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Hermínio Santos jornalista hs@briefing.pt
“Em termos de resultados e das melhores práticas, Portugal está ao nível do melhor do mundo no sector das telecomunicações”, afirma António Beato Teixeira, 57 anos, presidente do conselho de administração da Alcatel-Lucent Portugal, que factura 140 milhões de euros, dá trabalho a 380 pessoas, afirma-se como líder de mercado e lançou o chip do futuro
António Beato Teixeira, presidente da Alcatel-Lucent Portugal
Ramon de Melo
Entre os melhores do mundo
Fibra | Quais são actualmente as grandes prioridades da Alcatel-Lucent em Portugal? António Beato Teixeira | As grandes prioridades são cumprir os objectivos que a corporação estabelece. Temos objectivos em termos de vendas, receitas, margens, encomendas e desen30
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volvimento do negócio. Naturalmente que se perguntar se essa é a minha prioridade, eu diria que essa é uma das prioridades, pois a mais importante seria começar a crescer no emprego. Mas isso não é nada que se preveja no curto-prazo, devido à situação económica. Todos os anos
temos objectivos muito rígidos que temos de cumprir e portanto a nossa função é cumpri-los da melhor forma possível. Fibra | Qual é a realidade da empresa em Portugal? ABT | Temos actualmente à volta de 380 pessoas, metade AlO novo agregador das comunicações
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catel-Lucent e outra metade de empresas parceiras que trabalham em exclusividade para nós e que estão praticamente todas aqui. Temos muitos dos colaboradores nos nossos clientes e um conceito de flex office e, por isso o espaço acaba por ser suficiente para toda a gente. Fibra | Os clientes da Alcatel-Lucent em Portugal são todos das áreas das telecomunicações? ABT | Há três grandes áreas: operadores de telecomunicações, grandes empresas em que a área de telecomunicações ainda tem um papel importante – e que nós chamamos de indústrias estratégicas – e enterprise, que desenvolve soluções de empresa e cuja receita não é consolidada em Portugal.
“Temos actualmente à volta de 380 pessoas, metade Alcatel-Lucent e outra metade de empresas parceiras que trabalham em exclusividade para nós e que estão praticamente todas aqui”
Fibra | De quem é que depende a Alcatel-Lucent em Portugal? ABT | De Espanha. Fibra | Na Alcatel-Lucent há alguma rotação de quadros entre Lisboa e outros países onde a empresa está presente? ABT | Em Portugal não existe muita rotação. Temos uma empresa sólida, um País com uma boa qualidade de vida, alguma exposição. Há um programa para as pessoas rodarem dentro da empresa mas é preciso que a oportunidade surja.
Fibra | Que posição é que detêm no mercado português? ABT | Número um. No mercado doméstico não claramente, porque a diferença para os nossos concorrentes é pequena e o mercado é bastante repartido. Fibra | O que é que a empresa desenvolve em Portugal? Mais soluções do que produtos, por exemplo? ABT | Temos as duas coisas. Há uma área de equipamentos e produtos, outra de serviços e outra de soluções. Fibra | Dessas três áreas qual é a mais relevante no nosso País? ABT | É a área de networking, a dos equipamentos. Nós fornecemos tudo o que seja soluções de IP. O mundo está a evoluir no sentido do IP e essa área é muito importante para nós. Fibra | Qual é a importância de Portugal para a estrutura global da Alcatel-Lucent? ABT | É a importância que nós temos no mundo: um país pequeno, razoavelmente desenvolvido nesta área, com uma maturidade muito elevada e um merO novo agregador das comunicações
cado muito inovador, por exemplo no móvel. Felizmente para nós, as empresas portuguesas de telecomunicações têm uma gestão muito profissional e ganham prémios internacionais e isso dá-nos alguma visibilidade dentro do grupo Alcatel-Lucent. Muita da visibilidade que temos dentro do grupo tem a ver muito mais com os nossos clientes do que com a dimensão do mercado.
“Felizmente para nós, as empresas portuguesas de telecomunicações têm uma gestão muito profissional e ganham prémios internacionais e isso dá-nos alguma visibilidade dentro do grupo Alcatel-Lucent”
“O grupo está em 130 países e cada uma deles quer sempre tomar conta de si. Por razões históricas nós ainda temos uma participação na Alcatel Lucent Angola mas não é normal”
Fibra | Há alguma ligação da filial portuguesa aos mercados lusófonos? ABT | O grupo está em 130 países e cada um deles quer sempre tomar conta de si. Por razões históricas, nós ainda temos uma participação na Alcatel-Lucent Angola, mas não é normal que assim seja. Por acaso, quem gere a empresa é um quadro que saiu daqui. Nós exportamos para todo o grupo e também para os países africanos de língua portuguesa, mas isso acontece casuisticamente e não porque exista uma estratégia de “tomar conta” desses mercados. Fibra | A empresa tem ligações às universidades, à I&D portuguesa? ABT | Temos alguma coisa mas menos do que aquilo que eu gostava. As universidades portuguesas começam a abrir-se um pouco à colaboração com as empresas, mas não é um namo>>>
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“A experiência de ver televisão hoje não tem nada a ver com o que se passava há cinco anos. Portanto, os conteúdos, o vídeo e a televisão são áreas estratégicas. Com isso vem muita coisa atrás, como a evolução das redes para IP”
ro fácil. Temos algumas ligações com a Universidade do Minho, o Instituto Superior Técnico e o ISEL, por exemplo, mas não em termos de desenvolvimento, de produto. Na minha opinião, as universidades ainda não estão preparadas para essa relação mais íntima com as empresas. Naturalmente que estas têm também as suas falhas, mas precisam de ter lucro e muita da investigação tem que ser aplicada ou perto da aplicação. Fazemos esse tipo de investigação nos nossos laboratórios. Isso não quer dizer que não possa haver uma parceria mas tem de ser muito clara, saber quais são os objectivos, qual o investimento. Nós temos os Bell Labs, que têm sete prémios Nobel. Foi dali que saiu o transístor, o laser e a fibra óptica, por exemplo. Portanto, uma parceria para nós tem que ter um objectivo muito claro. Uma coisa é desenvolver um produto inovador e outra é colocá-lo no mercado.
“Hoje, o vídeo e a necessidade de largura de banda são um facto. As pessoas partilham cada vez mais fotografias e vídeos. Portanto, o que vai acontecer é que os operadores precisam de muita capacidade de largura de banda na sua rede”
Fibra | Como é que olha para a evolução do mercado das telecomunicações em Portugal? ABT | Desde a liberalização, em
1992, o mercado explodiu e foi bastante inovador. Em termos de resultados e das melhores práticas, Portugal está ao nível do melhor do mundo. Eventualmente pode existir algum atraso em relação a soluções LTE, por exemplo, onde Portugal nem sequer lançou ainda o concurso – no GSM, o País foi o segundo da Europa e um dos primeiros do mundo a lançá-lo. Isso levou a uma grande adesão das pessoas aos telemóveis, como todos sabemos, e a muita inovação. Hoje, no fixo, passa-se a mesma coisa. As soluções que nós temos em Portugal de IPTV são das mais avançadas do mundo. Mas temos algum caminho a percorrer e a situação económica não é favorável. Penso que há também algum atraso na administração pública, não nas escolas, onde melhorámos muito, mas noutros ministérios em que há muito por fazer e deveria haver uma maior concentração de serviços – eu sei que é complicado porque envolve pessoas. Até poderia haver outsourcing de alguns serviços na medida em que telecomunicações e informática, por exemplo, não me
PERFIL
Uma vida nas telecomunicações Um leitor compulsivo de clássicos da literatura, um jogador de golfe com “maus resultados” e uma vida dedicada às telecomunicações. Assim se define António Beato Teixeira, que desde 2007 é presidente do conselho de administração da Alcatel-Lucent em Portugal. Formado em Engenharia pelo Instituto Superior Técnico de Lisboa, com uma pós-graduação em Harvard, foi professor antes de se iniciar nas lides empresariais. Começou na Standard Eléctrica, passou para a PT e, quando já tinha constatado que o futuro era dos telemóveis, foi contratado pela Airtouch para a então Telecel, hoje Vodafone Portugal. Oito anos depois rumou ao Brasil a convite de uma empresa canadiana, que tinha operações em vários estados brasileiros. Esteve por lá três anos e recorda
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com agrado a experiência. “Nessa altura o Brasil já estava em crescimento”, diz. No Brasil aprendeu uma lição: que todos devem passar por uma experiência internacional. Regressou a Portugal para a Nortel, onde foi responsável por contas da Vodafone no Médio Oriente, Europa e África. Com a fusão da Alcatel e da Lucent e a compra de uma parte da Nortel acabou por chegar a presidente da empresa em Portugal. Lisboeta, rendeu-se ao iPad, não porque seja um “maluquinho das tecnologias” mas sim porque é uma “bela inovação”. Apesar de virado para o futuro, na literatura prefere os clássicos, desde os russos aos americanos, passando pelos irlandeses. E os portugueses? “Não sou um grande fã”, admite, apesar de gostar de Eça, Aquilino e Camilo, por exemplo.
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“Temos uma elevada penetração de banda larga móvel, muitas casas cabladas em fibra graças à PT. Na área da televisão por cabo, a Zon é uma das empresas mais consideradas a nível europeu”
parece que sejam competências de um ministério. Fibra | Neste cenário, quais são os eixos estratégicos da Alcatel-Lucent em Portugal? ABT | A curto-prazo, o futuro passa por serviços para o cliente final, que terão de ser dados pelos operadores, muito na área fixa, com as soluções de IPTV. A experiência de ver televisão hoje não tem nada a ver com o que se passava há cinco anos. Portanto, os conteúdos, o vídeo e a televisão são áreas estratégicas. Com isso vem muita coisa atrás, como a evolução das redes para IP. Na área móvel o futuro está aí, com a atribuição das licenças das LTE. Por outro lado, nós achamos que as redes de tele-
comunicações que transportam informação e comunicação não servem de nada se não tiverem serviços. Portanto, o desenvolvimento de serviços para o cliente final é uma das prioridades que temos. Fibra | Em Julho a empresa apresentou um chip inovador. O que é que isso vai provocar no dia-a-dia dos consumidores? ABT | Hoje, o vídeo e a necessidade de largura de banda são um facto. As pessoas partilham cada vez mais fotografias e vídeos. Portanto, o que vai acontecer é que os operadores precisam de muita capacidade de largura de banda na sua rede. Por outro lado, querem que o preço
“Podíamos estar um pouco mais avançados no LTE mas no resto os indicadores que nós temos de qualidade de serviço, preço e desenvolvimento de soluções de comunicações são dos mais avançados do mundo”
por bite seja o mais baixo possível. Foi por isso que fomos dos primeiros a lançar os 100 gigas na rede óptica e na de IP. Nesse sentido, desenvolvemos agora um novo chip que vai ser integrado no equipamento de forma a permitir a evolução para maior largura de banda com o menor custo possível por megabite. Fibra | O mercado das telecoms está em ebulição a nível mundial. Neste cenário as empresas europeias e americanas continuarão a ser as mais relevantes ou a China e a Ásia vão assumir o papel de grandes players mundiais? ABT | Para ver a evolução deste mercado podemos dar um exemplo: hoje o standard único >>>
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“No essencial temos um sistema de concorrência sadia entre as empresas do sector e os consumidores finais beneficiam disso”
é o LTE e, ao contrário do que aconteceu com o GSM, está mais desenvolvido nos EUA do que na Europa. Houve aqui, no móvel, uma clara inversão de valores. Um outro exemplo é que um dos nossos maiores concorrentes vem da China. A ideia de que os chineses só copiavam é passado. Hoje há empresas inovadoras e com uma vantagem pois têm um mercado, teoricamente, de 1,3 mil milhões de pessoas. Portanto existe inovação na China. Isso não quer dizer que a Europa e os EUA não tenham condições para que essa inovação continue, desde que as empresas se mantenham. Uma diferença a assinalar é que essas empresas chinesas não entraram nos EUA mas estão na Europa e alguma degradação ao nível do emprego na Europa também se deve a esse factor. Não estou a dizer que a Europa tenha de ser proteccionista, mas tem que ter alguma política em relação a este assunto. Os EUA deixaram que houvesse uma fusão entre a
“É preciso que essas empresas cooperem. Temos bons quadros, pessoas com muito valor e imaginação, criativas, mas a dimensão das empresas não permite o desenvolvimento que seria possível se elas cooperassem mais entre si”
francesa Alcatel e a norte-americana Lucent, já aconteceu uma fusão entre a Nokia e a Siemens, ainda existe uma Ericsson e, de facto, foi nestas empresas que apareceu muita da inovação na área das comunicações durante muitas décadas. Para estas empresas continuarem, a Europa tem de saber o que pretende fazer neste sector. Fibra | Que avaliação é que faz das políticas de novas tecnologias que têm sido desenvolvidas por Portugal? ABT | No essencial temos um sistema de concorrência sadia entre as empresas do sector e os consumidores finais beneficiam disso. Acho que a generalidade das empresas tem uma gestão de muito alto nível e nas comunicações estamos ao nível do que de melhor se faz no mundo. Temos uma elevada penetração de banda larga móvel, muitas casas cabladas em fibra graças à PT. Na área da televisão por cabo, a Zon é uma das empresas mais consideradas a
INOVAÇÃO
O mega-chip No início de Julho a Alcatel-Lucent apresentou mais uma revolução: um chip que permite velocidades de transmissão quatro vezes superiores às actualmente disponibilizadas. Trata-se do mais rápido processador de rede da indústria e permite, por exemplo, transferir, em menos de um segundo, 12 filmes de alta definição. Os novos chips, com 400 Gbps, vão ser comercializados a partir de 2012 e permitem oferecer serviços com maior largura de banda. Este novo chip é apenas uma das muitas inovações de uma longa história de investigação e desenvolvimento que também se escreve em Portugal. No nosso País a em-
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presa mantém três centros de competência e investe anualmente cerca de 6,7 milhões de euros em I&D. Estas operações permitem a criação e manutenção de conhecimento em Portugal e a exportação de soluções e/ou serviços com uma grande componente tecnológica. O Centro de Assistência Técnica GSM, por exemplo, com base em Cascais, executa o nível 3 de suporte aos produtos GSM instalados em mais de 180 clientes no mundo inteiro. A nível global a Alcatel-Lucent detém os Bell Labs, um dos mais avançados centros de investigação e desenvolvimento em tecnologias de telecomunicações.
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“Uma parceria para nós tem que ter um objectivo muito claro. Uma coisa é desenvolver um produto inovador e outra é colocá-lo no mercado”
nível europeu. Podíamos estar um pouco mais avançados no LTE mas, no resto, os indicadores que nós temos de qualidade de serviço, preço e desenvolvimento de soluções de comunicações são dos mais avançados do mundo. Fibra | Que conselhos é que daria ao novo Governo nesta área? ABT | Não estragar nada… acho que não vai estragar. O documento da troika fala um pouco da concorrência. Há aqui uma falácia ao nível de concorrência de operador fixo. Nós temos essa concorrência entre as operadoras. Há uma que tem uma O novo agregador das comunicações
“A curto-prazo, o futuro passa por serviços para o cliente final, que terão de ser dados pelos operadores, muito na área fixa, com as soluções de IPTV”
situação preponderante, mas isso é normal, como existe no mundo inteiro. Não há nenhum país onde as coisas tenham corrido de maneira diferente e até acho que aqui correu bastante melhor do que em países onde houve uma liberalização mais rápida, como foi o caso de Inglaterra, em que faliram dezenas de empresas. As empresas têm o seu caminho para percorrer e é bom lembrar que este sector não precisou de bailouts e que tem sempre grande capacidade de inovação. Este é um dos melhores sectores em que se pode trabalhar. Noutras áreas, como a dos sistemas de informação, é que poderia ser feita alguma coisa. O
mercado português é pequeno e há muitas empresas, é muito atomizado e para um negócio destes é fundamental haver escala. É preciso que essas empresas cooperem. Temos bons quadros, pessoas com muito valor e imaginação, criativas, mas a dimensão das empresas não permite o desenvolvimento que seria possível se elas cooperassem mais entre si. Isso é que era importante e servia o mercado da exportação e nós poderíamos exportar muito mais tecnologia. Claro que não compete ao Governo fazer nada disso, mas pode facilitar e criar incentivos para que essas empresas cooperem mais entre si. Agosto de 2011
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