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Entrevista
Cristina Arvelos Jornalista
Jorge Brito Pereira, sócio da PLMJ
Ramon de Melo
“Não me acho um tubarão mas também não sou golfinho”
“Não me acho um tubarão. Mas também não sou golfinho e penso que os outros advogados também não o são”, afirma Jorge Brito Pereira, sócio da PLMJ, onde coordena as áreas de Direito Financeiro e de Mercados de Capitais, acrescentando que o mercado está em permanente mudança: “Quando comecei a advogar, era uma enorme vantagem saber falar e escrever em inglês. Hoje em dia, falar mandarim ou/e alemão é uma vantagem, mas falar inglês é um dado adquirido. O mercado mudou e acredito que ainda vai mudar mais”
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Advocatus | A crise também chegou à advocacia? Jorge Brito Pereira | Na sociedade PLMJ, coordeno duas áreas: Direito Financeiro e Mercados de Capitais. Esta última ressente-se da crise. Operações de mercado, de expressão, são muito poucas. A área de Direito Financeiro é menos cíclica, pois existem operações que se fazem em momentos de crise e de expansão económica, nomeadamente de financiamento. Mas o ano tem sido interessante no Mercado de Capitais O novo agregador da advocacia
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português. Já tivemos a oferta pública de aquisição da CSN sobre a Cimpor. Não estou pessimista. Advocatus | A retoma acontecerá ainda em 2010? JBP | Vamos ter muitos soluços nesta retoma e vivemos actualmente um deles. Estamos numa situação complicada, num momento difícil para Portugal. Advocatus | São para tubarões as áreas em que trabalha? JBP | Não gosto dessa expressão. Primeiro, não me acho um tubarão. Mas também não sou golfinho e penso que os outros advogados também não o são. Os advogados, que trabalham nestas áreas, começaram há 20, 25 anos. É uma área para advogados com algumas particularidades, mas que não correspondem à imagem dos tubarões – dos grandes advogados que fazem negócios extraordinários. Advocatus | O que o levou a escolher estas áreas? JBP | O acaso, uma coincidência. Fui estagiário de José Miguel Júdice, que começou a trabalhar nesta área nos anos 90. Na altura, tivemos uma operação enorme: a oferta pública de aquisição sobre a Sofinloc, em que José Miguel Júdice foi advogado e eu o estagiário. Gostei, entusiasmei-me, fiz a minha tese de mestrado nesta área, escrevi livros sobre OPA. Uma Oferta Pública de Aquisição, hostil em particular, é uma operação com adrenalina, estratégia e muitos termos jurídicos com complexidade. Acredito que só não há mais advogados nesta área, porque o mercado é pequeno. Advocatus | A componente internacional nesta área está mais presente do que nas outras. Certo? JBP | Quem trabalha nesta área sente-se cidadão da Europa. Não há nenhuma operação do mercado que não tenha uma componente internacional. Os mercados europeus estão abertos, o capital circula com velocidade, em parti-
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cular dentro da Europa, mas também para fora. Qualquer operação de mercados envolve advogados estrangeiros, bancos de investimento internacionais. Advocatus | Nos contactos internacionais há algum que tenha como uma efectiva mais-valia? JBP | Sim. Não individualizando ninguém, acho que a advocacia de negócios portuguesa enriqueceu muito com os contactos com a inglesa. Os nossos métodos de trabalho mudaram, melhoraram muito, o que faz com que a prática da advocacia portuguesa corresponda aos melhores padrões da advocacia internacional. Advocatus | O que mudou? JBP | O panorama jurídico português mudou radicalmente. Passou de um mercado fechado com meia dúzia de advogados de grande qualidade, com uma prática individual para um mercado completamente aberto, com uma vertente internacional e que deixou de estar focalizada em seis indivíduos para se focalizar num conjunto de escritórios de advogados, entidades que actuam de forma colectiva e procuraram especialização, maior eficiência. Quando comecei a advogar, era uma enorme vantagem saber falar e escrever em inglês. Hoje em dia, falar mandarim ou/e alemão é uma vantagem, mas falar inglês é um dado adquirido. O mercado mudou e acredito que ainda vai mudar mais. Advocatus | A advocacia dos negócios faz-se à mesa em almoços e jantares? JBP | Essa imagem está colada a uma certa advocacia de negócios, mas não é real. A advocacia de negócios é mais uma prática de escritório, um trabalho de equipa persistente, feito sobre papéis, muito menos entusiasmante do que se vê em filmes americanos, em que acontecem sempre umas coisas extraordinárias. Advocatus | Nunca desiste? JBP | Não sou de desistir. A persistência, muito mais do que gran-
“Os arranques e recuos com a tributação das mais-valias são um péssimo sinal do que se deve fazer. O caminho tem de ser marcado de forma firme e determinada”
“Uma Oferta Pública de Aquisição, hostil em particular, é uma operação com adrenalina, estratégia e muitos termos jurídicos com complexidade”
des qualidades intelectuais, é uma das maiores características que alguém pode ter. Tento que ela esteja na minha vida e admiro muito as pessoas persistentes com quem trabalho. Advocatus | A persistência não pode levar à obstinação? JBP | Às vezes. Por isso, deve ser temperada com outras qualidades, nomeadamente por alguma clarividência. Se assim não for, acontece o mesmo que a algumas pessoas nas maratonas: não desistem, apesar de não se sentirem bem, e morrem. Advocatus | E quando as coisas não correm bem com os clientes? JBP | O acompanhamento aos clientes tem uma parte jurídica, mas tem também outra psicológica – a que se utiliza para se estar ao lado do cliente nos momentos difíceis. O cliente não procura no advogado apenas um trabalho bem feito. Quer também que o advogado seja capaz de o aconse-
lhar. Já tive processos fantásticos em que correu tudo bem e outros terríveis em que correu tudo mal. Se mantivermos a relação certa com o cliente, ele percebe que os advogados não são responsáveis por tudo, quer quando corre bem, quer quando corre mal. Os advogados são apenas um dos factores dos processos. Advocatus | É o dinheiro que move as pessoas e as sociedades de hoje? JBP | Não. É verdade que a área de Direito Financeiro e a de Mercado de Capitais lidam sobretudo com dinheiro. Isto não significa que daqui se possa tirar uma fotografia aplicável à sociedade. Sou daqueles que acredita piamente que não é o dinheiro que move a sociedade e as pessoas. O dinheiro é apenas um elemento muito importante na nossa vida. Como costumo dizer aos meus alunos: é melhor ser rico, bonito e com saúde do que pobre, feio e doentinho. Mas continuo a achar que os elementos fundamentais >>>
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estão nas pessoas e não no dinheiro. Advocatus | O que move então a sociedade? JBP | Mal está a sociedade em que o seu elemento fundamental e essencial é o dinheiro. Acredito que a sociedade portuguesa tem um conjunto de valores nas pessoas, na família, que move muito mais do que o dinheiro. Vivemos um momento complicado e, por isso, o dinheiro é actualmente um elemento catalisador pelas piores razões. Passa a ter importância, sobretudo para as pessoas que não o têm e que dele precisam para dar resposta às necessidades que criaram. Os últimos anos foram de fortíssimo endividamento das famílias portuguesas. Advocatus | Quais são, a seu ver, os valores essenciais para melhorar a sociedade? JBP | A família traz valores fundamentais, que tenho como fortes referências da minha vida. Cultivo muito a minha família e a relação com os meus filhos, os meus pais, os meus sogros. Há outro elemento que também cultivo muito desde há 15, 20 anos, que é a procura da felicidade individual através do bem-estar. Gosto muito de trabalho, trabalho muito, mas sei que a minha felicidade não é ali que está. Está num conjunto de outras coisas que faço, que ajudam a equilibrar-me e a ser feliz. Advocatus | A legislação portuguesa afasta os investidores? JBP | Temos uma legislação desigual. Na área do Direito Financeiro, temos uma legislação que corresponde, sob o ponto de vista técnico-jurídico, ao que de mais sofisticado existe na Europa. Mas sempre tivemos um sério problema em olhar para o mercado, para aquilo sobre o que estamos a legislar. Há países na Europa que perceberam, há várias décadas, que a legislação é um factor de competitividade e estruturaram o seu sistema jurídico de forma a que fosse atraente para os estrangeiros investirem, deslocarem sedes, terem regimes fáceis, 8
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flexíveis, sob o ponto de vista fiscal estáveis e interessantes. O Luxemburgo, a Holanda, a Irlanda são bons exemplos disso. Infelizmente, Portugal não percebeu. Advocatus | E abusa na carga fiscal… JBP | O problema já nem se põe tanto na carga fiscal. Põe-se na estabilidade do regime. A principal razão que leva vários investidores estrangeiros a não contemplarem Portugal como sede para as suas operações é não confiarem na estabilidade. Ninguém sabe para onde vai evoluir o nosso regime fiscal a cinco, dez anos e as expectativas são más. Nós não somos capazes de dar confiança aos investidores estrangeiros e portugueses.
“A advocacia de negócios portuguesa enriqueceu muito com os contactos com a inglesa”
“A persistência, muito mais do que grandes qualidades intelectuais, é uma das maiores características que alguém pode ter”
Advocatus | Como têm sido as experiências em Angola e no Brasil? JBP | São mercados muito diferentes e interessantes, que vivem uma fase de crescimento económico. O mercado brasileiro tem um nível de maturidade, em particular por causa da aproximação aos Estados Unidos. No mercado angolano as coisas estão a ser construídas há menos de uma década. Mas Angola é um país de que gosto muito. Advocatus | Porquê? JBP | Há cerca de sete anos, tinha a guerra acabado há seis meses, fiz com dois amigos uma viagem inesquecível por Angola. Na altura, se soubesse escrever, tinha escrito um romance, se soubesse pintar, tinha pintado um quadro. Como não sabia fazer nem uma coisa nem outra, escrevi um livro de direito angolano, que foi publicado com a ajuda de duas colegas, uma das quais angolana. Foi a forma de agradecer a viagem extraordinária, os amigos que ainda tenho em Angola. Sem ter sangue ou ascendência africana, fiquei sempre com uma ligação próxima com Angola. Advocatus | Porque é que os ricos querem sempre ser mais ricos: pelo prazer de negociar ou pela costela Tio Patinhas? JBP | Não sei se saberei respon-
HÓBIS
Maratonista, chef e fora da lei Há três anos e meio, pesava 100 quilos, ouviu de um ex-aluno que chegavam seis meses de preparação para correr uma maratona. Nessa semana, começou a correr, sempre ao pé do Tejo, em Lisboa, e meio ano depois, com menos 14 quilos, estava a participar na maratona de Londres. Chegou até ao fim, “não no melhor estado”, e não parou mais. Corre três vezes por semana e duas vezes por ano participa em maratonas. A última foi em Boston, que fez em 3h37. No seu dia-a-dia não prescinde ainda de ler e de cozinhar. A tarefa de fazer o jantar está a seu cargo. Gosta e gostam dos seus cozinhados. Na leitura, anda fascinado por José Eduardo Agualusa. A música é um dos seus maiores prazeres. Faz parte da banda rock-blues “Fora da Lei”, só composta por advogados. Toca guitarra e escreve as letras. Confidência: “Acredito que as letras são a maior contribuição que dou, pois de outra forma não me deixariam tocar na banda”.
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der. Não sou rico e, se fosse, tenho dúvidas de que quisesse ainda ser mais. Mas é normal que quem é rico pela qualidade do seu trabalho, não esteja com vontade de parar de trabalhar. São pessoas para quem o trabalho é muito importante. A nossa tradição judaico-cristã tem uma relação terrível com o dinheiro, ao contrário do que acontece em tradições com uma raiz mais protestante, em particular os Estados Unidos. Advocatus | É um professor tradicional ou aberto? JBP | Adoro, tenho paixão por dar aulas. Comecei por acaso, estava no 5.º ano, em 1989. Adoro a
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“A principal razão que leva vários investidores estrangeiros a não contemplarem Portugal como sede para as suas operações é não confiarem na estabilidade. Nós não somos capazes de dar confiança aos investidores estrangeiros e portugueses.”
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relação com os alunos, aprendo imenso com eles, é muito enriquecedor e obriga-me a estar actualizado. Acho que sou justo nas avaliações e um dos meus maiores gostos é ter alunos com sucesso. Advocatus | Como é trabalhar na PLMJ, a maior sociedade de advogados do país? JBP | Nunca estive noutra. A fidelidade ao escritório onde se trabalha é uma qualidade, mas também é normal que os advogados mudem quando entendem. O meu escritório foi o primeiro a ter presente que o futuro estava no crescimento orgânico e a
apostar nos seus estagiários, há 20 anos. Hoje em dia vejo estagiários meus a fazerem o mesmo caminho que eu fiz na sociedade. Para mim, trabalhar na PLMJ é natural, como respirar. E para ser sincero não me vejo a trabalhar noutro sítio. Advocatus | Qual é o seu maior desafio para 2010? JBP | É o sucesso da área de Direito Financeiro na PLMJ. É chegar ao final do ano, olhar para trás e encontrar uma área estabilizada, com uma carteira de clientes fiel, um conjunto de advogados de grande qualidade a trabalhar em equipa. Acredito que vamos conseguir.
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