade que todos os produtores sejam uns tipos fantásticos que fazem sempre as coisas da melhor forma. Portanto, é preciso arbitrar. E qual é a melhor forma de fazer a arbitragem em sectores onde há tensão? A melhor forma é criar entidades que sejam respeitadas por ambos que tenham códigos claros
para resolução dos conflitos que actuem muito rapidamente. Briefing I Está a falar de quê? LR I De acordos como o que fizemos com a CIP. Assinámos um código de boas práticas e a confederação nomeou o Dr. Luís Pais Antunes para velar pelo seu cumprimento. Se um produtor ou distribuidor acha que numa determinada transacção não foram cumpridas as boas práticas apela a essa espécie de tribunal arbitral, cujas recomendações se comprometeram a aceitar. Briefing I Essa instância tem funcionado bem? LR I Muito bem, com dezenas de
PERFIL
Um médico que adora dar aulas Antes de ter o filho (ou seja até 2005) conseguia correr dez quilómetros pelo menos três vezes por semana. Agora que faz questão de o levar à escola sempre que está no Porto e pode, a frequência do jogging caiu para uma vez por semana – duas no máximo. Durante o ano lê menos do que gostaria, mas quando chega às férias desforra-se e é menino para devorar em menos de dois dias um tijolo de 600 páginas. A música acompanha-o por todo o lado (em casa, no trabalho, em viagem, etc) com a ajuda do iPod. “Ainda compro CD”, revela Luís Reis, nascido em Coimbra, em 1962, numa família que tinha um negócio grossista na área têxtil. Hesitava entre seguir Letras ou Ciências, quando uma professora de História do liceu José Falcão (que se chamava D.João III quando ele entrou) o empurrou para Medicina ao dar-lhe uma nota que ele considerou injustamente baixa. “Ciências era mais objectivo”, explica. Ainda antes de concluir o curso, com notas boas, já o vemos a ganhar os seus primeiros dinheiros, como monitor da cadeira de Genética Médica na Faculdade de Medicina de Coimbra. Chegou a começar o doutoramento em Medicina, mas no entretanto casou-se, veio para o Porto, em 1990 decidiu fazer o MBA (”tinha dúvidas sobre o que queria fazer”), dirigido pelo professor Carlos Barral, onde conheceu Paulo Azevedo, e a sua vida deu uma volta. Belmiro convidou-o para liderar o projecto de fazer a Clínica da Maia. Este projecto não saiu do papel, mas ele nunca mais saiu do grupo empresarial da família Azevedo. Debutou na Sonae como director de marketing da Modelo Continente e passou pela Sonaecom até aterrar, no ano passado, na holding, onde coabita no mesmo andar de Paulo e Belmiro. “O que o diverte? O trabalho e as aulas. Adoro dar aulas”, confidencia Luís, professor de Marketing Estratégico da Escola de Gestão do Porto.
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