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Entrevista
Hermínio Santos jornalista hs@briefing.pt
A litigância de má-fé ou abusiva deveria ser “seriamente sancionada”, afirma João Nuno Azevedo Neves, sócio fundador da ABBC & Associados, Sociedade de Advogados, que dá o benefício da dúvida à Ministra da Justiça e defende critérios muito mais rigorosos na ascensão dos juízes aos tribunais superiores
João Nuno Azevedo Neves, sócio fundador da ABBC & Associados
Ramon de Melo
Penalizar litigância de má-fé
Advocatus | A arbitragem é uma das suas áreas de atuação. Como avalia o sector em Portugal? João Nuno Azevedo Neves | Sensibilizou-me no último congresso que ocorreu em Coimbra e que estava ligado à arbitragem em Portugal, Espanha e Brasil a apetência dos jovens pelo tema. Esse interesse foi muito significativo e demonstra que os advogados mais novos estão cada vez mais inseridos nos 6
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benefícios da arbitragem. Também julgo que a nova lei que regula esta atividade vai contribuir para o crescimento da arbitragem em Portugal. Advocatus | Porquê? JNAN | Há que perceber que a arbitragem é uma jurisdição consensual e sigilosa, com grande agilidade e dinâmica. O caráter sigiloso tem uma importância decisiva até por não afetar a dinâmi-
ca dos envolvidos. Em empresas cotadas, por exemplo, a solução arbitral impede que seja do conhecimento público o conteúdo das discussões e permite uma decisão mais célere. O equilíbrio económico da empresa, a relação com os bancos e os fornecedores e com a própria estrutura da empresa é completamente diferente se ocorrer em sede arbitral ou num Tribunal comum. Fala-se muitas vezes no custo
das arbitragens, mas o custo-benefício é compensado pelo facto de um litígio ser resolvido em seis meses ou num ano em vez de em 10 anos. Advocatus | Ao nível da arbitragem Portugal pode ter uma posição relevante na comunidade lusófona? JNAN | Pode por maior experiência e por outro aspeto que tem sido manifesto: alavancar a hipótese de negócio. Ou seja, há países lusófoO agregador da advocacia
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nos onde, por razões de estrutura da própria dinâmica legislativa e da sua aplicação, a utilização da arbitragem é mais eficaz em duas vertentes: a escolha da lei aplicável e a autonomia da vontade das partes, refletindo-se quanto ao foro, ao direito e à língua a aplicar. Ter uma solução rápida através da arbitragem é, por vezes, um motor de implementação de alguns negócios que nunca seriam possíveis em países lusófonos com mais problemas na justiça comum. Advocatus | O seu escritório já esteve envolvido em alguns casos desse tipo? JNAN | Sim e com êxito. Há cerca de três ou quatro anos, houve uma conferência em Lisboa onde intervieram colegas nossos de Moçambique e Angola que manifestaram e demonstraram o interesse no desenvolvimento da arbitragem nos seus países, o que é elucidativo das possibilidades da arbitragem nesses países. Advocatus | O escritório já tem uma ligação a países lusófonos? JNAN | Os países lusófonos têm o maior interesse para nós. Por várias razões: a língua e a circunstância de a maioria da legislação ter como fonte a legislação portuguesa. Também temos que apostar nestes países por causa do apoio a dar aos nossos clientes que lá estão. Temos uma parceria em Angola e um parceiro em Cabo Verde, e estudaremos outros mercados à medida que for necessário, mas sempre de acordo com os interesses dos nossos clientes. Ou seja, a nossa prioridade é servir o cliente. A personalização é, para nós, fundamental. Todos os assuntos são acompanhados por, pelo menos, um sócio. Advocatus | Tem 44 anos de advocacia. Como é que vê os problemas da Justiça em Portugal, muitas vezes diagnosticados mas que continuam com muitos vícios? JNAN | O problema da Justiça portuguesa é o da prolongada crise do País e que se tem refletido na indefinição de tudo o que é estratégico. O que é que faria se eventualmente tivesse a possibilidade de dialogar
“Há países lusófonos onde, por razões de estrutura da própria dinâmica legislativa e da sua aplicação, a utilização da arbitragem é mais eficaz em duas vertentes: a escolha da lei aplicável e a autonomia da vontade das partes, refletindo-se quanto ao foro, ao direito e à língua a aplicar”
“Quantas vezes se litiga para se obter um acordo? Para justificar honorários, para retardar? Quem decide tem a perceção exata do abuso ou não no recurso à via judicial, pelo que terão que ser fixados meios de permitir sanção rigorosíssima e dissuasora”
com alguém decisivo na área da Justiça? Primeiro: um levantamento por entidade completamente independente de todos os problemas da Justiça do ponto de vista da gestão, charneira de muitos dos problemas que sentimos; em segundo lugar: atacar a morosidade, nomeadamente a necessidade imperiosa de os prazos serem cumpridos pelos juízes, afastar o excesso de formalismo e as possibilidades das usuais dilações. Admito que seja lento e difícil, mas tem de se demonstrar que há vontade de alterar o indispensável; haver justificações e respeito pelos interlocutores envolvidos. Em terceiro lugar: sem prejuízo da independência dos juízes, temos de criar uma relação mais próxima entre juízes e quem carece da Justiça – eu sinto que nas arbitragens as testemunhas não têm “medo” de depor, ao contrário do que acontece nos julgamentos. Há outro aspeto que é importante e que tem a ver com o segredo de Justiça: a sua violação leva à necessidade de os intervenientes explicarem o conteúdo dessa violação, o que se traduz num círculo vicioso de resposta e contrarresposta, violando-se o que foi sempre sagrado na nossa profissão: a intimidade dos assuntos pendentes. É essa intimidade que permite que não se seja julgado na praça pública, quer do ponto de vista cível, quer penal. Outro problema grave: há que estudar, ponderar e suscitar a questão do acesso dos juízes aos Tribunais Superiores. O critério terá de ser muito mais rigoroso.
“O problema da Justiça portuguesa é o da prolongada crise do País e que se tem refletido na indefinição de tudo o que é estratégico”
Advocatus | E que critérios é que defende? JNAN | Conhecimentos jurídicos profundos, eficácia e qualidade. A qualidade implica não só a capacidade de julgar, de apreciar a prova, mas também a qualidade técnica. Os critérios de seleção mais rigorosos permitem potenciar decisões que, do ponto de vista técnico, tenham qualidade. A sua falta afeta os bons juízes que estão na Relação e no Supremo, e que são muitos. Advocatus | A atual ministra da Justiça está nesse caminho? JNAN | Tem as maiores qualidades >>>
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sido fomentada pelo senhor Bastonário. Um segundo ponto tem a ver com o facto de o senhor Bastonário se esquecer de duas coisas: que tem de conhecer profundamente as sociedades de advogados que o são realmente e o que elas representam na formação e dignificação dos Advogados; tem que se lembrar que só cerca de 20 por cento dos advogados exercem a profissão a full-time e que não pode falar só para os que pensa que o elegeram, mas sim para todos os advogados, principalmente para aqueles que exercem a profissão em pleno. Se analisarmos o discurso do senhor Bastonário sentimos que é dirigido fundamentalmente aos tais 20 por cento. Isso é gravíssimo.
“Os países lusófonos têm o maior interesse para nós. Por várias razões: a língua e a circunstância de a maioria da legislação ter como fonte a legislação portuguesa. Também temos que apostar nestes países por causa do apoio a dar aos nossos clientes que lá estão”
Advocatus | Que conselhos daria a um jovem advogado em início de carreira? JNAN | Comecei a advogar em escritório próprio ainda como candidato à advocacia, como se deno-
minava na altura. Saí da Unilever, em 1968, onde tinha sido trainee e me davam um ordenado fabuloso. Isto para dizer que primeiro há que querer ser advogado e saber sofrer pela profissão. É uma exigência total e têm de entender esta profissão como uma espécie de sacerdócio no bom sentido. Conselhos a dar: o primeiro é que percebam bem se querem ser advogados, o segundo é formação, formação, formação e o terceiro é independência. Advocatus | Como cidadão de um País em crise o que é que perspetiva para 2012? Está otimista, pessimista, realista? JNAN | Sendo realista, entendo que não se têm atacado nem resolvido os problemas do que é estratégico neste País. Legisla-se demais e criam-se formalismos escusados. O exemplo da nova lei do arrendamento é elucidativo: tanto se esperava, mas pouco ou nada soluciona do tão apregoado como essencial.
“Há que perceber que a arbitragem é uma jurisdição consensual e sigilosa, com grande agilidade e dinâmica”
PERFIL
Histórias e paixões de um forcado As mazelas ficaram para o resto da vida mas é com indisfarçável orgulho que o advogado João Nuno Azevedo Neves, de 70 anos, fala da sua paixão pelos toiros. Mostra fotos e recorda histórias e façanhas da sua vida de forcado, na década de 60 e que durou enquanto a cortisona no joelho o permitiu. Essa vida não o afastou dos estudos, que cumpriu sempre com distinção, nem do objetivo de ter o seu próprio escritório de advogados. Foi em 1968 que decidiu “começar do zero” na advocacia, depois de dizer adeus a uma proposta de emprego com um “chorudo” ordenado na Unilever, onde estava como trainee. Recorda com apreço o seu patrono na advocacia, Dr. José Maria Galvão Teles, e a grande ajuda na sua formação do Dr. José Delgado Martins. Hoje, a sua vida é repartida por várias paixões: advocacia, viagens, música e solidariedade. É presidente da Associação de Solidariedade Social D. Pedro V, uma das instituições particulares de solidariedade social que, em Portugal, mais dinheiro dá para pro-
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jetos com crianças, e vice-presidente dos Amigos do Hospital de Santa Maria. “A solidariedade é um ponto assente na minha vida e dela faz parte”, diz. Tem como leitura permanente o “Livro do Desassossego”, de Fernando Pessoa, que nasceu na casa onde a sua sociedade de advogados tem a sede – um edifício histórico da cidade de Lisboa, em frente ao teatro de São Carlos e onde, numa das salas do segundo andar, no dia 29 de Setembro de 1910, teve lugar uma reunião decisiva na preparação da revolução de 5 de Outubro de 1910 que implantou a República em Portugal. Nas viagens escolhe destinos exóticos e que lhe transmitam referências diferentes daquelas que tem. Exemplos? Birmânia, Malásia, Índia, Cachemira, que teve de abandonar por causa de uma revolução, Ceilão e Indonésia. João Nuno Azevedo Neves é sócio fundador da ABBC & Associados, Sociedade de Advogados, que teve as suas origens em 1981. É licenciado em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa (1968).
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e é corajosa. Temos que dar tempo ao tempo. Dou-lhe um exemplo: nas custas judiciais é irrelevante que aumentem ou não; deve é sancionar-se seriamente a litigância de má-fé ou abusiva. Quantas vezes se litiga para se obter um acordo? Para justificar honorários, para retardar? Quem decide tem a perceção exata do abuso ou não no recurso à via judicial, pelo que terão que ser fixados meios de permitir sanção rigorosíssima e dissuasora.
“Há que estudar, ponderar e suscitar a questão do acesso dos juízes aos Tribunais Superiores. O critério terá de ser muito mais rigoroso”
Advocatus | Quais são as prioridades da sociedade de advogados ABBC? JNAN | O nosso compromisso essencial é com os clientes e nessa perspetiva as prioridades são a inovação, a eficiência e o poder gerar valor para o cliente. Por outro lado, há a preocupação de um crescimento sustentado e, assente nele, a internacionalização. Nunca abandonaremos a personalização que nos distingue. Não abdicamos de ter um controlo sobre cada caso, nem de o sócio participar na estratégia de solução de cada assunto e no seu acompanhamento e qualidade técnica. Advocatus | A internacionalização está em curso? JNAN | Sim. Essa experiência de internacionalização tem sido cativante. Neste momento somos a focus firm em Portugal da DLA Piper, a maior sociedade do mundo em número de advogados, o que permite que os nossos clientes tenham serviços de primeira qualidade em qualquer parte do mundo, pois a cadeia da DLA Piper está interligada: trata-se de uma sociedade com 4600 advogados. Vivendo num mundo globalizado, não podemos afastar uma internacionalização sustentada. Advocatus | Quais são os core business da sociedade? JNAN | Somos uma sociedade full service. Temos o societário, fusões e aquisições, laboral, aviação – onde somos líderes – imobiliário, financeiro, fiscal, arbitragem, contencioso e o direito penal com o Bastonário Rogério Alves.
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“O nosso compromisso essencial é com os clientes e nessa perspetiva as prioridades são a inovação, a eficiência e o poder gerar valor para o cliente. Por outro lado, há a preocupação de um crescimento sustentado e, assente nele, a internacionalização. Nunca abandonaremos a personalização que nos distingue”
Advocatus | Que opinião é que tem sobre a entrada de sociedades estrangeiras nas sociedades de advogados portuguesas? JNAN | Dentro do tal espírito da globalização acho que é um passo que não pode deixar de ser respeitado. Há uma qualidade excecional de advogados e de sociedades em Portugal mas a internacionalização é fruto da globalização de que falámos. Adiro a essa internacionalização e à entrada dessas sociedades nas sociedades portuguesa. O nosso exemplo é flagrante: a DLA, estando associada connosco, não interfere no dia-a-dia, mas trocamos conhecimentos que são decisivos. É uma prestação de serviços globais que tem de ser acautelada por qualquer escritório digno e de dimensão. Portanto, essa internacionalização e a entrada de estrangeiros nessas sociedades é louvável, só aprendemos. Advocatus | A evolução da advocacia passará sempre pelas médias e grandes sociedades de advogados? JNAN | É muito difícil convencer um cliente, mesmo de média dimensão, que o escritório não tem capacidade de resposta para problemas de Direito administrativo, fiscal ou comercial ao mesmo tempo, e tal só é possível em médias ou grandes Sociedades de Advogados. É uma evidência e uma necessidade em todo o mundo, quer queiramos ou não reconhecê-lo. Mas é importante não confundir sociedades de advogados com advogados que se juntam para pagar a renda e as secretárias. Estou a falar em sociedades estruturadas com organigramas internos e critérios de atuação definidos.
“Tenho por regra sagrada não pôr em causa a legitimidade do Bastonário. Entendo é que há uma manifesta crispação entre os atores da vida judiciária e essa crispação, do meu ponto de vista, tem sido fomentada pelo senhor Bastonário”
Advocatus | Que avaliação é que faz da atuação do atual bastonário da Ordem dos Advogados? JNAN | Participei em sete eleições para a Ordem dos Advogados, fui eleito em cinco e percorri todos os órgãos da Ordem. Tenho por regra sagrada não pôr em causa a legitimidade do Bastonário. Entendo é que há uma manifesta crispação entre os atores da vida judiciária e essa crispação, do meu ponto de vista, tem O agregador da advocacia