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Um advogado aristotélico que toca saxofone Pedro Vale Gonçalves, advogado da Pfizer, é o primeiro não americano distinguido com o 2009 General Counsel Award, não conseguiria viver sem tocar saxofone (“é a minha segunda profissão”) e tem a sua vida regida pelo pensamento de Aristóteles
Director: João Teives
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Director Editorial: Jorge Fiel
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Mensal
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Ano I
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N.º 2
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Maio de 2010
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15 euros
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Carlos Tavares, presidente da CMVM
A OPA é a mais democrática de todas as operações do mercado de capitais Pág. 30
“Portugal é muito pequeno para os anglo-saxónicos”
Sócio partner da maior sociedade ibérica garante que as firmas espanholas sempre tiveram uma visão estratégica de Portugal, enquanto as britânicas operam de forma mais financeira
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Estado da arte
Como a Internet desafia o Direito
Bruno Mestre, Alexandre Dias Pereira, João Laborinho Lúcio e Carlos Duque e César Pratas dizem de sua justiça sobre as novas questões que os blogues e as redes sociais colocam ao Direito
Assumimos um compromisso consigo: estar cada vez mais próximos, disponíveis e dedicados. Contacte-nos através do seu Mediador, visite-nos num Espaço AXA ou ligue 707 218 218, todos os dias úteis, das 8h30 às 19h00.
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Diogo Leónidas, partner da Garrigues Portugal
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Entrevista
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Director-geral João David Nunes jdn@briefing.pt Director João Teives joao.teives-14761l@advogados.oa.pt Director Editorial Jorge Fiel jf@briefing.pt Editor online António Barradinhas ab@briefing.pt Directora de Marketing Maria Luís Telf. 925 606 107 ml@briefing.pt Distribuição por assinatura Preço: 180€ (12 edições; oferta de voucher Odisseias) assinaturas@briefing.pt Tiragem média mensal: 2.500 ex. Depósito legal: 308847/10 Nº registo erc 125859 Editora Enzima Amarela - Edições, Lda Av. Infante D. Henrique, 333H, 44 1800-282 Lisboa Tel. 218 504 060 Fax: 210 435 935 advocatus@briefing.pt www.advocatus.pt Impressão: Sogapal, Rua Mário Castelhano, Queluz de Baixo 2730-120 Barcarena
Destaques Entrevista
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TENDÊNCIAS
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CARREIRAS
Especializados e multidisciplinares
A chave descoberta pelas firmas médias para continuarem a crescer é apostar na especialização multidisciplinar, ou seja, na formação dos seus advogados em áreas complementares àquelas em que actuam
Condenadas ao duplo emprego
Maria de Jesus Serra Lopes, Gabriela Rodrigues Martins e Margarida Couto explicam-nos como conseguiram conciliar carreiras de sucesso com a condição de mães de família
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PASSEIO PÚBLICO
Como a mão de Deus o desviou para Direito
Nascido numa família de camponeses, António Marinho e Pinto aprendeu a ler e a escrever em português do Brasil, sonhou ser piloto de aviões, mas a mão de Deus desviou-o para Direito. Desembarcou em Coimbra em 1970, ainda estavam acesas as cinzas da Crise Académica, e não demorou muito até ser preso e passar pela sede da Pide a caminho de Caxias, onde esteve 34 dias no isolamento. O bastonário foi professor de Literatura e Filosofia, antes de ser advogado e jornalista do Expresso
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HÓBI
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CONHAQUE
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CONHAQUE
A paixão de Paulo pela fotografia
Tudo começou quando Paulo Barros Baptista (VdA) tinha 8 anos e os pais lhe trouxeram de Nova Iorque uma Kodak de rolo…
Trazemos criatividade à vida Tel: 800 844 691 – Creative Tel: 800 844 690 – Editorial portugalsales@gettyimages.com www.gettyimages.pt
Será a televisão amiga dos advogados?
Há cada vez mais advogados no pequeno ecrã. A notoriedade aumenta. Mas também há efeitos secundários negativos
Comunicação, Design e Multimédia Av. Marquês de Tomar, 44-7 1050-156 Lisboa Tel: 217 957 030 geral@motioncreator.net
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Espaço muito Nobre ao Campo Pequeno
Manuel Falcão foi ao Nobre-Spazio e gostou do que viu e comeu. Jura que a matéria prima é do melhor e elogia uma parceria que reúne o melhor de dois mundos
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CONHAQUE
O Arpad que encanta André
O retrato de Maria Helena sentada no cavalete, pintado pelo marido, apaixona André Luís Gomes (Cuatrecasas Gonçalves Pereira): “Transmite os valores de privacidade, confidencialidade e confiança mútua que queremos transmitir a quem nos visita” Maio de 2010
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Entrevista Cortar a direito
João Teives Director Advocatus
A advocacia sem rosto O exercício da profissão de advogado em lojas de centros comerciais, com a utilização de sinais distintivos de comércio não representativos ou identificativos dos prestadores de serviços, é um sinal pernicioso da desprofissionalização da advocacia Do ponto de vista da conformidade com o Estatuto da Ordem dos Advogados, este problema já foi tratado, e a meu ver bem, quer pelo Conselho Geral (parecer n.º E-3/06, relatado por Bernardo Diniz de Ayala), quer pelo Conselho Distrital de Lisboa da Ordem dos Advogados (consulta 36/2008, relatada por Jaime Medeiros). Os argumentos aí esgrimidos parecem-me inatacáveis. Efectivamente, é uma realidade indesmentível que a dimensão ético-social do exercício da profissão de advogado é incompatível com a sua prática em lojas de comércio.
Para além dos problemas que são levantados, devido à desconformidade com o regime injuntivo de publicidade, angariação de clientela ou honorários, penso que importa analisar tais realidades do ponto de vista da degradação da profissão. Recordando Wilensky, o Professor Doutor António Caetano refere qual é a “sequência típica da profissionalização, isto é, do processo através do qual uma ocupação pode passar a ser considerada como profissão. Essa sequência típica implica que a ocupação (a) seja exercida a tempo inteiro, com regras explícitas de actividade,
É uma realidade indesmentível que a dimensão ético-social do exercício da profissão de advogado é incompatível com a sua prática em lojas de comércio
(b) se baseie numa formação em escolas especializadas (principalmente, universidades), (c) possua associação profissional, (d) alcance uma protecção legal do monopólio da actividade (licença e certificação), e (e) possua um código de ética que se aplica a todos os seus membros (direitos e deveres)”(1). Tais novas realidades atacam quer a deontologia quer a ontologia da advocacia enquanto profissão, degradando-a em mera ocupação, retirando-lhe identidade. Duas notas. Uma relativa ao próprio espaço de prestação do serviço e a segunda relativa à total des-
3.ª EDIÇÃO DE DROIT D’AUTEUR
ANDRÉ BERTRAND Uma referência incontornável no Direito da Propriedade Intelectual André Bertrand é um reputado advogado francês, especializado em propriedade intelectual, e autor de uma obra já invejável nesse domínio. Trabalha em Paris, num pequeno escritório com apenas três advogados (Cabinet Bertrand et Associés), fazendo parte integrante da IT Law Group, cuja associada portuguesa é a PLMJ. Encontrando-se no prelo uma nova (3.ª) edição do seu manual “Droit d’Auteur et les Droit Voisins”, pela Dalloz, contactámos este Ilustre Colega que, de forma muito amável e expedita, acedeu a comentar para o Advocatus as novidades desta sua obra de referência. Segundo André Bertrand, a nova edição é “uma reformulação importante da obra, contendo os desenvolvimentos recentes (Lei DAVSI, nova transposição da Directiva de contra-facção, lei HADOPI …), nomeadamente na parte processual (avaliação de danos e medidas conexas), bem como um novo longo capítulo sobre as
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criações de moda. Outra novidade atém-se ao facto de não ser tratado no novo Manual a matéria dos direitos conexos que, juntamente com o direito à imagem, será tratado em volume autónomo a publicar em 2011. Humildemente diz-nos que não “considera nenhuma das suas obras como OBRAS”. Refere que se tratam de “obras de direito, redigidas numa época em que tudo evolui muito rapidamente. Tenho consciência de que todas estas obras serão obsoletas daqui a três ou quatro anos, e que terei de as actualizar até lá. A minha única ambição, tendo em conta que estas obras já foram reeditadas várias vezes (3.ª edição para o “Droit d’Auteur” e 4.ª edição para o “Droit des Marques”) é que, tendo um bom conhecimento histórico destas matérias estou em condições de recordar aos leitores a origem de certos princípios e, por vezes, a evolução dos mesmos. Enfim, tendo pleiteado, até ao mo-
mento, mais de quinhentos casos de propriedade intelectual, tenho uma visão muito prática do conjunto dos problemas que se colocam”. André Bertrand não julga esta sua obra como o seu legado. Considera que neste contexto não se pode falar de legado numa época onde os autores (a doutrina) não podem influenciar o direito. No século passado, os grandes professores de direito podiam influenciar tanto o legislador como a jurisprudência. Em França o Professor Henri Desbois, como o seu tratado “Droit d’auteur en France” (1.ª edição Dalloz em 1950 e 3.ª e última edição em 1978), marcou decisivamente esta matéria durante cerca de 40/50 anos. Hoje em dia, durar assim tanto tempo é impossível, fruto das constantes alterações legislativas e regulamentares, induzidas quer pelas inovações técnicas, quer pelo direito comunitário ”. André Bertrand, um grande Jurista e Advogado.
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personalização do serviço com a utilização de um sinal distintivo não representativo ou identificativo do respectivo advogado ou advogados. O escritório do advogado enquanto espaço contribui de forma decisiva para a institucionalização da profissão. Não é necessário efectuar um longo excurso sobre a importância dos espaços para as instituições e para a corporização e representação dos ideais. A relevância dos templos para as religiões ou dos Tribunais enquanto espaços físicos, arquitectónicos e simbólicos para a Justiça é evidente. Por esse motivo, ao exercício de uma advocacia caseira, de café, certamente resultado da massificação da profissão, e, num grau ainda superior, numa loja comercial, falta-lhe uma componente simbólica e até ritualista que só pode ser conferida por um espaço-escritório. Mas o que me parece ainda mais degradante é a total despersonalização da relação de mandato e da consulta jurídica quando prestadas numa loja, cujo sinal, distintivo e representativo, é de um estabelecimento comercial. Quem as procura não perscruta ou identifica nas mesmas um advogado em concreto, mas um mero serviço prestado não importa por quem. Esta ideia é, por si, destrutiva dos fundamentos basilares da relação advogado-cliente e da protecção de que justamente goza. Esta relação é diferenciadora dos demais prestadores de serviços e é um traço identificativo da advocacia, sendo um reduto inexpugnável. Numa época em que forças exógenas atacam injustificadamente a dignidade e a autonomia da profissão, esta advocacia sem rosto, apesar de ser um fenómeno felizmente ainda marginal, deve merecer a nossa atenção e repúdio.
Farto de informação negativa que só lhe provoca mal-estar, ansiedade e stress? A melhor terapia é assinar o Advocatus. Porque, neste caso, a informação dá-lhe prazer. A assinatura do Advocatus inclui um programa gratuito de relaxamento e diversão na Odisseias. É uma oportunidade única para, gratuitamente, melhorar a saúde física e mental. Veja em www.odisseias.com o programa que mais lhe agrada BE CHARMING Gocar City Tour, Workshop Wine&Gourmet, Massagem Sport Stone, Baptismo de golfe, Estadia Casa de S. Pedro, Passeio de Cavalo ou Baptismo de Catamaran BE SWEET Massagem com Velas, Baptismo de Mergulho em Piscina, Chocolate&Aromatic Massage, Personal Shopping, Sabores da Região, Consulta de Maquilhagem ou Ritual Equilíbrio de Águas
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Inquérito aos Advogados Portugueses – Uma Profissão em Mudança, ROA, pg. 31.
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Entrevista
Tatiana Canas Jornalista tc@briefing.pt
Diogo Leónidas, sócio partner da Garrigues Portugal
Ramon de Mello
“É mais fácil fundir bancos do que sociedades de advogados”
“É mais fácil fundir bancos do que sociedades, porque estas são feitas por pessoas, o que implica também a coordenação de diferentes mentalidades. A maior parte das saídas e consolidações têm muito a ver com as relações pessoais e as sinergias que se criam entre profissionais”, afirma Diogo Leónidas, 42 anos, o sócio-partner da Garrigues, a maior sociedade de advogados ibérica, acrescentando que o máximo de colaboradores que uma firma comporta, em Portugal, são 200 advogados: “Mais do que isso é complicado, tanto devido à dimensão do País, como depois, na gestão de conflitos de interesses com os clientes” 6
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Advocatus | De acordo com as conclusões do Legal 500, a tendência para o crescimento por incorporação nas sociedades de advogados portuguesas terminou. Concorda? DL | Mais ou menos. Acho que tivemos claramente o exemplo, através da maior sociedade de advogados portuguesa [a PLMJ], que o máximo de colaboradores que uma firma comporta são 200 advogados. Mais do que isso é complicado, tanto devido à dimensão do País, como depois, na gestão O novo agregador da advocacia
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de conflitos de interesses com os clientes. Penso que vamos continuar a ter vários escritórios com cerca de cem advogados, mas o mercado é volátil e o que temos assistido, de facto, é a uma especialização crescente dentro das firmas, bem como ao surgimento de boutiques. Dantes havia o preconceito, na advocacia, como na consultoria, que o branding estava directamente relacionado com a dimensão dos escritórios. Mais uma vez, a realidade veio demonstrar o contrário. Recentemente, têm surgido muitos escritórios de pequena dimensão especializados em matérias jurídicas concretas. Vão continuar a existir as grandes sociedades, mas haverá sempre espaço para as pequenas, desde que trabalhem bem. Advocatus | Quando falava há pouco da cisão na PLMJ [com a saída dos sócios Fernando Campos Ferreira e Maria Castelos, em Outubro de 2009], é um sinal de como todas as firmas têm um tecto para crescerem? DL | Não sei qual foi a razão da cisão na PLMJ, mas é mais fácil fundir bancos do que sociedades, porque estas são feitas por pessoas, o que implica também a coordenação de diferentes mentalidades. A maior parte das saídas e consolidações tem muito a ver com as relações pessoas e as sinergias que se criam entre profissionais. Não vejo o que se passou na PLMJ como uma crise de crescimento, acho que tem mais a ver com as relações entre as pessoas. No mercado anglo-saxónico, isto não aconteceria com tanta facilidade porque o branding está muito associado às pessoas. Na Europa continental não é tanto assim, há mais espaço para o surgimento de novas sociedades com um “branding” igualmente forte. Advocatus | Por contraposição ao crescimento por incorporação, temos a especialização. Foi esta a resposta da Garrigues Portugal para contornar a crise? DL | A Garrigues, sendo a maior sociedade de advogados da Euro-
Entrevista
pa continental, sempre apostou na especialização dos seus associados. A especialização portuguesa decorre um pouco da espanhola. Essa é, aliás, uma das vantagens de sermos um escritório com origem espanhola. Agora, sendo a Garrigues uma sociedade de vocação internacional, claro que a aposta no branding será sempre uma tónica forte. Advocatus | Devido à crise económica, foi necessário fazer alguma alteração estratégica dentro da Garrigues Portugal? DL | Não, não houve nenhuma saída de advogados devido à crise. Na verdade, nem sentimos muito o seu efeito, continuamos a ter um crescimento bom em Portugal, e mesmo a nível internacional a Garrigues cresceu mais 10% no ano passado. Temos uma estratégia de crescimento bastante imune às crises, porque assenta numa base sustentável, pelo que não atinge grandes picos, tanto para o melhor como para o pior. Inúmeros escritórios na Península Ibérica e variedade de departamentos jurídicos tratados são outros factores que explicam o sucesso do nosso modelo de crescimento. Advocatus | A Linklaters, única sociedade britânica com presença em Portugal, acaba de dispensar seis colaboradores devido a motivos conjunturais. Assim, só as três grandes firmas espanholas [Cuatrecasas, Garrigues e Uría Menéndez] se mantêm de pedra e cal no País. Como explica isto? DL | As sociedades espanholas sempre tiveram uma visão estratégica de Portugal, enquanto as firmas britânicas operam duma forma mais financeira. Não é por acaso que a Linklaters está em Portugal [para além da Simmons & Simmons, mas está numa mera relação de best friend, com a Sociedade Rebelo de Sousa]. A Clifford Chance não está em Portugal, a Allen & Overy também não. Portugal é muito pequeno para as sociedades anglo-saxónicas, que nos vêem com uma vocação mais
“As sociedades espanholas sempre tiveram uma visão estratégica de Portugal, enquanto as firmas britânicas operam duma forma mais financeira. Portugal é muito pequeno para as sociedades anglo-saxónicas”
“Temos assistido a uma especialização crescente dentro das firmas, bem como ao aparecimento de boutiques. Têm surgido muitos escritórios de pequena dimensão especializados em matérias jurídicas concretas. Vão continuar a existir as grandes sociedades, mas haverá sempre espaço para as pequenas, desde que trabalhem bem”
financeira, ou seja, se dá para rentabilizar, avançam, senão recuam. A Garrigues, por exemplo, tem vocação internacional, mas vê Portugal como uma peça ibérica. Dissociado o critério de rentabilidade, perde-se a mais-valia financeira. A Linklaters é uma sociedade extraordinária, altamente rentável, que chegou a Portugal através de advogados conhecidos que, depois “puxaram” pela multinacional britânica cá. Advocatus | As suas áreas de especialização - Fusões & Aquisições, Societário e Financeiro e Mercados de Capitais - foram dos departamentos mais penalizados em 2009. De acordo com o balanço do primeiro trimestre do ano, como perspectiva 2010? DL | A recuperação continua a ser lenta. As empresas estão mais conservadoras nos seus investimentos e o acesso ao crédito está mais complicado. Numa negociação de project finance, dantes bastava falar com o líder do consórcio bancário, agora é preciso
negociar banco a banco. As condições para a concessão de crédito estão muito mais apertadas, o que também dificulta as operações, que ficam assim mais alavancadas. Não significa que não apareçam novos projectos, mas é uma área que está um bocado parada, ao invés da reestruturação de empresas. Os momentos de crise são sempre aproveitados para “arrumar a casa”. O próximo ano ainda deve ser de recuperação, mas atravessamos apenas um ciclo económico, nada de assustador. Advocatus | Relativamente à OPA sobre a Cimpor, a Camargo Correia comprou acções da Teixeira Duarte, a Votarantim comprou acções da Lafarge, e a CSN, que foi quem começou por lançar a operação, acabou por ver a sua oferta recusada. A Garrigues assessorou a CSN nesta operação. Concorda com a leitura de que a Camargo Correia e a Votarantim se uniram para impedir a entrada, no mer>>>
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Entrevista
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cado dos cimentos, de um novo player? DL | Não é fácil responder a essa questão. No final, nunca saberemos a verdadeira razão para o falhanço da OPA. É um facto que nesta oferta em particular, comparando com a OPA da Sonae sobre a PT [onde a Garrigues assessorava a PT], esta não teve sucesso porque o Conselho de Administração apresentou uma proposta que foi preferida pelos accionistas. Agora, no caso da CSN, a maior parte do capital social foi movimentado, embora não para o oferente, a CSN. Esta OPA mostrou ao mercado um aspecto muito positivo - a Cimpor é uma empresa com uma grande vocação internacional em vários países, nomeadamente no Brasil. Foi discutida em diversos tabuleiros e movimentou vários outros concorrentes, agora se teve manobras de concentração paralelas, cabe aos reguladores investigarem. Mas é curioso que uma OPA não tenha sucesso, não porque os accionistas estratégicos não queiram vender, mas porque o fazem a uma parte que não é a oferente. Advocatus | Partindo para uma área mais genérica, o mau estado da justiça portuguesa também condiciona a advocacia de negócios [para além da advocacia contenciosa, dos tribunais]? DL | O Direito condiciona a área empresarial, na medida em que pode servir de factor atractivo de investimento para Portugal. A importância de boas normas regulatórias, bem como uma maior eficiência processual, são essenciais para o País funcionar. Montar uma sociedade em Portugal é muito caro porque, para além da quantidade de burocracias, o tempo destas se resolverem arrasta-se. E depois, quando alguma coisa corre mal, os processos não podem passar anos em tribunal. Mas têmse feito muitos e bons progressos na desburocratização da justiça em Portugal. Hoje em dia, é possível fazer vários actos registrais através da Internet, o notariado também foi muito simplificado. O 8
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“A recuperação continua a ser lenta. As empresas estão mais conservadoras nos seus investimentos e o acesso ao crédito está mais complicado. Numa, negociação de project finance, dantes bastava falar com o líder do consórcio bancário, agora é preciso negociar banco a banco”
Direito não pode ser um entrave para o investimento. Continuar a investir na desburocratização e tornar transparentes as regras regulatórias, para todos saberem as regras do jogo, é fundamental para atrair investimentos para o País. Este é o grande traço que distingue os mercados emergentes dos mercados desenvolvidos. Advocatus | Nessa dicotomia de países emergentes versus países desenvolvidos, onde colocaria Portugal? DL | Gosto de acreditar que caminhamos para os países desenvolvidos. Foi feita uma grande evolução nos últimos tempos, que não é de desprezar. Advocatus | Em breve será eleito um novo Bastonário na Ordem dos Advogados (OA). Esta mudança pode afectar, positivamente, a imagem da justiça portuguesa, ou é irrelevante? DL | A OA não tem a importância
HÓBIS
Com Sócrates no Clube do Stress Diogo Leónidas tem 42 anos (nasceu a 5 de Novembro de 1967). Licenciado em Direito pela Católica (1990), a advocacia é uma tradição familiar. Nos tempos livres, gosta de praticar jogging e de ouvir música. Há quatro anos, aderiu ao Clube do Stress, de que fazem parte, entre outros, José Sócrates, Artur Santos Silva, Rosa Mota, Susana Feitor ou Pedro Teixeira Duarte. Numa iniciativa denominada “Unir para sorrir”, o grupo fez o percurso do Porto a Lisboa por etapas, durante um fim-de-semana, com o objectivo de angariar carrinhas para deficientes. Já perdeu a conta às meiasmaratonas que correu. Em maratonas completas (42 km), já participou na de Berlim, Londres e Atenas. “Uma vez, estava tão viciado no jogging, que saí do escritório à meia-noite, calcei os ténis, e fui correr para as Avenidas”, diz o advogado, garantindo que este é um hóbi “verdadeiramente entusiasmante”. Neste momento, porque foi operado a um joelho, está a retomar a forma aos poucos, pois na preparação de maratonas chega a correr 60 km a 70 km por semana. Sobre a música, confessa-se um fã desde criança: “Tocava todos os instrumentos que apanhava a jeito, apesar de nunca me ter especializado em nenhum”. Piano e guitarra são os eleitos, mas – sobre tocar em público – o advogado diz que “não gosta de protagonismos”, pelo que será pouco provável vê-lo em palco.
social que devia. E faço “mea culpa”. Um dia fui convidado para ir almoçar às instalações da OA, e quando me perguntaram se já conhecia as novas dependências e disse que não, a reacção foi de surpresa, por esta ser, também, “a minha casa”. Penso que a OA é vista como uma Assembleia de Condóminos – uma inevitabilidade. Mas louvo os colegas que se envolvem nela, pois não me considero com vocação para essa tarefa. Mas a Ordem são todos os advogados, o Bastonário pode representar a classe, mas não é dele que depende uma revolução no sector. Advocatus | O que é ser advogado para si? Uma profissão, um trabalho, uma vocação? DL | A advocacia mudou imenso nos últimos anos. Dantes, havia muitas pessoas que iam para Direito porque queriam “fazer justiça”. Actualmente, o Direito é muito mais abrangente do que isso. Eu
comecei a trabalhar há 20 anos e a realidade era muito distinta. Hoje em dia, somos uma espécie de “médicos da lei”, se não actuarmos depressa, o cliente morre (salvo seja!). Lembro-me que, de início, não havia e-mails, o telex estava em vias de extinção, começava-se a generalizar o fax. O cliente colocava-nos as suas dúvidas, nós respondíamos dois a três dias depois. Tudo era mais conservador. A advocacia aumentou muito de velocidade, somos uns verdadeiros médicos de emergência. Os clientes perguntam-nos coisas que esperam que saibamos na ponta da língua, os assuntos são acompanhados em tempo real, pelo que a especialização se torna obrigatória, e assumimos isso com toda a frontalidade na Garrigues. Caminhamos para uma advocacia mais rápida e preventiva, onde conhecer bem o cliente e antecipar as suas necessidades é o grande desafio dos advogados. O novo agregador da advocacia
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24 anos de
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O aproveitamento dos recursos humanos para especialização multidisciplinar, isto é, a formação de advogados em áreas complementares àquelas onde actuam, foi a chave descoberta por muitas firmas médias para manterem resultados de facturação positivos num ano em que poucas sociedades cresceram
Edgar Raposo, WHO
O futuro é multidisciplinar
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Poucas sociedades de advogados tiveram crescimento em 2009, o que espelha as dificuldades que se vivem no mercado. A tendência verificada até finais de 2008, de as firmas crescerem através de incorporação de outros escritórios, inverteu-se agora, valorizando a mais-valia que a especialização sectorial traz sobre a dimensão. Estas são as principais conclusões que o reputado directório de advogados britânico, Legal 500, publica na sua edição anual de 2010. Contudo, nem todos os players do sector concordam com esta leitura. Manuel Santos Vítor, sócio administrador da PLMJ, a maior sociedade de advogados do País, com cerca de 200 colaboradores, afirma que “não existe uma tendência dominante nas sociedades portuguesas”. Segundo o mesmo advogado, na PLMJ, a tónica sempre foi colocada no crescimento orgânico: “A larga maioria dos nossos sócios foram estagiários na PLMJ e fizeram aqui toda a sua carreira profissional”, diz Manuel Santos Vítor. No entanto, o crescimento orgânico também é complementado com contratações pontuais de valor acrescentado, de que nomes como José Luís da Cruz Vilaça (Concorrência), Luís Pais Antunes (Telecomunicações), Abel Mesquita (Laboral) ou Rogério Fernandes Ferreira (Fiscal) são exemplos. Crescimento orgânico é, tal como na PLMJ, a estratégia seguida pela Vieira de Almeida & Associados (VdA). Fernando Resina da Silva, sócio da VdA, afirma que “a maioria dos advogados da firma iniciou as suas carreiras ou foram admitidos na VdA, quando davam os primeiros passos no início das suas vidas profissionais”. Mário Esteves de Oliveira (Público), Paulo Olavo Cunha (Comercial) e Sofia Galvão (Imobiliário) são exemplos disso mesmo. Esta estratégia, de acordo com o mesmo advogado, “tem permitido manter a cultura e os valores VdA e tem constituído
“A SRS quer manter a sua liderança enquanto escritório full service e dar prioridade a parceiros lusófonos, tendo centrado aí maior investimento”
“A larga maioria dos nossos sócios foram estagiários na PLMJ e fizeram aqui toda a sua carreira profissional”
Pedro Rebelo de Sousa
Manuel Santos Vítor
Licenciado pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, em 1977, nos dois anos que se seguiram o advogado foi para o Brasil, onde se especializou nas áreas que exerce actualmente, Direito Comercial e Empresarial, pela Universidade Pontífica Católica. Tendo começado a sua carreira, no País, no Grupo Legal Português, em 1993, Pedro Rebelo de Sousa fundou a Simmons & Simmons Rebelo de Sousa. Em 2009, embora mantendo a relação de best friend com a multinacional britânica, a firma portuguesa sofreu um processo de rebranding, denominando-se hoje Sociedade Rebelo de Sousa (SRS)
Licenciado em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, em 1988, o actual sócio administrador da PLMJ fez uma pós-graduação em Direito Comunitário no Colégio da Europa no ano seguinte ao da conclusão do curso, tendo ainda sido bolseiro do Ministério dos Negócios Estrangeiros. Membro da International Bar Association (IBA), o advogado desenvolveu a sua carreira profissional sempre na PLMJ, sendo as suas áreas de prática Fusões & Aquisições e Energia & Recursos Naturais
SRS
A alteração das fórmulas de honorários cobrados aos clientes tem sido outra das frentes em que alguns escritórios têm apostado para aumentarem a competitividade
PLMJ
Legal 500
Criado nos anos 80, o Legal 500 é uma publicação britânica especializada na área jurídica. Todos os anos, o directório publica um ranking onde analisa as principais operações de mercados nas diferentes jurisdições, com entrevistas a clientes de firmas de advogados e avaliação da performance destes profissionais envolvidos nos principais negócios do ano. Com uma cobertura abrangente em todo o mundo disponível aos prestadores de serviços jurídicos, o Legal 500 está presente em mais de 100 países
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Os departamentos de Fusões & Aquisições e de Mercados de Capitais começam, aos poucos, a recuperar da crise. O Imobiliário foi um departamento sem grandes operações, enquanto o Público esteve muito em voga, a propósito dos grandes projectos do Estado (novo aeroporto e Alta Velocidade) para as infra-estruturas
CRISE
Diversificar é o escape Perante a crise financeira e consequentemente económica que Portugal atravessou em 2009, a recuperação está a ser lenta, e isso nota-se também na área dos advogados, quer a nível de estratégia de crescimento dos mesmos, como relativamente aos níveis de facturação. Com os departamentos de negócios (Financeiro, Bancário e Mercados de Capitais) a saírem mais penalizados pela maior dificuldade de acesso ao crédito junto das instituições financeiras, Laboral, Contencioso e Fiscal têm sido as áreas em voga, devido aos processos de despedimentos colectivos, que depois implicam reestruturação das empresas e novo planeamento fiscal. Naquilo que diz respeito às tendências dos escritórios de advogados que exercem actividade em Portugal, as três maiores firmas nacionais – PLMJ, Morais Leitão, Galvão Teles, Soares da Silva & Associados (MLGTS) e Vieira de Almeida & Associados (VdA) – continuam a ter entre 100 a 200 colaboradores, o que é uma estrutura pesada de manter. Assim, o escape é diversificar, ou seja, aproveitar as valências de um advogado que exerça, Laboral por exemplo, e alargar a sua área de actuação para um ramo afim, como seja Segurança Social. Em relação às pequenas e médias sociedades, cujos associados são até dez e não ultrapassam o tecto da centena, respectivamente, a crise não lhes passa ao lado, mas a sua sobrevivência não está em causa. Marques Mendes & Associados (Concorrência), Coelho Ribeiro & Associados (Desporto), José Maria Calheiros & Associados (TMT) são exemplos de escritórios de menor dimensão que se especializaram numa área, e à volta dela angariam bons clientes que lhes permitem concorrer no mercado com a PLMJ, MLGTS ou VdA, e até com multinacionais actuantes no País, naqueles nichos em especial.
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um importante factor de coesão, o que nem sempre é possível em firmas de grande dimensão”. Ao invés da análise feita pelo Legal 500, o sócio administrador da PLMJ entende que o elevado grau de especialização do escritório “só é possível fruto da nossa dimensão, que nos garante massa crítica e permite apostar na continuada formação dos nossos advogados”. Um dos momentos mais marcantes da advocacia portuguesa em 2009 deu-se quando a Uría Menéndez, um dos maiores escritórios espanhóis (em simultâneo com a Garrigues e Cuatrecasas), sofreu uma cisão crucial, com a saída de Francisco Sá Carneiro e da sua equipa de Direito Financeiro. Contudo, a recente fusão da firma criada por Rodrigo Uría e Aurélio Menéndez com o escritório de Daniel Proença de Carvalho, dando origem à actual Uría Menéndez – Proença de Carvalho, veio colmatar essa separação, voltando a fortalecer a 12
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multinacional espanhola. Ainda em matéria de rupturas, o ano passado ficou também assinalado pela saída de Fernando Campos Ferreira e Maria Castelos, com mais seis associados, da área de prática de Direito Financeiro da PLMJ. Estes especialistas juntaram-se a Francisco Sá Carneiro, e no passado mês de Janeiro a Campos Ferreira, Sá Carneiro & Associados estreou-se oficialmente no mercado, sendo uma boutique de advogados centralizada na área de Project Finance. O recuo operado entre a britânica Simmons & Simmons e a sociedade liderada por Pedro Rebelo de Sousa, de fusão dos dois escritórios para a manutenção da aliança de best friend, é outro exemplo de adaptação das firmas à conjuntura actual. Sem os custos decorrentes de juntar duas firmas e homogeneizar as práticas e fórmulas de facturação, o estado de best friend continua a permitir às socieda-
des a manutenção de relações privilegiadas entre jurisdições diferentes, com as respectivas recomendações entre clientes transnacionais. A sociedade de Pedro Rebelo de Sousa passou por um processo de rebranding, dando origem à firma Sociedade Rebelo de Sousa (SRS). Como explica o advogado, “os motivos que nos levaram a fazer uma aliança com a Simmons & Simmons prendemse com diferentes estratégias e necessidade de autonomia recíproca para as implementar”. Concretizando, Pedro Rebelo de Sousa diz que “de um lado, a Simmons debate-se com o esforço de afirmação de uma estratégia internacional, do outro a SRS quer manter a sua liderança enquanto escritório full service e dar prioridade a parceiros lusófonos, tendo centrado aí maior investimento”. Quanto à actividade verificada no mercado, o Legal 500 afirma que o refrear do optimismo
vivido em 2009 foi justificado. Ainda a sofrer as consequências da crise, os departamentos de Fusões & Aquisições e de Mercados de Capitais, tornam aos poucos a ganhar fôlego. O aproveitamento, pelas sociedades, dos recursos humanos para especialização multidisciplinar (i.e., formação de advogados em áreas complementares àquelas onde actuam), foi a chave descoberta por muitas firmas médias para manterem resultados de facturação positivos. A alteração das fórmulas de honorários cobrados aos clientes tem sido outra das frentes em que alguns escritórios têm apostado para aumentar a competitividade perante os seus pares. Finalmente, em relação a áreas de actividade, enquanto o Imobiliário foi um departamento sem grandes operações, o Público foi um ramo muito em voga, a propósito dos grandes projectos do Estado (novo aeroporto e Alta Velocidade) para as infra-estruturas. O novo agregador da advocacia
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TendĂŞncias
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Pedro Rodrigues Jornalista pedrorodrigues@briefing.pt
O advogado premiado Em poucos meses, Pedro Vale Gonçalves, director jurídico da Pfizer em Portugal, tornou-se no primeiro não americano distinguido com o “2009 General Counsel Award”, que reconhece o trabalho dos advogados da multinacional farmacêutica em todo o mundo, e foi integrado na shortlist do International Law Office (ILO) European Counsel Award, na categoria de defesa da propriedade intelectual
“O advogado de empresa não deixa de ser um advogado (muito embora no meu caso em concreto não exerça o patrocínio jurídico, recorrendo para o efeito a advogados externos), mas ao mesmo tempo tem de ser um gestor e um coordenador de outros advogados, tanto a nível interno como externo”, sublinha Pedro Vale Gonçalves, que nota que na empresa “este papel extravasa a mera relação jurídica, tendo que se ser muito proactivo junto dos stakeholders”. Entre os “clientes” internos, dos vários departamentos da empresa, e externos, na defesa de causas, na negociação com terceiros e na coordenação dos advogados exter14
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nos, o advogado na empresa assume assim o papel de gestor: “Tem de estar muito perto do negócio, de ser business driven. Se o advogado não trouxer mais-valias para a companhia, não vale a pena lá permanecer”. Neste sentido, explica, a diferença com o advogado de escritório é que, muitas vezes, este, não estando por dentro do negócio, pode tornar-se muito teórico, algo que no mundo empresarial, onde o “amanhã é hoje”, pode ser complicado de gerir. Ou seja, “não se trata da qualidade do trabalho, mas da mais-valia gerada para a empresa, não só em termos monetários, mas também de imagem, posiciona-
mento no mercado e visão estratégica”, resume. “Muitas vezes o advogado externo, precisamente por estar mais fora da realidade da empresa, faz uma identificação do risco mais genérica (o que não deixa de ser uma boa ferramenta para o “advogado de empresa”), que depois terá de ser filtrada pelo jurista na empresa, dado que este, encontrando-se dentro da realidade empresarial, consegue fazer melhor uma ponderação prática dos riscos que importa considerar”, explica Pedro Vale Gonçalves. No papel de gestor, “defendo que o advogado de empresa tem, necessariamente, de pertencer a um órgão de gestão, para que possa
“O advogado de empresa não deixa de ser um advogado, mas ao mesmo tempo tem de ser um gestor e um coordenador de outros advogados”
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participar nas decisões de estratégia da companhia, no core business, com os colegas do marketing, das vendas, dos recursos humanos, também ele no papel de decisor e não só de jurista”. Na empresa o responsável do Departamento Jurídico mantém a mesma liberdade profissional que os seus pares dos escritórios: “Mantêm sempre a sua autonomia, não deixam de ser advogados por estarem numa empresa”, ou então “deixam de o ser e são meros juristas”, explica. “O advogado tem de ser proactivo, de ter soluções para os problemas, de ser criativo. Pode ter um contrato de trabalho, mas a subordinação jurídica, na minha experiência, não existe”, reforça. A atribuição em Janeiro deste ano do 2009 General Counsel Award, prémio da Pfizer que distinguiu seis advogados em todo o mundo, de um total de cerca de mil que trabalham com a empresa, é para Pedro Vale Gonçalves “um reconhecimento da companhia e um incentivo a continuar e um estímulo a ultrapassar-me a mim mesmo”. “É também um incentivo para que outros tentem ultrapassar-se e pensem out of the box, saiam das suas zonas de conforto e sejam arrojados, tentando fazer coisas que não estejam estritamente no seu aport”, sublinha o advogado, o primeiro não americano a receber este prémio internacional. Em relação à inclusão na shortlist do International Law Office (ILO) European Counsel Award, o responsável jurídico da Pfizer sublinha que “estar numa shortlist de uma selecção de mais de três mil advogados na Europa é motivo de satisfação, e ainda mais por a representação portuguesa nas várias categorias ter sido forte, o que significa que também somos capazes. É bom para a Ordem dos Advogados em Portugal, que ajuda a formar bons juristas, para o país, e claro, para os escolhidos e vencedores”. “Tenho vindo a fazer um esforço no sentido de criar awareness junto das pessoas para a importância da defesa da propriedade intelectual. As empresas demoram anos a investigar, investem milhares de miO novo agregador da advocacia
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lhões de euros, e no domínio farmacêutico é importantíssima a defesa desses direitos, porque sem isso não há inovação e sem inovação não se salvam vidas”. É deste modo que Pedro Vale Gonçalves chama a atenção para a importância da área de prática que lhe tem valido mais reconhecimento. “O que se pretende é que, enquanto há patente, não haja violação desses direitos, depois tudo bem, qualquer um pode comercializar”, sublinha. Esta postura, reforça, é também uma resposta ao crescimento do fenómeno da contrafacção na área do medicamento, “tem de haver da parte do Estado o sentido de responsabilidade no sentido da defesa destes direitos, em defesa de todos”. Face às críticas de que com a defesa das patentes pelas grandes companhias farmacêuticas de inovação se estão a agravar os problemas financeiros e a viabilidade dos sistemas de Saúde, Pedro Vale Gonçalves nota que “há uma grande confusão neste domínio: a poupança na Saúde, assim, com cortes na inovação, não é do interesse público. Não é a fazer cortes que se estimula o investimento, deviase sim apostar mais na inovação e criar as condições para que as multinacionais possam fazer mais investigação em Portugal. De facto as autoridades deveriam pensar que o custo da doença é superior ao custo do tratamento preventivo, mas infelizmente nem sempre se pensa assim”. Nesse sentido, defende, em vez de cortes na despesa com medicamentos, a aposta do Estado e governos devia passar por criar “melhores mecanismos de protecção da propriedade industrial”. Esse reforço poderia passar pela criação, por exemplo, de “um orange book” dos medicamentos patenteados, como acontece nos EUA, de “mais tribunais especializados, ou os genéricos antes de pedirem uma Autorização de Introdução no Mercado – AIM – provarem que não violam nenhuma patente”, ou de um mecanismo de articulação entre o INPI e o Infarmed. “O papel do Estado devia ser mais
interventivo à priori, prevenindo o conflito, criando condições para evitar o entupimento dos tribunais”, defende o advogado, para quem a solução dos problemas não passa pela maior celeridade dos tribunais, mas por um Estado mais forte e proactivo a evitar os conflitos. De outro modo, sublinha, perante milhares de conflitos ao mesmo tempo “é impossível um tribunal não demorar a decidir”.
Pedro Vale Gonçalves Licenciado em Direito na Católica de Lisboa (1992) é director do Departamento Legal da Pfizer Portugal desde 2003. Antes, desde 1994, foi associado na sociedade Cuatrecasas, Gonçalves Pereira, onde exerceu nas áreas de Corporate, Comércio Internacional, Contratos, Concorrência, e Tecnologias da Informação. Em 1994 exerceu na sociedade Coelho Ribeiro & Associados, e entre 1992 e 1994 foi consultor na área fiscal da Arthur Andersen. É vice-presidente da Assembleia-geral do Special Olympics Portugal e fundador da Fundação Liga, antiga Liga Portuguesa dos Deficientes Motores.
PENSAMENTO
Uma vida regida por Aristóteles É a tocar saxofone, em particular jazz, mas também outros estilos, que Pedro se abstrai do dia-a-dia de advogado na maior companhia farmacêutica do mundo. “A música é o meu hóbi, quase uma segunda profissão, não conseguiria viver sem tocar saxofone”, conta. Com formação no Conservatório, que decorreu em paralelo ao curso de Direito, define-se a si mesmo como “músico e advogado”, mas realça que nunca lhe passou pela cabeça ter a música como primeira actividade: “A advocacia esteve sempre à frente, e assim continuo a organizar os meus concertos, mas não com a frequência que desejaria”. A par da música, cultiva o estudo da filosofia aristotélica: “A maneira de pensar de Aristóteles rege a minha vida, é uma referência”, diz, citando o pensador grego, “é fazendo que se aprende a fazer aquilo que se deve aprender a fazer.”
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Edição vídeo desta entrevista em www.advocatus.pt
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Mães & Advogadas Angariam clientes, facturam milhões de euros por ano e trocam ou trocaram fraldas. Num mundo onde os cargos superiores ainda são, maioritariamente, ocupados por homens, estas advogadas são profissionais distintas e têm um papel activo na família. No mês em que se celebra o Dia da Mãe, fomos saber como se faz a gestão de uma carreira de sucesso com a organização de uma vida pessoal preenchida
João Martins, WHO
A opinião é unânime: ser mãe nunca constituiu uma barreira profissional para atingir o sucesso na carreira. Apesar de representarem uma minoria entre os seus pares, Maria de Jesus Serra Lopes, Gabriela Rodrigues Martins e Margarida Couto não se queixam. “Senti-me sempre uma privilegiada por ser mãe”, diz Gabriela Rodrigues Martins, acrescentando que discorda “inteiramente” da criação de situações de diferenciação profissional assentes no género, natureza pessoal ou familiar, “para o bem e para o mal”. A ex-sócia da PLMJ, que saiu da maior firma de advogados do País para formar a sua própria socieda-
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“Será prudente começar pelos mercados que nos são mais familiares, quer na língua, quer na cultura”
“A presença de uma mulher numa reunião de conselho de administração de uma sociedade de advogados condiciona a linguagem utilizada, assim como os comentários dos jogos de futebol do fim-de-semana anterior, durante uma pausa para café”
“Quando esta geração de licenciadas tiver feito a sua carreira, haverá um grande equilíbrio entre homens e mulheres no topo da carreira na advocacia portuguesa”
Maria de Jesus Serra Lopes
Gabriela Rodrigues Martins
Margarida Couto
Licenciada pela Faculdade de Direito de Lisboa (1957), fez o estágio na Império, onde foi advogada e directora do Contencioso durante 20 anos, enquanto mantinha um escritório com o marido, António Serra Lopes. Nos anos 60, o casal fez o ciclo de Direito Comparado na Faculdade Internacional de Estrasburgo. O filho mais velho do casal, Paulo, nasceu em 1961. Passados dois anos, nasceu Inês. Em 1979, foi convidada por Inocêncio Galvão Telles para dar aulas na Faculdade e três anos mais tarde o então bastonário, Coelho Ribeiro, desafiou-a a integrar o Conselho Geral, na Ordem dos Advogados, de que viria a ser a única mulher bastonária (1990 e 1992). Condecorada com a Ordem da Liberdade (1992), Grã-cruz da Ordem de Mérito, Grã-cruz da Ordem do Infante D. Henrique e Grã-cruz da Ordem Militar de Cristo, integrou durante seis anos a Comissão para a Democracia pelo Direito, e foi Conselheira de Estado durante dez anos. Avó de sete netos.
Licenciada em Direito pela Católica (Lisboa), fez o estágio no Brasil, no que era o segundo maior escritório de advogados da América Latina. Regressada a Portugal no final dos anos 80, integrou a PLMJ com o estatuto de associada. Em 1993 teve a sua primeira filha e no ano seguinte foi promovida a sócia de indústria. Em 1996, voltou a ser mãe e em 1998 chegou ao topo da carreira na PLMJ, ao ascender a sócia de capital. Em 2008, funda o seu próprio escritório (AAA Advogados) com quatro colegas
Licenciada em Direito e pós graduada em Estudos Europeus na Católica (Lisboa). Está na Vieira de Almeida & Associados (VdA) desde 1988, onde é sócia do departamento de TMT (Telecomunicações, Media e Tecnologias de Informação). Tem cinco filhos, nascidos em 1991,1993, 1996 (data em que foi promovida a sócia), 1998 e 2001
de, reconhece que nem sempre é “pêra doce” a vida profissional das mulheres que são mães, mas que esta é uma condição “mais do que compensatória”. Sobre o tempo em que estiveram grávidas, os apoios variam. No caso de Margarida Couto, a Vieira de Almeida & Associados (VdA), onde trabalha desde sempre, merece nota máxima: “Nunca fiquei privada de remuneração durante as licenças de maternidade, mesmo quando ainda não era sócia, e sempre que foi necessário ‘largar tudo’ por causa de um filho, tive total solidariedade por parte da firma”, diz a advogada.
Já para Maria de Jesus Serra Lopes, auxílios “inestimáveis” como as avós, foram quem possibilitou “trabalhar duro, certa de que as crianças estavam bem cuidadas e com carinho”, recorda a exbastonária da Ordem dos Advogados, única mulher a exercer este cargo até à data. Por outro lado, a actual sócia da Serra Lopes, Cortes Martins & Associados, diz que conjugar as duas tarefas “não foi difícil”, porque o seu marido contribuiu para que tudo fosse “possível” e “suave”. Volvidos 50 anos de casados, Maria de Jesus Serra Lopes diz que “nesse aspecto, nunca agradecerei sufi-
cientemente o apoio do António”. Mais de metade da população portuguesa é do sexo feminino (52%). Com uma esperança média de vida de 82 anos e, no ano lectivo de 2008/2009, seis em cada 10 mulheres eram diplomadas pelo ensino superior. Nas principais faculdades de Direito do País, que colocam advogados nas grandes sociedades, o número de alunas também começa a suplantar o de alunos. Como explicar, então, o paradoxo que existe entre o crescente número de juristas mulheres e o diminuto rácio de sócias nas firmas? Maria de Jesus Serra Lopes recorda que
“só depois do 25 de Abril foi possível às mulheres enveredarem por outras profissões jurídicas, como as magistraturas, judicial e do Ministério Público”. E lembra que, no entanto, “já houve mais do que uma conselheira no Supremo Tribunal de Justiça e mais do que uma juíza no Tribunal Constitucional”. Gabriela Rodrigues Martins vai directa ao assunto: “Não há mistérios, nem milagres, uma maior entrega à profissão implica, necessariamente, ceder a outros interesses e responsabilidades”. A advogada de Américo Amorim fala ainda de um certo sexismo rema>>>
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Estatística
Masculino e feminino nas principais sociedades Firma
Maria de Jesus Serra Lopes com os filhos, Inês e Paulo
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nescente na sociedade portuguesa, quando afirma que “grande parte dos homens que alcançam o topo da carreira sente-se claramente mais à vontade em ambientes exclusivamente masculinos”. E exemplifica: “A presença de uma mulher numa reunião de conselho de administração de uma sociedade de advogados condiciona a linguagem utilizada, assim como os comentários dos jogos de futebol do fim-de-semana anterior, durante uma pausa para café”. Margarida Couto é mais optimista. Segundo a sócia da VdA, este tende a ser um cenário “cada vez menos verdade nas sociedades de advogados, em que vemos cada vez mais mulheres a ascender ao lugar de sócias”. A advogada prevê que, daqui a uns anos, “quando esta geração de licenciadas tiver feito a sua carreira, haverá um grande equilíbrio entre homens e mulheres no topo da carreira na advocacia portuguesa”. 20
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Homens (sócios)
Mulheres (sócias)
ABBC
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Abreu Advogados
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Abreu & Marques Advogados
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1
Aguiar-Branco & Associados
5
1
Albuquerque & Associados
6
0
Almeida Ribeiro
5
2
Carlos Cruz & Associados
5
1
Gonçalo Capitão, Gali Macedo & Associados
8
1
Correia, Seara, Caldas e Associados
14
9
Espanha e Associados
1
2
Garrigues
10
2
Jardim, Sampaio, Magalhães e Silva e Associados
6
0
Miranda Correia Amendoeira & Associados
11
4
Morais Leitão, Galvão Teles, Soares da Silva & Associados
25
4
PLMJ – A.M. Pereira, Sáragga Leal, Oliveira Martins, Júdice & Associados
38
5
Cuatrecasas, Gonçalves Pereira
20
6
Serra Lopes, Cortes Martins & Associados
8
3
Sérvulo & Associados
16
2
Sociedade Rebelo de Sousa
7
3
Uría Menéndez
10
0
Vieira de Almeida & Associados
15
5
Fonte: Quem é Quem/Advogados /Diário Económico - 2009
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Passeio Público
Nascido numa família de camponeses, aprendeu a ler e a escrever em português do Brasil, sonhou ser piloto de aviões, mas a mão de Deus desviou-o para Direito. Desembarcou em Coimbra em 1970, ainda estavam acesas as cinzas da Crise Académica, e não demorou muito até ser preso, e passar pela sede da PIDE a caminho de Caxias onde esteve 34 dias no isolamento. Foi professor de Literatura e Filosofia, antes de ser advogado e jornalista do Expresso
Ramon de Mello
Rebelde com uma causa
Os filmes sobre a II Guerra Mundial que viu no Rio de Janeiro, ainda miúdo de calções, inspiraram-lhe um enorme fascínio pelos pilotos de caça e por isso, como nove em cada dez rapazes da sua geração,
sonhou ser piloto de aviões. Já do lado de cá do Atlântico, foi a mão de Deus a empurrá-lo para o Direito. Nascido a meio do século XX (10 Setembro de 1950) numa família de camponeses, em Vila Chã do Ma-
rão, Marinho cresceu na obediência aos mandamentos da Santa Madre Igreja. Foi baptizado, fez a catequese, o crisma, as duas comunhões, nunca faltava à missa de domingo, confessava-se e comungava. Desta
educação ficou para todo o sempre com os valores da cultura judaico-cristã - a ideia do justo, a culpa, a expiação e o Juízo Final - tatuados no carácter. Apesar de ter sido a religião a deci>>>
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Passeio Público
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di-lo tornar-se um agente da justiça entre os homens, em 1970, quando se matriculou na Faculdade de Direito de Coimbra, já deixara de acreditar. “Aos 18 anos fiz perguntas para quais não encontrei resposta”, explica. Os traços de carácter deste homem são fruto da sua circunstância de filho de camponeses, que viviam de uma agricultura essencialmente de subsistência. Os escudos amassados com a venda dos excedentes de vinho, milho, batatas e couves eram aplicados na compra de açúcar, café, sardinhas e chicharros. Era gente que trabalhava muito, mas não tinha patrões. O único patrão era o sol. Levantavam-se e deitavam-se com ele. O pai emancipou-se da terra, mas manteve a rebeldia de não querer estar às ordens de ninguém. Aprendeu o ofício de alfaiate e, em 1951, era ele bebé de seis meses, meteu-se com a família num paquete e 18 dias depois desembarcavam na maravilhosa Baía de Guanabara. Como a mãe não se deu com o calor e o bulício do Rio, regressou com o filho e a filha, em 1962, ainda a tempo dele ver pela primeira vez, na televisão a preto e branco, o seu Benfica a destroçar (5-3) o Real Madrid de Puskas e Di Stefano, na final da Taça dos Clubes Campeões Europeus. Do Brasil, trouxe a alcunha (o “brasileiro” que o acompanhou durante os estudos secundários, feitos entre Amarante e Vila Real), e um espírito empreendedor – já tinha ganho os primeiros cruzeiros, logo aplicados na compra de rebuçados e gelados, vendendo nas ruas, por altura do Carnaval, fogo de artifício e bichinhas de rabear. Quando chegou a Coimbra, em 1970, ainda estavam bem acesas as cinzas da Crise Académica de 69, e ele já estava contaminado pelo germe da contestação ao regime. A sua consciência política amadurecera em longas conversas nocturnas, durante as férias grandes, em Vila Real, com transmontanos como João Botelho e Seixas da Costa, que já estudavam no Porto ou em Lisboa. Em 1969, já tinha sido um activista da campanha eleitoral da CDE, localmente lideradas por Mon22
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talvão Machado e Otílio Figueiredo. Coimbra em 1970, era o paraíso para um espírito rebelde como o de António Marinho. No rescaldo da Crise Académica, o centro de gravidade da contestação deslocarase das reivindicações académicas e pedagógicas para a luta política contra a guerra colonial e pela democracia. Logo em Novembro, na primeira assembleia a que foi, debateu-se a “Critíca do Programa de Gotha”, de Marx, e “O Renegado Kautsky”, de Lenine. Instalado na República de RapóTáxo, não demorou muito até que o inevitável acontecesse. A 12 de Fevereiro, ele e o seu amigo Rodrigo Santiago são dois dos cinco estudantes presos numa manifestação que ocupou a sede da AAC (que tinha sido encerrada pelo regime), em solidariedade com dois camaradas angolanos detidos. Foi transferido para a sede da Pide em Lisboa, antes de dar com as costas em Caxias, onde permaneceu 34 dias no isolamento. Três meses depois foi solto, mediante o pagamento de uma caução de dez contos, mas o incidente turvou durante 16 longos anos a sua relação com o pai, que, para continuar a enviar o cheque, pôs como condição que ele abandonasse a política. “Não abdiquei dos meus princípios e ideias”, afirma, acrescentando nunca ter chumbado a uma cadeira. Esta ferida aberta em 1971 só cicatrizou em 1987, quando ele foi ao Brasil fazer as pazes com o pai, que no entretanto morreu em 2003. Para se aguentar em Coimbra sem financiamento paterno, Marinho foi tradutor, dactilógrafo, trabalhou na cantina (vendendo senhas ou empratando) e debutou como jornalista no Diário de Coimbra. Até que, em 1974, o chamamento da Revolução o levou a interromper o curso, casou, teve a primeira das suas duas filhas (que vive em Londres e é realizadora, enquanto a mais nova, que tem 28 anos, é advogada como ele) e andou a dar aulas de Literatura e Filosofia e entre Aveiro, Feira e Abrantes. Em 1978, estabilizou como jornalista em Coimbra, abrindo, com o seu amigo Fausto Correia, a delegação da Agência Anop, e reatou Direito,
COIMBRÃO
Quanto está chateado lê Pessoa Quando está chateado, abre numa página à sorte um grosso volume de Fernando Pessoa, lê um ou dois poemas e é remédio santo – fica logo mais bem disposto. Marinho adora poesia: “É a alma dos homens”. Refere Rimbaud, Baudelaire, Régio, Camões e Bocage mas acima de todos eles está Pessoa. A seguir vem Jorge de Sena e depois Torga, “mas o Torga rebelde dos anos 50, antes de se institucionalizar”. Filho de um alfaiate, tem no armário apenas quatro fatos e três blazers, todos comprados no pronto-a-vestir. “É raro gastar mais de 300 euros com um fato”. Coimbrão adoptivo, vive durante a semana num hotel em Lisboa. Não comprou apartamento porque – explica – “não quero criar raízes por aqui”. Para além de poesia gosta de música (“Sou fã dos Doors e da melhor música que foi feita nos últimos 500 anos”) e de comer e beber bem com os amigos. “Tenho muitos amigos, mas também muitos inimigos. É tão importante ter amigos como inimigos”.
Para se aguentar em Coimbra sem financiamento paterno, foi tradutor, dactilógrafo, trabalhou na cantina (vendendo senhas ou empratando) e debutou como jornalista no Diário de Coimbra
que concluiu em 82. O seu patrono foi o velho camarada Rodrigo Santiago. “Ao fim de seis meses com ele estava melhor preparado que agora com três anos de estágio”, desabafa. Com apenas um ano de parêntesis, em que esteve em Macau como assessor jurídico de Galhardo Simões (“Não gostei de Macau. No Brasil tinha orgulho em ser português. Em Macau tinha vergonha”), passou os 17 anos seguintes como advogado e jornalista – a partir de 1988 como correspondente do Expresso em Coimbra, a convite de Joaquim Vieira. “Na minha formação de advogado foi muito importante ter sido jornalista, pois deu-me outra maleabilidade para encarar a rigidez formal da justiça. Sempre tive uma noção rigorosa até onde podia ir. Como jornalista, nunca fui meigo a falar ou a escrever mas nunca tive nenhum processo ou desmentido sério. Nunca fiquei prisioneiro dos muros da corporação jurídica e aprendi a dar alguns passos atrás para olhar para as coisas com a objectividade de um jornalista”, concluiu António Marinho e Pinto, que só entregou a carteira de jornalista quando em 2007 foi eleito bastonário. O novo agregador da advocacia
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Estado da Arte
A Internet, e sobretudo a expansão fulgurante dos blogues e das redes sociais, veio colocar novas, e difíceis, questões ao Direito, no que respeita à liberdade de expressão, protecção da privacidade, defesa do bom nome, direitos de autor e relações laborais
O DIREITO E AS REDES SOCIAIS
Casos como o sucedido na TAP, onde uma conversa entre funcionários no Facebook teve como consequência o levantamento de procedimentos internos na empresa, levantaram a questão da privacidade destas redes. Uma conversa numa rede social é privada? Como explica o advogado César Pratas, “na medida em que se lhe deu divulgação”, uma conversa em local público, depois de transmitida num meio de comunicação social deixa de o ser, ou seja, “as conversas em redes sociais são públicas”. Alexandre Dias Pereira, professor da Faculdade de Direito de Coimbra e autor de várias obras sobre o Direito na Internet, reforça esta posição, e diz que a responsabilidade civil ou criminal existe na Internet como fora dela, estando previstos na lei os mecanismos para apurar responsáveis por eventuais crimes ou ofensas. A Internet veio também colocar novos problemas em relação à relação entre trabalhador e empresa. Se algumas regras são claras, nomeadamente em relação ao princípio de que “as relações de trabalho têm força fora dos locais onde os trabalhadores desenvolvem a sua actividade”, surgem novas situações que levantam novos problemas nestas relações. O novo agregador da advocacia
Mário Cameira, WHO
Net e redes sociais colocam novas questões no Direito
Bruno Mestre, da PLMJ, que sublinha que uma simples ordem de serviço pode resolver a questão da eventual perda de produtividade associada ao uso da Internet numa empresa, lembra que a questão da privacidade das redes sociais é limitada, uma vez que quem usa estas redes “não pode assegurar a identidade de todos os destinatários”. Nesta sequência, salienta, podem surgir queixas de quem, partilhando na rede social informações privadas e íntimas, sobre religião ou orientação sexual, por exemplo,
A Internet veio também colocar novos problemas em relação à relação entre trabalhador e empresa
pode ser discriminado, no emprego ou nas relações sociais, sem no entanto poder provar que a eventual ostracização resulta dessa exposição. “A indefinição da fronteira entre a actuação no âmbito da esfera privada ou pública poderá ser, talvez, o maior desafio que a utilização das redes sociais apresenta”, sublinha Bruno Mestre, que considera que é ao poder judiciário e às entidades que exploram estas redes que cabe dar uma resposta legislativa que equilibre os interesses envolvidos. A Internet, em particular os blogues, veio também colocar novos problemas em relação à defesa do bom nome, “a ampla permissão de uma expressão livre de opiniões não é, todavia, sobreponível aos direitos de personalidade”, lembram João Laborinho Lúcio e Carlos Duque, citando um acórdão de um tribunal, que chama a atenção para a necessidade de “compatibilizar os direitos de personalidade com a liberdade de expressão”. No mesmo sentido, Alexandre Dias Pereira, a propósito da recente publicação de escutas judiciais no YouTube, salienta que “o facto de a ofensa ser cometida através de uma rede social não isenta o seu autor de responsabilidade”. Maio de 2010
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O problema reside na prova As potencialidades abertas pelas redes sociais não deverão ser anuladas pelos perigos que representam em matéria de práticas discriminatórias e de direitos fundamentais. A indefinição da fronteira entre a actuação no âmbito da esfera privada ou pública poderá ser, talvez, o maior desafio que a utilização das redes sociais Bruno Mestre No século XIX, a Humanidade conheceu a Revolução Industrial. E, no século XX, a população do globo mais que triplicou. Até à década de 60, estávamos convencidos que os motores deste desenvolvimento – o petróleo e o milho - trariam um imparável e exponencial crescendo de prosperidade. Mas, irónica ou inevitavelmente, foram justamente acidentes com hidrocarbonetos, por um lado, e a constatação de extensos danos causados por fertilizantes sintéticos que fez emergir a primavera silenciosa que nos trouxe a consciência da finitude dos recursos naturais que julgávamos inesgotáveis. A pressão dos cientistas, muito ajudada pela magnitude de alguns desses acidentes…, produziu efeito sobre os decisores políticos e, no princípio dos anos 70, fundamentalmente a partir das Nações Unidas, surgiu este novo Direito que se foi posteriormente alojando nos ordenamentos jurídicos nacionais. A constatação de que os recursos naturais são também um património comum que urge preservar e proteger levou a regulamentação em torno das componentes ambientais naturais muito para lá da tradicional moldura que lhes emprestavam os direitos reais. Em Portugal, este movimento de publicização parecia ter um arranque de leão com o artigo 66 da Constituição de 76, mas foi preciso esperar mais de uma década para que surgisse a Lei de Bases do Ambiente e, praticamente, outra até a transposição massiva do acervo comunitário nesta matéria com24
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pletarem e darem exequibilidade aos seus muito nobres princípios. Hoje o gigantesco edifício jurídico do Ambiente criou, na advocacia, uma nova e praticamente inesgotável área de intervenção, quer do lado das novas condicionantes ambientais impostas a praticamente toda a actividade produtiva, quer do lado de um novo e pujante sector de actividade económica resultante da necessidade de tornar operativos os comandos deste tronco especial do Direito Administrativo que é o Direito do Ambiente. Que faz então um advogado do Ambiente? Talvez o mais fácil neste curto espaço seja a correspondência linear entre a intervenção do advogado e o tríptico axiológico fundamental do Direito do Ambiente – bem definido pela Prof. Carla Amado Gomes: prevenção, gestão racional de recursos naturais e responsabilização pelo dano. O aconselhamento jurídico passa em primeiro lugar, pois, pela prevenção também, pela introdução das condicionantes ambientais legais desde o início na análise e desenvolvimento dos mais diversos projectos. Declarações de Impacte Ambiental e Licenças Ambientais, só para dar um exemplo, são dores de cabeça menores quando equacionada, desde o princípio, a necessidade de projectar com consideração pelas regras complexas que tornam mais exigentes os processos produtivos, até para minimizar o peso do tratamento das suas externalidades que sempre vão a acompanhar a vida da instalação.
Mas para lá da preparação dos actos autorizativos, em diálogo constante com a Administração, também a intervenção atempada na discussão pública dos procedimentos de planeamento especial, particularmente em função da conservação da natureza e da biodiversidade, é uma excelente forma de evitar desnecessários dissabores depois da sua aprovação… A gestão racional dos recursos naturais, onde se prossegue activamente muito do que é prevenção, é também campo de intervenção por excelência do advogado do Ambiente. Desde logo, na convivência com a miríade de instrumentos de comando e controle destinados a garantir o tratamento e gestão das externalidades do processo produtivo, matéria muitas vezes de acção interdisciplinar entre o Direito e outras ciências tal a multiplicação e não aparente sobreposição de regras de diversos regimes legais. Mas hodiernamente é cada vez mais, também, nos instrumentos de mercado que constituem a resposta eficiente a problemas ambientais globais como as alterações climáticas e os diversos instrumentos de cap and trade entretanto surgidos, maxime o comércio europeu de licenças de emissão de gases com efeito de estufa. Como discutir com a Administração a acomodação possível de direitos e a equidade intersectorial? Como e quando comprar licenças, como garantir a adequada gestão do risco à aquisição de activos que, na maior parte dos casos, inicialmente pouco mais
Licenciou-se na Faculdade de Direito da Universidade Católica do Porto, em 2004, com doutoramento no European University Institute (2005-2009). Como investigador foi bolseiro da Fundação para a Ciência e para a Tecnologia, tendo passado por centros de investigação em Hamburgo, Trier, e nos projectos AGIRE (Action pour une Gestion Innovante des Restructuration en Europe), RefGov (Reflexive Governance in the Public Interest) e no subgrupo Corporate Governance. Na PLMJ exerce nas áreas Corporate/ M&A e Trabalho.
configuram do que expectativas? E, ainda, em sede de gestão racional de recursos e de interacção com a Administração, como evoluir para soluções custo/eficientes que garantam a saúde pública para lá do princípio de desconfiança que ainda hoje impera na Administração face a situações inovadoras como sempre são, por exemplo, as decisões de fim do estatuto de resíduo atribuído a um determinado material? Em suma, se é verdade que o novíssimo regime de responsabilidade civil (e novamente a sua desarticulação com vários outros) não dispensa a intervenção da advocacia especializada – o que, de resto, até já com o novo e mais sofisticado regime contra-ordenacional sempre se justifica, a verdade é que a evolução deste ramo do Direito recomenda aconselhamento jurídico bem a montante do momento da reacção ao dano, normalmente já muito mais doloroso para o Cliente. Ainda não será sempre sempre assim, mas tal como, em quarenta anos se chegou, nos normativos, do zero à presente Babel, também em breve se multiplicarão capacidades no sector para acorrer a estes novos desafios… com os novos advogados. O novo agregador da advocacia
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“A Internet não é um paraíso legal” O Direito não fica às portas da Internet. A violação de segredo de justiça é crime nos termos do artigo 371.º do Código Penal. Além disso, estão em causa direitos de personalidade, cuja violação poderá fundamentar responsabilidade civil, e que podem ser protegidos nomeadamente através de providências cautelares
Mário Cameira, WHO
Advocatus | Que tipo de preocupação suscita o caso da publicação no YouTube das escutas ao presidente do FC Porto, Pinto da Costa? Existem formas legais de impedir a reprodução destas escutas? Alexandre Dias Pereira | O Direito não fica às portas da Internet. A violação de segredo de justiça é crime nos termos do artigo 371.º do Código Penal. Além disso, estão em causa direitos de personalidade, cuja violação poderá fundamentar responsabilidade civil, e que podem ser protegidos nomeadamente através de providências cautelares. Advocatus | Como é que, no actual quadro, podemos agir judicialmente face a uma ofensa publicada – mesmo que em forma privada (fechada) numa rede social, como o Facebook? E como podemos impedir a sua replicação? ADP | O facto de a ofensa ser cometida através de uma rede social, como o Facebook, não isenta o seu autor de responsabilidade civil e/ou criminal. Só por si a Internet não é nenhum paraíso legal. Advocatus | A quem podemos atribuir a responsabilidade por informação publicada em redes sociais ou em sites como o YouTube? ADP | A responsabilidade é apurada nos termos gerais, cabendo em primeira linha aos autores da publicação. Porém, frequentemente a fonte é anónima. Quanto aos ISP, a lei estabelece um regime especial de O novo agregador da advocacia
responsabilidade. O YouTube e os sites sociais como Facebook parecem actuar como prestadores intermediários, facultando a “armazenagem principal” regulada pelo diploma do comércio electrónico (DL 7/2004), nos termos do qual o prestador intermediário do serviço de armazenagem em servidor só é responsável, nos termos comuns, pela informação que armazena, se tiver conhecimento de actividade ou informação cuja ilicitude for manifesta e não retirar ou impossibilitar logo o acesso a essa informação, existindo responsabilidade civil sempre que, perante as circunstâncias que conhece, o prestador do serviço tenha ou deva ter consciência do carácter ilícito da informação (art. 16/1-2). Além disso, é previsto um procedimento administrativo de solução provisória de litígios, conhecido por “notice and take down” (art. 18.º), que deve operar em concordância com o direito à informação (art. 19.º).
Alexandre Dias Pereira É professor auxiliar da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, desde 1994. É docente nas cadeiras Contratos, Direito de Empresa, Concorrência, e jurisprudência do Direito da Concorrência e dos Contratos. É advogado (com inscrição suspensa a pedido) e foi professor da Faculdade de Direito da Universidade de Macau (2003/2004).
Advocatus | Que impacto tem tido as alterações introduzidas na legislação, nacional e comunitária, nesse sentido? E que alterações podem ainda ser introduzidas? ADP | De modo a promover a segurança e confiança na Internet, as alterações legais têm procurado clarificar e tornar eficazes os meios de controlo jurídico da internet, que não conhece fronteiras e opera em tempo real. A questão é especialmente sensível no campo dos direitos de autor, sendo forte a pressão no sentido do reforço das medidas de protecção online. Maio de 2010
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Os direitos de personalidade sobrepõem-se à livre expressão Um tribunal concluiu que “a ampla permissão de uma expressão livre de opiniões não é, todavia, sobreponível aos direitos de personalidade”. Em causa estava a publicação num blogue de textos que afectavam o bom nome de terceiros, por um consumidor não satisfeito
O uso da Internet tem dado nova actualidade a uma velha querela relacionada com a protecção dos direitos de personalidade e de propriedade intelectual em aparente confronto com o direito à liberdade de expressão e de fruição e criação cultural. Se é verdade que, já em 1963, o Director-geral da Rádio Belga defendia, num boletim publicado pelo Instituto de Sociedade da Universidade de Bruxelas, que “o direito de autor é um sério handicap na tarefa de difusão do património cultural”, não é menos verdade a existência de uma corrente que, com o advento das novas tecnologias, procura fomentar a ideia de que a Internet é o espaço natural para uma expressão livre e sem reservas de qualquer natureza. A comparação entre direitos que, aparentemente, se contrapõem, é tão natural como a sua mútua consagração legal e, mesmo, constitucional. Se, por um lado, a Lei Fun26
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damental consagra que “todos têm direito à fruição (…) cultural”, por outro, consagra o direito à criação cultural, sendo “livre a criação intelectual, artística e científica”. Da mesma forma, tanto considerar fundamental a liberdade de expressão e informação como o direito à integridade pessoal. Apesar da coexistência pacífica entre direitos fundamentais, muito ruído se tem procurado criar com as novas formas de comunicação através da Internet, quer seja pela criação de blogues, quer seja através da cada vez mais importante presença das redes sociais. No que aos direitos de propriedade intelectual diz respeito, nomeadamente com relação ao direito de autor, não são desprezáveis as mensagens erradas que circulam quanto à liberdade de utilização, por exemplo, de obras protegidas pelo direito de autor, ou conteúdos, sem que o seu titular possa exercer
João Laborinho Lúcio
Carlos Duque
Licenciou-se na Universidade Internacional em 1996 e é pós-graduado em Direito dos Contratos, em 1998. Desde 2003 é docente da cadeira de “Propriedade Intelectual” do 5.º ano do curso de Direito da Universidade Internacional de Lisboa. Em 2005 entrou na Pedro Raposo & Associados, onde é sócio responsável pelo Departamento de Propriedade Intelectual.
Licenciado em Direito pela Universidade Lusíada, na variante de Ciências Jurídico-Comerciais, em 1997. Desde 2001 na Pedro Raposo & Associados, é sócio responsável pelo Departamento de Contencioso e Assessoria Geral.
O uso da Internet tem dado nova actualidade a uma velha querela relacionada com a protecção dos direitos de personalidade e de propriedade intelectual, em aparente confronto com o direito à liberdade de expressão e de fruição e criação cultural
o seu direito exclusivo de autorizar a utilização dessas obras. Como se sabe, com excepção das utilizações consideradas pelo legislador como sendo livres, cabe ao titular do direito de autor o direito exclusivo de autorizar a utilização de uma obra protegida, sendo que a utilização não autorizada poderá fazer incorrer o infractor em responsabilidade civil e até criminal. Por esta razão, não se pode deixar de sublinhar a noção de que também os conteúdos disponibilizados na Internet, com ou sem nota de copyright, quer a sua utilização se destine ou não a fins comerciais (com excepção do uso exclusivamente privado, desde que esse uso não atinja a exploração normal da obra e não seja para fins de comunicação pública ou comercialização), carecem de prévia autorização escrita do titular do direito de autor. Da mesma forma, e com relação aos direitos de personalidade, a O novo agregador da advocacia
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explosão dos blogues tem feito surgir algumas dúvidas sobre o seu papel. Não se contestando nem a sua importância nem a sua posição privilegiada para o exercício da liberdade de expressão e de informação, como veículos de expressão popular, democrática e acessível a todos, a sua utilização pode acarretar alguns riscos sempre que esses blogues divulgam informação que contende com direitos de terceiros. Sem prejuízo destas formas de comunicação poderem ser apelidadas de “jornalismo popular”, o certo é que não se lhes aplicam as directrizes deontológicas que moldam a actividade jornalística, nomeadamente no que toca à obrigação de relatar os factos com rigor e exactidão e ouvir as partes atendíveis no caso. É, assim, no âmbito desta aparente
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É preciso, no entanto, estar consciente que qualquer limitação à liberdade de expressão na Internet deve ser profundamente ponderada. Há que compatibilizar os direitos de personalidade com a liberdade de expressão
contenda de direitos que, se cita, por relevante, um recente aresto proferido pelas Varas Cíveis de Lisboa, em sede de um procedimento cautelar não especificado, num caso em que, através de um blogue, um consumidor não satisfeito fez uso da Internet para procurar atentar contra o bom nome de terceiros. No referido aresto, entendeu o tribunal que “a ampla permissão de uma expressão livre de opiniões não é, todavia, sobreponível aos direitos de personalidade, falando-se, com alguma frequência, na necessidade de elaboração de um código de conduta para a blogosfera. Tal não significa, de todo o modo, que a blogosfera esteja imune à preservação dos direitos de personalidade, maxime, do direito ao crédito e ao bom nome, pelo que comportamentos violadores de tais
direitos, se cometidos na blogosfera, não passam, por virtude do meio onde foram cometidos, a comportamentos aceitáveis ou inatacáveis. É preciso, no entanto, estar consciente que qualquer limitação à liberdade de expressão na Internet deve ser profundamente ponderada. Há que compatibilizar os direitos de personalidade com a liberdade de expressão, considerando-se que qualquer comportamento violador de direitos de outrem deverá ser sancionado, se praticado na Internet, como o seria se praticado em outro meio de comunicação. Esta é a actual característica da blogosfera, assente numa ampla liberdade de expressão e de crítica que não pode ser cerceada, salvo em casos particularmente graves de violação dos direitos de personalidade”.
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Conversas nas redes sociais são obviamente públicas Uma conversa de café transmitida por um veículo de comunicação social deixou de ser uma conversa de café, no sentido em que é privada e restrita e passou a ser pública na medida em que se lhe deu divulgação
Os princípios e as normas que regem as relações de trabalho têm força mesmo fora dos locais onde os trabalhadores desenvolvem a sua actividade. Esses princípios e normas estão presentes onde haja a dialéctica dos interesses e esses não se limitam ao espaço onde se instala a sede da empresa. As conversas havidas nas redes sociais não são privadas pela natureza do veículo que utilizam. Esse veículo, que é a Internet, é universal: quem queira pode a ela aceder. Daí que em nosso entender as conversas em redes sociais são públicas mesmo que digam respeito a assuntos que tenham uma esfera de intervenientes limitada e mesmo que os temas tratados constituam assuntos pessoais. Uma conversa de café transmitida por um veículo de comunicação social deixou de ser uma conversa de café no sentido em que é privada e restrita e passou a ser pública na medida em que se lhe deu divulgação. Os efeitos benéficos ou nocivos da referida conversa podem ter repercussão restrita ou ampla e assim suspeitáveis de serem indiferentes ou produzirem resultados benéficos ou danosos conforme os ingredientes e os intervenientes da conversa. A Internet é um veículo poderoso de comunicação como o são a rádio, a televisão, e a imprensa. Mas é apenas um veículo. De onde a questão está não em regulamentar as redes sociais mas sim os eventuais actos ilícitos que através dela 28
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As conversas havidas nas redes sociais não são privadas pela natureza do veículo que utilizam. Esse veículo, que é a Internet, é universal
se pratiquem. As molduras cíveis e penais estão definidas e as questões colocam-se, muito mais no plano adjectivo, nomeadamente nas competências. No que concerne, por exemplo, às conversas entre tripulantes da TAP, estas, objectivamente consideradas, revelam essencialmente questões entre tripulantes. Nada nos faz supor que o mal-estar existente tenha em qualquer situação posto em causa a segurança ou tranquilidade dos passageiros. Embora o prestígio, nomeadamente das companhias de aviação, esteja, também, ligado à personalidade de quem tripula os seus aviões, nomeadamente os comandantes, (mas não só) e por isso a sua personalidade e comportamento possa transmitir segurança aos utentes da companhia, ainda assim não acreditamos que a companhia de aviação em causa tenha saído desprestigiada. No entanto, o respeito devido aos colegas de trabalho talvez devesse ter inibido os autores de alguns comentários, pois não nos parece que tais comentários sejam urbanos e probos como manda o Código do Trabalho, nomeadamente a alínea a) do N.º1 (…”o trabalhador deve: a) Respeitar e tratar o empregador, os superiores hierárquicos, os companheiros de trabalho e as pessoas que se relacionam com a empresa, com urbanidade e probidade”. Tais comentários são inócuos se ditos ao ouvido. Mas não foi o caso.
César Pratas Advogado, sócio de César Pratas & Associados, Sociedade de Advogados RL
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Edição vídeo desta entrevista em www.advocatus.pt
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Jorge Fiel Jornalista jf@briefing.pt
Carlos Tavares, presidente da CMVM
Competência jurídica tem aumentado
Ramon de Mello
“O crescente protagonismo dos advogados é inevitável porque o mercado de capitais e as leis respectivas têm alguma complexidade e uma assistência jurídica adequada é o ideal. Isso também é bom para nós. O nosso trabalho fica facilitado se as operações vierem bem preparadas. No mercado português, a competência em termos jurídicos tem aumentado muitíssimo”, afirma Carlos Tavares, 57 anos, presidente da CMVM, que no entanto critica as firmas que usaram “o formalismo jurídico um bocadinho para além do razoável e como mecanismo de defesa contra uma OPA”
Advocatus | Aconteceu de tudo durante estes cincos anos que leva à frente da CMVM.. As lições aprendidas com a crise já se reflectem nas regras? Carlos Tavares | Sim, aconteceu de tudo. E a regulamentação do mercado de capitais é completamente diferente da que vigorava há cinco anos atrás. Nesta fase mais recente, houve uma lei de iniciativa nacional, de 2008/2009, que já 30
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é uma resposta aos problemas que estiveram na origem desta crise e de alguma forma antecipou algumas das discussões que estão a ser feitas nível europeu, para fechar os alçapões regulatórios que possibilitaram que ela se desenvolvesse da forma como aconteceu. Advocatus | Vai ser impossível voltar a acontecer uma crise como esta?
CT | Nunca será possível ter uma regulamentação e uma regulação que garantam a 100% que não exista uma crise. Mas podem criarse condições para que as causas sejam prevenidas e antecipadas, evitando que se repita uma crise com esta dimensão, cuja extensão ainda não está totalmente revelada e cuja duração também não é totalmente conhecida. O sistema financeiro internacional dificilmente O novo agregador da advocacia
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resistiria a uma repetição de uma crise desta dimensão. Advocatus | A legislação e a supervisão não estavam preparadas para uma tempestade desta dimensão? CT | Não estavam em dois aspectos: na regulamentação e nas práticas de supervisão. Foi-se convivendo com a existência de franjas relativamente largas do sistema financeiro que não estavam debaixo da alçada da regulamentação e da supervisão. Estamos a falar de mercados de derivados, mercados de balcão, que foram progredindo a um ritmo muito acentuado e foram ficando à margem. A regulação concentrou-se nos produtos tradicionais, como as acções e obrigações, negligenciando os derivados e produtos estruturados que acabaram por representar uma dimensão muito maior que os mercados regulados. Segundo dados de há dois ou três anos, as transacções nestes mercados eram cerca de dez vezes superiores às dos mercados de acções com as quais os reguladores gastam uma boa parte do tempo. O alargamento da base da regulação e da supervisão é um passo essencial, porque foi nessas áreas não reguladas que se passaram muitas das coisas que deram origem a esta crise. Advocatus | É essencial, mas será suficiente? CT | Não. A crise ensinou-nos que as práticas de supervisão devem ser aperfeiçoadas. Durante muito tempo, os reguladores partiram do princípio de que, de uma forma geral, as instituições financeiras e os seus agentes eram bem comportados, transparentes, verdadeiros, e tinham um sistema de controlo de risco adequado para proteger o interesse dos seus clientes e accionistas. Acabámos por verificar que este pressuposto não era totalmente exacto e tudo aquilo que se passou recomenda que os supervisores de todo o mundo tenham uma postura diferente e não estejam à espera das mudanças de legislação para actuar, porque o público confia nos supervisores
Entrevista
“O sistema financeiro internacional dificilmente resistiria a uma repetição de uma crise desta dimensão”
“Durante muito tempo, partimos do princípio que as instuições financeiras e os seus agentes eram bem comportados, transparentes, verdadeiros, e tinham um sistema de controlo de risco adequado para protegerem o interesse dos clientes e accionistas. Acabamos por verificar que este pressuposto não era totalmente exacto”
e tem de ter razões para confiar neles. Advocatus | No caso português, a supervisão falhou no BPN e no Banco Privado. CT | As instituições financeiras têm um sistema de controlo de que a supervisão é uma parte importante, mas apenas uma parte. Há toda uma cadeia de controlos que se presume funcionam e que falharam. Desde os controlos internos da própria empresa - auditorias internas, que defendemos não devem reportar directamente à administração executiva para garantir a sua independência -, até aos administradores independentes, passando pelo revisor oficial de contas, Conselho Fiscal e auditores externos. Aprendemos aqui a lição de que estes mecanismos de controlo têm de ser mais supervisionados, ou seja, temos de verificar mais proximamente se os sistemas de controlo interno existem e se estão a funcionar como devem. Aprendemos também que é preciso melhorar a supervisão dos auditores. Advocatus | Já existem mecanismos para supervisionar os auditores? CT | Fruto da legislação europeia, foi criado o Conselho Nacional de Supervisão de Auditoria, que deu novos poderes às entidades de supervisão. Nós já tínhamos alguma competência em matéria de empresas cotadas, mas nem o BPN nem o BPP eram empresas cotadas e portanto não tínhamos essa possibilidade em toda a extensão. Em todos esses casos, houve falha deste sistema de controlos. Aprendemos que não podemos confiar tão fortemente neles e que temos de reforçar o cepticismo da supervisão. Advocatus | Isso chega para garantir que não vão existir mais casos como o do BPN e do BPP? CT | Nós temos a obrigação de aprender com a prática. Não podemos é garantir que a imaginação dos actores - que é muito grande não só para as coisas boas mas
também para as menos boas – não vai criar algo que possa escapar à supervisão. Mas devemos limitar ao máximo as possibilidades de falha dos controlos. Uma fraude é sempre possível de ocorrer, mas o importante é detectá-la e ter meios para punir. Defendo um sistema punitivo rigoroso, pelo seu efeito desincentivador. E para isso é preciso que o sistema financeiro tenha sanções que sejam proporcionais e significativas para os casos graves, mas também, que funcione rapidamente. Advocatus | Como é que se consegue isso? CT | Os responsáveis por infracções e crimes de mercado têm de ser punidos rapidamente, sob pena de poderem continuar a operar. Seria desejável uma reforma do sistema penal e judicial que consagrasse a especificidade da área financeira e possibilitasse que o processo fosse mais rápido. O formalismo processual é muito grande e muitas vezes é usado não para defesa das garantias e dos direitos, mas para arrastar o processo e afastar a verdade material da verdade formal. E mesmo os nossos processos de contra-ordenação, que deviam ser relativamente rápidos, leves e ágeis, muitas vezes demoram muito mais tempo do que aquilo que nós gostaríamos.. Temos de encontrar uma forma de equilibrar as garantias para os arguidos – que são realmente muito fortes – com uma actuação atempada. E hoje é possível, mesmo no regime contra-ordenacional, prolongar muito os casos através dos recursos processuais frequentes, o que acaba por ser negativo para todas as partes. Advocatus | O problema está nos recursos? CT | O problema mais significativo está no facto do recurso judicial ser feito de acordo com as regras dos processos comuns e estar estabelecido para tribunais comuns. Estamos, em muitos casos, a falar de tribunais de pequena instância criminal e de processos que são de grande tecnicidade, pelo que te>>>
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mos que compreender e solucionar o problema que os juízes enfrentam ao lidarem com matérias sobre as quais não têm formação nem assistência especializada. O processo tem de ser mais ágil, com uma limitação dos incidentes possíveis e tribunais especializados - ou pelo menos secções especializadas nos tribunais.
“As OPA não são hostis para os accionistas, são uma operação amigável porque lhes dá a oportunidade de decidir vender ou não. É a operação mais democrática que existe no mercado de capitais porque é uma oferta pública, com regras, em que os accionistas são convidados a vender ou a dizer se querem ou não vender aquele preço”
“Uma fraude é sempre possível de ocorrer, mas o importante é detectá-la e ter meios para punir. Defendo um sistema punitivo rigoroso, pelo seu efeito desincentivador. E para isso é preciso que o sistema financeiro tenha sanções que sejam proporcionais e significativas para os casos graves, mas também, que funcione rapidamente” 32
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Advocatus | Como é que as coisas se passam nos outros países da Europa? CT | Há sistemas muito diversos. Os mais flexíveis são os do direito anglo-saxónico, sobretudo o britânico, onde a nossa congénere tem uma extensão muito grande de poder e que pode, inclusivamente, fazer o chamado settlement dos processos, ou seja, negociar uma pena, às vezes muito elevada, sem qualquer processo formal, e aplica a sanção. Isto não é compatível com a estrutura jurídica portuguesa, mas temos de considerar que a especificidade do sistema financeiro limita o grau de formalismo da prova. Nos crimes financeiros é difícil reunir uma prova completa, como noutro tipo de crimes, sendo que muitas vezes ela é apenas indiciária. Claro que os crimes têm que ser provados, mas os métodos de prova deveriam ser revistos, tendo em conta a especificidade deste tipo de infracções. Advocatus | Os serviços de mediação da CMVM têm funcionado bem? CT | Estamos no caminho certo para funcionar melhor. É um dos aspectos que estamos a tentar melhorar, até porque a mediação em geral tem funcionado pouco em Portugal. O primeiro caso de mediação formal que tivemos foi o dos pequenos accionistas do BCP, que decorreu de forma positiva. Gostaria de ir um pouco mais longe e que houvesse uma modalidade superior mais próxima da arbitragem. Estamos a trabalhar nisso e em breve esperamos propor ao Governo legislação sobre esta matéria. Advocatus | Na origem da crise está o subprime. O que está a
ser feito para alterar o enquadramento da actividade dos fundos de investimento imobiliário? CT | Os fundos de investimento imobiliário têm muitas vezes políticas de resgate muito generosas e activos pouco líquidos. Ora, não é fácil, a qualquer momento, desfazerem-se de um imóvel se tiverem um pedido de reembolsos muito grande e, sobretudo, quando o mercado imobiliário se deteriora. Temos algumas reservas quanto à existência de fundos imobiliários abertos com políticas de resgate muito generosas. Há uma de duas soluções. A minha fórmula preferida é passarmos a ter fundos imobiliários fechados com capital variável e cuja liquidez pode ser assegurada pela cotação das unidades de participação em Bolsa. Ou, pelo menos, os fundos abertos devem passar a ter políticas de resgate muito mais restritivas. Advocatus | Vão alterar a periodicidade da avaliação dos activos dos fundos de investimento imobiliário? CT | Sim. A política de avaliação não está adequada. Vamos lançar em consulta pública novos princípios de avaliação de imóveis. Primeiro, com avaliações mais frequentes que não ultrapassem os seis meses - o nosso regime exige apenas um limite de dois anos. Segundo, que os próprios critérios de avaliação sejam aperfeiçoados. Hoje há uma avaliação por peritos que tem de ser independente, mas depois a sociedade gestora tem uma liberdade de fixação do valor do imóvel, entre aquilo que foi o custo do valor de aquisição e o valor do perito – o que pode ter inconvenientes muito sérios, sobretudo quando os preços estão a descer, o que tende a que existam sobreavaliações dos imóveis. O que preconizamos é que haja duas avaliações independentes que marquem o valor dos imóveis sem interferências da sociedade gestora. Advocatus | Está em discussão um projecto de alteração ao modelo de supervisão. Está de acordo com ele?
CT | Sempre entendi que não é conciliável, por existirem conflitos de interesse, a concentração na mesma instituição das duas formas de supervisão, prudencial e comportamental. A prudencial está mais voltada para a defesa da estabilidade das instituições, da protecção dos depositantes. A comportamental está mais voltada para a defesa e protecção dos clientes, protecção dos investidores. Em certos casos há choque entre os objectivos e não tem mal nenhum que assim seja. O que interessa é que haja a possibilidade de elas serem defendidas por entidades diferentes - e que, além de independentes, estas instituições se articulem. Advocatus | Não acha as blindagens prejudiciais para o mercado? CT | No caso das limitações aos direitos de voto ou dos direitos especiais de voto, recomendamos que elas apenas existam se for demonstrado serem do interesse da sociedade e dos accionistas. Para que elas não se eternizem, em favor da defesa do management (o que muitas vezes também acontece), recomendamos que, de cinco em cinco anos, sejam revisitadas em assembleias livres dessas limitações. Este é um mecanismo que permite testar periodicamente se as limitações são do interesse da sociedade e se os accionistas querem de facto que elas se mantenham. Advocatus | E as golden share? CT | Trata-se de uma situação diferente porque as golden share só devem existir se corresponderem de facto à existência de um interesse público e só devem ser usadas na defesa desse interesse. Quem fiscaliza esta situação é a Comissão Europeia. Advocatus | As grandes OPA, da Sonae sobre a PT, do BCP sobre o BPI, da CSN sobre a Cimpor, falharam todas. Será que não compensa tentar adquirir uma empresa seguindo as regras do mercado? Ou será que as regras O novo agregador da advocacia
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é que estão desadequadas e desencorajam os potenciais oferentes? CT | A directiva das OPA é um dos casos de legislação europeia que não é particularmente feliz. Demorou 15 anos a ser discutida e o resultado final é quase um “não resultado”, pois permite tantas opções, que, na prática, cada Estado pode ter o seu regime específico. Dentro destas limitações, creio que transposição para o caso português foi bem feita. Falharam essas grandes ofertas, mas outras que seguiram o seu curso normal foram concretizadas. Nos casos das OPA maiores e mais mediáticas que falharam, houve em dois dos casos um problema de alongamento. Deve darse a possibilidade dos accionistas se pronunciarem o mais depressa possível, para que estas operações não demorem demasiado tempo, elevando o seu custo, desconcentrando o management e limitando a actividade da empresa. Não é desejável que uma empresa possa estar um ano ou mais de um ano sob uma OPA. Nós vamos aprendendo e uma das alterações à lei foi no sentido de evitar que a análise dos processos de concorrência seja tão morosa. O caso da Cimpor foi diferente, já que a OPA não foi concretizada porque os accionistas não a aceitaram ou escolheram outras alternativas. A operação foi rápida, até porque o oferente não pôs como condição prévia a autorização pelas autoridades de concorrência. Portanto aí não há nada a dizer. Advocatus | Faz sentido classificar as OPA como hostis ou amigáveis? CT | Faz-me muita confusão essa distinção, que não existe na lei. Na terminologia inglesa, o que se fala é OPA não solicitada por oposição à solicitada, aquela que é negociada previamente com o Conselho de Administração. Agora, as OPA não são hostis para os accionistas. Uma OPA é sempre uma operação amigável para os accionistas, no sentido que lhes dá a oportunidade de decidir vender ou não. Eu costumo dizer que é a operação mais O novo agregador da advocacia
Entrevista
democrática que existe no mercado de capitais porque é uma oferta pública, com regras, em que os accionistas são convidados a vender ou a dizer se querem ou não vender aquele preço. Muitas vezes os conselhos de administração gostam menos do oferente. Por isso eu penso que era muito desejável que nós abandonássemos essa terminologia de OPA hostil, porque ela não existe de facto na lei. Advocatus | Como avalia o crescente protagonismo dos advogados no mercado? CT | É inevitável porque o mercado de capitais e as leis respectivas têm alguma complexidade e uma assistência jurídica adequada é o ideal. Isso também é bom para nós. O nosso trabalho fica facilitado, se as operações vierem bem preparadas. No mercado português, a competência em termos jurídicos tem aumentado muitíssimo. Mas nalguns casos pontuais, a intervenção dos escritórios de advogados pode ter sido um bocadinho excessiva. Advocatus | Está a referir-se à OPA da Sonae sobre a PT? CT | Sobretudo. Foram mobilizados muitos recursos jurídicos, o que acabou por ser útil, porque houve muitos aspectos que foram clarificados, mas criou-nos uma exigência muito grande, em termos de tempo dedicado ao tratamento de questões jurídicas que nos absorveu muitos recursos. E como a OPA foi muito longa, absorveu-nos muitos recursos durante algum tempo. Isso não tem mal e até pode ser positivo, se não houver essa tentação de usar a regulação como meio de defesa. Uma coisa é clarificar as questões jurídicas, outra coisa é tentar usar o combate jurídico e as questões regulatórias para além do razoável e como mecanismo de defesa contra uma OPA. Advocatus | A criminalidade no mercado está a aumentar? CT | Noto que nós detectamos mais casos. Não sei se isso se deve a um aumento, ou se deriva do facto de termos instrumentos mais sofistica-
“Seria desejável uma reforma do sistema penal e judicial que consagrasse a especificidade da área financeira e possibilitasse que o processo fosse mais rápido. O formalismo do sistema judicial é muito grande”
dos. Apanhamos muitos casos de abuso de informação privilegiada e surpreendeu-nos a frequência com que somos confrontados com fenómenos de manipulação, alguns até relativamente grosseiros. Advocatus | Notou uma mudança no tipo de criminalidade? CT | Os dois crimes fundamentais são o de abuso de informação privilegiada e o de manipulação de mercado. O de manipulação de mercado tem muitos casos, nem todos são casos muito grandes. Advocatus | Que balanço faz do seu mandato de cinco anos como presidente da CMVM? CT | Há sempre coisas para melhorar, mas apesar de tudo penso que a CMVM fez progressos nos últimos cinco anos. Uma das coisas positivas foi a independência com que pudemos trabalhar. Sem qualquer interferência negativa por parte do Governo, que em momento algum pôs em >>>
vida
Canta, toca, é benfiquista e podia ter sido advogado Carlos Manuel Tavares da Silva nasceu em Estarreja, a 4 de Abril em 1953, e aos 22 anos licenciou-se em Economia, na Faculdade de Economia do Porto (FEP), onde foi assistente, ao mesmo tempo que dava no célebre Gabinete de Estudos do BPA, onde coordenou o gabinete de macro-economia, os primeiros passos de uma longa carreira no mundo financeiro - foi presidente do BNU e da Unicre, vice-presidente da Caixa, Chemical, BPSM, Totta e Santander de Negócio. Se a tentativa de controlar o BPA liderada por Belmiro tivesse sido bem sucedida, seria ele a suceder ao histórico João Oliveira na presidência do que era então o maior banco português. Na coisa pública, antes de presidir à CMVM (cargo que ocupa desde 3 de Outubro de 2005), foi secretário de Estado do Tesouro do Governo Cavaco (com Cadilhe e Beleza) e ministro da Economia do Governo Durão. Arrepende-se de ter desperdiçado a hipótese de, no final do curso de Economia, não ter tirado Direito, como fez o seu colega Tavares Moreira – na altura davam aos licenciados pela FEP a equivalência ao 3.º ano de Direito. Tem uma filha, e, pelo menos, mais duas paixões: a música e o Benfica. Deu alguns espectáculos com Vitorino, participa no coro da CMVM e, quando presidia ao BNU, tocava e cantava nas festas de aniversário dos balcões.
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Entrevista
Edição vídeo desta entrevista em www.advocatus.pt
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causa o livre exercício das nossas competências. Além disso, na maior parte dos casos o Governo deu sequência positiva às propostas de regulamentação que lhe fizemos. Claro que há sempre aspectos a melhorar. Se voltássemos atrás, provavelmente teria feito algumas coisas de uma maneira diferente. A relação com os investidores, por exemplo, é um aspecto que a CMVM pode melhorar. Não estávamos satisfeitos com a maneira como as reclamações estavam a ser tratadas e fizemos uma mudança importante nessa área, no sentido de responder sempre e sensibilizar as instituições financeiras para a necessidade de responder ao cliente quando há uma reclamação. As instituições estão a reagir bem a esta postura. Deixamos aquela filosofia de sermos apenas a caixa de correio que recebia a reclamação, reencaminhava para a instituição
CMVM Criada em Abril de 1991, a Comissão do Mercado de Valores Mobiliários supervisiona e regula os mercados de bolsa e os agentes que neles actuam. É um organismo público independente, com autonomia administrativa e financeira, cujas receitas não provêm do Orçamento de Estado mas sim das taxas de supervisão cobradas em contrapartida pelos serviços que presta. Os seus objectivos são proteger os investidores, assegurar o eficiente e regular funcionamento dos mercados, controlar a informação, prevenir riscos e reprimir actuações ilegais.
“Aprende-se mais numa conversa directa com o supervisionado do que com um monte de papéis que ele nos possa enviar”
financeira e ficava à espera. Isso é útil para nós e para a instituição financeira. Enquanto estive no sector financeiro, procurei sempre incutir o espírito de que uma reclamação é uma informação preciosa para a qualidade do trabalho da instituição financeira. Como é também uma informação preciosa para a nossa supervisão. A partir de uma reclamação, podemos detectar falhas na
actividade das instituições financeiras. É melhor detectar essas falhas cedo do que tarde. Em termos de supervisão, gostaria que alguns processos de autorizações fossem mais rápidos e a supervisão mais presente. Na supervisão aprende-se mais numa conversa directa com o supervisionado do que com um monte de papéis que ele nos possa enviar.
comissão directiva
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Maria dos Anjos Capote
Rui Ambrósio Tribolet
Amadeu José Ferreira
Carlos Francisco Alves
Vogal da Comissão Directiva da CMVM, que representa no Conselho Nacional de Supervisão de Auditoria. Licenciada pela Faculdade Direito de Lisboa, com uma pós graduação em JurídicoPolíticas. Curso da École Nationale d’Administration de Paris. Diploma Superior da Chambre du Commerce et de l’Industrie de Paris. Foi directora-geral do Tesouro. Secretária de Estado do Tesouro e Finanças no primeiro Governo Sócrates. Deu aulas em diversos cursos de pós-graduação e especialização na área de Fiscalidade, em várias instituições do ensino superior. Integrou a Comissão de Negociação da Dívida de Angola.
Licenciado em Economia pelo Instituto Superior de Ciências Económicas e Financeiras (ISCEF), tem 60 anos e é casado. Vogal do Conselho Directivo da CMVM. Deu aulas de Economia Internacional na Faculdade de Economia de Luanda. Director da Bolsa de Lisboa, foi membro das comissões executivas das federações europeia e internacional das bolsas de valores. Esteve também como vogal na Interbolsa-Sociedade Gestora de Sistemas de Liquidação e de Sistemas Centralizados de Valores Mobiliários.
Mestre pela Faculdade de Direito de Lisboa e professor no curso de Direito da Nova, nasceu em Sendim, em 1950. Tem várias obras jurídicas publicadas na área do direito penal e do direito dos instrumentos financeiros. É vice-presidente da CMVM. Tem várias obras literárias (ficção em prosa e poesia) publicadas em mirandês e uma colaboração regular em diversos órgãos de Comunicação Social (www. diariodetrasosmontes.com, Jornal Nordeste, Mensageiro de Bragança, Voz do Nordeste, Contrabando, Público e na Radio MirandumFM) e em blogues, em especial em http:// fracisconiebro.wordpress.com. Traduziu para mirandês obras de escritores latinos (Horácio, Virgílio e Catulo), Os Quatro Evangelhos, Os Lusíadas e duas aventuras de Astérix. Preside à Associaçon de Lhéngua Mirandesa.
Natural de Paços de Ferreira, é casado e tem duas filhas. Licenciado, Mestre e Doutor em Economia pela FEP, onde é professor de Finanças e de Economia Industrial e das Organizações. Investigador do Center of Economics and Finance at University of Porto. Membro do Conselho Geral da EGP – University of Porto Business School. Esteve no Gabinete de Estudos da Bolsa de Valores do Porto e dirigiu o Instituto Mercado de Capitais. Foi também adjunto do secretário de Estado do Tesouro e das Finanças no primeiro Governo Guterres. Integrou a Comissão que redigiu o Livro Branco sobre Corporate Governance em Portugal e a direcção do Instituto Português de Corporate Governance.
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www.advocatus.pt António Barradinhas Jornalista ab@briefing.pt
Tierno Lopes, assessoraram o grupo DirectGroup Bertelsmann na venda da Bertrand à Porto Editora. O negócio incluiu as editoras Pergaminho, Quetzal, Temas e Debates e Arte Plural Edições, a distribuidora de livros e uma rede de 54 livrarias Bertrand, o Circulo de Leitores (que também detém a revista Ler), a Telecírculo e a Lexicultural.
Se não for rápida a justiça falha o objectivo
MLGTS
frederico pereira coutinho e Maria da Paz
A Cuatrecasas, Gonçalves Pereira assessorou o Banco Privado Português (BPP) na constituição do “Fundo de Gestão Passiva Fundo Especial de Investimento Fechado” e no registo prévio de uma Oferta Pública Geral e Voluntária de Aquisição de loan notes. A operação foi conduzida por uma equipa liderada pelos sócios Manuel Magalhães, Maria João Ricou e Diogo Ortigão Ramos, constituída pelos associados Paulo Costa Martins, Mariana Duarte Silva, Francisco Boavida Salavessa, Francisco Mendes Correia, Manuel Requicha Ferreira, Filipe Santos Barata, Ana Paula Basílio, Sofia Thibaut Trocado, Ana Sofia Silva e Margarida Leal de Oliveira.
BAS é parceira da Área Abogados A BAS e a espanhola Área Abogados formalizaram um protocolo de parceria, com o objectivo de promover um projecto conjunto, ao mesmo tempo que pretendem afirmarse como uma referência em Portugal e Espanha. A aliança radica em valores comuns e abordagens semelhantes aos problemas jurídicos com que os especialistas se deparam. O novo agregador da advocacia
“Se não for rápida, a justiça falha o seu objectivo”, afirmou João Calvão da Silva, catedrático da Faculdade de Direito de Coimbra, na conferência sobre “O papel do advogado no tribunal”, organizada pela Morais Leitão, Galvão Teles, Soares da Silva & Associados (MLGTS), que contou ainda com a presença de José Manuel de Matos Fernandes, juiz conselheiro do Supremo Tribunal de Justiça (STJ), e Maria José Costeira, juíza do Tribunal de Comércio. “O mediatismo excessivo mancha a justiça, e muitas vezes, quem fala na televisão ou nos jornais nem são os melhores especialistas nessa área”, critica o catedrático de Coimbra, que vê no ruído que a justiça provoca na Comunicação Social “um sinal da falta de bússola moral do país”. Para o jurista, que já presidiu a numerosos tribunais arbitrais, a celeridade do processo e competência dos membros que o compõem são as razões que tornam este meio alternativo de justiça tão popular. “Um dos desafios da justiça portuguesa é rever toda a legislação processual civil. O problema é que, a cada nova revisão legislativa, só se faz asneira sobre asneira”, concluiu. Da experiência que acumulou ao longo de uma vida a decidir sobre litígios, Matos Fernandes classifica
as relações com os advogados das partes como de “plena camaradagem “e não vê grande diferença entre os actores da justiça: magistrados judiciais, magistrados do Ministério Público e advogados. “Um tribunal sem advogados não é concebível: juiz e advogados complementam-se”, sintetizou Matos Fernandes, concluindo que “o advogado deve ter um papel central na administração da justiça e deve lembrar-se que, acima de tudo, a sua função é defender os interesses do seu cliente”. Maria José Costeira afirmou que a esmagadora maioria dos 36 mil advogados está muito mal preparada. “Prefiro um advogado médio com bom senso, do que um excelente que leve o processo como se do outro lado estivesse a falar com uma parede”, disse a juíza, acrescentando que, no caso dos advogados mais jovens, à falta de preparação acresce ainda a de decoro profissional, sendo “muito frequente” surgirem, no Tribunal do Comércio, advogados mais novos sem toga, sem sequer se desculparem. A juíza fez um diagnóstico “muito complicado” do estado dos tribunais, elegendo o Executivo como o principal culpado, “com toda a legislação confusa que está em vigor”. A magistrada exemplifica com o
Citius: “Esta pode vir a ser uma excelente ferramenta de trabalho, mas actualmente só complica, porque os juízes não têm acesso ao Citius de casa e isto bloqueia os processos, sendo também prejudicial para os advogados”. Outro problema identificado pela juíza foi a recém-estreada cidade judiciária. “Ter os tribunais todos concentrados numa cidade, como se fossem um gabinete de escritórios, também é mau, porque descredibiliza a justiça”, diz, acrescentando que os funcionários judiciais “têm pouca formação profissional e técnica”. Para a magistrada, a relação entre advogados e juízes mudou muito nos últimos anos, e para pior: “Hoje em dia, deixei de falar com o advogado de uma parte sem que o da contraparte esteja também presente, porque já tive uma participação de um colega que viu outro sair-me do gabinete, quando este tinha vindo tão-só apresentarme os cumprimentos no início de uma audiência”. Como remédio para a justiça melhorar a imagem que tem perante os portugueses, Maria José Costeira deixa um recado: “O direito serve a justiça, e não o inverso, e há muita gente que se esquece disso numa altura essencial, em que a litigiosidade aumentou imenso”. Maio de 2010
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Conselho de Ministros aprovou no mês passado a criação de dois novos tribunais especializados sedeados em Santarém
LegalWorks no Rock In Rio
Novos tribunais para Propriedade Intelectual e Concorrência
CNPD chumba videovigilância nos casinos
O Conselho de Ministros aprovou a criação de dois novos tribunais de competência especializada para a Propriedade Intelectual e para a Concorrência, Regulação e Supervisão. No caso da Concorrência, Regulação e Supervisão, trata-se de uma solução inovadora, que reflete a aposta no tratamento autónomo e diferenciado destas questões. Na Propriedade Intelectual vai antecipar-se a criação do tribunal, que já se encontra preconizada na Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judicias, de 2008.
Open Day da Católica sobre mestrados A Faculdade de Direito da Universidade Católica Portuguesa organizou, no mês passado, o Open Day, uma sessão informativa onde deu a conhecer aos interessados mais pormenores sobre os mestrados de Direito Administrativo e Contratação Pública, Direito e Gestão, e Forense. Foram ainda apresentados os LLM (formações avançadas) de Direito num contexto europeu e global, e Direito Comercial Internacional. Em todas estas formações, a Católica contou com colaboradores de escritórios de advogados. Carlos Cruz & Associados (Rita Cruz), Garrigues (Diogo Leónidas da Rocha), Linklaters (Pedro Siza Vieira), Miranda Correia Amendoeira & Associados (João Luís Traça), Morais Leitão, Galvão Teles, Soares da Silva & Associados (Margarida Olazabal Cabral), Rui Pena Arnaut & Associados (Patrick Dewerbe), Sérvulo & Associados (João Amaral e Almeida), Vieira de Almeida & Associados (Rodrigo Esteves de Oliveira) e Abreu Advogados (Marta Trindade), foram as firmas participantes, em conjunto com a Galp, através de Nuno Moreira da Cruz.
MLGTS poupa meio milhão à EDP Rui Patrício e Filipe Vaz Pinto, da Morais Leitão, Galvão Teles, Soares da Silva & Associados (MLGTS), assessoraram a EDP no processo em que a eléctrica foi ilibada em tribunal de pagar uma coima de 550 mil euros aplicada pela Comissão de Mercados de Valores Mobiliários (CMVM), por alegado “incumprimento do dever de segredo sobre facto relevante” na compra da Hidrocantábrico. O Tribunal Criminal de Primeira Instância de Lisboa deu razão à EDP, no recurso que a operadora interpôs contra a decisão da CMVM, de lhe aplicar uma coima superior a meio milhão de euros. A coima resultava de três acusações relacionadas com a alegada violação do “dever de informação”, de “veracidade de informação ao público” e de “dever de segredo”, até divulgação pela CMVM. 36
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A LegalWorks assegura a assessoria jurídica da 4.ª edição do Rock In Rio Lisboa, à semelhança do que sucedeu nas edições anteriores. A sociedade presta, igualmente, apoio jurídico à 2.ª edição do Rock In Rio Madrid.
A Comissão Nacional de Protecção de Dados (CNPD) travou o intento do Turismo de Portugal de instalar câmaras de videovigilância nos bares e restaurantes das salas de jogos dos casinos. O objectivo do instituto liderado por Luís Patrão era o de afastar “agiotas que se aproveitam da perda e da dependência do jogo”. Esta foi a justificação apresentada pelo Turismo de Portugal na acção administrativa especial que apresentou contra a CNPD para impugnar a decisão de não o autorizar a instalar câmaras naquelas zonas de lazer do casino de Monte Gordo. Contudo, o Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa subscreveu a posição da comissão presidida pró Luís Silveira.
INPI lança webletter O Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI), onde participa o docente do Instituto Superior de Ciências do Trabalho e da Empresa (ISCTE), Sandro Mendonça, dispõe de um novo serviço público, cujo objectivo é estabelecer uma interface entre a Economia e o Direito, um instrumento de vigilância que visa o interesse das operadoras do sector. Com a publicação da sua primeira webletter, em twitter.com/ Valor_PI, o público pode ficar mais a par das iniciativas desenvolvidas pelo INPI.
Peça de Garrigues em cena no Rivoli A Garrigues apresentou no início de Maio, no Rivoli Teatro Municipal, no Porto, a peça de teatro “Requiem por todos os homens”, da autoria do seu presidente, António Garrigues. A obra conta a história de um homem em cuja memória habitam quatro mulheres de idades diferentes, que simbolizam as quatro estações da Natureza, pretendo ser uma homenagem ao novo conceito de mulher, na óptica de um homem desconcertado. Com encenação de Margarida Fernandes, professora de Teatro no Centro de Formação de Contagiarte, os valores angariados pela peça reverterão para a CrescerSer, da Associação Portuguesa para o Direito de Menores da Família. O novo agregador da advocacia
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CCA contrata Pedro Franca Pinto
Susana Barahona Ferreira integra área de Fiscal da Miranda Correia Amendoeira & Associados. A fiscalista iniciou o percurso no Grupo Legal Português, onde trabalhou no sector das Telecomunicações. Passou depois para a consultora Arthur Andersen, posteriormente fundida com a Deloitte, onde desempenhava o cargo de gestora do departamento de Direito Fiscal Internacional.
A Carlos Cruz & Associados (CCA), contratou Pedro Franca Pinto para novo responsável pelo Imobiliário, Projectos e Turismo. O especialista iniciou o seu percurso no escritório espanhol Uría Menéndez, tendo depois passado pela Sonaecom, Chamartín Imobiliária e Grupo Imocom.
Linklaters dispensa seis associados
RPA reforça Contencioso e Laboral A Rui Pena, Arnaut & Associados (RPA) contratou no mês passado dez novos advogados – dois sócios e oito associados. Com Joaquim Sherman de Macedo, vindo da PLMJ, a liderar a área de Contencioso e Susana Afonso Costa, excolaboradora da Sociedade Rebelo de Sousa, responsável pelo departamento de Laboral, a RPA consolida assim o seu estatuto de escritório full service. O novo agregador da advocacia
Alexandre de Albuquerque acaba
António Cotrim LUSA
A multinacional britânica cessou colaboração com seis dos seus advogados em Lisboa. Contactada pelo “Advocatus”, a sociedade diz que não tomou a decisão de ânimo leve, mas crê que esta é “necessária, dadas as condições difíceis do mercado em Portugal”. O escritório liderado por Siza Vieira acrescenta ainda que “estas medidas salvaguardam a solidez da Linklaters em Lisboa”.
Nascimento Rodrigues
A morte de um jurista eminente O antecessor de Alfredo José de Sousa à frente da Provedoria de Justiça, Nascimento Rodrigues faleceu na madrugada de 11 de Abril. O Presidente da República enviou na altura uma mensagem de condolências à família do jurista: “Lamento profundamente o falecimento do Dr. Henrique Nascimento Rodrigues, jurista eminente e homem público que se destacou, em todas as funções que exerceu, pela sua elevada estatura moral, pela dedicação à causa pública e pelos relevantes serviços que prestou ao País, designadamente em defesa dos valores da democracia e dos direitos fundamentais dos cidadãos”, escreveu Cavaco Silva.
Sáragga Leal reconduzido na liderança da PLMJ Na cimeira anual de sócios realizada no Porto, a PLMJ procedeu a uma reflexão sobre o planeamento estratégico da firma. Aos 43 sócios, juntaram-se ainda os responsáveis dos escritórios de Coimbra, Açores, Guimarães e Viseu, com quem o escritório tem parcerias nacionais, e também dois sócios da TozinniFreire Advogados, a firma brasileira com quem a PLMJ tem uma aliança já há vários anos. A recondução do conselho de administração actual do escritório, com Luís Sáragga Leal na presidência, foi uma das decisões tomadas.
de reforçar o departamento de contencioso com a contratação de duas novas advogadas. Teresa Teixeira e Vera Felisberto juntaramse à equipa do escritório para dar resposta ao “notório incremento de trabalho que se faz sentir na área do Contencioso”, segundo fonte da sociedade. Ambas as especialistas se licenciaram na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa (FDUL). Teresa Teixeira frequenta o mestrado de Forense na Faculdade de Direito da Universidade Católica Portuguesa, Vera Felisberto é pósgraduada em Direito das Sociedades pela FDUL.
PLMJ e Uría MenendezProença de Carvalho foram distinguidas pela International Law Office. Manuel Lopes da Rocha (PLMJ) e Bernardo Ayala (Uría Menéndez – Proença de Carvalho) são os galardoados dos Client Choice Awards, prémios atribuídos pelo ILO. O advogado da PLMJ é sócio coordenador da equipa de Propriedade Intelectual, enquanto Bernardo Ayala lidera a área de Público da Uría Menendez - Proença de Carvalho. Os especialistas estão distinguidos com os mesmos prémios nas categorias de Direito da Propriedade Intelectual e de Projects & Procurement. A cerimónia de entrega dos prémios tem lugar em Junho, em Londres. Maio de 2010
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O novo e pujante
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Hoje o gigantesco edifício jurídico do Ambiente criou, na advocacia, uma nova e praticamente inesgotável área de intervenção, quer do lado das novas condicionantes ambientais impostas a praticamente toda a actividade produtiva, quer do lado de um novo e pujante sector de actividade económica resultante da necessidade de tornar operativos os comandos deste tronco especial do Direito Administrativo que é o Direito do Ambiente
No século XIX, a Humanidade conheceu a Revolução Industrial. E, no século XX, a população do globo mais que triplicou. Até à década de 60, estávamos convencidos que os motores deste desenvolvimento – o petróleo e o milho – trariam um imparável e exponencial crescendo de prosperidade. Mas, irónica ou inevitavelmente, foram justamente acidentes com hidrocarbonetos, por um lado, e 38
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a constatação de extensos danos causados por fertilizantes sintéticos que fez emergir a Primavera silenciosa que nos trouxe a consciência da finitude dos recursos naturais que julgávamos inesgotáveis. A pressão dos cientistas, muito ajudada pela magnitude de alguns desses acidentes…, produziu efeito sobre os decisores políticos e, no princípio dos anos 70, fundamentalmente a partir das Nações
Unidas, surgiu este novo Direito que se foi posteriormente alojando nos ordenamentos jurídicos nacionais. A constatação de que os recursos naturais são também um património comum que urge preservar e proteger levou a regulamentação em torno das componentes ambientais naturais muito para lá da tradicional moldura que lhes emprestavam os direitos reais. O novo agregador da advocacia
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Por Direito
sector do Ambiente Em Portugal, este movimento de publicização parecia ter um arranque de leão com o artigo 66 da Constituição de 76, mas foi preciso esperar mais de uma década para que surgisse a Lei de Bases do Ambiente e, praticamente, outra até a transposição massiva do acervo comunitário nesta matéria completarem e darem exequibilidade aos seus muito nobres princípios. Hoje o gigantesco edifício jurídico do Ambiente criou, na advocacia, uma nova e praticamente inesgotável área de intervenção, quer do lado das novas condicionantes ambientais impostas a praticamente toda a actividade produtiva, quer do lado de um novo e pujante sector de actividade económica resultante da necessidade de tornar operativos os comandos deste tronco especial do Direito Administrativo que é o Direito do Ambiente. Que faz então um advogado do Ambiente? Talvez o mais fácil neste curto espaço seja a correspondência linear entre a intervenção do advogado e o tríptico axiológico fundamental do Direito do Ambiente – bem definido pela Prof. Carla Amado Gomes: prevenção, gestão racional de recursos naturais e responsabilização pelo dano. O aconselhamento jurídico passa em primeiro lugar, pois, pela prevenção também, pela introdução das condicionantes ambientais legais desde o início na análise e desenvolvimento dos mais diversos projectos. Declarações de Impacte Ambiental e Licenças Ambientais, só para dar um exemplo, são dores de cabeça menores quando equacionada, desde o princípio, a necessidade de projectar com consideração pelas regras complexas de tornam mais exigentes os processos produtivos, até para minimizar o peso do tratamento das suas externalidades que sempre vão a acompanhar a vida da instalação. O novo agregador da advocacia
Mas para lá da preparação dos actos autorizativos, em diálogo constante com a Administração, também a intervenção atempada na discussão pública dos procedimentos de planeamento especial, particularmente em função da conservação da natureza e da biodiversidade é uma excelente forma de evitar desnecessários dissabores depois da sua aprovação… A gestão racional dos recursos naturais, onde se prossegue activamente muito do que é prevenção, é também campo de intervenção por excelência do advogado do Ambiente. Desde logo, na convivência com a miríade de instrumentos de comando e controle destinados a garantir o tratamento e gestão das externalidades do processo produtivo, matéria muitas vezes de acção interdisciplinar entre o Direito e outras ciências tal a multiplicação e não aparente sobreposição de regras de diversos regimes legais. Mas hodiernamente é cada vez mais, também, nos instrumentos de mercado que constituem a resposta eficiente a problemas ambientais globais como as alterações climáticas e os diversos instrumentos de cap and trade entretanto surgidos, maxime o comércio europeu de licenças de emissão de gases com efeito de estufa. Como discutir com a Administração a acomodação possível de direitos e a equidade intersectorial? Como e quando comprar licenças, como garantir a adequada gestão do risco à aquisição de activos que, na maior parte dos casos, inicialmente pouco mais configuram do que expectativas? E, ainda, em sede de gestão racional de recursos e de interacção com a Administração, como evoluir para soluções custo/eficientes que garantam a saúde pública para lá do princípio de desconfiança que ainda hoje impera na Administra-
A evolução do Direito do Ambiente recomenda aconselhamento jurídico bem a montante do momento da reacção ao dano, normalmente já muito mais doloroso para o Cliente
José Eduardo Martins Licenciou-se pela Faculdade de Direito de Lisboa em 1993, Foi secretário de Estado do Ambiente, entre 2002 e 2004, e do Desenvolvimento Regional, em 2004. É deputado na Assembleia da República pelo círculo de Viana do Castelo. Sócio da Abreu Advogados desde 2005, pratica Direito Comercial (Societário, Fusões e Aquisições), Direito Imobiliário, Direito Público & Ambiente.
ção face a situações inovadoras como sempre são, por exemplo, as decisões de fim do estatuto de resíduo atribuído a um determinado material? Em suma, se é verdade que o novíssimo regime de responsabilidade civil (e novamente a sua desarticulação com vários outros) não dispensam a intervenção da advocacia especializada – o que, de resto, até já com o novo e mais sofisticado regime contra-ordenacional sempre se justifica, a verdade é que a evolução deste ramo do Direito recomenda aconselhamento jurídico bem a montante do momento da reacção ao dano, normalmente já muito mais doloroso para o cliente. Ainda não será sempre sempre assim, mas tal como, em quarenta anos se chegou, nos normativos, do zero à presente Babel, também em breve se multiplicarão capacidades no sector para acorrer a estes novos desafios… com os novos advogados. Maio de 2010
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Cláudia Köver Jornalista ck@briefing.pt
Miguel Mendes Pereira é fã de Denny Crane
Este sócio fundador da Crane, Poole & Schmidt, “traz cor a um mundo que, por vezes, sofre de um excesso de cinzentismo”, afirma Miguel Mendes Pereira, Sócio de Concorrência da Abreu Advogados, acrescentando tratar-se de um personagem que cultiva um retrato “gracioso na decadência de Alzheimer”, desenhando simultaneamente “uma paródia inteligente em torno da clivagem entre democratas e republicanos”. Denny Crane, interpretado por William Shatner - actor que já se tinha eternizado no papel de Captain Kirk em “Star Trek” - é uma das mais famosas personagens de “Boston Legal”, premiada série que marcou presença no canal americano ABC entre 2004 e 2008. Em busca do “casamento número sete”, apesar dos desfalcamentos financeiros que lhe trazem os divórcios, Denny Crane é claramente pro-life e a favor da pena de morte. Apesar de dedicado à causa republicana, o advogado, sempre armado e cujas ligações poderão chegar a Dick Cheney ou até mesmo a George W. Bush, divide o ecrã e cultiva a sua amizade mais próxima com um adepto das causas liberais - Alan Shore, interpretado por James Spader (“Sexo, mentiras e video”). Referindo-se aos seus crescentes lapsos de memória como Mad Cow Disease, apesar de estes serem identificados como sendo sintomas iniciais da doença Alzheimer, a personagem afirma com firmeza que “quando a sua condição não lhe permitir mais exercer, prefere morrer”. Para Miguel Mendes Pereira, o fatalismo de Crane remete para uma “necessidade de lucidez e dignidade necessária a uma profissão que contribui para salvaguardar valores essenciais do ser humano”. Já o factor “ego” é com certeza a característica da personagem que mais reflecte o estereótipo de advogado. Denny Crane afirma ter ganho mais de seis mil casos e jamais ter perdido, referindo-se a Boston como “a sua cidade”. Uma citação favorita? Simples, “Denny Crane”, afirma Miguel Mendes Pereira. A personagem proclama o seu próprio nome para confirmar a tudo e todos que estão perante a lenda “Denny Crane”. 40
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Hóbi
Paulo de Barros Baptista
Advogado na Vieira de Almeida, tem uma paixão que o ajuda a equilibrar a vertigem do trabalho: a fotografia. Nessa condição, que o ajuda a descomprimir da pressão diária da profissão que escolheu por gosto, viajou pela Índia, ganhou prémios, fez exposições e conheceu uma das suas referências, Sebastião Salgado. O gosto pela fotografia começou aos 8 anos, quando os pais, regressados de Nova Iorque, lhe ofereceram uma câmara Kodak de rolo. A paixão cresceu, e anos depois, terminado o curso de Direito, recebeu novo presente: uma Zeiss totalmente manual. Nos anos seguintes o advogado adquiriu novos equipamentos, mantendo-se fiel à fotografia manual e convencional, “tive fortes resistências em passar para o digital, só o fiz há dois ou três anos, mas, mesmo assim continuo a usar o material antigo”, explica. Para Paulo de Barros Baptista a fotografia é quase uma necessidade: “Esta é uma vida exigente, às vezes até alucinante, e por vezes preciso de manter o meu equilíbrio”, conta, sublinhando que, mesmo “gostando muito da escolha que fiz, a fotografia é uma válvula de escape necessária”. A vontade de viajar, que surge associada ao prazer pela fotografia, ajuda a cumprir o desejo de evasão, “o meu ritmo de vida exige que vá para longe, para países remotos, duas ou três vezes por ano. É aí que fotografo”, resume. Em retratos ou em paisagens, dois dos seus géneros habituais, a cor é algo de que não prescinde, “fotografo pouco a preto e branco, gosto muito da cor”, algo que explica o destino de eleição para as viagens: “Já fiz umas dez viagens até à Índia, onde a cor é fortíssima”. Duas referências marcam o percurso do fotógrafo, Robert Capa, o repórter que captou os dramas de conflitos um pouco por todo o planeta, até perder a vida a fotografar na Indochina, e Sebastião Salgado, um fotógrafo que começou por ser economista, no Banco Mundial, com quem conversou já pessoalmente, num encontro casual. O novo agregador da advocacia
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Há cada vez mais advogados no pequeno ecrã. O fenómeno televisão aumenta a sua notoriedade. Aparecer na TV pode significar triplicar o expediente, comenta o director de Informação da TVI. Após uma aparição de um advogado sucedem-se telefonemas a pedir o contacto dele, assegura o director de Informação da RTP. Mas há quem se tenha dado mal com a exposição
A televisão é nossa amiga? Ansioso de protagonismo ou por pura boa vontade, um advogado assumiu voluntariosamente, e aparentemente sem benefício material, a defesa de um arguido cuja natureza do crime o expunha a grande interesse público e dos media. Durante vários dias o advogado prestou declarações à saída do tribunal e surgiu em programas de televisão, a comentar o processo e os passos da defesa do seu cliente. Com a exposição o rosto do causídico tornou-se familiar aos portugueses, tanto que, a páginas tantas, a vítima de um crime o reconheceu como sendo o seu agressor, e denunciou-o: “Foi este!”. O dito advogado, num ápice, passou da condição de defensor para a de arguido. A sua própria inocência passou a prevalecer à estratégia de defesa do seu antigo cliente e ambos, cada um em seu tempo, tiveram de contratar outros tantos advogados para se defenderem. A história é contada entre advogados e jornalistas, e não é certo que tudo se tenha passado exactamente assim. Mas é um exemplo de como os advogados são hoje presença diária nas televisões, sujeitos a rigoroso escrutino da opinião pública que os transforma nos heróis e vilões do horário nobre, em função dos papéis e comentários que fazem. “Alguns comentadores são quase reféns das televisões, são obses42
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sivos, viciados nas presenças em programas, por necessidade de manter carreiras”, conta Júlio Magalhães, director de informação da TVI. A situação é normal, porque o fenómeno da televisão multiplica, em qualquer área de actividade, a notoriedade das pessoas, no caso dos comentadores: “Já houve quem me dissesse que só por ir à televisão triplicava o expediente”, conta o jornalista da TVI, salvaguardando que o caso se passou “numa área que não a advocacia”. Júlio Magalhães e José Alberto Carvalho confirmam que após a aparição de um advogado num programa de televisão surgem imediatamente os telefonemas a pedir o contacto. Esta é uma pretensão que, pelo menos oficialmente, não é satisfeita. “Não o fazemos, nem o podemos fazer”, explica o director de informação da RTP, que nota que “os espectadores pedem informações mais frequentemente na área da saúde”. Apesar de temas como a saúde e o desporto mobilizarem mais os espectadores, os advogados estão na primeira linha dos comentadores nos programas informativos na televisão, “se a engenharia ou outra área fossem tema de notícia, mas o que acontece é que a justiça é dominante em Portugal”, explica o jornalista da RTP. Para mais, acrescenta José Alberto Carvalho, “a natureza da justiça O novo agregador da advocacia
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“Alguns comentadores são quase reféns das televisões, são obsessivos, viciados nas presenças em programas, por necessidade de manter carreiras”
Júlio Magalhães
Director de Informação da TVI
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“Queremos ter comentadores que mais do que a letra da lei nos expliquem o espírito da lei e não o mero domínio técnico da lei”
Comentários feitos de graça O pagamento a comentadores é algo que ambos os canais recusam. Júlio Magalhães adianta que neste particular, “há alguns especialistas, em outras áreas, que são comentadores avençados, como na Economia, Política, outras áreas, mas não no Direito”. Para o jornalista, a questão não se põe, desde logo porque “os advogados não estão vocacionados para isso”. José Alberto Carvalho acrescenta que na RTP “não temos comentadores permanentes, em que exista um contrato”, apenas “alguns a quem recorremos porque se estabeleceram laços”, que dependem muito da relação profissional criada com os jornalistas, nomeadamente “das conversas e do conhecimento do que pensam e se é sério.”
José Alberto Carvalho
Director de Informação da RTP
Os advogados são hoje presença diária nas televisões, sujeitos a rigoroso escrutínio da opinião pública que os transforma nos heróis e vilões do horário nobre, em função dos papéis e comentários que fazem O novo agregador da advocacia
PAGAMENTO
convida a esse enquadramento, queremos ter comentadores que mais do que a letra da lei nos expliquem o espírito da lei – não é o mero domínio técnico da lei”. Nesse sentido, na RTP os principais critérios de escolha dos comentadores de Justiça são “a competência e a seriedade do comentador, e, no domínio técnico, a capacidade de descodificação da linguagem”, e “depois, obviamente, a expressividade e a comunicabilidade”. Na TVI, explica Júlio Magalhães, “procuramos os melhores especialistas daquela área ou tema”, e “se não for possível, seguimos uma lista, com os nomes habituais”. Neste ponto, frisa, “como os casos são diários, convém ter uma lista extensa”, para encontrar sempre um advogado disponível. A existência de listas de contactos, que garante que há sempre alguém disponível a comentar um caso do dia, é uma regra comum nas duas redacções, o que significa que há sempre advogados disponíveis para ir à televisão. “Há os que gostam de aparecer, e também há os que não querem falar dos seus casos e preferem a discrição”, conta Júlio Magalhães, que divide os advogados entre “os que querem passar às televisões os casos que têm em mãos, porque mediatizar o processo lhes dá
jeito” e “os que querem protagonismo, porque precisam de ter mais e melhores casos”. A clareza em relação ao estatuto com que um advogado aparece num programa noticioso é uma preocupação dos canais de televisão, que exigem transparência em relação ao papel do comentador: “Que esteja a defender o interesse de um seu cliente é natural, mas deve aparecer de modo claro”. “Temos de ter a segurança em relação à honestidade da pessoa que se expõe no nosso espaço de antena, e é muito importante a dimensão ética, que nos interessa para um envolvimento directo”, acrescenta José Alberto Carvalho. Nesse sentido, reforça, é indispensável confiar no papel regulador da profissão: “Sei que Ordem dos Advogados está atenta e não o permitiria, há um escrutínio sobre essa questão”. Com o passar do tempo e as sucessivas idas a programas de televisão, alguns advogados começam a manifestar cada vez mais à-vontade perante as câmaras. Para Júlio Magalhães este progresso resultará mais da tarimba acumulada do que do treino específico para ir à televisão: “Nota-se que vão aprendendo, e embora hoje seja comum o media training, no caso dos advogados não conheço nenhum que tenha feito.” Maio de 2010
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Despesas de representação
Manuel Falcão Director-geral da Nova Expressão
Parceria junta o melhor de dois mundos Os custos
Nobre Spazio Buondi Avenida Sacadura Cabral 53 B, Lisboa, ao Campo Pequeno Fecha ao almoço de sábado e às segundas. Telefone 217970760
Recentemente a Nestlé envolveuse internacionalmente numa polémica desnecessária pela forma como geriu uma crise de comunicação no Facebook. Felizmente, aqui em Portugal, os responsáveis da marca, em vez de procurarem crises, procuram soluções. Já que o Spazio Buondi, ao Campo Pequeno, não estava a atrair a clientela a que a marca está habituada, resolveram convidar o casal Nobre, José e Justa, para tomarem conta do espaço. Mais de um ano depois de esta nova aventura ter começado, o resultado não podia ser superior. Depois de uns anos a ver definhar o Spazio Buondi - que, no entanto é um espaço bem conseguido em termos de decoração -, a Nestlé estabeleceu uma parceria com o casal Nobre que junta o melhor dos dois mundos. Salvaguardando as guerras das marcas de café dentro da mesma casa, George Clooney não ficava mal ali sentado a comer um Robalo à Justa (e de certeza que não se iria arrepender...)
sala. Quando se entra há uma zona de espera, simpática, antes de entrar na parte das mesas. Ao fundo, à direita, há uma sala privada capaz de sentar entre oito e 12 pessoas e ideal para aquelas reuniões alargadas que se devem fazer ao almoço. Vale a pena dizer aqui que, quando se chega à mesa, a mesma está aparelhada geralmente de um sortido de petiscos que têm variações sazonais mas que podem incluir salada de ovas, presunto pata negra extraordinário, fino e saboroso azeite duriense Romeu, pão de diversas qualidades finamente cortado, queijinhos frescos de azeitão, salada de polvo, iscas de cebolada ou sável de escabeche. A lista oferece mais de uma dezena de sugestões do dia - a preços entre os 15 e 30 euros - e os clássicos da Justa, que incluem a famosa
sopa de santola, o lombo de robalo em papelotte com ervas que seria digno de um repasto queirosiano, mas também algumas novidades que vão sendo experimentadas ao longo do ano. De uma coisa podem estar certos - seja carne ou peixe, a matéria-prima é da melhor e aqui não se vende aquário com etiqueta de mar. Convém dizer que existe um menu vegetariano para quem o horizonte dos prazeres da carne se revele insuportável. Chegados às sobremesas, nunca resisto ao arroz doce, um momento verdadeiramente único e que me faz recordar a casa da minha avó (tal como as farófias que estavam na mesa do lado), mas é claro que existem coisas mais urbanas como folhados com gelados. Para os casos mais sérios existe uma boa tábua de queijos e também há fruta para quem encara esta substância como sobremesa.
BANDA SONORA
Os factos
Uma homenagem a Billie Holiday
Vamos pois começar pela casa - ao fundo da Sacadura Cabral, mesmo na esquina com o Campo Pequeno, está o Spazio Buondi. Lá dentro está a família Nobre - José, o marido, a dirigir as operações gerais, a mulher, Justa, na cozinha, com o apoio das irmãs Ana e Guida, e o cunhado Paulo, que supervisiona bem os vinhos e a
Dee Dee Bridgewater é uma das grandes cantoras de jazz contemporâneas, para além daqueles fenómenos de moda passageiros e pouco interessantes para além das fotografias. Ela é uma cantora de jazz a sério, capaz de improvisar e de cantar sem fazer apenas bonitinhos de voz e baladas delico-doces. É claro que só uma voz assim poderia atrever-se a interpretar temas clássicos, reiventando-os. É justo dizer que o excelente trabalho instrumental dos
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A lista de vinhos é bem organizada, com sugestões da casa numa boa relação de qualidade-preço e uma generosa escolha de vinhos a copo - de notar apenas algum desprezo pelos rosés, hoje em dia já pouco justificável: esta minha mania dos rosés já me proporcionou algumas situações, digamos, mais tensas. Para rematar o café, Buondi como não podia deixar de ser, vem acompanhado de uns pastéis de nata miniatura, que liquidam qualquer tentação de seguir algum regime. Convém aqui abrir um espaço para chamar a atenção para o facto de ao domingo a casa Nobre oferecer um cozido à portuguesa com enchidos na tradição de qualidade da casa, ao preço de 16,80 euros. Vamos então à zona do castigo: o que é bom paga-se. Uma refeição com as entradinhas da mesa, um bom prato, sobremesa e vinho dentro das sugestões da casa ficará entre os 40 e 60 euros por pessoa, dependendo daquilo que a gula comandar. Mas devo dizer uma coisa: a satisfação é garantida, o convidado ficará bem impressionado e, se não fecharem negócio numa mesa deste Nobre restaurante, não será por culpa nem da comida, nem da bebida, nem do serviço.
músicos que participam nesta gravação ajuda à heresia de revisitar de forma inesperada o repertório de Eleanora Fagan, o verdadeiro nome de Billie Holiday. (CD - To Billie With Love, From Dee Dee Bridgewater)
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Viva o seu sonho ou ofereça uma experiência inesquecível a alguém Todos temos sonhos… E agora é possível realizá-los. A Odisseias é uma empresa de Experiências que disponibiliza mais de 1000 opções diferentes e que tem ao seu dispor uma grande variedade de experiências que se adaptam a todos os perfis, desde os amantes de aventura aos apaixonados pelo relax. Vai ser difícil não encontrar o presente ideal! Ofereça um momento de sonho a alguém especial: um jantar romântico, um voo de balão, uma estada fantástica ou um dia no spa… Estas são apenas algumas das experiências inesquecíveis que vai encontrar.. Experiências únicas para si ou para oferecer a alguém especial em www.odisseias.com.
Inverter os sinais da Idade A Biotherm entra numa nova era cosmética, criando SKIN VIVO, o primeiro tratamento reversivo anti-idade, à base de Plâncton Termal Puro em dose recorde e Reverserol SV, capaz de rejuvenescer visivelmente a pele, sob o impulso vital dos genes e defendendo o ADN. Um tratamento que se inscreve naturalmente nas pesquisas iniciadas pela marca, desde a sua criação: compreender e estimular os mecanismos celulares; actuar na fonte sobre as causas do envelhecimento, em vez de nas consequências. SKIN VIVO abre o caminho a uma nova família anti-idade, que se foca na origem do envelhecimento, no seio da vida celular, para aí corrigir os seus efeitos. Desactiva o envelhecimento e rejuvenesce visivelmente a pele, fazendo nascer novas células. A pele reencontra, assim, as características de uma pele mais jovem.
Douro de sonho O Aquapura Douro Valley tem razões para celebrar. Depois de receber numerosas distinções nos anos anteriores, volta a ser nomeado para quatro World Travel Awards de 2010 nas categorias de Europe’s Leading Boutique Hotel, Europe’s Leading Hotel, Europe’s Leading New Spa Hotel e Portugal’s Leading Hotel. E há poucos dias foi uma das unidades a quem foi atribuída a Chave de Ouro 2010. É o reconhecimento merecido de um produto ímpar numa região turística que se vem afirmando cada vez mais. O Aquapura Douro Valley de 5 estrelas exala sofisticação e inovação. O design contemporâneo baseia-se nos materiais Asiáticos, como as raízes, madeiras envernizadas e peças revestidas em resina, tudo propício a uma estadia verdadeiramente serena e indulgente. Desfrute da tranquilidade e privacidade da suite termal ou da piscina interior aquecida ou renda-se às maravilhas do ioga ou das massagens aromáticas. Um espaço moderno, num cenário bucólico, que conjuga o melhor dos duas vertentes. Um projecto do arquitecto Luís Rebelo de Andrade. Um mundo a preto e branco, colorido com pequenos apontamentos que denotam a paixão pelo design e o gosto pelo requinte. O hotel caracteriza-se pela atmosfera sofisticada que oscila entre o ambiente intimista dos quartos e os espaços públicos, amplos e luminosos, com paredes envidraçadas a convocar o exterior para o integrar na paisagem. Procura suscitar os cinco sentidos dos hóspedes através do poder da sugestão. O novo agregador da advocacia
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Ramon de Mello
André Luiz Gomes
Licenciado pela Faculdade de Direito de Lisboa, em 1989, e sócio da Cuatrecasas, Gonçalves Pereira & Associados desde 2005. Foi monitor da Cadeira de Finanças Públicas na Faculdade de Direito de Lisboa entre 1989 e 1990 e membro do Conselho Consultivo da Comissão do Mercado de Valores Mobiliários de 1995 a 2000. As áreas de prática são o Direito Financeiro, Societário e Comercial.
A minha obra preferida em exposição na Cuatrecasas, Gonçalves Pereira é o retrato de Maria Helena Vieira da Silva sentada no cavalete a pintar por Arpad Szenes (“Têmpera sobre folha de jornal”, datado de 1 de Maio de 1942). Trata-se de uma obra do período em que os dois artistas viveram no Brasil, consabidamente um dos mais difíceis das suas vidas, por se encontrarem num meio hostil à produção plástica de teor vanguardista / abstracionista. A obra é um dos expoentes desse período em que a produção dos dois artistas é a expressão de um profundo convívio e intimidade, mesmo quando a vida é sujeita à máxima exposição pública – não é certamente gratuita a escolha de dois símbolos dessa exposição como suportes da obra, um jornal datado do dia 1 de Maio. Esta obra transmite assim os valores de privacidade, confidencialidade e confiança mútua que também pretendemos transmitir a quem nos visita, mesmo quando a pressão pública é muito forte para quem nos consulta. Também transmite, pela sua beleza plástica, a ideia de que é possível criar e realizar algo de novo e positivo em ambientes hostis. Por último a obra estabelece uma ponte com as demais fotografias de Fernando Lemos, o grande fotógrafo do surrealismo, também expostas no nosso escritório. Entre os retratados por Fernando Lemos em exposição encontram-se precisamente Vieira da Silva e Arpad Szenes. 46
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Arpad Szenes Nasceu em Budapeste em 1897 e naturalizou-se francês em 1956. Casado com a portuguesa Maria Helena Vieira da Silva, viajou pela América Latina para participar em exposições. Oficialmente apátridas, ele por ser judeu, a esposa por ter perdido a nacionalidade portuguesa, os dois artistas estabeleceram-se no Brasil durante a Segunda Guerra Mundial e no período pós-guerra, onde contactaram com artistas locais. Viria a morrer em Paris a 16 de Janeiro de 1985.
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Uma Marca da Daimler
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Entrevista
Edição vídeo desta entrevista em www.advocatus.pt
Quatro lugares à frente. No novo Classe E Cabriolet o ambiente é perfeito. A tecnologia AIRCAP conduz o fluxo de ar sobre a cabeça dos passageiros dos bancos traseiros, eliminando qualquer turbulência indesejada no interior e garantindo sempre o máximo conforto dos quatro ocupantes. O céu não é para todos. É para quatro. Consumo (combinado l/100 Km): 5,6. Emissões CO₂ (g/Km): 148. www.mercedes-benz.pt/classe-ecabrio
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