Entrevista a Manuel Barrocas, sócio fundador da Barrocas Advogados

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Entrevista

Hermínio Santos jornalista hs@briefing.pt

“Nos últimos anos a Arbitragem, em Portugal, tem sofrido um desenvolvimento, uma divulgação e um interesse que nunca teve”, afirma Manuel Barrocas, sócio fundador da Barrocas Advogados, e especialista na matéria. O advogado afirma que o País pode mesmo tornar-se num importante centro de Arbitragem, principalmente nas comunidades lusófona e castelhana

Manuel Barrocas, sócio fundador da Barrocas Advogados

Ramon de Melo

Arbitragem a crescer

Advocatus | Em 2010 escreveu um Manual de Arbitragem. Porque é que escreveu o livro nessa altura? Manuel Barrocas | Escrevi o livro por três razões principais. Primeiro porque a Arbitragem é uma área que me interessa desde há muitos anos. Em segundo lugar, porque não existia em Portugal, nem no Brasil – o livro também está a ser vendido, e muito bem, no Brasil, e a ser citado por sentenças judiciais e árbitros distintos. 6

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Em terceiro lugar, a verdadeira mola motivadora que me despoletou para fazer alguma coisa nesse campo foi o conhecimento que tive no meu escritório de um outro colega que, numa acção arbitral que estava a correr no Funchal, o senhor árbitro presidente do Tribunal teve o dossier parado durante nove meses e meio. Isto é tudo o que há de mais confrangedor e absolutamente indesculpável em Arbitragem. Aquele senhor não faz a mínima ideia

do que é a Arbitragem e arriscou-se a que lhe fosse movida uma acção judicial por perdas e danos, que não é assim tão invulgar em Arbitragem. Advocatus | Como é que vê o sector da Arbitragem em Portugal? Falou desse caso de nove meses, há outros? MB | Nos últimos anos a Arbitragem, em Portugal, tem sofrido um desenvolvimento, uma divulgação e um interes-

se que nunca teve. Por várias razões: porque os tribunais têm atrasos muito grandes, porque a Arbitragem no plano comercial, e não só, é um meio muito inteligente, racional de resolver litígios e também porque nós vamos ter uma nova lei de Arbitragem dentro de pouco tempo. A lei actualmente em vigor data de 1986, necessita urgentemente de ser substituída porque isso permite não apenas disciplinar melhor a Arbitragem como sobretudo atrair O agregador da advocacia


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Arbitragem de conflitos internacionais, designadamente de países de língua portuguesa, para ter lugar em Portugal. A lei que aí vem é das mais modernas, actualizadas e melhor feitas que eu conheço. Advocatus | O que está a dizer é que casos que ocorram em países da comunidade lusófona podem ser resolvidos em Portugal? MB | Também de outros países. Os centros de Arbitragem espanhóis, por exemplo, estão a namorar empresas portuguesas e escritórios de advogados portugueses para nomearem alguns centros de Arbitragem existentes em Espanha para resolver litígios. Portanto, nós também podemos fazer o mesmo. Eu próprio tenho a experiência de uma grande empresa brasileira que investiu em Moçambique e as autoridades moçambicanas não aceitaram a lei brasileira para regular o contrato nem os brasileiros aceitaram a lei moçambicana. Então escolheram a lei portuguesa e a Arbitragem em Portugal. Isto é apenas um exemplo de como estas coisas funcionam. A Arbitragem tem muito futuro e é imprescindível sobretudo nos contratos internacionais. Advocatus | Diria que, a nível doméstico, pode também ter influência na resolução dos processos que estão pendentes nos tribunais? MB | Sem dúvida, mas não vamos contar com a Arbitragem para resolver processos de cobranças de dívidas dos consumidores por não pagarem a conta do telefone ou o empréstimo ao banco. Isso são processos executivos e a Arbitragem não se destina a isso mas sim a resolver litígios. É para isso que está vocacionada e não apenas na área comercial, embora esta seja o melhor cliente da Arbitragem. Há, por exemplo, as relações entre o Estado e os cidadãos, na área do Direito Administrativo, onde está a ser utilizada em certos conflitos de natureza fiscal. Também está a ser usada nos acidentes de viação, nas relações entre as companhias de seguros e o segurado. A Arbitragem não é um meio elitista de resolver problemas. Tendencialmente podese ter essa ideia porque até aqui só grandes empresas é que a usavam.

“A Arbitragem não é um meio elitista de resolver problemas. Tendencialmente pode-se ter essa ideia porque até aqui só grandes empresas é que a usavam”

“Tomamos a opção de não querermos ser uma grande sociedade de advogados, muito embora tenhamos uma prática profissional idêntica às das sociedades conhecidas como as maiores, quer em qualidade, quer no tipo de serviço”

Advocatus | Como é que se resolve essa parte dos processos pendentes nos tribunais? MB | Ando a pensar nisso há 40 anos e ainda não arranjei uma solução. Sabe-se quais são os problemas mas a questão é saber como é que se resolvem. Simplificar o processo civil, dar ao juiz poderes que lhe são próprios, para julgar e conduzir o processo, por exemplo, mas não para tratar de assuntos administrativos do tribunal; que as partes, e até os advogados, muitos deles, ganhem outra mentalidade para colaborarem com o tribunal e não para o utilizarem como meio de protelar questões. Tem-se feito alguma coisa mas isso não significa que o problema esteja resolvido até porque isto é fundamentalmente uma questão de cultura e mentalidade de todos os intervenientes nos tribunais, desde o juiz aos funcionários. Isso implica uma revolução super-estrutural muito grande e não é fácil. Mas isto não é um problema único do nosso País.

“A lei que aí vem é das mais modernas, actualizadas e melhor feitas que eu conheço”

Advocatus | As medidas que a troika aplicou em Portugal podem estimular o recurso a processos de Arbitragem? MB | Sem dúvida nenhuma. A Arbitragem não existe para resolver os problemas dos tribunais mas que retira muitos processos do tribunal isso não há dúvida nenhuma, porque permite às partes uma justiça mais rápida, eventualmente com julgadores – com todo o respeito pelos magistrados judiciais – mais conhecedores do litígio e porque é que ele surge, porque podem ter mais experiência no tipo de litígio que acontece. Diz-se que os tribunais são mais baratos do que a Arbitragem mas não é necessariamente assim, porque os custos de um litígio não se podem medir apenas pelas custas judiciais ou pelos custos da Arbitragem, têm que se medir pelo tempo em que é possível obter a resolução do litígio. Se este puder ser resolvido em seis meses não é a mesma coisa que resolvê-lo em quatro ou cinco anos e isto também é um custo. Matérias mais complexas, que normalmente num tribunal demoram mais tempo a resolver porque exigem provas periciais e conhecimentos do próprio juiz, em Arbitragem são mais facilmente compreendidas. >>>

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“Devo sublinhar que Portugal pode tornar-se num importante centro de Arbitragem e há vários advogados e árbitros portugueses muito qualificados, que muito podem contribuir para isso”

Advocatus | Falou na nova Lei de Arbitragem. Essa lei segue algum modelo? MB | Segue um modelo internacional, a lei-modelo da UNCITRAL, que é uma agência das Nações Unidas que trata de assuntos relativos ao desenvolvimento do Direito Comercial, sobretudo do comércio internacional. A UNCITRAL publicou uma lei-quadro para servir de modelo a outros países e Portugal seguiu, e bem, essa lei. Não foi só Portugal que o fez, os EUA, a Espanha e a Alemanha, por exemplo, também o fizeram. A nova lei tem particularidades relativas ao nosso País, à nossa ordem jurídica, mas segue sobretudo o texto da leimodelo da UNCITRAL.

Advocatus | Pode ter essa importância a nível mundial? MB | Estou a pensar sobretudo em países de língua portuguesa mas não só. Também em Espanha e nos países de língua castelhana da América Latina e eventualmente outros, como França e Itália.

Advocatus | Na Barrocas Advogados a Arbitragem é uma das apostas? MB | Há muito anos. Eu já o faço há muitos anos, tal como outros advogados do escritório. É uma das áreas a que nos dedicamos e temos sentido mais procura nos últimos anos. Há alguns anos atrás era procurada sobretudo nas áreas da construção e obra pública, que era o grande cliente da Arbitragem. Hoje continua a ser, embora já haja menos obra, mas alargou-se a outros domínios. Devo sublinhar que Portugal pode tornar-se num importante centro de Arbitragem e há vários advogados e árbitros portugueses muito qualificados, que muito podem contribuir para isso.

Advocatus | Qual é a ligação da sociedade à comunidade lusófona? MB | Já fizemos trabalhos jurídicos praticamente em todas as ex-colónias portuguesas e até em Macau, onde trabalhámos, por exemplo, no contrato para a construção das pistas e dos taxi-ways do aeroporto. Angola e Moçambique são países onde também temos trabalhado, assim como no Brasil – representamos duas grandes empresas brasileiras em Portugal. O que acontece é que até agora não temos nenhum escritório em Angola, por exemplo, sobretudo porque queremos trabalhar o prime business. Não quisemos estar envolvidos, até agora, nos assuntos do dia-a-dia das empresas nesses países. Vamos ver no futuro.

Advocatus | Para além da Arbitragem quais são os outros corebusiness da Barrocas Advogados? MB | Todo o Direito Comercial em geral, designadamente o Direito Societário, o Direito Financeiro, os contratos em geral, certas áreas específicas do Direito Comercial. Um pouco de Direito da Concorrência, Direito Laboral, Propriedade Intelectual, Contencioso.

Advocatus | Como é que classificaria a Barrocas Advogados: uma sociedade de média dimensão com ambições de crescimento ou uma sociedade em fase de expansão acelerada? MB | Tomamos a opção de não querermos ser uma grande sociedade de advogados, muito embora tenhamos uma prática profissional idêntica às das sociedades conhecidas como as maiores, quer em qualidade, quer no tipo de serviço. Somos uma firma de média dimensão que trabalha nos assuntos para a qual a firma está mais vocacionada, a área Comercial, representando muitos clientes estrangeiros e portugueses. Advocatus | Como é que vê a entrada de sociedades estrangeiras nos escritórios portugueses? MB | Temos apenas uma firma portuguesa que é inglesa e quatro espanholas. Em relação à Espanha, Portugal é um mercado natural e portanto eles vieram por causa das empresas espanholas que investiram em Portugal. Não queriam perder a oportunidade de representarem essas empresas aqui. Por muito respeito, consideração e amizade que tenha por alguns dos colegas que estão nessas firmas estrangeiras, em rigor eles não vieram acrescentar nada à advocacia portuguesa. Nós já sabíamos tudo o que eles podiam trazer para aqui. Podia acontecer que alguns pudessem ter alguma maior experiência do que nós em certos assuntos mas não é assim

PERFIL

Especialista da Arbitragem Conferências, congressos, seminários e clientes. Este é o dia-a-dia de Manuel Barrocas, que passa grande parte do ano em viagens, desde Nova Iorque ao Dubai. No final de Outubro esteve na cidade norte-americana para fazer uma conferência na Ordem dos Advogados local sobre Responsabilidade Pré-Contratual e no início de Novembro voou para o Dubai, onde assistiu à conferência internacional da IBA (International Bar Association). Barrocas foi o único advogado

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português que fez parte do Council Board desta associação, entre 1994 e 1998. É reconhecido como um grande especialista em Arbitragem e é um advogado recomendado por directórios internacionais e publicações de direito, incluindo Legal Experts, Chambers & Partners Global, entre outras. Licenciado em Direito, em 1968, pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, é advogado desde 1970. Em 1989, fundou a sociedade Barrocas Advogados, uma das primeiras em Portugal,

que hoje conta com 17 advogados. A prática profissional de Manuel Barrocas foi sempre a do Direito Comercial. Se hoje voltasse atrás “continuaria a escolher a advocacia”, afirma. A sua entrega à profissão é total pois considera que a advocacia, com os desafios que coloca, “é cada vez mais absorvente”. Por isso, sobra-lhe pouco tempo para outras actividades, embora goste de estar com os amigos e de ter as suas horas de lazer. Vê algum cinema, sobretudo em casa.

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porque eles vêm para cá e contratam advogados portugueses. Portanto, são advogados portugueses a trabalhar para uma firma estrangeira. É preciso ter em conta que Portugal é um país periférico e isso nota-se muito na advocacia. Advocatus | De que forma? MB | Porque não há grandes negócios em Portugal. Existem alguns de vez em quando, sobretudo quando o Estado se envolve em obra pública de vulto, internacional. Mas fora isso Portugal é um mercado pequeno, de médios negócios. Os grandes negócios são ocasioniais. Advocatus | Será possível que escritórios brasileiros ou angolanos entrem, um dia, em Portugal? MB | Isso é sempre possível mas julgo que não será significativo porque o fenómeno dos escritórios correspondentes preenche essa necessidade. Advocatus | Como é que olha para o sector da advocacia em Portugal? MB | Há dois tipos de escritórios de advogados: os que trabalham numa base individual, de advogados que eventualmente trabalham no mesmo espaço com outros colegas mas não estão associados e advogam no diaa-dia ou na área criminal, e outro tipo de organização profissional constituída por sociedades de advogados e O agregador da advocacia

aí há maiores e menores, conforme a dimensão e a sua expressão no mercado. Acho que a advocacia portuguesa e os escritórios que existem estão ainda hoje dimensionados para um período económico que já não existe. Com a crise que estalou em 2007 e se estendeu pelos anos seguintes assistiu-se a um emagrecimento em todos os aspectos da actividade económica em geral e os escritórios estão cada vez mais desarticulados do mercado. Isso não quer dizer que não haja trabalho mas só que não estamos numa situação de boom económico e os escritórios estão dimensionados para isso. Para alguns escritórios o Estado era um importante cliente, que gerava muito trabalho, mas parece que até nesse campo as possibilidades estão a diminuir. Advocatus | Como é que essas sociedades se adaptam a esse novo clima? MB | É uma incógnita mas é evidente que é o mercado que dita as regras. Como a advocacia ainda é muito assente numa relação pessoal, de confiança com as pessoas, esse vínculo tende a manter-se embora, eventualmente, atenuado pelo facto de ter diminuído a actividade económica em geral. No entanto, a partir do momento em que não haja mais trabalho ao ponto de justificar o número de advogados que têm e a estrutura que

“A Arbitragem não existe para resolver os problemas dos tribunais mas que retira muitos processos do tribunal isso não há dúvida nenhuma, porque permite às partes uma justiça mais rápida, eventualmente com julgadores – com todo o respeito pelos magistrados judiciais – mais conhecedores do litígio”

têm, a solução é naturalmente ditada pelo mercado e conduz à diminuição da estrutura das firmas. Como é que se adaptam para sair desta situação? Certamente procurando outros mercados, designadamente de língua portuguesa porque o mundo português não se limita ao espaço territorial de Portugal e portanto há sempre uma forma de conduzir trabalho para aí. Importante era que a nossa economia pudesse recuperar, que as empresas portuguesas ganhassem cada vez mais estatuto internacional e nacional para desenvolver a sua actividade mas parece que, infelizmente, não foi isso que aconteceu, por grande culpa dos Governos anteriores, sobretudo o que antecedeu o actual. Advocatus | O que é que recomendaria ao Governo na área da Justiça? MB | Ter um ministro que conheça bem os problemas que existem e saiba dialogar com todos os agentes para obter uma simplificação do nosso sistema judicial e outros. Que o Governo tenha a preocupação de publicar leis simples, directas, eficazes e bem feitas. No fundo, que vão no sentido da necessidade de modificar a nossa mentalidade, a nossa cultura. Educar as pessoas para que os tribunais não sejam uma forma de ganhar tempo. Sobretudo, mudar as mentalidades. Isso é uma tarefa muito difícil. Novembro de 2011

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