Marcas no País das Maravilhas

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Marketing Infantil

Cláudia Köver Jornalista

Em média, as crianças passam aqui entre quatro a cinco horas, durante as quais assumem cerca de dez profissões diferentes, das dezenas disponíveis. Alguns ofícios ocupam mais tempo que outros, mas, normalmente, não demoram mais de 20 minutos a executar as tarefas

Marcas no País das Maravilhas

Por 18,50 euros por cabeça, as crianças entram num mundo onde o INEM reanima sempre os pacientes e as prisões têm grades elásticas. Um local de sonho, também para os patrocinadores. Só num sábado, uma média de 1.200 crianças, que movimentam 10

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cem mil KidZos, a moeda oficial do mundo KidZania, entram nos seus “mini” espaços, utilizando os seus “mini” produtos e serviços. Existe apenas uma empresa por sector, num paraíso sem concorrência. O ambiente e a iluminação são sempre de fim de tarde. Os car-

tões bancários, as cartas de condução, os cursos superiores, tudo é personalizado com o nome dos “senhores”. Sim, é essa a designação dos pequenos neste espaço no qual os pais, que decidem ficar a ver (pelo preço de dez euros), se terão de limitar ao papel de espec-

tadores do teatro, passageiros de avião ou a tomar café nos espaços que lhes são destinados. Banguecoque e Xangai serão os próximos “aeroportos” de destino da KidZania. A marca trabalha sempre com parceiros locais – a Chamartín, no caso de Portugal. “A O novo agregador do marketing.


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Marta Amorim Directora de Marketing da KidZania

abertura de novos espaços terá, quase sempre, de estar “associada ao lançamento de um grande complexo, dado que o tipo de estrutura necessária ao KidZania não é fácil de encontrar”, comenta Rámon Ginebra, responsável pela Expansão Internacional da KidZania. A sua área total é de 6.500 metros quadrados, quando incluímos a mezzanine que dá acesso ao aeroporto e à discoteca. Enquanto a crise impediu o lançamento que se planeava para Espanha, a abertura do Dolce Vita Tejo em Portugal proporcionou então a expansão do conceito, nascido no México, para a Europa. Em média, as crianças passam aqui entre quatro a cinco horas, durante as quais assumem cerca de dez profissões diferentes, das dezenas disponíveis. Alguns ofícios ocupam mais tempo que outros, mas, normalmente, não demoram mais de 20 minutos a executar as tarefas. As profissões aspiracionais – como o bombeiro ou o polícia – estão no top, mas, no geral, todas parecem ser bastante apetecidas. O conceito pedagógico é, em grande parte, desenvolvido pela KidZania e a mecânica é depois definida em conjunto com as marcas. “Quando entramos num país, procuramos sempre os líderes de mercado dos vários sectores”, explica Rámon Ginebra. Houve marcas a disputar um lugar na KidZania mas, através desta definição, a escolha é simplificada. Mafalda Ricca, responsável por Sponsors na KidZania, afirma que “a marca que as crianças vêem na KidZania passa, em grande meO novo agregador do marketing.

Mafalda Ricca Responsável por Sponsors na KidZania

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Rámon Ginebra Responsável pela Expansão Internacional da KidZania

Correios

kidZos

Ser carteiro por um dia

possibilitam uma volta de karts, uma escalada, uma ida ao salão de beleza ou à discoteca. Para conseguirem mais dinheiro os pequenos “senhores” têm de trabalhar. Profissões à escolha não faltam: médicos, modelos, actores, jornalistas, pintores, bombeiros…

As profissões aspiracionais – como o bombeiro ou o polícia – estão no top, mas, no geral, todas parecem ser bastante apetecidas

Os CTT têm, através da entrega de cartas nos vários pontos do parque, uma presença bastante dinâmica no espaço. No entanto, esta é só uma das “brincadeiras” possibilitadas pelos Correios de Portugal. Apesar de aparentemente se tratar de uma escolha óbvia, dado existir apenas uma empresa de correios nacional, a directora de Marketing dos CTT, Carla Cruz, Carla Cruz Directora de Marketing explicou que “noutros países, não são os opedo CTT radores postais designados, mas mais os operadores do tipo courier que marcam presença no espaço” e, “como é normal nestes espaços, o processo de concertação de objectivos e contrapartidas mútuas foi relativamente longo”. O principal objectivo do espaço dos correios é também demonstrar o trabalho que antecede a distribuição de cartas. As crianças são, por isso, desafiadas a separar as cartas por zonas. Carla Cruz reforça que, através da sua parceria com a KidZania, “a marca pretende criar laços de pertença com o target, nomeadamente as crianças e as suas famílias” e, consequentemente, “adquirir um maior conhecimento deste público específico”. A comunicação da marca foi adaptada ao conceito, “assumindo uma lógica mais institucional e pedagógica em desfavor de uma lógica comercial agressiva”.

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CONTINENTE

Do outro lado da caixa registadora

Iogurte a 0,80 KidZos e Leite a 1 KidZo. Há produtos em promoção, há produtos reais, como termómetros ou algodão, e outros de plástico, como o pão ou peixe. Perceber como o hipermercado funciona, não apenas enquanto cliente, é um dos objectivos da presença da marca no espaço, segundo o director de Marketing do Modelo Continente, Miguel Osório. Fazer para querer é, aqui, essencial. O funcionamento de um hipermercado é difícil de compreender “se não for vivido na pele”. Miguel Osório diz acreditar que, enquanto as crianças têm um envolvimento mais emocional com o espaço, “isto também influencia a forma como os pais vêm a marca”. Em espaços infantis, a promoção de uma alimentação saudável é quase obrigatória. Para tal, “e também com o intuito de sensibilizar os

dida, a ser representativa do sector”. Uma espécie de fenómeno “Tupperware”, que leva as crianças a considerar uma marca, como a Galp, como um embaixador de todo o sector de gasolineiras. A concorrência, por sua vez, não faz parte do conceito da KidZania. Já as acções pontuais, como premiar os trabalhadores dos Correios a cada entrega, por ocasião do dia

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mais novos para a gestão do orçamento, a marca disponibilizou folhetos com a roda dos alimentos à entrada do seu espaço”. As crianças são depois desafiadas a adquirir seis produtos da Miguel Osório roda dos alimentos com um Director de Marketing determinado valor de KidZos do Modelo Continente disponibilizados num cartão Continente que lhes é dado à entrada. Aqui ninguém leva a comida para casa e os KidZos do cartão também não lhes pertencem. Por sua vez, quem quiser receber 8 KidZos pode vir arrumar novamente os produtos nas prateleiras.

A 18,50 euros por cabeça, as crianças entram num mundo onde o INEM reanima sempre os pacientes e as prisões têm grades elásticas

dos Correios, não devem nunca ser comerciais. No check-in, as crianças recebem uma pulseira, que permite a monitorização dos grupos que estão no espaço, e um cheque KidZania no valor de 50 KidZos - moeda não convertível. Cinquenta KidZos possibilitam uma volta de karts, uma escalada, uma ida ao salão de beleza e uma à discoteca. Mas para conseguir

mais dinheiro, os pequenos “senhores” têm de trabalhar. Médicos, modelos, actores, jornalistas, pintores, bombeiros – não falta selecção. As profissões são acompanhadas por “aulas”, como tal, quem quiser ser modelo tem primeiro de aprender a dominar a passarela. Quase todas as profissões são remuneradas com o mesmo valor: 8 KidZos. No entanto, uma ida à Universidade permite ao “licenciado em Medicina” ganhar mais 2 KidZos ao exercer funções nessa área. Enquanto a medicina tem um curso “facultativo”, quem quiser ser actor na KidZania tem mesmo de passar pelas aulas de representação. Um mundo diferente, enfim. No interior do espaço existe também uma loja com produtos de merchandising dos vários patrocinadores. Segundo Marta Amorim, directora de Marketing, muitas vezes, “as crianças vão primeiro a este espaço, para verem o que querem e trabalharem para alcançarem aquele valor”. Por este motivo, os preços da loja estão quase todos acima dos 50 KidZos, para que as crianças tenham a percepção que têm de trabalhar. A maioria sai daqui com 100 KidZos, que podem gastar ou utilizar numa próxima vez”, acrescenta. Apesar de aqui nunca anoitecer, todos têm, mais cedo ou mais tarde, de abandonar o “Neverland”. As suas contas bancárias permanecem abertas, os cursos que tiraram válidos, bem como a carta de condução. A KidZania é um mundo paralelo, no qual os “senhores” voltam a existir sempre que regressarem. Já a memorização das marcas parece também não fazer check-out.

O novo agregador do marketing.


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sabia que?

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McDonald’s

Não basta pagar: é preciso fazer Na maternidade há bebés de várias cores

Ninguém chumba nos cursos da faculdade, nem que o monitor tenha de dar uma ajuda

Se a criança não sabe por onde começar ou anda um pouco perdida, é levada para o teste de recursos humanos

Ao fim-de-semana poderá haver cerca de 120 a 130 animadores e monitores no espaço

A KidZania vive: todos os dias há simulações de incêndio ou acidente na qual se coordenam bombeiros, polícias, jornalistas e médicos

O campo de futebol foi, em parte, criado com o intuito de entreter os jovens de 12 ou 13 anos que vêm com as famílias. “Esta faixa etária já não se sente atraída por esse tipo de actividades e, como tal, arranjamos-lhes uma atracção alternativa”, explica Rámon Ginebra

Não há ainda registos de uma economia paralela.

O novo agregador do marketing.

Um restaurante de fast food num parque de diversões para crianças? “Claro que sim!” diriam criadores da marca dos famosos arcos dourados. António Filipe, director de Marketing e Comunicação da McDonald’s Portugal reafirma que, “sendo este um dos restaurantes favoritos das famílias, faz todo o sentido que a marca esteja presente e disponível para lhes mostrar os seus bastidores”. Para comermos um hamburger no McDonald’s da KidZania não basta pagar, temos de o fazer. O intuito é, segundo os responsáveis do parque, contrariar o conceito de que, “apenas por termos dinheiro, a vida nos é facilitada”. Ao contrário de outras profissões, aqui, como também na Pizza Hutt, não somos pagos por fazer o hambúrguer, dado que, em última instância, o resultado é para consumo próprio. Caso contrário, estes locais estariam sempre sobre lotados. A McDonald’s, que já esteve aliada ao lançamento da KidZania no México, dando assim seguimento à parceria num novo continente, considera tratar-se de um projecto muito marcado pelo “edutainment”, o que permite que, além da sua componente

pedagógica, seja uma “excelente forma de comunicação com os mais novos”. O director de António Filipe Director de Marketing Marketing e da McDonald’s Portugal Comunicação defende ainda que este tipo de presença em espaços infantis “não se prende directamente com publicidade, essa, deixámos de fazer directamente para crianças, no âmbito do Código de Compromissos McDonald’s”. No espaço da marca, os mais pequenos deverão, por exemplo, “conhecer os procedimentos de higiene e segurança alimentar”, comenta António Filipe, como a lavagem das mãos de 30 em 30 minutos, o uso obrigatório de rede e avental na área da cozinha. Mas a mensagem não é apenas direccionada às crianças, o intuito é também promover os produtos junto dos familiares, nomeadamente através da demonstração da forma de confecção.

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Ana Côrte-Real Professora Auxiliar da Universidade Católica do Porto acortereal@porto.ucp.pt

“Quando for grande,quero ter um Jeep como o meu pai”

As marcas e as crianças: cúmplices ou inimigas? Esta é uma questão que não tem uma única resposta. Depende das marcas, depende das crianças, depende dos pais, depende das escolas, da publicidade e até dos pares! 14

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Mas na realidade existem marcas que promovem experiências que podem ajudar a que as crianças se tornem consumidores mais exigentes, mais atentos e informados. As crianças actualmente são realmente vistas como um poderoso e atractivo segmento de mercado, quer pelos marketing practitioners, quer pela academia. Elas de facto têm um enorme impacto económico na sociedade e exercem uma forte influência ao nível do consumo dos pais. Todos podemos verificar a crescente importância do segmento infantil no âmbito da estratégia das marcas, como sua fonte de diferenciação. Nesta perspectiva, as marcas e os produtos são fundamentais como fonte de informação e aumentam a sua influência, à medida que as crianças se tornam mais velhas. Mas é na experiência, no contacto, nos momentos de verdade das marcas que as crianças formam as suas percepções e estabelecem as suas preferências. Mas enganem-se os leitores, que consideram que as marcas para as crianças servem apenas para dar resposta a pedidos e caprichos. Num estudo recente e com base nas apreciações das crianças (entre os 6 e os 10 anos de idade), as marcas desempenham funções de identificação, garantia e autenticidade. Fazem as crianças sentirem-se mais seguras nas decisões que tomam.

Resumidamente podemos dizer que as marcas para estes pequenos

consumidores são necessárias, verdadeiras e caras. As crianças vêem as marcas como algo necessário, inerente ao mercado e fundamentais para identificar a oferta: “tudo tem que ter marca”, “não existem coisas sem marcas” (dizem elas!). A percepção das marcas como algo de verdadeiro pode ser ilustrada a partir da relação que as crianças estabelecem com as marcas de “amor verdadeiro”: “eu sei que tudo o que é Nike é bom, por exemplo, eu já tive sapatilhas de outras marcas, e as da Nike não têm comparação, são muito melhores”. Mas para algumas crianças as marcas são caras. Esta associação ilustra a dimensão do conhecimento simbólico das marcas, reflectindo de alguma forma as marcas como algo aspiracional. Expressa ainda a relação metafórica que as crianças estabelecem com as marcas, denominada admirador secreto: as crianças admiram as marcas, elas são boas e caras (“quando for grande quero ter um Jeep como o meu pai, mas como é uma marca muito cara, tem que ser quando eu for bem mais velho”). Menos frequente, mas revelador, é o facto de, para algumas crianças, as marcas representarem uma troca justa value for money (“existem marcas que são boas e não são caras,

como a Zara”). Esta associação reflecte uma relação com a marca do tipo bons amigos, uma marca em quem se pode confiar. Mas nem só de associações positivas vivem as marcas. No âmbito das associações menos favoráveis, algumas crianças vêem as marcas como exploradoras, falsas, que enganam, que no fundo não cumprem a sua promessa (“às vezes as coisas têm marcas e são más”). Esta é uma associação que reflecte a visão das marcas como inimigas, as marcas que defraudam as expectativas.

Afinal podemos verificar que as marcas para as crianças representam o mesmo tipo de funções do que para os adultos. De facto desde muito cedo, as marcas assumemse para as crianças como algo inerente ao mercado, sendo por eles reconhecidas e valorizadas. Na verdade, as crianças desenvolvem muito precocemente uma determinada preferência pelas marcas, apesar desta preferência não ser baseada nas características funcionais da marca, mas unicamente nas suas características perceptuais. Assim não se deve negligenciar a influência da publicidade, mas também dos pais e das escolas (hoje muito permeáveis à entrada das marcas no seu espaço), como agentes responsáveis pela socialização das crianças. O novo agregador do marketing.


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