Entrevista a Mário Mandacaru, presidente de Clube de Criativos de Portugal

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“Há uma definição excelente: 30 por cento da crise é real, 50 por cento é feita pelos media e 20 por cento é um aproveitamento da situação. A crise existe, só que não é só deste ano. Este ano, existe uma mediatização excessiva que faz com que as pessoas desanimem. E esse é o grande problema: quando a crise começa a afectar a atitude das pessoas”, avisa Mário Mandacaru, brand design creative director da Brandia Central e presidente do Clube dos Criativos de Portugal, um brasileiro nascido há meio século em São Paulo, que vive e trabalha em Lisboa há 22 anos

Mário Mandacaru, presidente de Clube de Criativos de Portugal

Ramon de Melo

“50% da crise é feita pelos media”

Briefing | A crise é um estímulo para a criatividade? Mário Mandacaru | Não sei se há um tempo melhor para a criatividade do que outro, mas penso que sim. A crise estimula as pessoas a pensarem de uma maneira 14

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diferente, a saírem um bocado da caixa. É bom lembrar o que aconteceu na Argentina, que bateu no fundo o poço e é, hoje em dia, uma potência. A crise é uma oportunidade grande para fazermos coisas diferentes.

Briefing | Funciona como a censura? MM | De certa forma sim. Se pensarmos em termos musicais, as letras que se faziam no Brasil, durante o período de ditadura, eram muito mais interessantes. Nessa O agregador do marketing.


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lógica, a crise aguça a vontade de dar a volta. Briefing | Menos dinheiro implica também fazer melhor? MM | Implica ter de se trabalhar mais e com menos margem de erro para se atingirem os objectivos. Briefing | Tem sentido retracção por parte das marcas? MM | A nuvenzinha cinzenta da crise passou por todos nós. Há uma crise de cinzentismo em Portugal que temos de combater, dinamizando a nossa actividade. Enquanto criativos, temos a responsabilidade de actuar sobre a maneira mais pesada com que se está a olhar para o futuro.

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“A crise estimula as pessoas a pensarem de uma maneira diferente, a saírem um bocado da caixa. A crise é uma oportunidade grande para fazermos coisas diferentes”

Briefing | Essa maneira pesada não é consequência também da costela fatalista portuguesa? MM | Um bocado, o que é natural. Já senti mais essa costela fatalista portuguesa. Estou em Lisboa há 22 anos, o que me leva a já não ter essa distância do ser português. Mas há outras formas de encarar momentos críticos como o actual. Há uma definição excelente, que costumo referir: 30 por cento da crise é real, 50 por cento é feita pelos media e 20 por cento é um aproveitamento da situação. A crise existe, só que não é só deste ano. Este ano, existe uma mediatização excessiva, que faz com que as pessoas se desanimem. E esse é o grande problema: quando a crise começa a afectar a atitude das pessoas. Briefing | Que notícia daria para atenuar o pessimismo generalizado? MM | Fala-se da crise, mas não se fala de como se deverá incentivar o crescimento, como vamos motivar as pessoas a produzirem de forma diferente, a pensarem em novas soluções. Não vai haver nenhum suicídio colectivo por causa da crise. As pessoas vão viver, ultrapassar a crise. Briefing | José Mourinho é um exemplo de como se podem ultrapassar as crises? MM | É. Como diz José Mourinho O agregador do marketing.

e bem: ter sorte dá muito trabalho. As pessoas têm que se consciencializar que o retorno vem do esforço. Não é reclamando, dizendo “ai, ai, ai, que coitadinho eu sou”, que as coisas vão mudar. Briefing | Que costela portuguesa já assimilou? MM | Vim para cá por causa de uma costela portuguesa. Casei com uma portuguesa quando estudava na América. Sou um exilado romântico. Não vim atrás do ouro, mas sim de uma mulher portuguesa. Hoje, a grande maioria dos meus amigos está aqui, a minha vida também, os meus filhos. Tenho um jeitinho português misturado com brasileiro. Aqui notam o brasileiro, quando chego ao Brasil notam o português, sobretudo porque já criei alguma distância física das pessoas. Cada país tem o seu código de proximidade. Aqui não se dão tantos abraços. Mas quando vou ao Brasil, sabeme bem.

“Ter sorte dá muito trabalho. As pessoas têm de se consciencializar que o retorno vem do esforço. Não é reclamando, dizendo ‘ai, ai, ai, que coitadinho eu sou’, que as coisas vão mudar”

Briefing | É mais beijoqueiro lá? MM | No Brasil, as pessoas encontram-se e dão um beijinho e logo um abracinho. Lá fala-se ainda mais com as mãos. Aqui só dão um beijinho.

“Fala-se da crise, mas não se fala de como se deverá incentivar o crescimento, como vamos motivar as pessoas a produzirem de forma diferente, a pensarem em novas soluções. Não vai haver nenhum suicídio colectivo por causa da crise. As pessoas vão viver, ultrapassar a crise”

Briefing | A situação no Brasil há 22 anos também pesou na decisão de ficar cá? MM | Há 22 anos, o Brasil estava numa situação complicada. Quando cheguei a Portugal, vi um mercado onde havia tudo por fazer. Fui das primeiras pessoas cá a saber trabalhar num computador. Ainda se estavam a dar os primeiros passos nessa área. Quando eu dizia que era designer, tinha que acrescentar que trabalhava em Publicidade. Quando saí do Brasil, não era para vir para Portugal. Mas foi a conjuntura que me levou a decidir ficar por cá e a não ir para o Japão. Briefing | Para o Japão? MM | Sim. Além da colónia italiana, há uma colónia japonesa enorme em São Paulo e eu cresci muito próximo da cultura e da es>>> Dezembro de 2010

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tética japonesa. Quando fui para a América foi com o objectivo de ir a seguir para o Japão, o que continua nos meus planos, não sei quando. Já não é com a ideia de ir viver para o Japão. Mas quero ir conhecer o Japão.

“O imprevisto colabora para a criatividade, o excesso de formatação pode matar a criatividade. A mente do criativo não é muito estruturada porque tem de saltar de uma gaveta para a outra, saber conjugar coisas que não o são”

Briefing | Apetece-lhe voltar ao Brasil que está numa fase melhor? MM | Tenho vontade e penso concretizar em breve. A Brandia Central abriu recentemente um escritório em São Paulo. Estamos a canalizar recursos para lá e vou trabalhar marcas no Brasil, o que é uma estratégia inteligente. As marcas no Brasil viveram até hoje muito sustentadas pela publicidade e está-se agora numa fase de reformulação, em que tem cabimento a filosofia e metodologia da Brandia que valoriza as marcas. Briefing | O Brasil é uma espécie de mina de bons publicitários? MM | É, também pela influência americana. A publicidade no Brasil é mais atrevida, porque a sociedade é mais atrevida e aberta. As campanhas feitas no Brasil dificilmente poderiam ser implementadas aqui. Utiliza-se mais o humor. Mas no Brasil também vejo muita coisa mal feita nesta área. Portugal sofre de uma condição, que é o seu tamanho. O tamanho do mercado é muito pequeno. Mas Portugal tem uma enorme capacidade criativa. Briefing | Programar facilita a criatividade? MM | Ajuda bastante. O imprevisto colabora para a criatividade, o excesso de formatação pode matar a criatividade. A mente do criativo não é muito estruturada porque tem de saltar de uma gaveta para a outra, saber conjugar coisas que não o são. Demoramos mais de 500 anos para juntar rodinhas às malas, sendo que as malas já existiam e as rodas também. Este é o exemplo que dou quando quero retratar o trabalho do criativo: juntar o que aparentemente não se encaixa para dar origem a uma coisa nova.

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Briefing | O que mudou na sua área nestes 20 anos? MM | O Design tornou-se numa área agregadora. O Design consegue chamar para si outras valências da área da Comunicação. E essa mudança foi muito positiva, pois a ideia tornou a ter mais valor. Voltamos a uma época da importância dos conteúdos. Briefing | As louras deixaram de estar na moda? MM | O bonito pelo bonito já não diz nada, ao contrário do que aconteceu nos anos 80. É preciso ter conteúdo. Acontece com as marcas o que acontece com as mulheres que são só bonitas. Consegue-se estar com uma mulher bonita uma noite, mas não se consegue estar com ela uma semana se não tiver mais para dar do que a sua cara bonita. É isso: as louras já não se usam… Briefing | Quais são as marcas da sua infância? MM | Havaianas é a marca que acompanho com enorme carinho e que gosto muito. São um produto brutal. Em termos de produto evoluíram pouco, mas a sua

implementação foi total. As havaianas eram usadas pelo povo e, à conta da comunicação feita, transformaram-se num ícone. Hoje é uma marca valiosíssima. Ainda me lembro das havaianas que usava quando ia à praia e de uma campanha feita pelo Chico Anísio, em que dizia: “As verdadeiras havaianas não têm cheiro e não soltam as tiras”. Briefing | Três trabalhos feitos que lhe tocaram mais? MM | O projecto da Telecel, o projecto da AMI e, agora, o projecto da Brandia Brasil, que me interessa muito, pela minha proximidade e, pelo que sinto que podemos acrescentar ao mercado brasileiro. Vai ser importante para a Brandia e para mim. Briefing | Como se apresentaria? MM | Sou um designer de formação, apaixonado por marcas. Procuro fazer tudo o melhor possível, egoisticamente para ser feliz com o que faço. Briefing | É? MM | Sou. Sou feliz. Não me sinto aborrecido com a minha vida.

VENCEDORES

Tímido e especialista em churrascos De ascendência italiana, portuguesa, espanhola e escocesa, nasceu em 1960, em São Paulo, Brasil. É o terceiro de cinco irmãos e desde muito novo que desenhar faz parte dos seus prazeres. Depois de sonhar ser bombeiro ou dentista como pai, ainda pensou em seguir cinema. Desistiu, assustado com a perspectiva de ter de vir a lidar com muita gente. Assume: “Sou tímido, o meu lugar é ficar o mais reservado possível”. Licenciou-se em Marketing e Publicidade na Universidade Anhembi Morumbi em 1983. Três anos depois foi para os Estados Unidos, onde tirou o BFA em Graphic Design, na Academy of Art University. Está em Lisboa há 22 anos, actualmente como Brand Design Creative Director da Brandia Central e Presidente do Clube de Criativos de Portugal que está empenhado em dinamizar até se tornar “na montra do que melhor se faz na área da criatividade comercial em Portugal”. Tem três filhos, gosta de música (incluindo, no fado, a voz de Mariza e de António Zambujo), de sushi e de cozinhar. É um especialista em churrascos. Assim: “Invento tudo para pôr na grelha”.

O agregador do marketing.


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