Entrevista com Susana de Carvalho, presidente da APAP

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Entrevista

Cristina Arvelos jornalista

“A linguagem da publicidade tem de mudar. Temos de voltar às grandes ideias, mesmo com pouco dinheiro”, afirma Susana de Carvalho, 48 anos, ceo da JWT e presidente da APAP, acrescentando: “Estamos numa fase de defesa e de pouco risco, o contrário do que deveria. Dizem os manuais que, quando se entra em crise, deve-se arriscar mais”

Susana de Carvalho, presidente da APAP

Ramon de Melo

Voltar às grandes ideias mesmo com pouco dinheiro

Briefing | É cinzenta a fase que se vive no mercado da publicidade e comunicação? Susana de Carvalho | Estamos numa fase de defesa e pouco risco, o contrário do que deveria. Dizem os manuais que, quando se entra em crise, deve-se arriscar mais. A criatividade, que é o nosso negócio, deve ser factor

de diferenciação e potenciador de negócios nestas alturas. Não é isso que está a acontecer. Para além da retracção no investimento, existe uma efectiva falta de ideias. Briefing | Retrato assustador… SC | Pragmático. É um dos pontos do programa da Associação

Portuguesa das Empresas de Publicidade e Comunicação, a que gostaríamos de dar atenção, que é a atracção e retenção de talentos. Vivemos essencialmente de talento. Se a nossa indústria não vê grandes ideias, premiadas ou faladas, significa que menos gente está interessada em vir para esta área e as pessoas que >>>

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são muito boas podem ponderar sair desta área e ir para outras. A criatividade é algo que todos os negócios precisam, mas o nosso ainda mais, porque vivemos de ideias. Briefing | Não há também uma falta de reconhecimento dos empresários em relação à criatividade? SC | Tem a ver com prioridades, sendo que as opções não estão a ser as mais correctas. Cada vez mais se pensa no curto prazo, na eficácia e no retorno, mas paradoxalmente tem-se medo em arriscar em novas ideias. Isso acaba por dar origem a uma situação morna. Não conseguimos pôr na rua as ideias que têm grande impacto e são faladas. “Cada vez mais se pensa no curto prazo, na eficácia e no retorno, mas paradoxalmente tem-se medo em arriscar em novas ideias. Isso acaba por dar origem a uma situação morna. Não conseguimos pôr na rua as ideias que têm grande impacto e são faladas”

Briefing | Deveriam ser assim as agências? SC | A publicidade abriu fronteiras. Passamos de uma situação em que as agências, chamadas de publicidade, congregavam todos os serviços, o que deu origem a uma outra de especializaDezembro de 2010

Briefing | O que a levou a candidatar-se à Direcção da APAP? SC | Adoro pessoas, a minha paixão é a comunicação e este lugar dá-me mais mundo. Ainda: gosto de fazer coisas, projectos e de combinar pessoas. Gosto da diversidade. Achei que fazendo isso estava a dar um contributo para a indústria no nosso mercado, que sendo pequeno, tinha muita coisa para fazer.

Briefing | Há portugueses geniais a emigrar. Portugal está a ficar um país sem espaço para a criatividade? SC | Não está a acontecer dessa forma nesta área. Acontece mais noutras áreas. Mas é possível que venha a acontecer também nesta. Briefing | Ser presidente da APAP, nesta altura, é um trabalho árduo? SC | Também por isso acaba por ser mais interessante. Os portugueses nunca foram dados ao associativismo. Mas nas situações mais difíceis, as pessoas têm a tendência de se juntar. Passam a ter objectivos macro, o que nos torna a todos mais fortes. Conseguimos reunir uma série de pessoas, algumas nem se conheciam, e ter a representatividade do mercado. Costumo dizer que na direcção da APAP, neste momento, temos a melhor agência, com todas as áreas da comunicação representadas.

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“A criatividade, que é o nosso negócio, deve ser factor de diferenciação e potenciador de negócios nestas alturas. Não é isso que está a acontecer. Para além da retracção no investimento, existe uma efectiva falta de ideias”

ção. Voltamos agora a ter alguma integração e a ter uma postura de colaboração, que vai ser o futuro. As fronteiras estão-se a esbater e não se consegue ter tudo em casa. Essencialmente pela questão dos custos. Às agências de publicidade cabe o papel de serem integradoras de todas as disciplinas e de recorrer a serviços especializados. As agências especializadas vão ter de abrir. Se mantiverem o seu negócio estrito, acabarão por ficar redutoras. Todos temos que ter uma visão mais integradora do negócio.

“As fronteiras estão a esbater-se e não se consegue ter tudo em casa. Essencialmente pela questão dos custos. Às agências de publicidade cabe o papel de serem integradoras de todas as disciplinas e de recorrer a serviços especializados. As agências especializadas vão ter de abrir”

Briefing | Quais são os principais objectivos da APAP para 2011? SC | Em 2011 continuaremos a ter como prioridade conseguir o respeito e a valorização do que fazemos. Temos também objectivos na área de formação, com temas relevantes para formar novos quadros e pessoas com mais experiência. Temos ainda a área da propriedade intelectual, hoje mais premente do que nunca, e a que diz respeito aos concursos. Briefing | As agências matavamse quase para ganharem os concursos… SC | Os concursos foram sempre um flagelo na nossa actividade. Fazer um concurso aberto a 20 empresas significa trabalho extra e um desperdício gigante de recursos. De uma forma simples e pragmática, fizemos um guia, que conseguimos pôr de pé com a APAN (Associação Portuguesa de Anunciantes) e que foi assinado em Março do ano passado e do qual já começamos a ver resultados. O agregador do marketing.


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Briefing | Regulamentaram os concursos… SC | Este guia é uma ferramenta importantíssima, que veio melhorar o mercado. Quando foi anunciada a crise em 2008, aconteceu o que não queríamos: muitos concursos especulativos, apenas para baixar remunerações. Com o guia, os processos ficam balizados e implicam bom senso das partes. Mas há ainda mais para conquistar. Briefing | Por exemplo? SC | A questão da propriedade intelectual que implica também a forma como se remunera a nossa actividade. Disse uma vez, em público para provocar a plateia, que o sistema de fee fixo puro, a prazo, era um suicídio. O sistema de remuneração das agências evoluiu das comissões de agências para a remuneração de horas, por pessoas, por equipas, por funções. Mas eu posso ter uma ideia em três horas, em duas semanas ou num mês. Uma assinatura, que um anunciante utiliza durante anos, tem um valor para além do número de horas que levou a ser criada. É a este valor que não conseguimos atribuir um preço. Briefing | A comunicação e a publicidade ainda são oportunidades de negócio? SC | Há oportunidades, algumas estão precisamente nas mãos dos gestores e dos empresários. Se as coisas mudaram, também têm de mudar nos nossos negócios. Há uma enorme fragmentação dos media – essa é a grande preocupação dos anunciantes – há uma enorme evolução do consumidor e há que adequar as estruturas a estas realidades. É verdade que há demasiadas empresas, mas a maior parte delas tem estruturas muito débeis. Briefing | O que quer dizer com débeis: pouca gente ou gente pouco preparada? SC | As duas coisas. A reestruturação tem passado por um corte nas pessoas. Mas o trabaO agregador do marketing.

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“Os concursos foram sempre um flagelo na nossa actividade. Fazer um concurso aberto a 20 empresas significa trabalho extra e um desperdício gigante de recursos”

lho não desapareceu. Em 2010 houve crescimento de trabalho. Só que se está a trabalhar mais por menos. Isso significa que se mandam pessoas embora, continuando com o mesmo trabalho. Significa também que se vai buscar gente nova, que até é talentosa, mas leva mais tempo a fazer o trabalho. Significa ainda que gente experiente fica desempregada e acaba por abrir uma empresa ao lado. Acabamos por ter muitas microestruturas e o bolo é o mesmo. Há também muitas fusões do lado dos anunciantes. Por cada uma, há menos uma marca para trabalhar. As fusões já não acontecem do lado das agências, onde penso que seria oportuno acontecerem. >>>

“Sou uma mente inquieta, com um dia-a-dia frenético. Preciso de fazer várias coisas ao mesmo tempo. O meu problema é que adoro tudo”

RETRATO

Susana de Carvalho vê-se ao espelho Licenciada em Comunicação Social pela Universidade Nova de Lisboa, Susana de Carvalho, 48 anos, é mãe de dois filhos já crescidos, foi bolseira do AFS/ American Field Service na Medfield High School, USA. Preside desde 2006 à Associação Portuguesa das Empresas de Publicidade e Comunicação. Eis o seu currículo não oficial, escrito por ela e especialmente cedido ao Briefing (onde não refere os seus três vícios mais assumidos: ler, ser ingénua e fumar): - Aprendeu que na vida não vale a pena fazer planos porque eles tratam de fazer esse trabalho por nós e normalmente sempre ao contrário do que era suposto. Foi assim na vida académica, na actividade profissional e até na dimensão dos afectos. As rupturas e as mudanças de rumo sempre no limite. E aí, percebeu que a única coisa irreversível é mesmo deixar de existir. Quis ser enfermeira, tenista profissional, advogada criminal, repórter de campo e acabou publicitária – mas sabe que ainda vai ser outra coisa qualquer. Estudou Turismo e Comunicação Social ao mesmo tempo, enquanto servia às mesas de um restaurante ou fazia um jornal semanal ou um estágio na RTP. - Entrou na publicidade devido a uma fila de espera no Governo Civil para renovar o passaporte. Trocou umas férias na América do Sul por um estágio numa

agência, tendo crescido sem saber o que era publicidade pois era proibido lá em casa. Quando fez o seu primeiro anúncio teve que ir à vizinha do lado pedir para assistir ao bloco publicitário na TV. - Mudou várias vezes de agência, sentindo-se uma mercenária ainda que involuntária, mas os convites seguiam-se e os desafios aumentavam. - É uma apaixonada pela comunicação. Voltou à universidade para aprender mais sobre o planeta porque precisava de encontrar respostas e inspiração para mudar, melhorar e continuar a inspirar e a motivar, pois sente que este é um tempo de transição para algo que vai nascer de novo e quer definitivamente fazer parte activa dele. Acredita em utopias, pois o mundo precisa delas para avançar. Ainda mais quando aprendeu que, na sua origem, a palavra significa “o que ainda não tem lugar, mas pode vir a ter” (ou seja, a possibilidade). Com o grupo certo de pessoas e com a poderosa ferramenta da comunicação para a tão necessária mudança de comportamentos, a todos os níveis: da política, às empresas, ao consumidor cidadão. Continua a não se atrever a fazer planos pelo que a experiência lhe tem demonstrado, mas acorda todos os dias pronta para ouvir “o que o universo tem para lhe dizer”.

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