Mudar comportamentos

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Ramon de Melo

Marketing social

Pode o marketing ajudar a resolver problemas da sociedade como o tabagismo ou os acidentes de viação? Pode. É essa a função do marketing social, cada vez mais usado pelos governos. O britânico Jeff French leva mais de 20 anos a defender esta causa e esteve em Lisboa para mostrar como o marketing pode mudar comportamentos

Mudar comportamentos O que têm em comum o tabagismo, a sinistralidade rodoviária, a obesidade, o sedentarismo, a violência doméstica e a infecção por VIH/Sida? São todos problemas sociais. E todos problemas que podem ser dirimidos com a ajuda do marketing social. A fórmula parece simples – aplicar os conceitos e as ferramentas do marketing à resolução de problemas sociais. E é eficaz, garante Jeff French, especialista mundial em Marketing Social, professor da Brunel University e do King’s Col24

Setembro de 2011

“No marketing social, estamos interessados em mudar comportamentos. É bom para as pessoas, para as famílias, para a sociedade”

lege da Universidade de Londres. Jeff sabe do que fala. Sabe que é possível recorrer às técnicas de marketing para melhorar comportamentos sociais. É isso que tem feito ao longo da sua carreira, nomeadamente como consultor do governo britânico. A ele se deve o relatório nacional que definiu as políticas de comunicação para a saúde em Inglaterra. “No marketing social, estamos interessados em mudar comportamentos. É bom para as pessoas, para as famílias, para a sociedade”.

Um exemplo básico mas recorrente é o do tabagismo: o marketing social é útil para ajudar os fumadores a cessarem o hábito, mas para isso têm de acreditar que é melhor não ser fumador. “O que sabemos é que a maioria dos fumadores não quer fumar e gostaria de ter ajuda para mudar. Também há os que fumam e querem continuar a fumar, mas muitos querem deixar. Temos de descobrir porquê e ajudá-los. Sabemos que o tabaco é muito aditivo e que é difícil deixar, mas temos meios para ajudar como o www.briefing.pt


aconselhamento, a terapêutica de substituição, podemos criar consultas e linhas telefónicas, aprovar leis que proíbam o tabaco em restaurantes…”. Mas será que serve para todos os comportamentos? Não, apenas para aqueles que as pessoas querem, efectivamente, mudar. Também pode acontecer que um determinado problema social seja reconhecido como tal, mas haja resistência à mudança. Jeff French dá um exemplo concreto: a poupança de energia. A sociedade sabe que existe um problema e, mais, sabe que é preciso resolvê-lo. Mas a verdade é que, individualmente, ninguém quer ter de subir o monte, quer é ir de carro até ao cimo. Qual é a solução? “Estamos numa democracia e em democracia valem as maiorias. Por isso, a maioria tem de concordar que é preciso mudar os comportamentos face ao ambiente. Mesmo que haja quem não queira deixar de levar o carro, tem é de reconhecer que é um problema…Tem de haver consentimento da maioria no sentido de que os comportamentos devem mudar”. Ainda assim, não se consegue resolver tudo. Salvar o planeta é demasiado lato, pelo que é preciso fragmentar o objectivo. Pode não se conseguir que todas as pessoas deixem de levar sempre o carro até à porta do emprego (o tal monte) mas talvez se possa incentivar a que o façam pelo menos uma vez por mês… A fragmentação é essencial no marketing social. Porque há problemas sociais demasiado abrangentes para serem abordados de uma vez só. O especialista britânico dá outro exemplo: a obesidade. “Porque é que as mães alimentam demais os filhos?”, pergunta, dando de imediato a resposta: “Porque os amam”. O que há então a fazer? Mostrar às mães que podem dar menos comida aos filhos sem deixar de amá-los. “À mesa, a mãe dá a mesma porção ao marido e aos filhos porque os ama a todos por igual. Temos de demonstrar-lhe que o pai precisa de mais alimento e, por isso, pode comer num prato maior, enquanto os filhos precisam de menos e, por isso, devem comer num prato mais pequeno”. www.briefing.pt

A fragmentação é essencial no marketing social. Porque há problemas sociais demasiado abrangentes para serem abrangidos de uma vez só

A obesidade é um problema demasiado complexo, que envolve comportamentos e razões diferentes em idades diferentes. Há, pois, que dividi-la em comportamentos mais específicos e tentar mudá-los um a um. Ser específico – eis uma das regras de ouro do marketing social. Jeff French, que esteve em Lisboa para participar numa conferência internacional promovida pelo ICSTE, recorre novamente aos exemplos: a condução insegura não é um comportamento, são muitos, pelo que é preciso escolher um – por exemplo, conduzir demasiado depressa em cidade. O passo seguinte é saber quem tem esse comportamento: não é toda a população, são alguns segmentos, normalmente jovens do sexo masculino. Importa então saber por que o fazem: porque pensam que são invulneráveis, porque pensam que, assim, atraem as raparigas… Só então se pode começar a desenvolver uma intervenção: pode ser uma campanha em que conduzir depressa surja como não sendo cool e em que sejam as raparigas a passar esta mensagem; pode ser uma campanha em que se mostre que é um comportamento com consequências – que se pode ser multado ou preso, que se pode morrer ou matar alguém. Depois de conhecer bem o alvo, de ser específico nos objectivos, de ter um plano muito claro, há que

avaliar. Voltando ao exemplo da sinistralidade rodoviária: é preciso medir quantos acidentes houve, quantos jovens acabaram no hospital, quantas multas foram passadas a esses jovens ou quantos forem detidos…E é preciso saber quanto custou evitar um acidente que seja: valeu a pena o dinheiro que se investiu? Finalmente, há que publicar os resultados. Em nome da transparência. “Se não se mede e não se disponibilizam os resultados não é marketing social”. Mesmo que haja campanhas que não funcionem: “Algumas não resultam, mas, se soubermos porquê, aprendemos e não repetimos”. E quanto tempo é preciso para uma campanha resultar? Depende do comportamento que se quer mudar. A obesidade é uma missão a prazo. A sinistralidade rodoviária pode diminuir em seis meses ou um ano. Outros mudam ainda mais depressa. Foi o que aconteceu em Inglaterra com a morte súbita dos bebés, assim que se descobriu que bastava deitá-los de lado. Pais altamente motivados e um comportamento simples foi quanto bastou. Alterar comportamentos pode ser, afinal, mais fácil do que parece. Com as técnicas do marketing comercial: conhecer o cliente e criar o produto ou serviço que o cliente quer. Num caso, influencia-se a compra, noutro resolve-se um problema social.

PERFIL

No negócio da felicidade Mudar comportamentos é o que Jeff French faz para viver. E por isso diz que está no negócio da felicidade. De si próprio diz que é feliz. E que pratica alguns dos comportamentos que ajuda a mudar nos outros. Não fuma, os dois filhos de um casamento de 37 anos também não: “Tentamos portar-nos bem”. Além disso, vai de transportes públicos para o emprego (da casa em Hampshire ao escritório em Londres). Mas tem carro. Tem até quatro. E gosta de acelerar, embora saiba que não deve… “Ninguém é perfeito”, argumenta em causa própria.

Biólogo de formação, quis ser professor mas acabou a ajudar o governo britânico a rever as suas práticas de marketing social. Contribuiu para a redução do tabagismo de 37 para 21 por cento e para a quebra da taxa de morte por doença cardíaca. A sua preocupação maior actualmente é o “grande fosso” entre pobres e ricos, “um problema maior do que o ambiente ou a crise económica”. Para encurtar a distância, preconiza que os muito ricos comecem a dar dinheiro para causas sociais: “Um dia vão morrer e não podem levar o dinheiro com eles…”.

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