Entrevista a João Dionísio, chief operating officer (coo) da Strat

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Entrevista

Cristina Arvelos Jornalista

João Dionísio, chief operating officer (coo) da Strat

O importante é o afecto

Ramon de Melo

“Há a tentativa de sobrevalorizar as mensagens racionais: preço, oportunidade, promoção. Isto é passageiro. É em cima dos afectos, do coração, que se constroem as relações a longo prazo”, afirma João Dionísio, 43 anos, licenciado em Psicologia Social, professor na Escola de Gestão do Porto e coo da Strat. “A marca em promoção só me serve naquele momento, só me satisfaz uma necessidade básica da altura. Os afectos são o motor das relações a longo prazo, os afectos são o suporte da narrativa das marcas”, acrescenta Briefing | Com que missão específica veio para a Strat? João Dionísio | Venho para a Strat por estar ligado ao consumidor, ao planeamento estratégico, ao Marketing. A minha vinda tem a ver com a possibilidade de trazer conhecimento nesta área e de reforçar o posicionamento da Strat, em cima desse conceito de estratégia e conhecimento do consumidor. 10

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Briefing | Quais são os objectivos desse reposicionamento? JD | A Strat está a passar por uma fase de reorganização para responder às solicitações do mercado. A publicidade assentava em cima dos media tradicionais ou convencional. Essa realidade mudou com a Internet, as redes sociais e a nova forma como os consumidores abordam as marcas.

Briefing | Estratégia e criatividade só funcionam em conjunto? JD | Uma agência de publicidade tem de assentar basicamente em três coisas: acompanhamento dos clientes, planeamento de estratégia conhecedor da realidade e das tendências dos consumidores, e criativos capazes de pegar nessa informação e transformá-la em algo diferenciador, que marque uma posição. O novo agregador do marketing.


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Briefing | Já atingiu esses objectivos? JD | Isto é como a vida. Os objectivos podem ser diários. Todos nós ao acordar, traçamos um plano diário. Eu comecei por conhecer a estrutura. Depois, centrei-me em comunicação interna: partilha de referenciais e valores, para que quando o posicionamento passasse para o exterior já traduzisse a visão interna e de forma convincente.

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“Os consumidores de hoje querem participar e valorizam cada vez mais a possibilidade de ter canais abertos onde deixam as suas opiniões, que influenciam as marcas”

Briefing | Fizeram uma plástica? JD | Não foi bem uma plástica, mas foi uma drenagem linfática. É claro que o objectivo da Strat é também ampliar o leque de clientes, ter mais presença e brilho no mercado. Mas antes há que dar aos clientes uma oferta mais abrangente e especializada. Briefing | A crise influencia efectivamente? JD | Condiciona. Mas há outros factores. Nos últimos anos, as pessoas aprenderam a comprar sozinhas, em livre serviço, a estar mais atentas ao que as marcas lhes oferecem. Estão mais preparadas para negociar, exigir que a comunicação seja eficaz, impactante e estimulante. Os consumidores são também veiculadores de imagem, através das redes sociais e não só. Briefing | O Facebook tem mesmo representatividade? JD | O Facebook é o elemento mais visível da actuação dos consumidores. Mas todos os programas que as empresas desenvolvem na gestão das relações com os clientes têm tido maior relevância. Os consumidores de hoje querem participar e valorizam cada vez mais a possibilidade de ter canais abertos onde deixam as suas opiniões, que influenciam as marcas. Briefing | As emoções ainda são a base da publicidade? JD | Qualquer tipo de discurso tem de ter sempre uma componente emocional e uma racional. O que varia ao longo do tempo é a percentagem de cada uma das mensagens. Neste momento há O novo agregador do marketing.

“Quando se conseguir resolver a dependência dos óculos, acontece o boom do 3D. As pessoas estão disponíveis para ver, mas estão menos disponíveis se, para verem, tiverem de usar um intermediário”

a tentativa de sobrevalorizar as mensagens racionais, visíveis nos pontos de venda: as mensagens preço, oportunidade, promoção. Isto é passageiro. É em cima dos afectos, do coração, que se constroem as relações a longo prazo.

sucesso do telemóvel. O telemóvel é o 3D do telefone, porque tirou o fio ao telefone. Sem o fio, as pessoas puderam passar a levar o telefone. Os sucessos acontecem quando se simplifica a vida às pessoas.

Briefing | Como com a papa Cerelac… JD | No caso da papa Cerelac há ainda outra dimensão. A marca tenta ao longo dos tempos descobrir pontos de ligação para construir uma história com os consumidores. Este é o segredo. Não nos lembramos do que comemos na terça- feira, mas lembramo-nos do que comemos no dia do nosso casamento, quer tenha corrido bem ou mal. Lembramo-nos de tudo o que é importante para nós. A bebida que consumia em estudante tem mais probabilidades de ficar para o resto da minha vida, pois acompanhou um momento relevante. A marca em promoção só me serve naquele momento, só me satisfaz uma necessidade básica da altura. Os afectos são o motor das relações a longo prazo, os afectos são o suporte da narrativa das marcas.

Briefing | Como quer ver a Strat no final do ano? JD | Fidelização dos clientes e aumento de número dos clientes. Estes são os objectivos. Este é o momento para se fazer isso. A seguir a uma crise, há convulsão e desconforto. Quando há desconforto, há sempre mudança. Portanto, a mudança é agora. Seria um erro ficar parado. Nos momentos de convulsão, as pessoas estão mais disponíveis para apreenderem novos modelos, pois estão instáveis e precisam de rever paradigmas.

Briefing | Os slogans ainda são importantes? E têm mais importância se forem polémicos, como o “Bosch é bom” do O’Neil? JD | Hoje, vivemos mais no mundo da imagem do que no da palavra. Mas é sempre tempo dos slogans, pois as pessoas apreendem mensagens directas, curtas e simples. Os tempos mudaram, mas o cérebro das pessoas não mudou. Continuam a existir pessoas que processam melhor a informação visual e outras a informação da palavra. Briefing | Está para breve o boom da publicidade a 3D? JD | Quando se conseguir resolver a dependência dos óculos, acontece o boom do 3D. As pessoas estão disponíveis para ver, mas estão menos disponíveis se, para verem, tiverem de usar um intermediário. É um bocado como o

Briefing | As grandes campanhas publicitárias são apostas do passado? JD | A nível da publicidade tradicional, trabalhamos apenas com marcas portuguesas. Na experiência que temos com clientes nacionais, eles tentam manter as suas estratégias adaptadas à realidade. Caso dos CTT que fez uma grande campanha de reposicionamento. Briefing | Numa família, são os mais novos que têm o poder de decisão da compra? JD | Depende do produto. O poder pode ser repartido. Se for para comprar presunto Pata Negra é o pai; se for para comprar cereais do pequeno-almoço é o jovem; se for para comprar as papinhas também é o menino, embora a mãe possa, neste caso, influenciar. Os influenciadores do processo de compra podem ainda ser um amigo que sabe muito de tecnologias, nos casos de telemóveis e automóveis. Briefing | E na aquisição do que não é essencial? JD | Depende também do produto. Um exemplo: a mãe tem uns lábios a precisar de um batom. E, em vez de comprar um hidratante, compra um mais caro com gloss. Essa decisão é dela. >>> Junho de 2010

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Briefing | Até sabe de batons com gloss… JD | Sei. Já tive de trabalhar batons. É um bom exemplo, onde a paixão supera a razão. Efectivamente, as consumidoras precisam de ter os lábios hidratados. O gloss é o “plus” em cima da realidade. Briefing | A mulher é mais consumidora do que o homem? JD | Não concordo. As mulheres compram mais, pois estão mais envolvidas na gestão do lar. São elas as directoras financeiras e de compras. Não há nada que diga que são mais consumistas. Na relação com os hóbis, os homens são muito consumistas. Todos os homens adoram consumir “brinquedos”. Compram a game box, subscrevem a Sport TV. Acho que não podemos trabalhar em cima de clichés.

“As mulheres compram mais, pois estão mais envolvidas na gestão do lar. São elas as directoras financeiras e de compras. Não há nada que diga que são mais consumistas. Na relação com os hóbis, os homens são muito consumistas. Todos os homens adoram consumir “brinquedos”. Compram a game box, subscrevem a Sport TV. Acho que não podemos trabalhar em cima de clichés”

PERFIL

Os filhos não ligam ao Action Man dele Nasceu em casa, na Rua dos Poços Negros, em Lisboa. Praticou andebol durante 13 anos, hoje vai ao ginásio uma vez por semana. Tirou um curso de culinária, mas é mais por obrigação que passa tempo na cozinha. Pintar e desenhar são os seus maiores prazeres. Os seus dois filhos - de 13 e quatro anos despertaram-lhe ainda o talento de fazer brinquedos em madeira. Comprou brocas, martelos e escopos e faz carrinhos, aviões e naves espaciais – os seus brinquedos de hoje. O da sua infância foi um Action Man, que nunca fez sucesso junto dos seus descendentes. Conclui com ironia e sempre acelerado (diz 120 palavras por minuto, já contou): “O meu filho mais velho gostava de brincar com Barbies e fazer roupinhas, o mais novo só quer saber de carros. O meu Action Man mantém-se meu”.

Briefing | A publicidade sobrevaloriza sempre o produto? JD | Nenhuma marca, nenhuma empresa performa acima das suas expectativas. Mas se apresentar um tarifário de telemóvel em cima da racionalidade, sem lojas, telemóveis, caixas bonitas, publicidade, esse tarifário está condenado ao fracasso. As pessoas que compram, além do tarifário e do telemóvel, querem uma caixa bonita, publicidade, uma loja onde possam resolver os problemas. Se essa expectativa não corresponde totalmente, o consumidor penaliza. Mas a expectativa da publicidade tem de ser um bocadinho maior do que a realidade. A realidade é para o cinema.

Briefing | E a margem para errar… JD | Todos estes valores podem ter o erro por detrás. A ideia é que o erro seja um fenómeno interno, já seja eficácia e acção quando chega aos clientes. Erra-se sempre no processo criativo e de gestão. Mas errase nos bastidores. Isto é como uma grande orquestra sinfónica. Ensaia até à exaustão, para que o espectador fique maravilhado por as notas estarem todas certinhas.

Briefing | Como aterrou na publicidade? JD | Nunca fiz outra coisa. Logo no estágio fiz um estudo sobre psicologia do consumidor. Posso ainda explicar de uma maneira mais simples. Aos 24 anos, quando um tipo acaba um curso de Psicologia vocacionado para terapia familiar, a primeira coisa que descobre é que não está preparado para fazer terapia familiar. Nem sequer tinha família! É mais fácil ser sério e seguir a paixão pela comunicação, estudar e aprender o consumo, por estarem mais próximos.

Briefing | Sente o peso da crise no dia-a-dia? JD | Claro, a mais não ser pela expectativa das pessoas. Em 2009 a crise ainda era uma imagem, actualmente vive-se a concretização dessa crise. Isso traduz-se no consumo e nos critérios que se adoptam. Vai toda a gente para o Algarve de férias, mas repartindo a casa com o cunhado, fazendo as refeições

Briefing | É licenciado em Psicologia Social, com especialização em Terapia Familiar. Esta formação tem ajudado? JD | Tenho andado a vida inteira a aplicar o que aprendi na faculdade: olhar em profundidade para as coisas e pessoas. As pessoas são a mais-valia das empresas. Os negócios são pessoas. Qualquer processo de venda tem a ver com vender

Briefing | Optou por uma paixão? JD | Claro que sim. O mundo das marcas está impregnado de valores, sonhos, expectativas. Um filme publicitário tem de contar uma história em 20 segundos. Esse desafio é fantástico. Na publicidade estão todas as regras mais interessantes daquilo que é dado aos seres humanos: a capacidade de comunicar.

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em casa. Toda a gente está a fazer uma décalage dos seus prazeres. O marisco que se comia é substituído por chouriço assado e por aí…

“Tenho andado a vida inteira a aplicar o que aprendi na faculdade: olhar em profundidade para as coisas e pessoas”

ideias a pessoas e quem tem as ideias são as pessoas. As pessoas são o tema claramente.

O novo agregador do marketing.


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