Entrevista com Silva Peneda

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Entrevista

Hermínio Santos jornalista hs@briefing.pt

Os órgãos de poder político têm acesso a um conjunto de observações do Conselho Económico e Social (CES) que “são genericamente consensuais e que deviam merecer mais atenção do que aquela que tem merecido até agora”, afirma o presidente da instituição, Silva Peneda, 61 anos, que lamenta não existir em Portugal uma verdadeira “cultura do compromisso”

Ramon de Melo

Mais atenção ao CES

Advocatus | Qual é hoje a importância do Conselho Económico Social (CES) tendo em conta a situação económica e social que se vive em Portugal? Silva Peneda | O CES tem várias vertentes de funcionamento. Uma delas é de carácter consultivo: emite pareceres para o Governo e Assembleia da República sobre temas fundamentais, como o Orçamento 6

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Geral do Estado – ultimamente esses pareceres têm sido votados praticamente sem votos contra. O que significa que, sendo pareceres muito críticos em relação às propostas que os Governos submetem, consegue-se fazer um exercício interno dentro do CES com os diversos conselheiros que levam a soluções de compromisso. Isto significa que os órgãos do poder político têm acesso

a um conjunto de observações que são genericamente consensuais e que deviam merecer mais atenção do que aquela que têm merecido até agora. Não foi por acaso que eu tomei a iniciativa de propor ao plenário que anexasse todo um conjunto de parágrafos de pareceres anteriores que, se tivessem sido devidamente escutados, o País, seguramente, não estaria na situação em que está.

Advocatus | Que outras funções é que o CES tem? SP | O CES tem também uma função de concertação. No contexto europeu o CES é um modelo original por razões históricas pois resulta da fusão de várias instituições que existiam. Ficou estabelecido que seriam criadas três comissões dentro do CES, entre as quais se conta a Comissão Permanente de ConcertaO agregador da advocacia


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ção Social, presidida pelo primeiro-ministro. Depois há uma terceira função, mais recente, que é a da arbitragem para resolver determinado tipo de conflitos – principalmente a definição de serviços mínimos dos transportes - e que tem funcionado muito bem. O CES também pode emitir pareceres por sua própria iniciativa e temos dois na calha. Já emitimos um muito importante sobre o futuro da zona euro, que enviei para a Assembleia da República e cujo feedback foi nenhum. Das entidades para quem enviámos o parecer, só o Presidente da República fez perguntas. Neste momento os dois pareceres que estão em curso têm a ver com as consequências do aumento da população idosa em Portugal e como a sociedade se deve organizar para se adaptar a essa nova realidade. Os pareceres do CES devem pensar num horizonte à la longue, a 10, 20 anos de distância. Em Portugal, há um défice muito grande de pensar nas coisas a médio-prazo. O CES tem por obrigação ocupar esse espaço. O outro parecer em curso é sobre a competitividade das cidades. Devemos ver como é que as políticas públicas se devem orientar para que as cidades se tornem mais atrativas. Advocatus | Em termos jurídicos, o CES tem algum núcleo de apoio interno? Recorre a escritórios externos à instituição? SP | O CES funciona com uma estrutura muito leve. Tem um gabinete que é equiparado a um gabinete ministerial, mas não tem propriamente quadros técnicos. Os conselheiros, quando são relatores de um parecer, sabem como mobilizar os seus quadros técnicos para os ajudar a preparar esses pareceres. Eu prefiro que o CES não tenha um quadro técnico pois são muitas as matérias que temos de abordar e é melhor mobilizar os recursos conforme as necessidades e recorrer aos centros de excelência que existem no País. Advocatus | O que é que destaca das atividades do CES em 2011? SP | Os pareceres da Conta Geral do Estado de 2009, das Grandes O agregador da advocacia

“O CES também pode emitir pareceres por sua própria iniciativa e temos dois na calha. Já emitimos um muito importante sobre o futuro da zona euro, que enviei para a Assembleia da República e cujo feedback foi nenhum. Das entidades para quem enviámos o parecer, só o Presidente da República fez perguntas”

Opções do Plano para 2012-2015 e do Orçamento de Estado para 2012. São três pareceres fundamentais. Já lhe falei dos pareceres de iniciativa própria do CES e também houve uma grande atividade de arbitragem obrigatória. A concertação social foi muito intensa durante 2011. Advocatus | Na mensagem que tem publicada no site do CES afirma que “a natureza e gravidade dos problemas que o País enfrenta requerem grandes esforços na busca de compromissos entre órgãos de soberania”. Há disponibilidade de todos os atores para esses compromissos? SP | Acho que este acordo de concertação é uma exceção no comportamento médio dos portugueses. Nós temos muitas qualidades mas também temos alguns defeitos e é bom que nos conheçamos como sociedade. O problema das relações interpessoais é difícil em Portugal. Noto que as pessoas, muitas vezes, têm medo de avançar com propostas e ideias com receio de serem criticadas. A busca de compromissos obriga a que as pessoas lancem para a mesa ideias e propostas que podem ser derrotadas e as pessoas não devem ter receio da

“Em Portugal, há um défice muito grande de pensar nas coisas a médio-prazo. O CES tem por obrigação ocupar esse espaço”

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política

Portugal não tem cultura de compromisso Advocatus | Como é que analisa o acordo de concertação social que foi assinado com o Governo? SP | Costumo dizer que em Portugal estamos muito habituados a não valorizar a cultura do compromisso. Procuramos sempre valorizar o vencido e o vencedor. Este acordo é de compromisso, balizado pelo acordo da troika que todos assumiram que tinham de respeitar – a CGTP votou contra e percebe-se porquê pois não concordava com o acordo – e o acordo assinado em março do ano passado. Não foram negociações fáceis, foram muito duras, mas os parceiros sociais diziam que a assinatura de um acordo era bom para o País e para eles. O País tem sorte em ter dirigentes nas confederações patronais

e nas sindicais, neste caso a UGT, que acredita que vale a pena estabelecer pontes e compromissos. Acho que é bom para o País. Todos cederam mas é um compromisso que dá para o País, uma orientação sobre qual o rumo a seguir nos próximos tempos. Mas o acordo não é o fim do processo. Há toda uma execução de medidas de carácter legislativo que têm de ser postas em prática e isso exige mais exercício de concertação e muitas vezes é no detalhe que está o problema. Portanto, estão apontados um conjunto de orientações mas a partir de agora terá que vir ao Conselho Permanente de Concertação Social toda a parte executiva dessas medidas e isso vai obrigar a afinar ainda mais o processo de concertação.

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“O CES funciona com uma estrutura muito leve. Tem um gabinete que é equiparado a um gabinete ministerial mas não tem propriamente quadros técnicos”

derrota. Se olharmos para a história da Humanidade todas as grandes evoluções nunca foram uma ideia isolada, resultaram sempre de uma interação – nos Descobrimentos, na ida do homem à lua…Isto foi sempre trabalho de equipas. Ora hoje vivemos numa fase em que as interdependências são cada vez maiores, nenhum de nós é uma ilha, estamos super influenciados por tudo. Hoje, o poder político e o Governo não são um único centro de poder, têm que interagir com muitos centros de poder. Costumo dizer que o modelo de governação moderna não pode deixar de equacionar este problema real que é a interação entre as partes. Hoje, a capacidade de antecipação aos problemas é algo de vital ao poder político. Isso exige uma interação muito grande. Costumo dizer que isto funciona bem quando funciona como uma orquestra mas queremos ser todos solistas ou maestros ou maestrinas, não gostamos de tocar no nosso momento certo. Antigamente para se ser desenvolvido era preciso ter matérias-primas ou grandes recursos, hoje é a sociedade de informação que domina, que precisa de pessoas a

“Mesmo que executemos exemplarmente o programa da troika ninguém pode garantir que vamos ter crescimento logo a seguir. Costumo dizer que estamos perante uma situação que é de angústia pois nós cumprimos isto tudo, há uns sacrifícios enormes que são pedidos aos portugueses, mais a uns do que a outros, mas e a economia?”

PERFIL

Da Região Norte a presidente do CES José Albino da Silva Peneda, natural de São Mamede de Infesta, estreou-se nas lides governamentais em 1979, sete anos depois de ter iniciado a sua vida profissional como técnico da Comissão de Planeamento da Região Norte, ao mesmo tempo que era docente na Faculdade de Economia da Universidade do Porto, onde se licenciou. O primeiro cargo governamental foi o de secretário de Estado da Administração Regional e Local, no V Governo constitucional. Entre 1981 e 1985 foi vice-presidente da Comissão de Coordenação da Região Norte. Voltou ao Governo a partir de 1985, tendo chegado a ministro do Emprego e da Segurança Social, no XII Governo. Depois, voltou à Comissão para ser presidente e entre 1997 e 2004 foi membro da direção da Sonae Investimentos. Chegou a ser presidente

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do conselho de administração do Jornal de Notícias e da Global Notícias. Durante cinco anos, entre 2004 e 2009, foi deputado ao Parlamento Europeu. É presidente do Conselho Económico e Social desde 2009, ano em que também passou a exercer a presidência da Fundação Rei Afonso Henriques. Em 2008, foi um dos primeiros adeptos dos eurobonds (títulos de dívida pública europeus) numa altura em que Jean-Claude Juncker, hoje um dos entusiastas da solução, os considerava inviáveis. Com humor diz que criou o seu atual posto de trabalho com 20 anos de antecedência. Porquê? Foi o ministro responsável pela publicação do decreto-lei que regula o funcionamento do Conselho Económico Social, uma instituição criada no âmbito de uma revisão constitucional.

interagir umas com as outras. Isso só se faz através de uma cultura de compromisso. Infelizmente o que aconteceu com os dirigentes patronais e sindicais não é o comportamento médio do cidadão português. Todos vivem na sua capelinha, ela é que é importante e não estamos ainda numa fase de interação muito grande. Advocatus | Como é que isso resolve? SP | Não se faz por decreto, só num clima de confiança, quando as pessoas não tenham temor de avançar com ideias e propostas. Uma sociedade que se pretende desenvolver tem de ser uma sociedade sem temor, o que obriga a esse exercício de compromisso. A forma de gerir empresas, por exemplo, só teria a ganhar se existisse interação entre todos e hoje as empresas mais bem sucedidas são as que têm mais horizontalidade e menos verticalidade. O que se passou na concertação social foi bom, um excelente exercício, mas tenho a noção de que, infelizmente, este tipo de cultura não está ainda enraizada no tecido social do nosso País como eu gostaria. Advocatus | Para o CES, “Portugal tem de criar urgentemente condições para sair da difícil situação em que se encontra, não sendo o caminho de definhamento económico e degradação social uma inevitabilidade”. Já teve funções governativas, é um homem “público”. Quais seriam as suas sugestões para evitar este definhamento? SP | O acordo da troika surge perante uma situação de rutura financeira, de falência, e pretende resolver os problemas do País para pagar aos seus credores, embora se tenha dito que tinha preocupações de crescimento económico, mas não há muitas. Mesmo que executemos exemplarmente o programa da troika ninguém pode garantir que vamos ter crescimento logo a seguir. Costumo dizer que estamos perante uma situação que é de O agregador da advocacia


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angústia pois nós cumprimos isto tudo, há uns sacrifícios enormes que são pedidos aos portugueses, mais a uns do que a outros, mas e a economia? Há um artigo no Tratado da União Europeia, o 125, que diz que nenhum Estado-membro pode ser responsável pelas dívidas dos outros Estados e a União Europeia também não pode ser responsável pelas dívidas dos Estados-membros, exceto no caso de haver um programa específico. Temos de arranjar um programa específico para que a União Europeia como um todo e os Estados-membros sejam responsáveis pelas nossas dívidas. E o que é que podia ser esse programa específico? O nosso problema é o aumento da competitividade e isso não se faz em dois anos, demora uma década. Portanto, era preciso estabelecer um programa com um horizonte de uma década em que se mobilizasse determinado tipo de recursos, e estou a pensar nos fundos estruturais, que podiam ser canalizados para o crédito às empresas, ou, por exemplo, no Banco Europeu de Investimento (BEI), e tentar ver quais eram as medidas de política que podiam estimular o aumento da competitividade das empresas. Isso é que era um programa que devia ser subscrito pelas autoridades portuguesas e comunitárias. Eu não acredito que, por si só, o programa da troika vá resolver o problema da economia portuguesa. Pode dar um enquadramento e pôr as contas mais equilibradas e ponto final. Dois anos não é tempo para que se veja o impacto das reformas estruturais. Há ainda outra condicionante, que é o futuro da zona euro. Advocatus | Está pessimista sobre esse futuro? SP | Estou desiludido com a forma como as questões têm sido discutidas. Vejo o eixo franco-alemão muito ativo e muita passividade no eixo Portugal, Espanha, Itália – embora com o Mário Monti as coisas tenham mudado um pouco. Com o prestígio que tem e a associação de ideias que tem com O agregador da advocacia

“Eu não acredito que, por si só, o programa da troika vá resolver o problema da economia portuguesa. Pode dar um enquadramento e por as contas mais equilibradas e ponto final. Dois anos não é tempo para que se veja o impacto das reformas estruturais”

“Uma sociedade que se pretende desenvolver tem de ser uma sociedade sem temor, o que obriga a esse exercício de compromisso. A forma de gerir empresas, por exemplo, só teria a ganhar se existisse interação entre todos e hoje as empresas mais bem sucedidas são as que têm mais horizontalidade e menos verticalidade”

o Jean Claude Juncker, que pode ser muito importante neste processo, acho que podemos ter um núcleo de países da Europa do Sul que pode falar a uma só voz dentro do Conselho e pôr tudo mais equilibrado. Vejo com muita preocupação o apagamento da Comissão e do seu presidente neste processo, o que é mau para os países pequenos. É preciso reforçar a ideia de que a Europa é o expoente de uma cultura que se baseia na diversidade e pensar que há uma política económica europeia traçada a régua e esquadro pelos interesses alemães é a negação do projeto europeu. Para mim é claro que não pode haver uma moeda única numa zona onde não haja coesão social e regional. Correu tudo bem durante 10 anos porque a Europa crescia e por isso não vinham ao de cima estas vulnerabilidades. O problema é que a Europa deixou de crescer e esse é o grande problema. Mas, para crescer, a Europa tem de ter uma estratégia em relação às outras potências. Qual é a estratégia em relação à China? Não conheço. Se a Europa quer ser um player neste jogo internacional onde se estão a passar coisas importantes e há uma deslocalização do poder dos EUA para os países asiáticos, precisa de uma estratégia. Portugal não pode deixar de ser um player ativo nestas matérias até pela posição que ocupa e das ligações ao Brasil e a África.

“Acho que este acordo de concertação é uma exceção no comportamento médio dos portugueses”

Advocatus | O Governo tem ânimo, força e credibilidade para levar por diante quer as reformas quer integrar-se nessa política europeia de que fala? SP | Vamos ser realistas: este Governo foi apanhado para executar aquele programa da troika que é uma “ditadura” financeira que se sobrepõe a todo o resto. Eu não tenho ilusões que os primeiros dois anos deste Governo vão ser muito condicionados pela aplicação do programa e que não dá tempo para respirar. Face às circunstâncias, julgo que, em termos globais, seria muito difícil fazer melhor. Abril de 2012

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