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Testemunho
Graça Carvalho, 43 anos, chegou à assessoria jurídica dos CTT depois de uma carreira no ensino universitário e na advocacia liberal. Como advogada de empresa, nunca se lhe colocaram problemas de (falta de) independência. E é com convicção que defende esta função que lhe permite viver e sentir o negócio
Ramon de Melo
Sentir o negócio
Foi a 9 de Setembro de 2002 que Graça Carvalho ingressou nos CTT como directora dos Serviços Jurídicos. O convite surgiu-lhe nesse Verão, pela mão do então secretário-geral da empresa, João Caboz, numa altura em que conjugava a advocacia como profissional liberal com a docência na Universidade Lusíada, em Lisboa. À Lusíada ligam-na 20 anos de “recordações profundamente gratificantes”, pelo muito que aprendeu e cresceu enquanto pessoa e pro18
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fissional. Foram 20 anos dedicados a ensinar História do Direito, Direito das Obrigações e Direito Comercial II, num percurso iniciado no ano lectivo de 1986-87, quando, juntamente com outros docentes, deixou a Autónoma na sequência de algumas convulsões internas nesta universidade. Nem por isso a Autónoma deixou de a marcar: tinha 22 anos e o curso de Direito na Católica concluído quando um professor, Antunes Varela, a desafiou – para sua “felicidade e hon-
ra” - a leccionar História do Direito e Direito Romano na universidade que acabava de ser criada. Pela frente apresentava-se a possibilidade de concretizar grande parte dos sonhos: o ensino, a História e o Direito. Graça Carvalho apaixonou-se pelo Direito nos cinco anos de licenciatura, mas a verdade é que não foi a sua paixão original. História liderava a sua lista de preferências, por influência das “professoras extraordinárias” que teve na disciplina ao longo do ensino não superior. Mas o seu
espírito pragmático acabou por prevalecer na hora da decisão, perante a percepção de que, se enveredasse por aquele curso, o ensino e a investigação seriam as únicas saídas profissionais à sua espera. O desafio de alguns amigos – entre os quais a sua melhor amiga de infância e aquele que viria a ser seu marido – foi decisivo na opção final: Direito. “Acreditei que o meu espírito argumentativo e a minha preocupação com a justiça tornariam fácil e interessante este caminho”. Esfumada O agregador da advocacia
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a derradeira reticência, ingressa em 1981 na Faculdade de Direito da Universidade Católica, que pela primeira vez admitia alunos directamente no primeiro ano do curso, sem passarem pelo famoso “ano zero”. Nos anos que mediaram entre a conclusão do curso, em 1986, e a entrada nos CTT, em 2002, teve oportunidade de dar asas a outra das suas paixões, o ensino. Até que foi desafiada a reorganizar os serviços jurídicos da empresa. Pediram-lhe “uma visão de fora, despojada de ideias há muito enraizadas nos CTT, que permitissem um gradual downsizing de recursos e o início de um processo de outsourcing da área de contencioso”. Abraçou o desafio com tal empenho que acabou por se ir privando de outra das suas paixões, o ensino, que reduziu ao mínimo até que, em 2007, a abandonou de todo. Para se dedicar em exclusivo aos CTT. E não ficar sem tempo para as filhas. Na consultoria jurídica da empresa – que reúne, sob uma mesma marca, “um universo de empresas cujos negócios tendem a complementar-se, no sentido de criar valor para o grupo e para o cliente” – Graça Carvalho presta apoio ao processo decisório, em qualquer nível em que seja necessária a tomada de decisão. E não se confina ao conselho de administração, é transversal a qualquer empresa do grupo, “sempre que a tomada de decisão envolva de qualquer modo a ponderação de uma questão directa ou indirectamente ligada à área jurídica”. Não intervém no contencioso, mas sempre que possível contribui para o desenho e aplicação de soluções que minimizem os pontos de conflitos ou que, se não for possível evitá-los, munam os CTT dos melhores e mais sólidos argumentos. Já ao nível da contratação a sua prestação é essencial, intervindo no acompanhamento do processo negocial e na preparação das minutas contratuais da empresa enquanto fornecedora de serviços no mercado mas também enquanto contratante de empreitadas e de bens e serviços. São negócios enquadrados no Código de Contratação Pública. Graça Carvalho não é apologista O agregador da advocacia
“Considero aliciante esta associação diária e permanente entre o negócio e o Direito, que me faz constantemente ponderar e assumir riscos”
das grandes direcções jurídicas in house, mas, numa empresa com a dimensão e as características dos CTT, considera indispensável a existência de um núcleo de advogados que consiga dar resposta ao negócio, servindo de elo de conexão e descodificação em tudo o que, pela sua complexidade ou especificidade, envolva o recurso a assessoria externa. A grande vantagem de um advogado in house é precisamente a de estar integrado na estrutura da empresa: só assim lhe é possível ter com o cliente “uma relação de proximidade e confiança, que lhe permite compreender e falar a mesma linguagem, facilitando a comunicação e o apoio à decisão”. Mais: é um advogado que “vive e sente o negócio”. E sem que se coloquem problemas de (falta de) independência. Há – reconhece – quem entenda que o advogado da empresa está mais limitado no exercício da sua actividade, por não ser independente e autónomo face ao cliente. Mas “nunca”, ao longo de nove anos como advogada de empresa e após ter vivenciado a advocacia liberal, Graça se sentiu limitada. “Pelo contrário, considero aliciante esta associação diária e permanente entre o negócio e o Direito, que me faz constantemente ponderar e assumir riscos”.
“Acreditei que o meu espírito argumentativo e a minha preocupação com a justiça tornariam fácil e interessante este caminho”
PERFIL
Os amigos de Graça Quando foi desafiada a reorganizar os serviços jurídicos dos CTT, pediram-lhe “uma visão de fora, despojada de ideias há muito enraizadas” na empresa, que permitissem um gradual downsizing de recursos e o início de um processo de outsourcing da área de contencioso
Foram os amigos que empurraram Graça Carvalho para o curso de Direito na Católica. Entre eles a sua melhor amiga de infância e aquele que viria a ser seu marido. Do casamento que já conta 20 anos tem duas filhas, Madalena com 15 anos – “em plena adolescência” – e Maria, com oito – “a bebé grande da família”. É dos amigos que gosta de estar rodeada. Não concebe sequer viver isolada, sem amigos. Reconhece que não é fácil conciliar a sua agenda e as dos filhos e ainda ter tempo para confraternizar, mas vai sempre conseguindo uns dias para pôr a amizade em dia. Nem que seja no fim do ano, em que se reúne um grupo alargado de amigos: “Volta-se ao tempo em que nos perdíamos na conversa, sobre tudo e sobre nada”. Ler, cozinhar e viajar sempre que possível são outros dos prazeres desta advogada de 47 anos, que vive no bairro lisboeta da Ajuda desde sempre, excepção feita aos quatro anos em que cruzou o Tejo para residir na margem sul.
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