O advogado premiado

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Testemunho

Pedro Rodrigues Jornalista pedrorodrigues@briefing.pt

O advogado premiado Em poucos meses, Pedro Vale Gonçalves, director jurídico da Pfizer em Portugal, tornou-se no primeiro não americano distinguido com o “2009 General Counsel Award”, que reconhece o trabalho dos advogados da multinacional farmacêutica em todo o mundo, e foi integrado na shortlist do International Law Office (ILO) European Counsel Award, na categoria de defesa da propriedade intelectual

“O advogado de empresa não deixa de ser um advogado (muito embora no meu caso em concreto não exerça o patrocínio jurídico, recorrendo para o efeito a advogados externos), mas ao mesmo tempo tem de ser um gestor e um coordenador de outros advogados, tanto a nível interno como externo”, sublinha Pedro Vale Gonçalves, que nota que na empresa “este papel extravasa a mera relação jurídica, tendo que se ser muito proactivo junto dos stakeholders”. Entre os “clientes” internos, dos vários departamentos da empresa, e externos, na defesa de causas, na negociação com terceiros e na coordenação dos advogados exter14

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nos, o advogado na empresa assume assim o papel de gestor: “Tem de estar muito perto do negócio, de ser business driven. Se o advogado não trouxer mais-valias para a companhia, não vale a pena lá permanecer”. Neste sentido, explica, a diferença com o advogado de escritório é que, muitas vezes, este, não estando por dentro do negócio, pode tornar-se muito teórico, algo que no mundo empresarial, onde o “amanhã é hoje”, pode ser complicado de gerir. Ou seja, “não se trata da qualidade do trabalho, mas da mais-valia gerada para a empresa, não só em termos monetários, mas também de imagem, posiciona-

mento no mercado e visão estratégica”, resume. “Muitas vezes o advogado externo, precisamente por estar mais fora da realidade da empresa, faz uma identificação do risco mais genérica (o que não deixa de ser uma boa ferramenta para o “advogado de empresa”), que depois terá de ser filtrada pelo jurista na empresa, dado que este, encontrando-se dentro da realidade empresarial, consegue fazer melhor uma ponderação prática dos riscos que importa considerar”, explica Pedro Vale Gonçalves. No papel de gestor, “defendo que o advogado de empresa tem, necessariamente, de pertencer a um órgão de gestão, para que possa

“O advogado de empresa não deixa de ser um advogado, mas ao mesmo tempo tem de ser um gestor e um coordenador de outros advogados”

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participar nas decisões de estratégia da companhia, no core business, com os colegas do marketing, das vendas, dos recursos humanos, também ele no papel de decisor e não só de jurista”. Na empresa o responsável do Departamento Jurídico mantém a mesma liberdade profissional que os seus pares dos escritórios: “Mantêm sempre a sua autonomia, não deixam de ser advogados por estarem numa empresa”, ou então “deixam de o ser e são meros juristas”, explica. “O advogado tem de ser proactivo, de ter soluções para os problemas, de ser criativo. Pode ter um contrato de trabalho, mas a subordinação jurídica, na minha experiência, não existe”, reforça. A atribuição em Janeiro deste ano do 2009 General Counsel Award, prémio da Pfizer que distinguiu seis advogados em todo o mundo, de um total de cerca de mil que trabalham com a empresa, é para Pedro Vale Gonçalves “um reconhecimento da companhia e um incentivo a continuar e um estímulo a ultrapassar-me a mim mesmo”. “É também um incentivo para que outros tentem ultrapassar-se e pensem out of the box, saiam das suas zonas de conforto e sejam arrojados, tentando fazer coisas que não estejam estritamente no seu aport”, sublinha o advogado, o primeiro não americano a receber este prémio internacional. Em relação à inclusão na shortlist do International Law Office (ILO) European Counsel Award, o responsável jurídico da Pfizer sublinha que “estar numa shortlist de uma selecção de mais de três mil advogados na Europa é motivo de satisfação, e ainda mais por a representação portuguesa nas várias categorias ter sido forte, o que significa que também somos capazes. É bom para a Ordem dos Advogados em Portugal, que ajuda a formar bons juristas, para o país, e claro, para os escolhidos e vencedores”. “Tenho vindo a fazer um esforço no sentido de criar awareness junto das pessoas para a importância da defesa da propriedade intelectual. As empresas demoram anos a investigar, investem milhares de miO novo agregador da advocacia

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lhões de euros, e no domínio farmacêutico é importantíssima a defesa desses direitos, porque sem isso não há inovação e sem inovação não se salvam vidas”. É deste modo que Pedro Vale Gonçalves chama a atenção para a importância da área de prática que lhe tem valido mais reconhecimento. “O que se pretende é que, enquanto há patente, não haja violação desses direitos, depois tudo bem, qualquer um pode comercializar”, sublinha. Esta postura, reforça, é também uma resposta ao crescimento do fenómeno da contrafacção na área do medicamento, “tem de haver da parte do Estado o sentido de responsabilidade no sentido da defesa destes direitos, em defesa de todos”. Face às críticas de que com a defesa das patentes pelas grandes companhias farmacêuticas de inovação se estão a agravar os problemas financeiros e a viabilidade dos sistemas de Saúde, Pedro Vale Gonçalves nota que “há uma grande confusão neste domínio: a poupança na Saúde, assim, com cortes na inovação, não é do interesse público. Não é a fazer cortes que se estimula o investimento, deviase sim apostar mais na inovação e criar as condições para que as multinacionais possam fazer mais investigação em Portugal. De facto as autoridades deveriam pensar que o custo da doença é superior ao custo do tratamento preventivo, mas infelizmente nem sempre se pensa assim”. Nesse sentido, defende, em vez de cortes na despesa com medicamentos, a aposta do Estado e governos devia passar por criar “melhores mecanismos de protecção da propriedade industrial”. Esse reforço poderia passar pela criação, por exemplo, de “um orange book” dos medicamentos patenteados, como acontece nos EUA, de “mais tribunais especializados, ou os genéricos antes de pedirem uma Autorização de Introdução no Mercado – AIM – provarem que não violam nenhuma patente”, ou de um mecanismo de articulação entre o INPI e o Infarmed. “O papel do Estado devia ser mais

interventivo à priori, prevenindo o conflito, criando condições para evitar o entupimento dos tribunais”, defende o advogado, para quem a solução dos problemas não passa pela maior celeridade dos tribunais, mas por um Estado mais forte e proactivo a evitar os conflitos. De outro modo, sublinha, perante milhares de conflitos ao mesmo tempo “é impossível um tribunal não demorar a decidir”.

Pedro Vale Gonçalves Licenciado em Direito na Católica de Lisboa (1992) é director do Departamento Legal da Pfizer Portugal desde 2003. Antes, desde 1994, foi associado na sociedade Cuatrecasas, Gonçalves Pereira, onde exerceu nas áreas de Corporate, Comércio Internacional, Contratos, Concorrência, e Tecnologias da Informação. Em 1994 exerceu na sociedade Coelho Ribeiro & Associados, e entre 1992 e 1994 foi consultor na área fiscal da Arthur Andersen. É vice-presidente da Assembleia-geral do Special Olympics Portugal e fundador da Fundação Liga, antiga Liga Portuguesa dos Deficientes Motores.

PENSAMENTO

Uma vida regida por Aristóteles É a tocar saxofone, em particular jazz, mas também outros estilos, que Pedro se abstrai do dia-a-dia de advogado na maior companhia farmacêutica do mundo. “A música é o meu hóbi, quase uma segunda profissão, não conseguiria viver sem tocar saxofone”, conta. Com formação no Conservatório, que decorreu em paralelo ao curso de Direito, define-se a si mesmo como “músico e advogado”, mas realça que nunca lhe passou pela cabeça ter a música como primeira actividade: “A advocacia esteve sempre à frente, e assim continuo a organizar os meus concertos, mas não com a frequência que desejaria”. A par da música, cultiva o estudo da filosofia aristotélica: “A maneira de pensar de Aristóteles rege a minha vida, é uma referência”, diz, citando o pensador grego, “é fazendo que se aprende a fazer aquilo que se deve aprender a fazer.”

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