Sábados pouco tranquilos

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Ramon de Melo

O jornal

“Há 40 anos que o Expresso dá sábados pouco tranquilos a muita gente. Isso faz parte da nossa razão de existir”. A afirmação é de Ricardo Costa, diretor do semanário, numa alusão à polémica com o ministro Miguel Relvas. Pano de fundo: a privatização da RTP, de que a Impresa é crítica – e o jornalista também. Líder de audiências, o jornal fundado por Pinto Balsemão está “relativamente seguro” no atual contexto de crise económica e publicitária. “Estamos a atravessar a tempestade perfeita”, comenta

Ricardo Costa, diretor do Expresso

Sábados pouco tranquilos Briefing | Num contexto em que a imprensa perde cada vez mais leitores, qual é o segredo do Expresso para manter as audiências? Ricardo Costa | O segredo do Expresso, se é que é um segredo do Expresso, é nunca ter perdido o sentido daquilo que são os seus valores originais, independentemente das mudanças que foi sofrendo, quer na direção e na redação, quer na estrutura do próprio jornal, como os cadernos e a revista. O Expresso é um jornal que mantém um ADN relativamente fácil de identificar para os leitores, para os anunciantes e para quem cá trabalha. 24

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Briefing | E daqui para a frente, atendendo ao momento de contração económica e, nomeadamente, do investimento publicitário? RC | Aí entramos numa fase mais complexa porque estamos numa situação de mercado adversa. Costumo dizer que esta é a tempestade perfeita, porque se junta uma crise económica e uma crise do mercado publicitário a uma mudança tecnológica, não só na distribuição, mas na maneira como os leitores contactam com a nossa marca, e a uma mudança nos hábitos de consumo, que está ligada quer à questão económica, quer à tecnológica. Neste quadro sentimo-nos rela-

tivamente seguros. Temos a cabeça aberta para trabalhar nas várias plataformas possíveis e, naturalmente querendo que os leitores venham até nós através da edição impressa e da edição impressa transferida para tablet, iremos à procura de leitores em todas as outras plataformas possíveis. A segurança parte desta ideia – achamos que estamos a fazer um bom trabalho e estamos disponíveis para irmos mudando em função dessas alterações. Não vamos ficar sentados à espera que as coisas aconteçam. Briefing | Como é que têm gerido essa dupla crise? RC | Esta crise o que fez foi acele-

rar ainda mais as eventuais fraquezas da imprensa. No Expresso há muito tempo que trabalhamos com controlo de custos, mais eficaz e brutal nos últimos anos. Adaptámo-nos brutalmente desse ponto de vista. Os resultados da Impresa revelam isso mesmo, uma fortíssima componente de receitas mas muito trabalho a montante. O jornal tem-se alterado muito nos últimos anos, sobretudo desde a restruturação que houve quando foi criado o nosso principal concorrente semanal. Nos anos seguintes foram feitas sucessivas alterações internas. Temo-nos preparado. Hoje é um jornal feito com menos meios do que há dez ou cinco anos. www.briefing.pt


Briefing | E quanto ao impacto da quebra no mercado publicitário? Como é que se adaptam? RC | Também depende de nós. Temos a capacidade de nos adaptarmos no sentido de fazermos um trabalho de alto valor que permite que os anunciantes percebam que anunciar num jornal que tem os leitores X, do target Y, se justifica e é importante. Temos feito muito trabalho na área do new business, com projetos editoriais em ligação direta a parceiros externos. Temos procurado receitas das mais variadas maneiras. Não há a mínima dúvida de que já não estamos num jornal que se limitava a receber publicidade, em que as pessoas faziam fila para colocar anúncios. Não estamos nem vamos voltar a estar. Briefing | Mencionou o Sol, mas os diários fazem cada vez mais concorrência ao fim-de-semana com edições especiais. Que impacto é que estes movimentos têm tido no Expresso? RC | O Expresso sempre viveu com concorrência e gosta de viver com concorrência. Achamos que fazemos melhor, vendemos mais do que a concorrência e queremos continuar a vender mais. As coisas são relativamente simples… O mercado está aberto, é um mercado obviamente difícil e, já quando o Sol foi lançado, achávamos que o projeto era muito arriscado, pelo histórico e sobretudo pelo momento. Houve da parte das pessoas que fundaram o projeto aquela ideia ‘vamos matar o Expresso’; não conseguiram, mas que tenham uma vida tranquila e próspera. A única questão que colocámos foi a da titularidade da propriedade. Não temos nenhum medo da concorrência, mas a lei portuguesa obriga claramente a que se conheçam os últimos proprietários dos órgãos de comunicação social e não é o caso no Sol. Sabe-se que termina numa offshore no Panamá e mais nada. Não faz dele como produto jornalístico nem melhor, nem pior, mas levanta-se essa questão, que é fundamental para a democracia.

“Esta é a tempestade perfeita, porque se junta uma crise económica e uma crise do mercado publicitário a uma mudança tecnológica, não só na distribuição, mas na maneira como os leitores contactam com a nossa marca, e a uma mudança nos hábitos de consumo”

Briefing | O Expresso pertence a um grupo de comunicação social. É uma vantagem? E inevitável? RC | Hoje em dia, é extraordinariamente difícil ou mesmo impossível um órgão de comunicação social vingar isolado. Há uma série de vantagens em trabalhar em grupo, mas também dificuldades. Torna tudo mais complexo. Aliás, as alterações anunciadas na Impresa vão no sentido da verticalização, transformando-a claramente num grupo multimédia em que quem está acima tem de pensar integradamente as várias marcas. E esse vai ser o nosso grande desafio dos próximos anos: como que é podemos fazer as coisas mais em conjunto sem diluir as marcas e tirando daí vantagem para o grupo e para quem consome conteúdos. Briefing | Há uma questão recorrente que é a de saber se a integração num grupo económico condiciona, ou não, a independência editorial. Condiciona? RC | Não tem condicionado. De todo. Mesmo com a chamada crise publicitária, que podia dar azo a mais sensibilidade daqui ou dacolá, estamos tranquilos. À informação o que é da informação, às áreas de negócio o que é do negócio. Desde que as pessoas saibam quais são os limites de cada um, não há problema nenhum.

”Já o dissemos em várias ocasiões que não temos nenhum medo da concorrência, mas a lei portuguesa obriga claramente a que se conheçam os últimos proprietários dos órgãos de comunicação social e não é o caso no semanário Sol”

Briefing | E quanto à independência face ao poder político? Ainda recentemente o Expresso esteve envolvido numa polémica com o ministro Miguel Relvas… RC | Há 40 anos que o Expresso dá sábados pouco tranquilos a muita gente. Isso faz parte da nossa razão de existir. Não temos nenhum objetivo contra A, B ou C, mas é óbvio que os poderes instituídos acabam por ser alvo de um jornal independente e política e economicamente agressivo. Se um jornal é um contrapoder, é-o dos poderes instituídos – todos, político, judiciário, económico. Não sendo contra ninguém, acabamos por incomodar quem está no poder. Há sempre pessoas que confundem muito as coisas. Obviamente que o ministro Miguel Relvas pode >>>

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“Não há a mínima dúvida de que já não estamos num jornal que se limitava a receber publicidade, em que as pessoas faziam fila para colocar anúncios. Não estamos nem vamos voltar a estar”

não ficar contente com as notícias que se escrevem sobre ele, mas querer que façam parte de uma teoria da conspiração por causa da privatização da RTP não tem pés nem cabeça. Por uma razão muito simples: a privatização vai fazer-se e, mesmo que o ministro saísse, quem viesse a seguir seria obrigado a mantê-la, caso contrário seria um sinal óbvio da fraqueza do primeiro-ministro. As notícias desagradáveis que têm saído têm a ver com coisas que ele fez, disse ou terá dito. Os casos dos espiões, do Público e da Lusófona não foram inventados. Podem ter tido reações excessivas, podem. Porque se foram somando um ao outro. A posição da Impresa, e a minha, porque são relativamente parecidas, sobre a privatização da RTP é pública. O que me preocupa como cidadão é que, ao contrário de outras privatizações, esta não tenha sido, até agora, minimamente pensada. Ninguém viu um estudo que leve a privatizar. Não há nenhum trabalho sobre benchmarketing europeu porque não há nada que se pareça. A privatização da RTP parece-me uma aventura total. É uma ideia para poupar dinheiro. E não sei se não se põe em causa coisas mais complexas como a política da língua e a política do audiovisual. Além de que há o risco da implosão do mercado publicitário. É este tipo de estudos que ninguém conhece. Briefing | É diretor desde janeiro de 2011. O Expresso incomoda mais com a sua direção? RC | Estou na direção como adjunto desde 2009 e devo dizer que, de facto, já tive mais diferendos aqui do que em anos na SIC. Agora se o Expresso incomoda mais? Se incomoda tem a ver com uma coisa que é quase intangível. Há um peso político e económico do Expresso que é desproporcionado, que vem de uma história, de uma relevância. Acho que é bom, quer dizer obviamente alguma coisa. Briefing | Introduziu algumas alterações ao nível da estrutura do jornal. Na revista, por exemplo… RC | Quando a nova direção assumiu funções, mudámos muita coisa no primeiro caderno, nome-

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“O mercado está aberto, é um mercado obviamente difícil e já quando o Sol foi lançado nos achávamos que o projeto era muito arriscado, pelo histórico e sobretudo pelo momento. Houve da parte das pessoas que fundaram o projeto aquela ideia ‘vamos matar o Expresso’; não conseguiram”

“É óbvio que os poderes instituídos acabam por ser alvo de um jornal independente e política e economicamente agressivo. Não sendo contra ninguém, acabamos por incomodar quem está no poder”

adamente na economia e no atual, mas a revista deixámos ficar. É um modelo difícil, um caderno que mudou muitas vezes. Mas sentimos que o ciclo da Única estava a terminar, pelo que decidimos acabar com o tema único e trabalhar numa revista mais aberta. Ainda não estamos completamente e o modelo não está completamente afinado. Mas, no global, não achamos que o jornal precise de grandes ruturas. Briefing | Logo no início, mencionou que a forma como os leitores chegam ao jornal está a mudar. Qual é a estratégia no digital? RC | Temos políticas separadas: o que publicamos no papel normalmente não é publicado no online. Quem lê o Expresso online não lê o Expresso impresso. Achamos que outros jornais que fizeram o caminho de ter tudo em todo o lado erraram, porque criaram nos leitores a ideia de que se lessem online já não precisavam de ler o papel. Presumo que estejam arrependidos. Isso não quer dizer que não se invista no online. Queremos ter uma política agressiva de notícias e de trabalhos para o online, mas de maneira a que as pessoas percebam que devem seguir o Expresso online mas devem ler o Expresso ao sábado, porque é completamente diferente. É uma evidência que as pessoas hoje têm ritmos de consumo de informação que não se compadecem com esperas e, por isso, temos de ter um online competente e diversificado. Temos e teremos mais ainda. E temos de ter uma edição o melhor possível para quem compra ao sábado. O leitor exigente vai precisar das duas coisas.

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Briefing | No online coloca-se também a questão da publicidade. Acredita que vá equilibrar a quebra no papel? RC | Para nós já é relevante, mas acho que não vai salvar jornais. A única coisa que poderia salvar jornais seria o paywall, o modelo de pagamento que já têm o Financial Times ou o Wall Street Journal. Não tenho a certeza que seja exequível em Portugal. Nós temos vários conteúdos só para assinantes e, tendencialmente, os jornais vão www.briefing.pt

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ter de ter mais trabalhos de valor acrescentado fechados. Como é que isso é feito, como é que se vai medir o sucesso dessa medida é difícil. Repare: no New York Times a queda de utilizadores foi brutal, mas ainda assim o jornal manteve um número muito relevante de leitores. Ora, estamos a falar do universo de língua inglesa, em que, quando se fecha a porta a milhares de leitores também se sabe que se mantém a porta aberta a um público muito volumoso, que é internacional, porque são marcas globais. A dimensão do mercado português não é essa. Briefing | Numa altura em que a quebra nas vendas dos jornais é mais do que óbvia e em que há menos gastos com publicidade, há lugar para todos? “A posição da Impresa, e a minha, porque são relativamente parecidas, RC | Espero que haja mercado sobre a privatização da RTP é para muitos, mas não sei se há pública. O que me preocupa como para todos. O mercado publicitário cidadão é que, ao contrário de outras afB_ntk_mr brief_jornal briefing_235x164mm_06SET.pdf 9/6/12 19:33 PM tem mudado1muito e houve muita privatizações, esta não tenha sido, gente que não quis antecipar isso. até agora, minimamente pensada”

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“A única coisa que poderia salvar jornais seria o paywall, o modelo de pagamento que já têm o Financial Times ou o Wall Street Journal. Não tenho a certeza que seja exequível em Portugal”

Quando estava na SIC Notícias já o dizia a propósito da TVI24. Não tem a ver com a qualidade da informação, tem a ver com a sobrevivência.No caso da imprensa, não sei se daqui a dois ou três anos teremos o mesmo número de órgãos. Duvido. Os que são historicamente deficitários terão muita dificuldade em sobreviver neste contexto. Quem entra num mercado destes não entra para perder dinheiro sempre. Queremos continuar a fazer bom jornalismo e a ganhar dinheiro. Para continuarmos a existir, porque a independência económica, essa sim, é o garante primeiro e último, se quisermos, da independência jornalística. Quando somos financeiramente sólidos a nossa capacidade de independência é muito superior, é com mais facilidade que aguentamos um embate com um anunciante ou um choque com um governo. O Expresso é lucrativo e vamos fazer tudo para que continue a ser.

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