Gulnara, RP do Uzbequistão

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Gulnara, RP do Uzbequistão

Gettyimages

A filha mais velha do presidente do Uzbequistão é embaixadora na ONU e em Espanha, controla um poderoso império económico, cria jóias e moda, é cantora e patrona de causas humanitárias. Dividida entre os papéis de princesa dos uzbeques e diva ocidental, Gulnara Karimova tem dado que falar e muito

Quando a União Soviética se desmoronou, o Uzbequistão viu-se um Estado independente. Um entre os muitos que compunham a antiga aliança comunista. Um sem grande história para contar. Até que Gulnara Karimova entrou em cena. Filha de um presidente que se perpetua no poder por via de eleições que os observadores internacionais reputam de fraudulentas, colocou 28

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o país no mapa do mediatismo internacional. Fê-lo como se de uma verdadeira RP se tratasse, ela que, entre os muitos graus académicos que exibe num vastíssimo currículo, não possui qualquer formação profissional na arte de promover a imagem e reputação. Dona de uma fortuna calculada em mais de 500 milhões de euros e senhora de uma figura não

menos invejável – é alta e esbelta, de contornos atléticos q.b, o rosto emoldurado por longos cabelos loiros a que os óculos discretos de executiva não retiram o toque de exotismo – desfila pelas passarelas europeias como uma diva. Conhecida como “princesa dos uzbeques” – corre, aliás, o rumor de que terá sido ela a autoproclamar-se assim – rompe O novo agregador do marketing.


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claramente com o estereótipo das mulheres do seu país. Soma diplomas – licenciatura em Economia pela Universidade de Tashkent, doutoramento em Ciência Política pela Universidade de Economia Mundial e Diplomacia (também em Tashken) tem, um mestrado em Estudos da Ásia Central pela reputada Universidade de Harvard. Sem falar no curso de joalharia pelo Instituto de Moda e Tecnologia de Nova Iorque. O jornal espanhol chegou a classificá-la como um misto de princesa Diana, Sarah Palin, Bond girl e Cruella de Vil. É apenas um sinal do interesse – e da polémica – que Gulnara desperta na Europa. Um interesse que alimenta, ao comparecer nos eventos mais in das capitais ocidentais, como a Semana de Moda de Paris ou o Festival de Cinema de Cannes. Ou quando se deixa fotografar ao lado de Bill Clinton. Ou ainda quando consegue captar para as suas causas nomes famosos como o cantor Sting ou o futebolista português Cristiano Ronaldo. Gulnara saltou para o palco em 2001, empurrada pelo divórcio escandaloso de Mansur Maqsudi, um norte-americano de origem afegã, detentor de parte do capital de uma concessão da Coca-Cola em Moscovo. Ao Washingon Post, em 2004, Maqsudi disse que a ex-mulher ameaçara destruir-lhe a família e o negócio e impedi-lo de ver os filhos se ele avançasse com o divórcio “Foi exactamente o que aconteceu”. A filha do presidente uzbeque tomou o controlo da empresa de Maqsudi – sob acusações de ter usado a força militar – e, ao fim de uma batalha judicial, conseguiu a custódia total dos filhos, hoje adolescentes. Foi nas Nações Unidas, como membro de um grupo de trabalho para a criação de uma zona livre de armas nucleares, que Gulnara deu os primeiros passos na diplomacia. De Nova Iorque, o caminho levou-a a O novo agregador do marketing.

Moscovo, como conselheira da embaixada uzbeque. De volta ao seu país, foi nomeada em Fevereiro de 2008 vice-ministra dos Negócios Estrangeiros, com a tutela da Cooperação Cultural e Humanitária. Em Setembro, regressou a Genebra, como representante permanente do Uzbequistão junto da ONU. Em Janeiro de 2009, apresentou credenciais como embaixadora plenipotenciária em Madrid. Numa das raras entrevistas que concede, afirmou que pretende mudar a imagem do seu país. Uma imagem que precisa mesmo de ser mudada, já que o Uzbequistão é considerado palco das maiores violações dos direitos humanos, equiparado por organizações internacionais à Coreia do Norte e a Myanmar (ex-Birmânia). Tortura, assassínios em massa, intimidação são apontadas como as ferramentas institucionais de Islam Karimov, o presidente. A Human Rights Watch fala mesmo numa atroz máfia do Estado que explora milhões de crianças, obrigadas a trabalhar como escravas na colheita de algodão, principal fonte de receitas do país. Gulnara é, definitivamente, uma mulher de armas. Não porque seja cinturão negro em artes marciais, mas porque, em apenas uma década, conseguiu construir um verdadeiro império, a partir de uma empresa sediada na Suíça – a Zeromax, cujas empresas operam em todos os sectores vitais do seu país, da exploração mineira aos transportes, passando pela agricultura. Num artigo publicado na revista Foreign Policy, um analista da Ásia Central escreve que a Zeromax é uma fachada atrás da qual Gulnara consolida o seu controlo sobre todas as fontes de receitas do país. E isto faz dela uma boa filha ou nem por isso? O mesmo analista diz que ela é “uma das piores filhas do mundo”. Num artigo sobre esta mulher invulgar, o El Pais reúne

Recentemente, foi desvendado um outro lado, mais um, de Gulnara Karimova: o de cantora. De seu nome artístico, GooGoosha (como o pai a chamava na infância) pode ser vista, e ouvida, na Internet a interpretar Bésame Mucho, com o próprio Júlio Iglésias

opiniões contraditórias, entre os que afirmam que ela pretende suceder ao pai e os que argumentam que o seu objectivo é fazer fortuna e levar uma vida de luxo no Ocidente. Luxo é o que Gulnara exibe em cada desfile pela Europa, usando criações originais dos maiores estilistas – Dior, Chanel, Christian Lacroix. E jóias suas provavelmente, já que desenha para a Chopard e a Cartier. Além disso, tem a sua própria marca de moda, a Guli. Mas Gulnara não é apenas a diplomata, nem a mulher de negócios: é também patrona de um sem número de causas humanitárias, em prol das mulheres e dos jovens e é em nome dessas causas que tem conseguido o patrocínio de personalidades de todos os quadrantes. Não sem alguma polémica: o cantor Sting foi mesmo acusado de ter recebido entre um a dois milhões de libras para cantar em Tashkent, depois de ter dito à imprensa que a sua actuação iria beneficiar a Unicef. O mundo do futebol também não tem resistido às tentações de Gulnara: o brasileiro Rivaldo, o camaronense Samuel Eto’o e o português Cristiano Ronaldo são apenas alguns dos que assistiram ao lançamento do programa para jovens futebolistas. Em Espanha, o presidente do FC Barcelona foi alvo de duras críticas por ter negócios com a filha do ditador, que é, aliás, detentora do principal clube do Uzbequistão, o FC Bunyodkor. E, recentemente, foi desvendado um outro lado, mais um, de Gulnara Karimova: o de cantora. De seu nome artístico, GooGoosha (como o pai a chamava na infância) pode ser vista, e ouvida, na Internet a interpretar Bésame mucho, com o próprio Júlio Iglésias. De Gulnara tudo se tem dito: que é astuta, temperamental e caprichosa, uma tigreza… Inquestionável é que ela é a face do Uzbequistão, protagonista de uma verdadeira revolução de charme. Julho de 2010

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