Quando o nariz dizo que os olhos não vêem

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Marketing

Cláudia Köver jornalista redaccaobriefing@briefing.pt

Respiramos cerca de 20 mil vezes por dia e isso não escapou ao mundo do marketing que criou a comunicação com aromas. Mas é preciso estar atento às overdoses

Manuela Oliveira/WHO

Quando o nariz diz o que os olhos não vêem

Os aromas invadiram o marketing e prometem ser uma poderosa ferramenta de comunicação para as empresas. A Business Week avaliou o mercado das empresas especializadas em marketing aromático em cerca de 65 a 80 milhões de euros, número que promete crescer. Se tivermos em conta que “o aroma é a primeira coisa que percepcionamos ao entrar num local, compreendemos a relevância do marketing aromático”, diz Robert Muller-Gruenow, ceo da empresa alemã Scentcommunication que se dedica a esta 26

Dezembro de 2010

área há treze anos. A empresa foi já responsável pela criação de aromas para marcas como a Samsung, a Mercedes-Benz e a Coca-Cola. Há três anos que a agência portuguesa Aysensi – Premium Aroma Design, parceira portuguesa da Scentcommunication, aposta neste tipo de marketing, tanto na criação de conceitos como no desenvolvimento de tecnologia. Filipa Couto, directora-geral da empresa, afirma que “as marcas têm, cada vez mais, vindo a ganhar curiosidade e a querer investir neste tipo de co-

“Os aromas podem ser colocados em merchandising — de flyers a sacos — em lojas ou espaços comerciais, em anúncios no cinema e até em outdoors”

municação, mas muitas das que já estão a implementar esta forma de marketing não o divulgam”. Não são as marcas de cremes ou champôs – que no geral, já recorrem ao conceito de “abrir e cheirar” para conquistar os seus clientes - as que mais aderem. Na realidade, as marcas que investem neste tipo de marketing pertencem a sectores tão diversificado como o da tecnologia, do retalho ou da hotelaria. Os aromas podem ser colocados em merchandising — de flyers a sacos — em lojas ou espaços comerciais, em anúncios no cinema e até em outdoors. O intuito pode ser criar uma identidade olfactiva ou reforçar a mensagem transmitida por um local ou produto, no entanto, há também clientes que querem apenas “que um determinado espaço cheire bem”. A directora-geral da Aysensi reforça que, nem um difusor nem a criação de uma essência têm um custo fixo, tudo depende dos pedidos. Ainda assim considera tratar-se de uma ferramenta relativamente barata. Segundo estimativas apresentadas pela Business Week, os preços deste tipo de serviços podem variar entre os 80 e os 8 mil euros. Os perfumes utilizados pela Aysensi são desenvolvidos pela Scentcommunications e restantes parceiros desta entidade. É comum às empresas de marketing aromático aliarem-se a outras especializadas em desenvolvimento de fragrâncias. O ceo da Scentcommunication explica que “há ainda muitas empresas neste sector que sabem muito de marketing e pouco de aromas, o que demonstra que estamos perante um >>> mercado pouco maduro”. Tal como uma imagem de marca, o objectiO agregador do marketing.


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vo de um logótipo olfáctico é o de transmitir os valores da marca e desenvolver um aroma que se integre na restante comunicação. Harald Vogt, presidente do Scent Marketing Institut (EUA) sublinha que “uma marca não pode viver só de um logótipo olfactivo que será sempre, apenas, uma das componentes da sua identidade”. “Respiramos cerca de 20 mil vezes por dia e não podemos deixar de o fazer”, afirma Harald Vogt no âmbito da sua apresentação no seminário “Como criar experiências de marketing multi-sensorial?” promovido pelo ISCTE e pela My.Sensys, agência especializada em marketing sensorial. Oitenta e três por cento da comunicação é feita através de mensagens auditivas e visuais, no entanto, estas podem ser, cada vez mais, evitadas pelos receptores. Um consumidor consegue, por exemplo, ignorar mensagens auditivas quando está a ouvir musica no iPod ou evitar ver os anúncios do cinema chegando mais tarde à sala. Segundo estudos apresentados por Harald Vogt, as pessoas passam mais tempo em espaços aromatizadas e estão dispostas a pagar mais por um produto em locais correctamente aromatizados. Os estudos concluíram também que não são os consumidores compulsivos, aparentemente mais atritos a permanecer mais tempo nos locais de compra e a deixarem-se levar pelo marketing aromático. Pelo contrário, o estímulo dos consumidores compulsivos é antes a música. A cadeia de fastfood McDonald’s tem apostado em comunicar uma alimentação mais saudável, apresentando novas ementas e chegando mesmo a mudar o fundo do seu logo de vermelho para verde. Ainda assim, quando entramos nos seus estabelecimentos, cheira inevitavelmente a fritos. O ceo da Scentcommunications afirma ser este o problema dos aromas que, não sendo controlados são identificativos, podendo afectar a credibilidade de uma marca. O elemento olfactivo deve estar integrado com a restante comunicação da marca para que não haja contradições. Já quando os aromas são desenvolvidos para a representar à escala global, o desaO agregador do marketing.

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“A Business Week avaliou o mercado das empresas especializadas em marketing aromático em cerca de 65 a 80 milhões de euros, número que promete crescer”

fio é moldá-los aos diferentes meios culturais, porque “os japoneses associam determinados cheiros a algo distinto do que os irlandeses, e o que procuramos é uma associação idêntica”, afirma Robert Muller-Gruenow. A dosagem é essencial a todo este processo. O melhor dos cheiros pode tornar-se enjoativo ou desagradável se estiver em excesso. O doseador tem de ser tão controlado que nos permita que “num segundo haja um aroma na sala e no segundo seguinte ele se desvaneça”. A General Manager da Aysensi acrescenta que baunilha ou chocolate são, por sua vez, aromas muito marcantes

que podem não agradar à maioria das pessoas. No entanto, tudo depende da marca. No caso das lojas Funny, foi introduzido o cheiro a morango, o que “com este cliente em particular funciona”, acrescenta. Ainda segundo os estudos apresentados pelo presidente do Scent Marketing Institut, os aromas devem também estar “alinhados” com os seus públicos alvos, nomeadamente na distinção entre sexos. Neste sentido, um aroma marcadamente feminino não atraí o público masculino e vice-versa, levando-os a passar menos tempo num determinado espaço.

Invenções aromáticas

A pioneira A apresentação do aroma da Samsung teve lugar na exposição de tecnologia IFA 2005 em Berlim. Desenvolvido pela Scentcommunication, o aroma tinha de ser projectado para uma área de 30 mil metros quadrados com intensidades distintas. Hoje, muitas das lojas da marca são aromatizadas com este mesmo logo olfactivo. O aroma foi desenvolvido tendo por base os valores definidos pela marca - inovação, tecnologia e emoção – e é hoje utilizado em diversas lojas da marca.

A inovadora O cheiro a barbecue preenche o ar circundante num troço de auto-estrada de Mooresville, nos Estados Unidos, enquanto a imagem de um bife suculento promove uma ida às lojas Bloom. Desenvolvido pela Scent Air, o outdoor aromatizado apresentou-se como uma inovação, mesmo para um mercado tão evoluído como o norte-americano. O aroma é mais forte nas horas de maior tráfego - entre as 7 e as 10 da manhã e entre as 16 e as 19 horas – e tem um alcance de 27 a 45 metros. O aroma é expelido por uma caixa, colocada discretamente na lateral do outdoor.

A nacional

“Os preços deste tipo de serviços podem variar entre os 80 e os 8 mil euros”

Harald Vogt mencionou durante a sua apresentação no seminário “Como criar experiências de marketing multi-sensorial?”, promovido pelo ISCTE e pela My.Sensys, que a junção entre música e aroma poderá causar uma “overdose” aos sentidos e acabar por afastar o cliente. Por cá, a Carris experimentou e investiu cerca de cem mil euros numa campanha multi-sensorial: autocarros com cheiro a manjerico, limão e brisa do mar, música ambiente e uma textura resistente nos assentos. De uma frota de 850 autocarros, cerca de 40 foram “vítimas” desta acção.

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