www.advocatus.pt
Passeio Público
Paula Lourenço, 43 anos, teria gostado de estudar Filosofia ou Jornalismo, mas a mãe, pragmática, decidiu que ela devia cursar Direito. Reconhece em Germano Marques da Silva um pai profissional e hoje dedica-se muito à advocacia, mas sublinha não ser viciada na profissão. Um retrato à la minuta da mulher (que se recusa a usar computador) por detrás da penalista
Ramon de Melo
A inimiga dos computadores
Natural da Beira Alta, passou a maior parte da sua vida na Beira Baixa, na Covilhã. “Queria ir para Filosofia ou Jornalismo, mas tinha uma mãe muito pragmática que decidiu que eu devia ir para Direito na Universidade Católica, não tive escolha possível”, resume Paula Lourenço. Aluna de Germano Marques da Silva em Direito Processual Pe24
Dezembro de 2010
nal, a advogada viu no especialista uma referência: “Foi graças a ele que decidi enveredar pela advocacia. É o meu mentor, um pai profissional, fiz toda a carreira com ele e tenho imenso prazer em integrar a sua firma, a Germano Marques da Silva e Associados”. Hoje, com 43 anos, gosta “imenso” do que faz, não se mostran-
do nada arrependida com o rumo que a sua vida tomou, uma vez que esta profissão “não é nada parada” porque pratica advocacia de barra, relacionada com processos de criminalidade económica, onde os prazos impõem um ritmo “louco” de trabalho. Paula Lourenço dá como exemplo o caso da Universidade Moderna, onde o processo tinha O novo agregador da advocacia
www.advocatus.pt
600 volumes, todos envolvendo a família Braga Gonçalves, o que obrigava à leitura integral dos apensos. Para esta jurista, o mediatismo intrínseco ao Direito Penal prende-se com o aumento dos crimes de colarinho branco e sua consequente politização. Sobre mega processos, que abordam temas delicados, diz-se “muito resistente” à Comunicação Social: “Apareci na televisão a propósito do caso Freeport, onde representava Charles Smith e Manuel Pedro, mas, regra geral, acho que o advogado tem de resistir à tentação dos media, recorrendo aos meios que lhe são próprios na justiça”. Considerando “chocante” a forma como os grandes processos correm, nos últimos anos, na Comunicação Social, Paula fala duma “crescente violação do segredo de Justiça”, devido àquilo que apelida de “processos jurídico-políticos”, ou seja, onde os políticos estão envolvidos em processos-crime que são de tal forma expostos que, quando chegam ao desenlace final, já os arguidos foram julgados pela opinião pública. Outro aspecto criticado pela penalista é o desrespeito pelo princípio do contraditório com esta prática de mediatizar os processos, pois, se os advogados de defesa falarem nos media, estão a criar uma estrutura desigual face aos procuradores do Ministério Público que não se podem pronunciar nos mesmos moldes. Sem se considerar obcecada pelo que faz, a advogada diz que trabalha muito, mas mais por necessidade dos processos do que por vício pessoal. Mas admite: “Claro que a ambição e a vontade de triunfar são umas boas molas de impulso”. Apesar de andar com um telemóvel de modelo básico – nada de blackberries – para todo o lado, o computador é uma ferramenta de trabalho que não usa: “Pode parecer incrível nos tempos que correm, mas é verdade”, assegura. Entre ditados e o tradicional uso de papel O novo agregador da advocacia
Passeio Público
“Apareci na televisão a propósito do caso Freeport, onde representava Charles Smith e Manuel Pedro, mas, regra geral, acho que o advogado tem de resistir à tentação dos media, recorrendo aos meios que lhe são próprios”
e caneta, Paula Lourenço diz que “ninguém me apanha num computador!” E distingue os únicos dois tipos de contactos possíveis: profissional, filtrado pelas secretárias do escritório, ou pessoal, que passa – inevitavelmente – por estar na sua presença. “Não há meio-termo”, remata. Nos tempos livres, descontrai a… ler, alegando que “estar concentrada numa leitura, que não seja a dos processos, é muito gratificante”. Romance histórico e teologia são algumas das suas temáticas preferidas que – em alguns casos – colecciona livros que tenta ler há 25 anos. Ultrapassada uma fase desportista (ver caixa), estar em contacto com a natureza, seja praia ou campo, também é outro dos seus prazeres de eleição para fugir à cidade, uma “alergia” que atribui a ter passado a juventude na Beira. Por motivos pessoais, a advogada já não tira férias há algum tempo, mas isso não impede que não pense no assunto: “Seria tão, tão bom ter oportunidade de ter férias!”, desabafa Paula, que sonha com uma viagem ao sul de França, com escalas em Toulouse, Carcassonne e Aix-en-Provence. Num rasgo mais aventureiro, África é o destino de eleição: “Um dia irei, tenho a certeza”, conclui.
A advogada considera “chocante” a forma como os grandes processos correm na Comunicação Social, falando duma “crescente violação do segredo de Justiça”
PERFIL
Tem um Nokia dos básicos, a que dá muito pouco uso e, apesar de reconhecer que isso “pode parecer incrível nos tempos que correm”, não usa computador. Entre ditados e o tradicional uso de papel e caneta, Paula jura que ninguém a apanha num computador
Karate kid até aos 27 anos Porque na adolescência era “mais do que rebelde, violenta”, um professor sugeriu-lhe que praticasse karaté. Assim que a modalidade chegou à Covilhã, entre os 13 e os 27 anos de idade, Paula chegou a treinar diariamente com os bombeiros e polícias da cidade, como colegas de exercício, uma vez que era uma modalidade pouco popular entre o público feminino. “Tenho imensa pena de ter parado”, confessa a advogada, que ainda chegou a praticar em Lisboa com o celebérrimo Tarzan Taborda. Mas as exigências da advocacia tornaram impossível manter a regularidade da prática. “Hoje em dia, só de ver um treino já é um exercício penoso”, graceja.
Dezembro de 2010
25