Entrevista com Sérvulo Correia

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Entrevista

João Teives Director Advocatus

Tatiana Canas Jornalista tc@briefing.pt

“Um bom outsourcing legislativo, como sucedeu no Código dos Contratos Públicos, deve envolver diálogo permanente com a máquina administrativa. O recurso a juristas exteriores ao Estado justificava-se pela grande complexidade do diploma em causa e pelo elevado grau de especialização que a matéria recomenda”, afirma Sérvulo Correia, 74 anos, que confessou ao Advocatus que “morreria feliz se ainda conseguisse escrever um manual de Teoria Geral do Direito Administrativo”

José Manuel Sérvulo Correia, sócio da Sérvulo e Associados

Ramon de Melo

Bom outsourcing legislativo envolve diálogo com Administração

Advocatus I Este ano o processo administrativo vai estar na ordem do dia, com a contestação dos magistrados e dos funcionários públicos aos cortes salariais. Qual o impacto que prevê da avaO novo agregador da advocacia

lanche de processos no cenário, já crítico, dos tribunais administrativos? José Manuel Sérvulo Correia (JMSC) I O Código de Processo nos Tribunais Administrativos, tem

uma medida para os chamados “processos em massa” que permite juntá-los, seleccionar da massa que levanta os mesmos problemas de Direito aqueles que sejam mais representativos das diversas pecu>>> Fevereiro de 2011

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liaridades, suspender os outros, e julgar esses. E depois, há um leque de possibilidades quando são proferidas essas decisões iniciais. Os autores daqueles processos que ficaram suspensos podem desistir, recorrer logo, ou requerer a continuação isolada do seu próprio processo. Aí é que o efeito de afogamento dos tribunais poderá eventualmente ser maior. E depois, naturalmente, vai haver repercussão a nível dos tribunais superiores.

“Com a criação de um segundo Tribunal Central Administrativo, redistribuíram-se as competências entre os tribunais administrativos, o que permitiu desafogar o Supremo Tribunal Administrativo”

Advocatus I Com os recursos? JMSC I Sim.

“A Sérvulo participou num processo de outsourcing legislativo numa projecto muito importante que foi o Código dos Contratos Públicos. Estou convencido que vai ficar no Direito Público português como um dos grandes monumentos legislativos destas décadas”

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Advocatus I Neste momento estamos com sete anos sobre a reforma do Contencioso Administrativo. Quais as principais vantagens que destaca nesta revolução? JMSC I Tratou-se de uma mudança qualitativa em relação às fases anteriores na história do nosso Contencioso Administrativo. Quanto ao imperativo constitucional da efectividade penso que, pela primeira vez, terá sido globalmente alcançado através de um eco muito grande de soluções inovatórias. Sublinharia a alteração do leque de meios processuais com a essência de uma acção de condenação à prática de acto devido, que é uma forma muito mais eficaz de reagir contra a passividade ou a simples recusa da administração do que a antiga acção de impugnação do acto negativo. Por outro lado, destaca-se ainda a possibilidade de cumular pedidos em qualquer acção administrativa, mesmo na acção de impugnação do acto administrativo, como a possibilidade de cumular, na mesma acção, o pedido de anulação do acto com o pedido de condenação da prática de um acto substitutivo. Em terceiro lugar, flexibilizaram-se também muito os mecanismos de tutela cautelar, que quase se resumiam ao velho instituto da suspensão de eficácia do acto administrativo e agora podem ser aqueles que, segundo as circunstâncias, se revelem as mais efectivas. Simultaneamente com a reforma processual propriamente dita, o legislador fez um pacote integrado que tam-

“Eventualmente, nos primeiros tempos os tribunais terão colocado um crivo menos exigente na admissibilidade e até depois no provimento das medidas cautelares solicitadas, o que deu, em relação à Administração Pública, uma certa noção de que se criava um clima de ingovernabilidade porque tudo era travado ao nível das medidas cautelares”

bém passou pela orgânica dos tribunais administrativos. E aí, não só foi criado um número substancial de novos tribunais administrativos, a nível de tribunais de primeira instância, mas também com a criação de um segundo tribunal central administrativo. Redistribuíram-se as competências entre os tribunais administrativos, o que permitiu desafogar o Supremo Tribunal Administrativo e reservar-lhe o papel próprio de qualquer supremo tribunal, que é o de estabelecer as grandes orientações para a evolução da jurisprudência, análise dos principais problemas que se colocam no âmbito da jurisdição administrativa, e não se desgastar constantemente perante um número infindável de pequenos processos com problemas que não têm um alcance social jurídico geral. Advocatus I Deixando de ser um tribunal de primeira instância para os actos do Governo... JMSC I Excepto para os actos do Conselho de Ministros e do primeiro-ministro, que acho que se justifica. O primeiro-ministro e o Conselho de Ministros não praticam actos sobre a renovação das funções de um contínuo, mas referem-se a problemas de elevado interesse público e aí justifica-se que haja uma certa cautela quanto a requisitos de maturidade e de ciência dos juízes que vão reapreciar essas decisões. Mas são situações excepcionais, de resto todos os actos do Governo passam pela fieira normal. Advocatus I Nesse clima de revolução, não acha que houve uma certa exuberância que, com o tempo, se tornou mais contida por parte dos tribunais? JMSC I Penso que esse fenómeno expansionista se verificou nos primeiros tempos de aplicação da reforma do Contencioso Administrativo, sobretudo no domínio da tutela cautelar. Como esta foi muito facilitada e, em muitos casos, não se trata apenas de garantir o status quo, mas há a possibilidade de, através de medidas cautelares antecipatórias, conseguir desde logo a solução que se pretenderia através da O novo agregador da advocacia


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causa principal. Naturalmente que houve, da parte dos advogados, um enorme recurso à tutela cautelar e, eventualmente, nos primeiros tempos os tribunais terão colocado um crivo menos exigente na admissibilidade e até depois no provimento das medidas cautelares solicitadas, o que deu, em relação à Administração Pública uma certa noção de que se criava um clima de ingovernabilidade, porque tudo era travado ao nível das medidas cautelares. Admito que depois tenha havido a acepção da consciência de uma necessidade de maior cautela, enfim, um certo equilíbrio sobre aquilo que é claramente matéria jurídica e de tutela dos direitos, e aquilo que é matéria de política administrativa pela qual os órgãos da administração devem responder politicamente perante os eleitores ou perante os órgãos da assembleia, que são directamente legitimados pelo eleitor. E, portanto, diria globalmente que não se pode afirmar que se tenha concretizado o risco do juiz administrativo usurpar a legitimidade de decisão para a decisão livre dos órgãos da administração. Tem-se mantido um nível razoável de equilíbrio entre aquilo que é controlo de legalidade e aquilo que é controlo de conveniência política. Advocatus I Se é certo que no código houve uma revolução, também é verdade que os tribunais administrativos e em especial os tributários continuam a ser muito pouco céleres, até por comparação com a justiça comum. Como é que esta situação pode ser ultrapassável? JMSC I Não tenho a certeza que a morosidade nos tribunais administrativos seja mais grave do que nos tribunais comuns. Apesar de tudo, há diferenças significativas entre o que se passa a nível do Supremo Tribunal Administrativo, que melhorou muito a sua taxa de eficiência e resolução. O que não quer dizer que os problemas estejam totalmente solucionados, porque mesmo a esse nível o número de processos findos, por vezes, é inferior ao número de processos entrados. Mas a situação não é dramática.

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“Tem-se mantido um nível razoável de equilíbrio entre aquilo que é controlo de legalidade e aquilo que é controlo de conveniência política”

“Não tenho a certeza que a morosidade nos tribunais administrativos seja mais grave do que nos tribunais comuns”

É com as taxas de resolução e de eficiência que se estabelecem rácios entre o número de processos findos e o número de processos entrados, mais o número de pendentes que vinham do ano anterior. E depois, há uma taxa de resolução que é apenas um rácio entre processos entrados e processos findos. A taxa do Supremo Tribunal Administrativo tem andado relativamente à volta dos 100 por cento, embora piore na taxa de eficiência. Depois, há tribunais onde a situação é bastante preocupante, nomeadamente aqui em Lisboa, não sei como a realidade se configura nos últimos meses, mas até há pouco tempo, pelo menos no juízo liquidatário do Tribunal Administrativo do Círculo de Lisboa a situação era gravíssima. Há processos que demoram, só na primeira instância, oito a 10 anos, às vezes mais. Advocatus I O presidente do Supremo Tribunal de Justiça queixava-se da falta de juízes… JMSC I Não ponho em dúvida que, em alguns casos, faltem juízes. Isso parece evidente. Não tenho números, estou a dizer aquilo que por vezes tenho lido. Mas tenho ouvido falar que, num país como a França, a capitação de juízes por habitante é inferior à capitação em Portugal. E, no entanto, não quer dizer que eles não tenham críticas contra a morosidade, porque eu diria que o problema é comum aos tribunais na Europa, onde a situação é mais grave nuns do que noutros mas, apesar de tudo, a situação em França estará longe de ter a gravidade da situação em Portugal. Portanto, só para dizer que, sem pôr em causa que em alguns casos sejam necessários mais juízes, será porventura ilusório pensar que indo aumentando indefinidamente o número de juízes se vai resolver o problema. A verdade é que, com esta reforma, criaram-se uma série de novos tribunais administrativos de primeira instância, criou-se um novo tribunal de segunda instância, aumentou-se consideravelmente a esses níveis o número de juízes e os resultados globais não parecem ter melhorado, se exceptuarmos o

“A actividade legislativa do Estado muito provavelmente não vai ser prioritária durante uns tempos, devendo prevalecer sobretudo medidas de emergência. Uma parte significativa da actividade de fundo do Estado de planeamento e programação deverá sair afectada”

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Supremo Tribunal Administrativo.

“As perspectivas para este ano são muito delicadas. Temos de encarar tudo com a maior das cautelas e estar preparados para resistir à crise e ultrapassá-la na parte que nos diz respeito. E estou em crer que a crise, duma forma ou de outra, nos irá afectar”

AdvocatusI Na área fiscal recorreu-se à arbitragem. Acha que o recurso a uma arbitragem administrativa, em termos massivos, seria uma boa alternativa? JMSC I Os problemas não se põem nos mesmos termos no Contencioso Tributário e no Contencioso Administrativo em sentido estrito. Terá de haver alguma cautela na delimitação de alguns tipos de casos que, em princípio, não são muito recomendáveis para efeito de solução arbitral. No entanto, também me parece que, em face de uma situação global de relativa inoperância dos tribunais administrativos para dar andamento às causas, deveria estudar-se o alargamento do mecanismo de arbitragem, a aplicabilidade desse mecanismo. Não tive ainda ocasião de estudar com cuidado a lei da arbitragem tributária, mas vi uma solução que, sem prejuízo das tais ressalvas para casos excepcionais, parece bem concebida, e é esta: o particular que tem o seu processo pendente há mais de dois anos no tribunal, tem o direito de requerer a passagem à arbitragem. É claro que a arbitragem não resolve tudo porque normalmente é mais cara, e também o stock de árbitros disponíveis não será tão extenso. Em suma, recomendo cuidado quanto à natureza das causas em relação às quais se podia estender a arbitragem. E também com a consciência de que a arbitragem não resolverá tudo, por ser difícil encontrar árbitros se houver um grande número de arbitragens e, por outro lado, a questão dos custos. Sem considerar que não será uma solução miraculosa que irá resolver todos os problemas do atraso nos tribunais administrativos, penso que seria uma, entre outras soluções, em encarar para tentar ir corrigindo esta situação. Advocatus I Como é que funciona o outsourcing legislativo? JMSC I A Sérvulo e Associados (Sérvulo) não participou em muito outsourcing legislativo. Participou, nos últimos anos, num projecto muito importante, numa tarefa mui-

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“Há tribunais onde a situação é bastante preocupante, nomeadamente aqui em Lisboa. Até há pouco tempo, pelo menos no juízo liquidatário do Tribunal Administrativo do Círculo de Lisboa a situação era gravíssima. Há processos que demoram, só na primeira instância, oito a 10 anos, às vezes mais”

“Em França, a capitação de juízes por habitante é inferior à portuguesa. Sem pôr em causa que em alguns casos sejam necessários mais juízes, será porventura ilusório pensar que indo aumentando indefinidamente o número de juízes se vai resolver o problema”

to complexa, mas muito interessante, para quem goste de fazer este tipo de trabalho, que foi o Código dos Contratos Públicos (CCP). Quer dizer, nós não fomos os autores do CCP, fizemos ante-projectos, que depois foram sendo sucessivamente discutidos, no quadro do então Instituto dos Mercados de Obras Públicas e Particulares e do Imobiliário (IMOPPI) com cerca de 70 ou 80 representantes dos diversos sectores da Administração Pública. Os textos foram sendo sucessivamente reformulados até que finalmente seguiram para o Conselho de Ministros e aí também ainda foram retocados. Portanto, este é um trabalho da classe jurídica, eu diria com inclinação para o Direito Público em que nós tivemos um papel relevante, e afirmo-o com orgulho. Naturalmente que este código, como todos os códigos, irá sofrendo o embate da experiência e em função disso irá sendo retocado neste ou naquele aspecto em que as soluções são menos satisfatórias. Mas estou convencido que vai ficar no Direito Público português como um dos grandes monumentos legislativos destas décadas. Isto, a par do Código do Procedimento Administrativo que - em virtude da reforma administrativa que vigorou nos tribunais - também vai carecer de revisão, uma vez que é dos diplomas mais antigos que ainda temos em vigor. Advocatus I Quais são as principais vantagens que vê nesta forma de legislar? JMSC I Para os juristas que têm uma vertente analítica, que estudam com atenção a evolução dos mesmos ramos jurídicos noutras ordens jurídicas internacionais e no próprio Direito Europeu, será como na Engenharia Aeronáutica construir um novo Airbus. É um trabalho muito aliciante, mas que também envolve muita responsabilidade. Mas é uma tarefa episódica – como dizia há momentos atrás, que me lembre nos últimos anos, e para além do CCP, a Sérvulo interveio com uma equipa que não era só de advogados desta sociedade (também incluía técnicos doutras origens), dirigida pelo professor Rui MedeiO novo agregador da advocacia


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ros que redigiu a nova legislação da água. Foi também um trabalho que se arrastou por dois anos ou coisa que o valha, envolvendo também uma quantidade de diplomas complementares, nalguns dos quais o escritório também teve um papel relevante quanto à sua elaboração. E foi agora, recentemente, esta lei da arbitragem tributária, cujo anteprojecto é da autoria do nosso sócio de Tributário, Gonçalo Leite de Campos. Quanto a trabalhos encomendados à sociedade nos últimos tempos, foi isto.

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“A arbitragem não resolve tudo porque normalmente é mais cara, e também o stock de árbitros disponíveis não será tão extenso”

Advocatus I Considera que o distanciamento da máquina administrativa é uma mais-valia no outsourcing legislativo? JMSC I Pelo contrário, eu diria que um bom outsourcing legislativo, como sucedeu no CCP, deve envolver diálogo permanente com a máquina administrativa. O recurso a juristas exteriores ao Estado justificava-se pela grande complexidade do diploma em causa e pelo elevado grau de especialização que a matéria recomenda. Seria um grande erro elaborar diplomas destes de costas voltadas para a Administração Pública, pois é daqui que vem todo o input ao modo como muitos dos problemas se colocam e depois têm de se resolver tecnicamente o conjunto de soluções normativas que a pouco e pouco vão surgindo nas diversas fases de elaboração do projecto. Advocatus I Numa conjuntura económica de retracção vai haver uma tendência para o Estado reduzir recurso ao outsourcing legislativo? JMSC I É possível. Até porque a actividade legislativa do Estado muito provavelmente não vai ser prioritária durante uns tempos, devendo prevalecer sobretudo medidas de emergência. Uma parte significativa da actividade de fundo do Estado de planeamento e programação deverá sair afectada. Mas, para a Sérvulo, o outsourcing legislativo não foi o principal nível do outsourcing em que nós participámos. O principal nível foi o patrocínio de entidades públicas em processos

“É inevitável que, em cada momento, haja núcleos mais rentáveis do que outros. Neste momento posso dizer que o núcleo de Direito Público ainda é o mais rentável e em 2010 ultrapassou os seus objectivos”

em curso nos tribunais administrativos, a assessoria em grandes operações como, por exemplo, na preparação de concursos para novas concessões no domínio das auto-estradas e coisas assim desse género e pareceres, sendo que estes normalmente não são pedidos à sociedade. A Sérvulo conta com vários professores doutores, como é o meu caso ou o do professor Rui Medeiros, para além de advogados que têm mestrados e leccionam na Academia tendo obra conhecida, a quem por vezes são pedidos pareceres. Mas todo o trabalho que granjeiem de natureza jurídica são auferidos a título da sociedade, aqui os sócios não recebem autonomamente. Embora a nível de facturação e o rendimento sejam da sociedade, o pedido é individualizado, ao invés do que sucede no patrocínio judiciário, onde a intervenção depende de equipas multidisciplinares lideradas por sócios de ponta.

“Nós não somos uma sociedade de advogados de full service, no sentido de aceitarmos todos os casos, nem trabalhar em todos os planos do Direito”

Advocatus I Quais os principais objectivos para a sociedade num ano que se afigura novamente complicado na advocacia? JMSC I Ainda não aprovámos o orçamento para 2011, o que mostra bem a atitude expectante que nos reserva este ano. Como sabe, as perspectivas gerais para o país não são brilhantes. Segundo o Economist, Portugal, a par da Irlanda e eventualmente da própria Espanha, deveria entrar em default o mais cedo possível, ou seja, deveriam reconhecer e declarar a sua insolvência para que a sua dívida externa possa ser reestruturada, significando isto que os credores teriam de perder parte dos seus créditos. Mais adiante, a mesma publicação refere que os próprios bancos portugueses não vão ficar intocados com a aplicação destas medidas que eles consideram racionais e indispensáveis, a aplicar o mais cedo possível, por duas ordens de razões: por um lado, porque eles põem dúvidas em relação à solidez das instituições bancárias portuguesas, uma vez que não é de excluir a situação de haver uma bolha de crédito malparado prestes a rebentar num futuro próximo. Por outro lado, os bancos >>>

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absorveram parte da dívida estadual, logo, é evidente que se houver essa reestruturação do crédito português, os bancos – juntamente com os outros credores – irão perder uma parte dos seus créditos, o que afecta inevitavelmente o equilíbrio das próprias instituições financeiras. Em suma, as perspectivas para este ano são muito delicadas e nós, como as outras sociedades de advogados, com cerca de 60 advogados e 30 outros profissionais, temos de encarar tudo com a maior das cautelas e estar preparados para resistir à crise e ultrapassá-la na parte que nos diz respeito. E estou em crer que a crise, duma forma ou de outra, nos irá afectar. Advocatus I A Sérvulo começou por ser uma boutique de Direito Público, hoje em dia é um escritório multidisciplinar. Esta maior versatilidade pode ser considerada benéfica numa altura de crise? JMSC I Nós não somos uma sociedade de advogados de full service, no sentido de aceitarmos todos os casos nem de trabalhar em todos os planos do Direito. Temos uma estrutura de núcleos que abrange as principais áreas de prática: Direito Público, e em volta dele Direito Europeu e da Concorrência, Direito do Ambiente e do Urbanismo, Direito Financeiro, Direito Societário e Comercial, Direito Laboral, Direito Penal Económico e Contra-Ordenacional e Direito Fiscal. Como bem diz, é um facto que a rentabilidade destes núcleos varia consoante a conjuntura, e estarmos preparados para aconselhamento jurídico em mais do que uma área provavelmente é mais uma vantagem do que uma preocupação. É inevitável que, em cada momento, haja núcleos mais rentáveis do que outros. Neste momento posso dizer que o núcleo de Direito Público ainda é o mais rentável e em 2010 ultrapassou os seus objectivos. Mas, como lhe disse, ainda estamos a preparar o orçamento e os objectivos de facturação para 2011. Vamos ver o que nos reserva este ano.

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PERFIL

Para morrer feliz tem de escrever antes um manual Nascido em 1937, em Angra do Heroísmo, nos Açores, foi obrigado a escolher a profissão com apenas 14 anos. Com um volume de leitura “muito grande”, dada a tenra idade, o facto do pai ser reitor do Liceu Camões permitiu-lhe alimentar esse vício através da biblioteca “muito boa e extensa” dessa instituição. “O meu pai queria que eu fosse engenheiro, costumava dizer que as pessoas mais importantes do país no futuro iriam ser engenheiras”, lembra. “Em certa medida acertou [risos], mas nunca senti atracção pela Engenharia, só hesitei muito quanto à Medicina”. Comparando ambas as profissões, considera-as semelhantes, uma vez que “ambas enfrentam situações de diagnóstico difíceis, que implicam conhecimentos técnicos profundos mas actualizados, e também um raciocínio criativo para identificar rapidamente a natureza do problema complexo e depois tentar encontrar estratégias de saída ou de contenção”. Profundamente arrependido de ter enveredado pelo Direito aquando do 25 de Abril, nessa altura era jurista no Banco de Portugal (BdP), onde integrou a primeira equipa que, em 1975, foi à Suíça negociar o primeiro empréstimo ao Estado português com garantia de ouro. Paralelamente, leccionava na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa e tinha um escritório onde só ia ao fim do dia, mas que era “fonte de grande despesa”, numa altura em que já tinha o quinto dos seus sete filhos. Com o sentimento de que tudo o que construíra até então era inútil, na Academia viviase uma fase conturbada, onde o MRPP afastara o PC e desatou a sanear todos os professores, passando depois aos assistentes. O saneamento de Jorge Miranda foi a gota que fez transbordar o copo. Nessa noite, os assistentes que ainda não tinham sido saneados, entre os quais se contava José Manuel Sérvulo Correia, reuniram no escritório de João Robin de Andrade e, decidindo que a situação estava incontrolável, solidarizaram-se com Jorge Miranda. “Foi então que me arrependi de não ter ido para Medicina, que me teria proporcionado mais facilmente sustento noutro país, para onde teria emigrado se a teoria da ditadura comunista tivesse vingado”. A reconciliação com o Direito deu-se na Assembleia da República (AR), na legislatura que teve início em 1976. “Os assistentes de Direito Público da minha faculdade entraram praticamente todos na política, a partir de 1974, porque se criou aquela noção de que era preciso evitar

que o país caísse numa nova ditadura e tornava-se necessário construir uma democracia”. Eleito para a primeira legislatura da Assembleia da República, após a Assembleia Constituinte, mais uma vez o escritório revelou-se “um peso terrível”, pois continuou a ser advogado, mas já não tinha tempo para ir ao escritório. Como deputado da AR, e em conjunto com colegas como Sousa Franco, Joaquim Magalhães Mota ou Figueiredo Dias, legislou sobre as principais matérias da Constituição, desde a estruturação do sector público até ao Serviço Nacional de Saúde, ou à Reforma Agrária. Rematada a carreira política em 1979, a propósito do célebre episódio das Opções Inadiáveis, a par duma intensa vida profissional, é patriarca de uma família extensa, com sete filhos e 14 netos, com o 15.º a caminho. Declarado viciado no trabalho, até os tempos livres são passados a despachar papéis e a ler livros da especialidade. “Também gosto muito de ler livros que não sejam de Direito, mas todos os que tenho comprado nos últimos anos estão lá em casa acumulados, à espera duma oportunidade para serem lidos”, confessa. Viúvo da mãe dos seus sete filhos em 1998, tornou a casar-se quatro anos mais tarde com uma senhora de origem sul-africana, com quem viaja de vez em quando até às suas origens, “embora leve sempre alguns livros de Direito na bagagem”. Os Açores são outro destino incontornável, onde passa três semanas todos os verões, duas semanas na sua terra natal, os restantes dias noutra ilha. Questionado sobre projectos futuros, José Manuel Sérvulo Correia não tem dúvidas: “Morreria feliz se ainda conseguisse escrever um manual de Teoria Geral do Direito Administrativo”.

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