Entrevista com Luís Barreto Xavier

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Entrevista

Hermínio Santos jornalista hs@briefing.pt

“Os nossos programas estarão a competir pelos melhores alunos que vão sair das boas universidades a nível mundial”, esta é a ambição de Luís Barreto Xavier, 48 anos, para a escola que dirige, a Católica Global School of Law. Desde 2009 que propõe uma formação sofisticada para gente seleccionada e que será cada vez mais estrangeira

Luís Barreto Xavier, director da Católica Global School of Law

Ramon de Melo

Competir pelos melhores alunos

Advocatus | Como se forma um bom advogado? Luís Barreto Xavier | Um bom advogado tem de ser, antes de mais, um bom jurista e isso requer uma formação de base extremamente sólida. Portanto, requer não um conhecimento enciclopédico do Direito mas uma capacidade de compreensão das traves-mestras do sistema jurídico. O primeiro passo é uma sólida formação em 6

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matérias troncais do sistema jurídico, que já não são apenas as que dizem respeito ao Direito interno português mas também ao Direito europeu e Internacional. O segundo passo tem a ver com soft skills e capacidades que os estudantes de Direito devem adquirir ao longo da sua formação de base - refiro-me à capacidade para perceber problemas, compreender as fontes do Direito, comunicar,

trabalhar em equipa, escrever e, em síntese, para resolver problemas. Eu acho que isto é o básico ao nível da formação inicial dos juristas, mas essa formação, que se adquire num primeiro momento, que é o da licenciatura, tem necessariamente de ser complementada num segundo momento, que é o da formação pós-graduada. Com a estrutura de ensino existente neste momento – com o

processo de Bolonha e os quatro anos de duração da licenciatura – um bom advogado requer uma formação pós-licenciatura. Essa formação tem características diferentes da licenciatura e requer uma formação que vai ser diversificada em função do modelo previsível de actuação do advogado no futuro. Neste aspecto eu tenho uma opinião diferente de muitos que entendem que os advogados O agregador da advocacia


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devem ter uma formação comum até com outros operadores judiciários, como magistrados judiciais e do Ministério Público, por exemplo. Pelo contrário, a minha perspectiva é que cada vez mais não há uma advocacia, há muitas advocacias e a sua riqueza está precisamente nesta diversidade. O terceiro passo é que um bom advogado não se faz apenas nas universidades, faz-se também através da tarimba nos escritórios. Advocatus | Nessa perspectiva como é que se encaixa a Católica Global School of Law (CGSL)? LBX | A Escola surge não para constituir uma resposta à necessidade de formação de advogados indistintamente, mas sim para dar resposta à necessidade que se sentia de uma formação mais sofisticada e voltada para um mercado, quer da advocacia, quer de outras profissões jurídicas, que se globalizou. A Global School dirige-se a público que nunca será massificado mas sim seleccionado. É um público que tenderá a ser cada vez mais maioritariamente estrangeiro. Neste momento nós temos metade dos nossos alunos a virem do estrangeiro propositadamente para frequentar os nossos programas. Advocatus | Quantos alunos é que a Escola tem neste momento? LBX | Tem 45 alunos nos dois programas e a minha previsão para o futuro é que vai haver uma certa estabilização no número de alunos portugueses e um aumento anual da procura internacional. Isto vai acontecer porque a nível internacional há já uma tradição de os estudantes que são mais ambiciosos e gostariam de trabalhar em ambientes internacionais ou organizações, sejam escritórios ou grandes empresas, procurarem as melhores formações a nível mundial, sobretudo nos EUA, no Reino Unido, mas estou convencido que a evolução que temos tido nos permite perceber que já temos uma procura de estudantes de topo estrangeiros e que vai aumentar à medida que os progra-

“O que me parece mais interessante neste projecto é que parte de um pressuposto que é o de que no futuro, a par dos Direitos nacionais, cada vez mais o Direito transnacional vai ocupar necessariamente grande parte do trabalho dos juristas”

“O jurista do futuro tem de ser capaz de lidar com um paradigma que é completamente diferente do que existiu século XX, que era o dos ramos tradicionais do Direito”

mas forem mais divulgados e conhecidos lá fora. Advocatus | Quando é que a escola surgiu? LBX | Há dois momentos: um em que se propõem os programas, um primeiro de LL.M. que surge em 2006/2007, em International Business Law, e um segundo, em 2009/2010, que é o Law in a European and Global Context. A escola surge na sequência dos programas como uma forma de institucionalizar um projecto voltado para um público que é distinto, utilizando metodologias de ensino diferentes, como a língua inglesa, e requerendo, também, um corpo docente muito mais internacional e com mais flexibilidade no seu recrutamento. Tudo isso levou a uma autonomização formal da Global School em 2009. O que me parece mais interessante neste projecto é que parte de um pressuposto que é o de que no futuro, a par dos Direitos nacionais, cada vez mais o Direito transnacional vai ocupar necessariamente grande parte do trabalho dos juristas. O jurista do futuro tem que ser capaz de lidar com um paradigma que é completamente diferente do que existiu século XX, que era o dos ramos tradicionais do Direito.

“Neste momento nós temos metade dos nossos alunos a virem do estrangeiro propositadamente para frequentar os nossos programas”

Advocatus | Como é que a Escola divulga e consolida a sua imagem no estrangeiro? LBX | A estratégia passa por três eixos. Em primeiro lugar o estabelecimento de parcerias internacionais com grandes universidades, quer americanas, europeias, quer fora destas duas áreas. Começámos pelas universidades americanas e europeias e neste momento estamos interessados em expandi-las para outras regiões, como o Brasil e China, por exemplo. Estas parcerias facilitam o conhecimento mútuo e isso é muito nítido com algumas universidades dos EUA, como são o caso de Cornell, Duke ou Washington in St. Louis. Todos os anos recebemos estudantes americanos vindos dessas universidades e estudantes nossos também estão nessas universidades. >>>

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É evidente que a internet é hoje também um outro meio de divulgação das nossas actividades e há sites destinados à divulgação deste tipo de programas onde estamos e fóruns de discussão que se realizam e onde a experiência dos antigos alunos é sempre muito importante porque dão o testemunho da sua passagem pela Católica. Por último, há algum marketing internacional, estando presente em feiras da especialidade e realizando alguma publicidade em edições especiais dedicadas à educação global, como as do Financial Times.

“Não é pelo preço que nós competimos, pois há universidades europeias que oferecem melhores condições mas não têm um perfil tão transnacional”

Advocatus | O que é que atrai um estudante estrangeiro para estudar em Portugal, na Católica? LBX | Há várias razões. Os nossos programas têm um corpo docente que em 80 por cento é internacional, seleccionado de entre as melhores instituições mundiais e têm características diversas. Um estudante que venha para a Católica Global School é ensinado por professores americanos e europeus. Há aqui uma diversidade e uma complementaridade de abordagens que dificilmente se obtêm noutras universidades. Um segundo elemento é o de que como nós temos a ambição de ter programas de altíssimo nível, que não é dado apenas pela qualidade académica dos docentes

mas também pela sua qualidade pedagógica, temos a noção de que não podemos massificar o número de alunos. Vamos certamente crescer no futuro mas não para ter na mesma sala 80 alunos discutindo com um professor uma determinada matéria. Ao contrário de outras grandes universidades mundiais, cujo corpo docente é de altíssimo nível mas em que os alunos estão diluídos numa plateia enorme onde é difícil que a interacção funcione verdadeiramente, aqui garantimos um acesso muito próximo entre professores e alunos. Em terceiro lugar, estamos em Lisboa e apesar de os custos do programa não serem baratos, embora não tão caros como os programas americanos, a cidade tem um clima melhor que algumas cidades do norte da Europa e o próprio custo de vida não é comparável. Apesar de tudo não é pelo preço que nós competimos, pois há universidades europeias que oferecem melhores condições do que nós mas não têm um perfil tão transnacional como nós temos e a esse nível estamos na vanguarda do que melhor se faz na Europa neste momento. Advocatus | Qual tem sido a recepção do mercado aos alunos que vêm completar aqui a sua formação? LBX | Tem sido excelente e isso pode ser atestado pelas organiza-

ções que aceitaram associar-se a estes programas e têm mantido o seu apoio. Eles são patrocinados por alguns dos melhores escritórios de advogados portugueses, em particular os mais internacionais, assim como por algumas grandes empresas, como o Millenniumbcp e a Galp Energia, e também pela Fundação Luso-Americana. Isto acontece porque estas organizações perceberam que havia uma lacuna em Portugal ao nível deste tipo de formação e que os seus quadros precisavam de pessoas dotadas de um tipo de formação e experiência sofisticada e orientada para a evolução futura do Direito. Advocatus | Como é que se processa o recrutamento de professores? LBX | No início a Escola recrutou os seus professores através de duas vias: as instituições com as quais começávamos a ter contactos e a Fullbright. Vamos lançar um concurso internacional para contratação de dois professores com o apoio da Fundação Gulbenkian e estou convencido que vamos ter uma procura muito significativa por académicos internacionais. Advocatus | Porque é que iniciativas como o JobShop são importantes para a Escola? LBX | Uma das dimensões mais importantes para a Católica, e

PERFIL

Entre Keith Jarret, Mahler e um bom vinho “Sou um melómano”. É assim, de uma forma directa e simples, que Luís Barreto Xavier responde à pergunta sobre o que é que gosta de fazer para além da Católica Global School of Law. A música clássica e o jazz são as suas grandes paixões e hoje compra os seus autores preferidos no iTunes, que “destronou” os cd clássicos. Keith Jarret, Brad Mehldau, Chares Lloyd, Thelonious Monk, Miles Davis e os portuguesas Mário Laginha, Maria João e Bernardo Sassetti são

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alguns do nomes que gosta de ouvir. Mahler é a grande referência na música clássica e também gosta de nomes contemporâneos, como Olivier Messiaen. Recentemente tem dedicado também mais atenção aos vinhos. Todos os anos vai ao Douro com um grupo de amigos que conhece há mais de duas décadas para visitar quintas e fazer provas de vinho. Licenciado em Direito pela Universidade Católica Portuguesa, em 1986, tem um Mestrado em Direito (Ciências Jurídicas)

feito na mesma universidade, em 1992. É assistente na Faculdade de Direito da Universidade Católica desde 1989. Leccionou diversas disciplinas (História do Direito Português, Direito Penal, Direito Penal II, Direito Internacional Privado), tendo colaborado com a Faculdade de Ciências Económicas e Empresariais (Noções Fundamentais de Direito, I e II, disciplina em que foi colaborador, e, posteriormente, regeu).

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agora não falo apenas da Global School of Law mas da Faculdade de Direito em geral, em Lisboa, é desde há cerca de 10 anos a ligação ao mundo profissional, que se obtém por diferentes vias: por um lado, adaptando-se currícula à procura que existe no mercado de juristas e, por outro, recorrendo ao gabinete de saídas profissionais. O JobShop é o grande evento anual que traz o mundo profissional à Faculdade e põe os alunos em contacto com o mundo do trabalho. Os alunos têm a possibilidade de directamente contactarem as instituições, não só ouvindo e colocando questões às pessoas nas mesas-redondas mas também através do recruiting lounge, onde as várias instituições da área do Direito estão presentes. Uma das sessões deste ano foi sobre carreiras internacionais e ocorreu em língua inglesa para permitir o acesso aos estudantes internacionais e a colocarem questões aos membros desse painel. Advocatus | Quais são as suas ambições para a CGSL? Como é que quer posicionar esta Escola? LBX | Sempre tivemos os pés muito assentes na terra e portanto nunca demos passos maiores do que a perna, mas sempre tivemos uma postura de grande ambição O agregador da advocacia

que tem superado as expectativas mais optimistas. A minha ambição para esta Escola é a de que continue a evoluir no sentido de se tornar um centro de referência a nível mundial para o estudo do Direito numa perspectiva globalizada. O que vai efectivamente acontecer é que os nossos programas estarão a competir pelos melhores alunos que vão sair das boas universidades a nível mundial. O nosso próximo grande projecto é o lançamento de um doutoramento internacional, um PhD em língua inglesa, que, a par da reformulação do doutoramento em língua portuguesa, será um motor também de criação de investigação de ponta e que vai potenciar a ligação da Católica Global School com grandes instituições de investigação no estrangeiro. Já estamos neste momento a ser contactados para grandes projectos de investigação em rede e é aí que queremos estar. Advocatus | A CGSL tem contribuído para a inovação do ensino do Direiro em Portugal? LBX | Estou convencido que a nossa experiência nos programa de LL. M. têm sido e continuarão a ser de extrema importância para a reforma dos programas tradicionais de ensino leccionados em português, na Católica, num primeiro momento, mas de-

“O nosso próximo grande projecto é o lançamento de um doutoramento internacional, um PhD em língua inglesa, que, a par da reformulação do doutoramento em língua portuguesa, será um motor também de criação de investigação de ponta”

pois, certamente, noutras instituições em Portugal. Refiro-me a alguns domínios em concreto, por exemplo a passagem de um ensino centrado na transmissão de conhecimentos e na exposição de matéria pelos professores para um outro centrado na discussão de problemas, casos e questões entre alunos e professores. Portanto, a passagem de um modelo expositivo para um modelo interactivo. Noutro plano, na atenção transglobal a todas as questões. Um terceiro aspecto tem a ver com o uso do inglês. É evidente que temos o português como língua oficial mas, se quisermos ter alguma palavra a dizer a um nível global no mundo do Direito, é claro que não podemos continuar a produzir Ciência Jurídica predominantemente em português porque ela será acessível sempre a um público muito reduzido a nível internacional. Há ainda uma quarta dimensão: tradicionalmente o ensino do Direito era muito virado para si próprio, para a academia, mas, sobretudo a experiência das universidades anglo-saxónicas, mostra-nos que a investigação mais profunda não exclui uma atenção à realidade social e aos factos. Essa ligação à realidade é um outro ensinamento uma experiência que a Global School pode acentuar. Dezembro de 2011

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