Não há crise na criatividade

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flat@ Fátima Sousa Jornalista

Não há crise na criatividade Dantes os criativos tinham o trabalho muito facilitado afinal, televisão, imprensa, rádio e outdoor eram os únicos canais. Hoje, a publicidade é qualquer forma impactante de chegar às pessoas, pode ser o local e até o momento. Mas não há razão para alarme, porque os três portugueses convidados para julgar em Cannes o melhor da publicidade mundial garantem que a criatividade portuguesa está boa e recomenda-se Criatividade nacional está bem e recomenda-se. As palavras são de Elisabete Vaz Mena, directora criativa executiva do Grey Group Portugal, mas poderiam pertencer a qualquer um dos outros dois portugueses convidados a integrar os júris que, em Cannes, vão avaliar o melhor da publicidade mundial. É que Eugénio Chorão, CEO da Euro RSCG Design & Arquitectura, e Jorge Castanheira, managing director da Wunderman Portugal, partilham este olhar mais do que positivo sobre a criatividade nacional. Há muito talento na publicidade (leia-se comunicação) made in Portugal. Elisabete conhece bem a tensão de estar em Cannes. Afinal, já viu a sua criatividade premiada neste, como noutros certames internacionais. Mas é a primeira vez que assume o papel de jurado. Sabe que os festivais são o principal parâmetro, mas ainda assim considera redutor avaliar a capacidade criativa de uma agência apenas em função dos festivais. Acha que o saldo da criatividade nacional é muito positivo, tendo em conta que a produção é muito inferior à de outros países e que os or32

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çamentos e os timings também andam muito aquém. Já antes da crise assim era, agora – e não é só por cá – muitas marcas cortam no investimento em publicidade. O mercado é pequeno e a crise encolhe-o ainda mais… Já os desafios não são menores, antes pelo contrário: antes, diz Elisabete Vaz Mena, os criativos tinham o trabalho muito facilitado – afinal, televisão, imprensa, rádio e outdoor eram os únicos canais. Hoje, a publicidade “é qualquer forma impactante de chegar às pessoas, pode ser o local e até o momento”. As campanhas eram mais formatadas, hoje são mais ricas. Porque o essencial é a ideia, até a própria ideia do meio… Em Cannes vai avaliar a criatividade aplicada à imprensa. Que em 2009 deu três leões de prata às campanhas criadas para a Honda pela Fischer Portugal (Opera Singer, Bagpiper e Priest). E sobre o futuro da imprensa muito se tem dito e escrito. Vaticina-se o fim do suporte físico e a prevalência de suportes virtuais, mas Elisabete Vaz Mena acredita que a eficácia de um anúncio de imprensa existirá

Continua a haver uma apetência pelo anúncio de imprensa, até porque para trás ficaram as guerras entre a publicidade e o meio editorial. Há uma maior abertura: as capas falsas eram impensáveis – a primeira gerou um verdadeiro escândalo e hoje estão a caminho de se tornarem banais

sempre desde que a comunicação seja boa: “Os meios podem morrer ou ser substituídos, mas se a comunicação não for impactante não importa. A culpa não é do meio, é do conteúdo”. Na sua opinião, continua a haver uma apetência pelo anúncio de imprensa, até porque para trás ficaram os tempos de uma quase guerra entre a publicidade e o meio editorial. Há uma maior abertura: as capas falsas eram impensáveis – a primeira gerou um verdadeiro escândalo - e hoje estão a caminho de se tornarem banais. Também a televisão como suporte enfrenta problemas. Porque houve abusos, saturação. E porque há mais concorrência: mais canais de sinal aberto, muitos mais por cabo, generalistas e especializados, sem falar na Internet. Também aqui se fala na diminuição do impacto dos anúncios, mas a directora criativa do Grey Group Portugal prefere pensar ao contrário: “E se deixasse de haver publicidade na televisão, as marcas não se ressentiriam ainda mais?”. As marcas são como as pessoas. É nisto que acredita Eugénio Chorão, o ceo da Euro RSCG Design O novo agregador do marketing.


www.briefing.pt

Entrevista

flat@ Edição vídeo desta entrevista em www.briefing.pt

CANNES

Os três jurados portugueses “Os meios podem morrer ou ser substituídos, mas se a comunicação não for impactante não importa. A culpa não é do meio, é do conteúdo”

“Quer o marketing directo, quer o relacional rejeitam a propagação unívoca da mensagem, valorando a capacidade de manter um diálogo relevante e contínuo”

“As marcas são como as pessoas. Têm um físico, um carácter, uma personalidade, um estilo. E também envelhecem. Há que adaptá-las à época”

Elisabete Vaz Mena Directora criativa executiva do Grey Group Portugal e jurado nos Press Lions

Jorge Castanheira Managing director da Wunderman Portugal e jurado nos Direct Lions

Eugénio Chorão ceo da Euro RSCG Design & Arquitectura e jurado nos Design Lions

& Arquitectura, que no 57.º Festival de Cannes levará o ponto de vista português ao júri dos Design Lions. É uma categoria que está a dar os primeiros passos, com os prémios a serem atribuídos apenas pela terceira vez. Não é por ser nova que é menos importante e muito menos será por isso que o design nacional não estará bem representado: “Portugal tem muito talento para mostrar. A qualidade do design feito no nosso país é uma referência em termos internacionais, o nosso trabalho está a par de qualquer outro”. Eugénio Chorão vê com bons olhos a abertura de Cannes a novas categorias como aquela em que será jurado: afinal, o mercado alterou-se muito nos últimos anos e a comunicação também. Diz, a propósito, que a organização de Cannes “chegou e bem à conclusão de que o design tem um papel relevante na sociedade”. E uma das aplicações mais significativas é na mudança de identidade corporativa de uma empresa: mudar a imagem mexe com toda a instituição, é um momento decisivo. Radical até. O novo agregador do marketing.

Na RSCG, aliás, comparam-se as marcas às pessoas, entendendo que as marcas também têm um físico, um carácter, uma personalidade, um estilo. E também envelhecem. Há que adaptá-las à época. E serão provavelmente mudanças de identidade corporativa que estarão sobre a mesa quando o júri dos Design Lions se reunir. Pela primeira vez, um português estará sentado a essa mesa, o que Eugénio Chorão atribui ao facto de o design nacional ter dado nas vistas em 2009: um leão de prata, para a Leo Burnett Lisboa pela campanha Store + criada para a Cruz Vermelha Portuguesa, e um de bronze, também para a Leo, pela campanha All against each other (Amnistia Internacional). Também Jorge Castanheira, managing director da Wunderman Portugal, se congratula por Cannes ter aberto as portas às novas disciplinas da comunicação publicitária, como aquela em que será jurado – o marketing directo e relacional. São domínios já com um historial sólido noutros festivais internacionais, como os norte-americanos Ecco Awards, mas que pecavam por ausência no certame que reú-

ne, na cidade balnear francesa, os melhores criativos e as melhores criações. “Vê-se nas próprias conferências que há uma visão cada vez mais integrada e que os motivos de discussão têm pouco a ver com a essência da publicidade e mais com os novos desafios”. Em Portugal estas novas ferramentas têm progredido lentamente. O foco de expansão europeu é o Reino Unido mas a génese é o mercado norte-americano, por via da necessidade que indústrias como a banca e a automóvel sentiram de fragmentar a comunicação, de criar momentos de comunicação com o consumidor mais explanados no tempo. Jorge Castanheira está convicto de que são ferramentas cada vez mais relevantes e legítimas à luz da dimensão digital do mundo, assentando num princípio “muito claro” o diálogo. Quer o marketing directo, quer o relacional rejeita a propagação unívoca da mensagem, valorando a capacidade de manter um diálogo relevante e contínuo. É um diálogo alimentado pela capacidade de angariar e trabalhar informação acerca do consumidor - e de, a par-

tir daí, falar com ele quando ele está disponível para falar com a marca, mas também manter canais abertos para que o consumidor possa falar com a marca quando deseja. O diálogo é a mais-valia desta forma de comunicar. Será essa capacidade que o júri dos Direct Lions irá avaliar. Jorge Castanheira conta contribuir com a sua visão, que acredita ser diferente dadas a dimensão e as características do mercado português. Como jurado, espera proporcionar aos demais um conhecimento mais rico e qualificado das propostas nacionais a concurso. De certa forma, sente a obrigação de as defender. De Cannes, o marketing directo e relacional português já trouxeram leões: o ano passado, dois de prata para a Leo Burnett Lisboa e a campanha Store + (CVP). Também já ganhou ouro nos Ecco. Está “perfeitamente” ao nível dos outros países, com um grau de exigência à dimensão do mundo. E pelo conhecimento que tem dos festivais nacionais entretanto decorridos, Jorge Castanheira espera encontrar ideias originais, trabalhos muito bons. Junho de 2010

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