Entrevista com Henrique Salinas

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Entrevista

“O que temos vindo a assistir nos últimos anos, com a crise económica, é ao aumento de processos que entidades jurídicas podem vir a originar de foro Penal Económico”, afirma Henrique Salinas, 42 anos, advogado por tradição e académico por paixão

Henrique Salinas, especialista em Penal da Carlos Cruz e Associados

Ramon de Melo

Crise favorece Penal Económico

Advocatus I A opção de exercer numa sociedade de média dimensão como é a Carlos Cruz e Associados (CCA) foi propositada? Henrique Salinas I Sim, porque entendo que nas sociedades maiores a estrutura é muito mais rígida e é difícil chegar alguém e impor-se, tendo uma progressão rápida na carreira. Nas sociedades de média dimensão é possível fazer a diferença e contribuir activamente para o crescimento da sociedade. 6

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Advocatus I Do lado da oferta, acha que as pequenas e médias sociedades conseguem oferecer condições atractivas aos seus associados? HS I Nos Estados Unidos há muitos advogados que exercem individualmente e facturam a níveis iguais ou superiores a colegas que integram grandes sociedades. E, mesmo em Portugal, as sociedades de advogados são um fenómeno que tem cerca de 30 anos,

a advocacia em prática individual continua a ser o padrão predominante no país. Assim, do ponto de vista da formação profissional, e dada a individualidade da advocacia, penso que é possível atingir o sucesso, quer numa pequena firma, como num grande escritório. Tudo depende daquilo que o advogado, individualmente, consiga fazer e do valor acrescentado que consiga trazer para a respectiva firma. O novo agregador da advocacia


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Advocatus I Qual é a avaliação que faz do seu percurso dentro da CCA? HS I Cada vez mais é essencial o advogado ter uma sólida formação profissional em várias áreas. No meu caso, nunca perdi a ligação à Academia e penso que isso é importante do ponto de vista teórico. Em concreto, no Direito Penal Económico, que é o ramo em que exerço, é fundamental haver esse elo entre a prática que a advocacia permite com um estudo constante que a Academia promove. Uma das áreas jurídicas que mais carece de desenvolvimento é a advocacia preventiva dentro do Direito Penal Económico, e isso só é possível através do seu aprofundamento teórico. Em Itália e em Espanha já existem muitas empresas com regulamentos internos sobre esta matéria.

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“Nas sociedades maiores a estrutura é muito mais rígida e é difícil chegar alguém e impor-se, tendo uma progressão rápida na carreira”

Advocatus I O mediatismo do Direito Penal Económico contribuiu, de alguma forma, para a sua popularidade? HS I Sem dúvida alguma. De início, os casos que iam a tribunal, no âmbito do Direito Penal Económico, envolviam pequenas empresas, que se tornavam conhecidas através dos media. Actualmente, chegámos a um ponto sem retorno, onde os casos nesta área proliferam e as entidades e protagonistas envolvidos são conhecidos de todos os portugueses. A dimensão deste tipo de processos – derivada da sua complexidade – também os torna tendencialmente populares.

Advocatus I Em suma, quais são então as mais-valias que a carreira académica lhe pode trazer? HS I A implantação de regulamentos internos por parte das empresas, para ter algum impacto junto dos tribunais, tem de ser elaborada por pessoas que sejam reconhecidamente especialistas no mundo jurídico, que tenham obras publicadas. Estas regras de conduta têm de ser objectivas e imparciais, realizadas por profissionais independentes que não sejam contratados pela empresa depois de surgir o problema. Em Itália e França, essa independência tem sido garantida através do recrutamento de pessoas ligadas à Academia. Esta é a principal vantagem para os advogados ligados à advocacia preventiva na área do Direito Penal Económico. Advocatus I Qual o diagnóstico que faz de Portugal em relação aos crimes de colarinho branco de que trata o Direito Penal Económico? HS I Como noutras áreas, nesta matéria Portugal está um pouco atrasado em relação aos outros países. Há 10 anos este era um ramo manifestamente residual. Burlas, furtos e homicídios eram os crimes a que se resumia o Direito Penal no país. Na viragem do milénio houve uma

verdadeira revolução e, de repente, o Direito Penal Económico ficou na ordem do dia. Basta abrir um jornal para ver que a maioria dos casos mediáticos está ligada a esta área, como o BPP ou o BPN. Também no domínio das contra-ordenações há um campo vasto a explorar dentro desta matéria pelas sociedades de advogados.

“Para se fazer impor, a Ordem tem de ter uma intervenção assertiva nos media, e isso tem sido conseguido pelos últimos bastonários. O Dr. José Miguel Júdice foi quem iniciou este caminho inevitável”

Advocatus I Existe algum processo, em particular, que tenha marcado a viragem do Direito Penal Económico em Portugal? HS I Não me atreveria a identificar um caso específico, mas a propensão para um determinado tipo de criminalidade: fraudes relacionadas com fundos comunitários, processos de corrupção e – como consequência da crise financeira – os processos relacionados com a actividade bancária.

“Uma das áreas jurídicas que mais carece de desenvolvimento é a advocacia preventiva dentro do Direito Penal Económico, e isso só é possível através do seu aprofundamento teórico”

Advocatus I Concorda com a percepção generalizada de que os crimes de colarinho branco são mais permeáveis à Justiça, exactamente por envolverem personalidades de renome? HS I Não, aliás, o próprio facto dessas pessoas estarem a responder em tribunal já é – por si só – demonstrativo de que estão sujeitas à mesma lei do cidadão comum. Trata-se é de um tipo de criminalidade muito complexa, em que a produção da prova é muito complicada. A própria mediatização do caso também não ajuda… >>>

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Advocatus I Existe alguma propensão para que os crimes de colarinho branco sejam mega processos? HS I São de uma enorme complexidade técnica que depois dá origem a alegações muito mais complexas que, por sua vez, conduzem a um julgamento mais complexo. Essa complexidade também está muitas vezes relacionada com o número de processos envolvidos e de arguidos acusados. Da conjugação destes factores nascem, muitas vezes, os tais megas processos.

“Em relação aos projectos preventivos, de Corporate Defense, temos de consciencializar as empresas de que este é o momento adequado para avançar por aí”

Advocatus I Os mega processos não pecam pela eficácia que subtraem às decisões, dada a delonga nos tribunais? HS I Não tenho a mais pequena dúvida que assim é. Processos morosos e muito complexos, se a aplicação da pena vem 10 a 15 anos depois da prática dos factos, já não faz muito sentido. A pessoa julgada já não é a mesma pessoa que praticou os factos. O próprio sentido de justiça sai beliscado aos olhos da sociedade. Advocatus I Relativamente à sua carreira profissional, quando é que começou a dividir o seu tempo entre a Academia e a advocacia? HS I Mal terminei o curso fiz logo o estágio profissional e comecei a exercer advocacia até às primeiras provas do mestrado. Quando comecei o doutoramento suspendi a advocacia, sem prejuízo de continuar a trabalhar neste ramo preventivo do Direito Penal Económico, que também considero benéfico para a tese. Advocatus I A advocacia foi uma vocação ou a obrigação? HS I Confesso que foi uma tradição familiar, já vamos na terceira geração de advogados, é normal que haja sempre essa curiosidade e impulso para exercer a mesma actividade. Sinceramente, sinto-me mais vocacionado para esta área nova da advocacia, da consultoria e colaboração preventiva, do que na advocacia tradicional de barra. Advocatus I Imagina-se a fazer outra coisa para além do Direito?

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HS I Imagino. Como disse, segui a advocacia por curiosidade e tradição familiar, mas sempre gostei muito de Gestão. Era uma actividade que exerceria com todo o gosto e sem qualquer sacrifício.

bastonário e da sua predisposição para divulgarem as opiniões da OA. Esta, para se fazer impor, tem de ter uma intervenção assertiva nos media, e isso tem sido conseguido pelos últimos bastonários.

Advocatus I Colaborou no gabinete da Ordem dos Advogados (OA). Quais os principais projectos que estão em estudo? HS I A ideia é que a OA deve ser consultada sempre que são apresentados diplomas que possam dizer respeito à classe profissional. Colaborei durante três anos, respeitantes ao mandato do Dr. Rogério Alves [2005/2007], na análise de alguns diplomas na área do Direito Penal Económico.

Advocatus I Já inclui, portanto, Rogério Alves nesta geração de bastonários mais mediáticos? HS I Sim, e mesmo o Dr. José Miguel Júdice, que foi quem iniciou este caminho inevitável.

Advocatus I Entende que, com a reeleição de Marinho e Pinto, está favorecida a concretização dos objectivos do gabinete da OA? HS I A OA beneficia sempre de uma projecção pública forte, para a qual não é decisiva a manutenção do bastonário por mais do que um mandato. Por exemplo, o Dr. Rogério Alves esteve na Ordem durante apenas um triénio e deu bastante projecção à Ordem. Logo a seguir, veio o Dr. Marinho e Pinto com um estilo muito particular. Acho que tudo depende, no fundo, do estilo de cada

Advocatus I Dada a conjuntura económica, quais são os principais desafios que considera que o Direito Penal Económico enfrenta em Portugal? HS I Dividindo o Direito Penal Económico em duas áreas – preventiva e reactiva – o que todos os clientes gostariam era de não ter problemas. O que temos vindo a assistir nos últimos anos, com a crise económica, é o aumento de processos que entidades jurídicas podem vir a originar de foro Penal Económico. Basta pensar nos casos BPP e BPN. Aquela acalmia que se verificou há 20 anos nestas áreas nunca mais vai regressar. Em relação aos projectos preventivos, de Corporate Defense, temos de consciencializar as empresas de que este é o momento adequado para avançar por aí.

PERFIL

Sonha com férias nas Maldivas Com 42 anos, Henrique Salinas é casado e tem três filhos. Sendo-lhe “indiferente” que algum deles dê continuidade à tradição familiar e se venha a tornar num advogado, essencial é que cada um dos seus descendentes siga aquilo em que tenha gosto. “O importante é que eles tenham uma actividade profissional que os realize e que lhes dê um meio de subsistência onde possam ter sucesso”. Apreciador de música jazz e de fotografia, Pat Metheny é um dos seus intérpretes de eleição. “No trabalho, por exemplo, acho que não poderá ser muito produtivo”. Com os filhos, como alvo principal da sua objectiva, o advogado já chegou a tirar um curso, “que foi uma faca de dois gumes, porque fiquei inteiramente consciente da minha completa ignorância, mas também me abriu perspectivas para me aperfeiçoar no futuro”. Desejoso por se ver livre do frio invernal, assegura que se metia num avião com destino tropical, logo então. “O ideal eram umas férias familiares, a cinco, acho sempre mais divertido com as crianças. Só penso numa viagem que irei fazer com certeza, às Maldivas. A nível de praias, é o ‘projecto-paraíso’ por realizar”.

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