Entrevista a Luís Vicente

Page 1

www.briefing.pt

Entrevista Entrevista

Tatiana Canas Jornalista tc@briefing.pt

Luís Vicente, presidente da Associação Portuguesa de Empresas de Distribuição

“A lei vai ser mudada só não sabemos quando”

Ramon Mello

“Acreditamos firmemente que a lei vai ser mudada, não sabemos é quando. A força dos nossos argumentos, ao nível da criação de postos de trabalho e de receitas fiscais, gerou um consenso alargado. Uma sondagem da Católica Portuguesa revela que 80% dos portugueses estão de acordo connosco. A DECO, a CAP e a CIP também estão do nosso lado. Toda a cadeia de valor beneficia desta mudança. Só os comerciantes tradicionais estão contra”, afirma Luís Vicente Dias, presidente da APED

Briefing | Começo por pedir-lhe uma avaliação geral do barómetro de vendas da APED, referente a 2009. Luís Vicente Dias | O ano de 2009 acabou por se revelar um 6

Maio de 2010

ano razoavelmente positivo, considerando as expectativas feitas em 2008. Os mercados alimentares tiveram um crescimento modesto (1%), os mercados não alimentares tiveram uma queda O novo agregador do marketing.


www.briefing.pt

(4%), mas não deixa de ser também uma boa notícia. Briefing | E quais são as expectativas para este ano? LVD | Prevemos que o ano de 2010 não será muito diferente de 2009, com uma pequena melhoria.

Entrevista Entrevista

11% é o peso no PIB dos associados da APED

Briefing | Aos resultados do barómetro está, obviamente, ligada a conjuntura económica que o País atravessa. Qual a importância do sector empresarial que a APED representa na economia portuguesa? LVD | Os associados da APED têm um peso directo de 11% no PIB, a que é preciso acrescentar a produtividade que geram em toda a cadeia de valor. Está demonstrado que há um efeito benéfico para o consumidor muitíssimo grande. A criação de emprego contínuo e de formação profissional também tem aumentado. Apesar de 2008 e 2009 terem sido anos difíceis, o investimento continua a aumentar, o que leva a concluir que o dinamismo e inovação do comércio moderno muito beneficia o País.

O novo agregador do marketing.

Sportinguista, honesto e perfeccionista Luís Vicente Dias nasceu dia 10 de Janeiro de 1952, em Lisboa. Com uma carreira centrada na área do retalho, onde começou como estagiário no grupo Modelo Continente, o presidente da APED evoluiu depois para gestor de compras, director do sector não alimentar, director de hipermercado, director de aprovisionamento, director de marketing e director comercial. Destacado para o Brasil entre 1997 e 2001, Luís Vicente Dias é, actualmente, administrador executivo da Maxmat, para além de exercer funções na área da Sustentabilidade. Nos tempos livres, o empresário gosta de viajar, ir ao cinema e de pintura paisagista e impressionista. Questionado sobre as suas principais virtudes, o líder da APED diz-se “honesto, frontal e perfeccionista” o que, admite, “podem ser também os grandes defeitos”. Afirmando que a melhor notícia que lhe podiam dar era a cura para as doenças complexas, o sportinguista recusa revelar desejos por cumprir, alegando que é no secretismo que reside a sua realização.

gando a que o comércio moderno pague altíssimas taxas por cada metro quadrado licenciado, e já fez com que fossem transferidos cerca de 40 milhões de euros do comércio moderno, para que o sector tradicional se modernizasse. Ao fim destes anos, continuamos à espera de uma alteração legislativa, mas estamos com alguma impaciência para que isso aconteça.

Briefing | E o que seria preciso para aumentar esse reconhecimento? LVD | Era necessário que fossem dadas à APED oportunidades de maior liberalização, por exemplo, em termos de horários de abertura dos estabelecimentos comerciais de grande dimensão, como é o caso dos hipermercados. Briefing | A Procuradoria-Geral da República emitiu um parecer favorável à abertura das grandes superfícies comerciais aos domingos. Os pequenos comerciantes já reagiram, alegando que esta medida prejudica o sector e é anti-concorrencial. Concorda? LVD | Não. O actual regime legislativo, que é ultra-conservador, está a impedir a criação de emprego e o desenvolvimento da economia. E não está a resolver os problemas do comércio tradicional, que em nada têm a ver com esta questão dos horários. O regime actual foi definido como transitório, obri-

PERFIL

“O actual regime legislativo é ultra-conservador, impede a criação de emprego e o desenvolvimento da economia. E não está a resolver os problemas do comércio tradicional, que em nada têm a ver com esta questão dos horários”

Briefing | O que diz a lei em vigor? LVD | A empresa que tenha lojas com mais de dois mil metros quadrados tem de encerrar as portas após as 13h00, aos domingos e feriados, com excepção de Novembro e Dezembro. Ora, isto é para nós um paradoxo, uma distorção do princípio da livre concorrência no mercado, porque um grande retail park ou um mega shopping center é obrigado a fechar uma ou duas lojas que tenham 2005 metros quadrados de superfície comercial, e os restantes 80 mil metros quadrados de superfície mantém-se abertos. Isto não faz qualquer sentido e deveria ser revogado. Em nossa opinião, existe aqui uma distorção que é altamente negativa para a economia. Briefing | Quantos postos de trabalho calcula que os associados

da APED poderão criar se for permitida a abertura ao domingo à tarde das grandes superfícies? LVD | Calculamos que seriam criados cerca de oito mil postos de trabalho num período de 10 anos, dos quais quatro mil logo no primeiro ano. Ao todo, estamos a falar de cerca de 2.500 milhões de euros. Estes não são números imaginários. Todos os anos, as lojas de grande dimensão precisam de reforçar os seus quadros nos meses de Novembro e Dezembro, admitindo novas pessoas. Mas quando chega ao dia 1 de Janeiro do ano seguinte têm de mandá-las embora, por isso calculamos que são cerca de 3.500 a 4.000 postos de trabalho dispensados nessas circunstâncias. No próximo dia 1 de Janeiro isso não aconteceria, se a legislação fosse mudada. É falsa a ideia de que não se criariam mais postos de trabalho, porque mais horas de trabalho nas grandes superfícies abertas implica um maior desdobramento dos turnos, pois o total de horas de trabalho por pessoa não pode exceder as 40 semanais. Briefing | Tem alguma expectativa que a legislação se altere num curto prazo? LVD | Acreditamos firmemente que >>> Maio de 2010

7


www.briefing.pt

Entrevista

>>>

a lei vai ser mudada, não sabemos é quando. A força dos nossos argumentos, ao nível da criação de postos de trabalho e de receitas fiscais, gerou um consenso alargado. Uma sondagem da Católica Portuguesa revela que 80% dos portugueses estão de acordo connosco. A DECO, a CAP e a CIP também estão do nosso lado. Toda a cadeia de valor beneficia desta mudança. Só os comerciantes tradicionais estão contra, mas já foi demonstrado até à exaustão que o problema do comércio tradicional não tem nada a ver com os horários das grandes superfícies. O que a APED defende é total liberdade, tanto para os consumidores realizarem as suas compras, como para qualquer comerciante decidir os seus horários de funcionamento, de acordo com a sua estratégia comercial. Briefing | Uma mudança legislativa seria igualmente benéfica, no sentido de contribuir para o combate à crise, através da criação de emprego? LVD | Cerca de quatro mil postos de trabalho num ano é muito significativo. Numa altura em que o desemprego é um problema sério, esta era uma medida que não custava um cêntimo aos contribuintes e resolvia um problema que preocupa toda a sociedade portuguesa. O que é dramático é que, ao mesmo tempo que está comprovado o impacto positivo da liberalização do comércio moderno, haja partidos de esquerda que queiram encerrar as grandes superfícies e tornarem ainda mais rígidos os horários. Isso seria criar quatro mil novos desempregados por ano, por isso é com enorme preocupação e um grande sentimento de frustração que vemos que há partidos da esquerda insensíveis a questões de interesse dos cidadãos. Briefing | O sector dos combustíveis e o farmacêutico também têm estado na ordem do dia por motivos concorrenciais. Começando pelo sector farmacêutico, qual a sua opinião quanto 8

Maio de 2010

ao facto dos medicamentos apenas serem comparticipados pelo Estado quando comprados em farmácias (vs. espaços de saúde, nas grandes superfícies)? LVD | A entrada da distribuição moderna nos medicamentos teve três grandes vantagens: a conveniência para os consumidores, a baixa de preços e uma maior transparência deste mercado. O que sucede é que, volvidos cinco anos sobre a aprovação legislativa do Governo nesta matéria, o número de medicamentos aprovados para venda nos espaços de saúde continua a ser muito baixo porque há uma discriminação enorme a nível do nome, a começar por não podermos designar estes espaços por “parafarmácias”. Outro problema é o de podermos comercializar certas marcas brancas de um princípio activo, mas não o de medicamentos patenteados, onde o caso mais conhecido será o do “ben-u-ron”, cuja venda está vedada nos espaços de saúde, apesar destes também venderem paracetamol. Finalmente, existe ainda a questão da entrega de embalagens dos medicamentos e a reciclagem dos usados. Há cerca de três anos que a APED está em conversações com o Infarmed e com a Secretaria de Estado da Saúde, mas até agora sem sucesso. Briefing | A Autoridade da Concorrência já emitiu algum parecer sobre esta matéria? LVD | Não, porque embora o espírito da livre concorrência esteja a ser afectado, do ponto de vista formal não há qualquer violação legal, salvo com a Valormed, que

“É falsa a ideia de que não se criariam mais postos de trabalho, porque mais horas de trabalho nas grandes superfícies abertas implica um maior desdobramento dos turnos”

se recusa a recolher as embalagens dos medicamentos dos espaços de saúde, sem qualquer justificação aceitável. Briefing | A APED tenciona tomar alguma medida prática para resolver estas questões? LVD | Estamos em conversações com a Secretaria de Estado da Saúde e sentimo-nos optimistas com os resultados que daí possam advir. Briefing | Em relação ao tema dos combustíveis, a Associação dos Revendedores diz que as marcas brancas têm menos qualidade. O que tem a dizer sobre o assunto? LVD | Quanto a essa questão, a APED apresentou, no Verão do ano passado, uma queixa-crime contra a ANAREC e o seu presidente, porque isso é uma falsidade. São os próprios consumidores que defendem os combustíveis de distribuição. São públicos os relatórios que demonstram que os preços são muito competitivos, e os combustíveis são comprados às mesmas refinarias, portanto a única diferença é só mesmo no preço. Briefing | Perspectiva-se uma expansão deste sector no mercado? LVD | Achamos que este é um ramo de actividade que vai continuar a crescer. No caso francês, a quota de mercado ronda os 30% a 40% dos combustíveis vendidos no país. Em Portugal, não existem ainda dados exactos, mas o sucesso do licenciamento e o interesse dos consumidores é imenso.

APED

A Associação Portuguesa de Empresas de Distribuição (APED) é uma associação patronal, de âmbito nacional, que engloba as empresas que desenvolvem uma actividade retalhista alimentar e/ou não alimentar, de venda de produtos de grande consumo, em regime de livre serviço. É a única entidade associativa representativa do comércio moderno português. Sucessora da antiga Associação Nacional de Supermercados (ANS), existe há 29 anos e agrega empresas como a Fnac, Lidl BP, Worten, Sport Zone ou Maxmat.

O novo agregador do marketing.


Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.