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“As privatizações permitem às empresas chinesas entrar no mercado português, mas sem dúvida que Portugal funciona como uma plataforma para outros mercados, como o americano e o brasileiro”. É esta a leitura que Rita Assis Ferreira, 34 anos, associada sénior PLMJ e a única advogada portuguesa em Pequim, faz sobre o interesse chinês pelas privatizações de empresas portuguesas. Um interesse que, defende, devia ser aproveitado para negociar contrapartidas que continuassem a gerar negócio
Rita Assis Ferreira, associada sénior PLMJ
Ramon de Melo
Portugal é uma oportunidade
Advocatus | Qual a importância da China na estratégia de internacionalização da PLMJ? Rita Assis Ferreira | A PLMJ tem uma estratégia de internacionalização que remonta há 10 anos. Começou com parcerias no Brasil e Angola, que depois se estenderam a Moçambique e a Cabo Verde. Há cerca de dois anos, o centro económico do mundo deixou a ser o O agregador da advocacia
Atlântico e a Europa e passou a ser o Pacífico e o hemisfério sul, isto é, a América Oeste, toda a frente asiática, África do Sul e Austrália. E a PLMJ, dentro da sua política de ter sempre projetos pioneiros, decidiu apostar nesse mercado. Daí esta parceria com a Dacheng Law Offices, que é um escritório de referência no mercado doméstico da China, com cerca de dois mil advogados
em 32 províncias, 400 dos quais só em Pequim. A PLMJ escolheu Pequim para se instalar porque é o centro de decisão e porque se afirma cada vez mais como centro económico. É onde estão presentes as empresas detidas pelo Estado [as SOE – State Owned Entreprises] e a Dacheng tem uma relação privilegiada com essas empresas e com a instituição estatal que as gere, a SA-
SAC. São as SOE que estão a investir além-fronteiras, nomeadamente no mundo que mais interessa a nível de recursos naturais. Advocatus | É importante ter uma presença física permanente? RAF | A PLMJ, quando estabelece uma parceria, acredita que o projeto funciona quando há uma presença efetiva. Tem a ver com a própria hisFevereiro de 2012
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Dossiê
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tória do País: fomos descobrindo o mundo e acabámos por ir ficando e a partir do momento em que saímos fomos perdendo esse mundo. Os erros não se podem repetir. Daí estarmos presentes fisicamente. Além disso, é uma cultura completamente diferente, em que estamos em competição relativa com escritórios internacionais, enormes e instalados na China e que também querem abranger os países da CPLP. Se não tivermos lá uma pessoa de confiança, da cultura PLMJ, que lhes lembre que falamos a língua deles (temos um advogado chinês) mas também falamos a língua dos países onde querem investir, que conhecemos a cultura chinesa mas também a dos países onde querem investir, caímos no esquecimento.
“A PLMJ escolheu Pequim para se instalar porque é o centro de decisão e porque se afirma cada vez mais como centro económico. É onde estão presentes as empresas detidas pelo Estado”
“A presença PLMJ na China tem como principal objetivo ser um porto de abrigo para as empresas portuguesas que queiram investir no mercado asiático (…) mas o nosso mercado mais forte são as empresas chinesas, principalmente as estatais, que querem investir no estrangeiro”
Advocatus | Quais são os objetivos desta parceria? RAF | A presença PLMJ na China tem como principal objetivo ser um porto de abrigo para as empresas portuguesas que queiram investir no mercado asiático, ainda que, por causa da crise, sejam muito poucos os clientes que estamos a receber
EXPERIÊNCIAS
Uma portuguesa em Pequim Rita Assis Ferreira, 34 anos, está na PLMJ desde 2000, tendo integrado a sociedade no estágio subsequente ao fim da licenciatura na Universidade Católica. Acompanhou desde a primeira hora a decisão de entrar no mercado chinês, acalentada pelo sócio Luís Sáragga Leal. O gosto por esta geografia – diz – surgiu naturalmente. E naturalmente também se decidiu a sucessão quando Susana Santos Vitor, a primeira advogada PLMJ em Pequim, deixou a capital chinesa. A primeira visita de Rita aconteceu em Abril de 2011, a mudança em Junho. Rita gostou de Pequim, que descreve como “esteticamente semelhante a Nova Iorque”, uma cidade evoluída, que funciona, com uma segurança fantástica. O trânsito é complicado, mas “não tanto como em Angola”, o pior é a poluição. A comida é boa: serve-se uma “gastronomia suave”. Até agora, Rita tem conseguido escapar a particula-
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ridades gastronómicas como os famosos miolos de macaco, uma iguaria mais a sul. Ainda assim há um pepino do mar que não aprecia – “parece um olho” – que é muito caro e que os chineses teimam em apresentar nos jantares. Os estrangeiros são muito bem tratados. E precisamente por ser estrangeira, não nota qualquer diferença na relação com os investidores: já se fosse chinesa, o mesmo não aconteceria, porque homens e mulheres ainda estão longe da igualdade. Do que Rita sente saudades é das pessoas. Mudou-se com o marido e a filha, então com 18 meses, mas a família e os amigos fazem-lhe falta. Estará de volta, em princípio, daqui a dois, três anos. Até lá, vai tecendo amizade entre os membros de uma comunidade portuguesa que reputa de “muito interessante”. E vai aprendendo mandarim.
nestas condições. O nosso mercado mais forte são as empresas chinesas, principalmente as estatais, que querem investir no estrangeiro. A nível jurídico colocam-se vários cenários. Quando uma empresa portuguesa quer investir na China faço equipa com um advogado especialista da Dacheng pois não sei o suficiente de lei chinesa, nem era nossa pretensão que eu fosse especialista na lei chinesa. O que acontece é uma integração da equipa da especialidade com a minha coordenação e revisão. Muitas vezes os advogados da Dacheng coordenam-se com os da PLMJ da mesma especialidade, pois têm a perfeita noção de que não têm a mesma formação e o mesmo know-how que nós. Há esta abertura e esta modéstia, pois a advocacia na China tem apenas 20 anos. Mas a maioria das vezes somos solicitados para operações em sentido inverso, isto é, para a canalização do investimento estrangeiro das empresas chinesas que querem operar em Angola, Moçambique, Portugal e Brasil. O que fazemos é entregar esses projetos ao GLA em Angola e ao GLM em Moçambique ou à PLMJ em Portugal, sendo que Angola e Moçambique fazem sempre ligação com o Africa Desk que temos em Lisboa. É uma equipa alargada que se coordena em função da complexidade do projeto. Há ainda outra vertente que acontece quando os escritórios em Angola e Moçambique e mesmo em Portugal detetam oportunidades de negócio em áreas em desenvolvimento, transmitindo-as ao China Desk para identificação de potenciais investidores. Nesses casos, faço o match making, na medida em que já sei que empresas chinesas pretendem e podem investir – o que pretendem não é o que podem, porque o governo, através da SASAC, é que decide quem investe, onde e com que montantes; as privadas podem decidir mas estão condicionadas a nível do financiamento. Advocatus | E o mercado português que atrativos oferece? RAF | Há empresas chinesas interessadas e bem posicionadas. A recetividade às privatizações, por O agregador da advocacia
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exemplo, é muita. Neste momento temos duas empresas chinesas no mercado com ofertas muito altas. Para nós, China Desk, se uma delas ganhar significará uma abertura de portas, ajudará os chineses a ganharem confiança em Portugal. A cultura chinesa é desconfiada por natureza e está em pânico com a crise na Europa, não consegue conceber como é que a Europa chegou a este ponto, que na China seria inconcebível. Receiam investir porque receiam perder dinheiro. Mas se estas duas empresas ganharem as privatizações em áreas que são rentáveis e em que vão ganhar imenso know-how será um sinal de confiança. Isso irá demonstrar que Portugal, além de ser um país acolhedor com quem gostam de negociar, também é um país de confiança, responsável, o que os chineses ainda não sabem. Mesmo com as limitações nas comunicações, vão passar palavra de que se pode investir em Portugal. Havendo um caso de sucesso todos confiam, se houver um caso de insucesso fecham as portas. [Posteriormente a esta entrevista, as candidaturas da China Three Gorges e da State Grid à EDP e à REN, respetivamente, venceram o concurso lançado pelo Estado.] Advocatus | Mas Portugal interessa-lhes de per si ou como plataforma para outros mercados? RAF | As privatizações permitem às empresas chinesas entrar no mercado português, mas sem dúvida que Portugal funciona como uma plataforma para outros mercados, como o americano e o brasileiro. Este último é muito apetecível para a China, apesar de ter fechado um pouco as portas ao investimento chinês. Os Países Africanos de Língua Portuguesa também estão a ganhar força e muitos investimentos estão a ser escoados para lá, até porque não existem limitações. O interesse por Portugal poderá manter-se para lá das privatizações se houver oportunidades de negócio tão boas. O ideal era que o governo, entregando uma das privatizações a uma empresa chinesa, negociasse contrapartidas que permitissem desenvolver uma série de áreas em O agregador da advocacia
“O interesse por Portugal poderá manter-se para lá das privatizações se houver oportunidades de negócio tão boas. O ideal era que o governo, entregando uma das privatizações a uma empresa chinesa, negociasse contrapartidas que permitissem desenvolver uma série de áreas”
Portugal. Assim continuaria a haver negócio gerador de trabalho em Portugal e automaticamente gerador de interesse de outras empresas. Não estamos alicerçados em carvão e petróleo, mas somos muito bons em áreas de nicho, por exemplo na tecnologia onde temos projetos muito inovadores. Eles não conhecem a nossa qualidade e o nosso grau de especialidade. Há boas oportunidades, mas será que há interesse em promovê-las e abertura ao investimento estrangeiro? Advocatus | E quanto ao investimento das empresas portuguesas pela China, está em retração apenas devido à crise? RAF | A minha experiência diz-me que essa retração acontece desde a crise. Mas também é verdade que uma empresa portuguesa que se quer internacionalizar pensa em quase todos os países antes da China, infelizmente. Pensa primeiro no Brasil, mas temos visto que há empresas portuguesas a investir no Brasil em áreas que são praticamente monopólios, o que resulta em in-
sucesso. Preferem gastar o dinheiro lá do que ir para a China: porque é longe, porque é preciso ser paciente, porque os chineses não perdem a face… Agora já estão mais interessadas porque tiveram casos de insucessos noutros mercados aparentemente mais fáceis e porque a China vive um boom económico. Mesmo assim, se for possível meter tudo num contentor e depois alguém vender lá excelente… Mas o risco é de o importador chinês receber um produto, fazer um milhão de produtos iguais e registar a marca. E a empresa portuguesa fica sem o contentor e sem a marca. Já aconteceu. A China é um mercado de oportunidades mas é preciso estar lá. Advocatus | Foi o que a PLMJ fez há dois anos. Qual é o balanço do China Desk? RAF | Está a ser uma experiência muito positiva a nível pessoal e profissional e o balanço da parceria é muito positivo. Estamos a trabalhar com uma série de SOE – que são empresas dificílimas de trabalhar: só para ter uma noção, há escritórios internacionais há quatro anos a tentar captar um cliente entre essas empresas e não conseguem; eu estou lá há seis meses e já estamos a trabalhar com algumas, em coordenação com Angola, Moçambique e Portugal. Claro que temos todos um caminho a percorrer, mas trabalhamos com uma visão de médio prazo.
“A cultura chinesa é desconfiada por natureza e está em pânico com a crise na Europa, não consegue conceber como é que a Europa chegou a este ponto, que na China seria inconcebível. Receiam investir porque receiam perder dinheiro”
Advocatus | Sendo a única sociedade portuguesa com presença na China, com quem concorre a PLMJ? Com as sociedades internacionais? RAF | Estamos em estádios diferentes e temos leques de clientes diferentes. Os escritórios internacionais querem abarcar todo o mercado e nós só a CPLP. Neste momento, estão a considerar a PLMJ como um parceiro e um complemento quando se trata de dar apoio jurídico a empresas que querem entrar, por exemplo, em Angola e em Moçambique, cuja cultura, língua e legislação nós conhecemos. Não estamos, por isso, em competição e os próprios clientes estão a verificar que trabalhamos em equipa. Fevereiro de 2012
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