Entrevista
O Briefing foi saber o que pensam e o que fazem três portugueses responsáveis pela comunicação em multinacionais
Fátima de Sousa, jornalista fs@briefing.pt
É português e tem a seu cargo a comunicação e as relações institucionais da Bombardier Transportation em todos os mercados da Europa do Sul e da América do Sul. E, não obstante a empresa ser um B2B puro, Luís Ramos assegura que não basta comunicar com os decisores, é preciso chegar à população. Porque a imagem e a reputação pública também fazem ganhar concursos. Da sua estratégia, garante que vai muito para além de promover a empresa e os seus produtos – trata-se de posicionar o sector ferroviário como um todo.
Luís Ramos, diretor de Comunicação e Relações Públicas da Bombardier Transportation
Posicionamos todo um sector
Briefing | O seu percurso na Comunicação no sector dos Transportes começou na antiga Sorefame. Como é que passou de uma empresa nacional para uma multinacional? Luís Ramos | Entrei, de facto, para fazer a transformação da antiga Sorefame com vista à in28
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tegração no grupo ABB. Quando a ABB comprou a Sorefame quis começar a desenvolver um posicionamento de comunicação para a empresa e foi aí que fui contratado. Nessa altura trabalhava na LPM. Fui responsável de marketing entre 1997 e 1999, depois assumi a direção
comercial em Portugal, até que em 2001 a Bombardier comprou a empresa e me convidou para assumir a gestão da comunicação e das relações institucionais na zona sul da Europa. O convite veio ao encontro dos meus interesses, pois já estava à procura de um cargo internacional.
Quando se trabalha numa multinacional tem-se essa ambição de carreira, é mais estimulante. Briefing | Correspondeu às expetativas? LR | É um trabalho interessantíssimo, que abrange projetos como os comboios de alta velowww.briefing.pt
cidade em Espanha, a restruturação da presença da Bombardier em Itália, o início da campanha para a alta velocidade também em Itália. E em 2002 convidaram-me para desenvolver a mesma estratégia na Índia, o que acumulei com a direção de comunicação para o sul da Europa. Foram oito anos, até que, em 2009, me convidam para tomar conta também da América do Sul. Mas não podia acumular tudo e acabou por ser recrutado um colega para a Índia. E eu fiquei com a Europa do Sul e a América do Sul. Briefing | E em Portugal que presença tem a Bombardier e o que implica em termos de comunicação? LR | A Bombardier tem de ter uma atuação de acordo com as características de cada mercado e o mercado em Portugal está praticamente extinto, não há uma compra de equipamentos ferroviários desde 2005. O que se percebe: Portugal passou por grandes investimentos no sector ferroviário entre 1995 e 2004, com a compra dos pendulares, a renovação do Metro de Lisboa, o Metro do Porto, novos comboios para a linha de Sintra e para a linha suburbana do Porto. Nós fomos o maior fornecedor destes investimentos, praticamente todos os comboios são nossos ou em consórcio connosco. Mas desde então não há concursos, a alta velocidade não avançou, pelo que a nossa presença se resume aos contratos de manutenção. Briefing | Sendo a Bombardier uma empresa de business to business, a comunicação é muito direcionada. Quem são os públicos-alvo? LR | É um B2B puro, pelo que para a Bombardier os clientes são um conjunto de pessoas muito bem definido, identificado. Mas atuamos num sector que é altamente politizado e que tem um impacto enorme na sociedade, pelo que não podemos apenas comunicar com os decisores políticos e com
“Todos os decisores sabem perfeitamente que a Bombardier é o maior fornecedor mundial do sector ferroviário, mas se tivesse havido um concurso público em Portugal nos anos imediatamente a seguir a 2004 tenho a certeza que não ganharíamos. Seria consequência do encerramento da unidade da Amadora”
os operadores. Temos também de desenvolver trabalho junto dos utentes dos transportes públicos que fornecemos. Temos de assegurar que esses equipamentos funcionam de forma absolutamente correta e de garantir uma imagem junto da população coincidente com esse serviço. Porque as populações cobram muito dos seus dirigentes a qualidade dos transportes. E se não tivermos essa atuação acabamos por sofrer uma degradação do nosso posicionamento, da confiança que têm em nós. Obviamente que o operador é que tem de comunicar diretamente com a população, mas o fabricante tem de ter aceitação da maior parte da comunidade, não só política mas económica e social, ou terá grandes dificuldades em ser bem sucedido. Se for ao Porto os utentes do Metro sabem quem fez os comboios, se for a Espanha a população sabe quem fez a alta velocidade… É esse soft power que a empresa tem quando se apresenta em novos concursos. São concursos com valores económicos muito elevados, transparentes, com critérios bem definidos, mas em que a credibilidade do fornecedor é fundamental. Há um espaço de manobra muito grande, uma certa subjetividade que pode fazer decidir a favor de um ou de outro fornecedor.
“Muitos projetos não avançam porque não são executáveis dentro de um mandato – é um dos efeitos perniciosos da democracia. Então os autarcas preferem comprar autocarros em vez de construir o metro, que, além disso, iria esburacar as ruas e provocar os protestos da população”
Briefing | Subjetividade em que medida? LR | Todos os decisores sabem perfeitamente que a Bombardier é o maior fornecedor mundial do sector ferroviário, mas se tivesse havido um concurso público em Portugal nos anos imediatamente a seguir a 2004 tenho a certeza que não ganharíamos. Seria consequência do encerramento da unidade da Amadora. Foi um processo duríssimo. Cerca de 400 pessoas ficaram sem trabalho, além do efeito psicológico do encerramento de uma unidade industrial. É este fator de subjetividade: podíamos cumprir todas as regras do concurso que não nos iriam comprar a nós. Não é trivial >>>
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a imagem que uma empresa, mesmo de B2B, tem junto da opinião pública.
“É impossível ter sucesso em termos de promoção de uma marca sem estar nos canais que as pessoas utilizam. Precisamente devido a esta mudança de paradigma, estamos a trabalhar no sentido de uniformizar a forma como usamos as redes sociais”
Briefing | Que ações dirigem aos utentes para promover essa imagem? LR | Fazemos bastante comunicação, normalmente em associação com os operadores. Neste momento, no Brasil estamos a introduzir o monorail, um equipamento que desenvolvemos há dois, três anos transformando um sistema de baixa capacidade de transporte num sistema de alta capacidade. A grande vantagem é ser construído em metade do tempo e por metade do preço do metro convencional, além de ser substancialmente mais rápido do que os autocarros rápidos que existem na cidade – leva 50 minutos para fazer 24 quilómetros que atualmente demoram duas horas. O que temos feito é usar a media tradicional, explicando estas vantagens e, como é do interesse público, gera notícia: só no Estado de São Paulo gerámos mais de 300 notícias nos meios principais. Agora estamos a desenvolver uma campanha através redes sociais e que também está a ter grande sucesso e a chegar aos decisores políticos. Usamos pouca publicidade, mas recorremos muito àquilo que no grande consumo se chama sampling: levamos as
Em Portugal, “de um modo geral, o posicionamento da Bombardier é silencioso, até porque o mercado assim o exige. Não faz sentido termos um posicionamento muito alto porque não há concursos. Não vamos fazer campanhas se não há ninguém a comprar”
pessoas a ver os nossos equipamentos. Fizemos uma maqueta em tamanho natural, que colocámos em frente a uma das estações de metro mais movimentadas, e que foi visitada por milhares e milhares de pessoas. O Discovery Channel vai produzir um programa sobre o monorail de São Paulo, um programa editorial, sem qualquer perfil comercial. Tendo em conta a audiência de seis milhões de pessoas do canal, terá certamente impacto na promoção da tecnologia. Em Itália vamos começar a entregar em meados deste ano os novos comboios de alta velocidade e construímos um carro frontal à escala natural, que andou num roadshow pelo país. A primeira apresentação foi em Rimini com a presença do primeiro-ministro, Mario Monti, o que foi importante para a credibilização da marca. Depois ficou na praça central de Milão e só em dois dias recebeu mais de 20 mil visitantes, com uma cobertura impressionante dos media. Briefing | Como incorpora as redes sociais na estratégia? LR | Houve uma grande mudança na forma como recebemos e como queremos receber a informação. Há uns cinco, seis anos chegávamos ao gabinete de um presidente dos caminhos de ferro e ele tinha todos os jornais em
EMPRESA
Em Lisboa por opção Portugal não é, neste momento, um mercado atrativo para a Bombardier. Pela simples razão de que não há investimento ferroviário. Mas é em Portugal que Luís Ramos está sediado. A alternativa seria Berlim, onde fica a casa-mãe, mas o diretor de Comunicação e Relações Públicas da Bombar-
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dier Transportation para a Europa do Sul e América do Sul optou por ficar em Lisboa, para poupar a família a uma deslocação: como viaja boa parte do tempo, a mulher e os três filhos podem permanecer no seu ambiente natural. E – diz Luís – a empresa poupa dinheiro, pois em Lisboa está mais
perto dos seus mercados. Muitas das viagens que faz na Europa são de comboio. É assim em Itália – se quer ir por exemplo de Milão a Roma – e é assim em Espanha – para ir de Madrid a Barcelona. Se houvesse uma ligação ferroviária eficaz de Lisboa a Madrid seria de comboio que viajaria…
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cima da secretária. Hoje já não. A maioria recebe informação por mail ou no feed de notícias do Twitter, do Linkedin ou do Facebook. Já não há o conceito do canal único de comunicação. Chegávamos dessa forma aos nossos clientes ou através de ações diretas, reuniões, apresentações. Até isso acontece cada vez menos. As pessoas têm menos tempo, fazem cada vez menos reuniões, há um cansaço muito grande da conversa do vendedor tradicional. Hoje temos de ser capazes de fazer chegar a informação da maneira como os clientes gostam de receber notícias. É impossível ter sucesso em termos de promoção de uma marca sem estar nos canais que as pessoas utilizam. Precisamente devido a esta mudança de paradigma, estamos a trabalhar no sentido de uniformizar a forma como usamos as redes sociais. Temos projetos-piloto em Espanha e no Brasil, na Índia também, e o retorno que estamos a ter é que as demonstrações de interesse cresceram exponencialmente. Em Portugal, e como os recursos são limitados, percebemos que podemos adaptar algumas ações que desenvolvemos no Brasil. Mas, de um modo geral, o posicionamento da Bombardier é silencioso, até porque o mercado assim o exige. Não faz sentido termos um posicionamento muito alto porque não há concursos. Não vamos fazer campanhas se não há ninguém a comprar. Briefing | Também é responsável pelas relações institucionais e isso significa contactar com os decisores. Em que planos o faz e com que objetivos? LR | A Bombardier é uma empresa com 70 mil pessoas em 60 países do mundo, com 24 unidades de negócio, 30 centros de engenharia e cerca de 100 mil comboios a circular atualmente. Mas o que fazemos não é apenas posicionar a empresa e os seus produtos. Nesses contactos institucionais, procuramos conhecer os planos urbanísticos das cidades e mostrar as alterwww.briefing.pt
“O fabricante tem de ter aceitação da maior parte da comunidade, não só política mas económica e social, ou terá grandes dificuldades em ser bem sucedido”
nativas que melhor se adequam ao desenvolvimento de cada uma, o que é extremamente relevante em cidades com problemas de mobilidade. Voltando a São Paulo. Se a opção for o metro convencional, em vez da solução que propomos, levará toda uma geração a construir uma linha de 24 quilómetros, enquanto o monorail se constrói ao rimo de cinco a sete quilómetros por ano. Ora, isto é dentro de um mandato: o político pode contratar e inaugurar. Muitos projetos não avançam porque não são executáveis dentro de um mandato – é um dos efeitos perniciosos da democracia. Então os autarcas preferem comprar autocarros em vez de construir o metro, que, além disso, iria esburacar as ruas e provocar os protestos da população. O trabalho que temos de fazer para convencer que o sector ferroviário é uma ferramenta essencial do desenvolvimento das cidades tem pouco do B2B tradicional. Implica saber como organizar os dados, como apresentar estudos e fazer com que sejam fáceis de entender pelo público-alvo mas também pela população em geral, explicando exatamente o real impacto de um bom sistema de mobilidade e a importância da ferrovia. Em Espanha, por exemplo, representa três por cento do PIB. Por isso, o que fazemos é posicionar todo um sector, não apenas a Bombardier.
“Usamos pouca publicidade, mas recorremos muito àquilo que no grande consumo se chama sampling: levamos as pessoas a ver os nossos equipamentos”
“O trabalho que temos de fazer para convencer que o sector ferroviário é uma ferramenta essencial do desenvolvimento das cidades tem pouco do B2B tradicional” Fevereiro de 2013
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