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Entrevista
Tito Arantes Fontes, sócio da Uría Menéndez-Proença de Carvalho
Contencioso tem mais encanto
Ramon de Melo
Na hora da verdade, o Contencioso está sempre presente. Por isso é impensável um escritório de advogados sem esta “disciplina”. Quem o diz é Tito Arantes Fontes, 53 anos, sócio de Contencioso na Uría Menéndez-Proença de Carvalho (UM-PC), formado pela Universidade de Coimbra e que já passou por dois governos
Advocatus | Ir para advocacia foi uma vocação ou um constrangimento? Tito Arantes Fontes | Desde miúdo que a advocacia foi uma vocação. Tenho tradição familiar na advocacia, pois o meu trisavô foi jurista, mas especialmente o meu avô materno (Tito Arantes) foi uma pessoa que me marcou muito, que sempre vi a trabalhar com gosto na advocacia. E depois, como em família, muitas vezes, há netos que ficam com o nome do avô, isso veio, de algum modo, definir o meu futuro. 6
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“Qualquer sociedade de advogados precisa de ter um departamento de Contencioso forte, pois é aí que o advogado é, efectivamente, necessário”
Advocatus | O Contencioso nunca foi um ramo particularmente sexy do Direito. Concorda que este é a área non grata da advocacia? TAF | A moda no Direito não é diferente das outras áreas. Nas grandes sociedades de advogados, quer na Europa quer nos Estados Unidos, sempre houve departamentos de contencioso relevantes. O Contencioso é a área da advocacia por excelência. Advocatus | Qual a relevância do Contencioso num grande escritório? O novo agregador da advocacia
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TAF | Qualquer sociedade de advogados precisa de ter um departamento de Contencioso forte, pois é aí que o advogado é, efectivamente, necessário. É evidente que, numa sociedade de advogados, o Contencioso é de grande litigância, ligado ao mundo dos negócios, mas é impensável um escritório de advogados sem Contencioso. Vi, com muito gosto, o aparecimento de novas ramificações do Direito, como o Financeiro ou o Imobiliário, até a autonomização do Fiscal e do Laboral, mas, na hora da verdade, havendo interesses conflituantes, o Contencioso tem de estar presente.
Entrevista
“O funcionamento dos tribunais é sempre moroso, e esta é uma dificuldade que temos, sendo complicado fazer o cliente entendê-la”
Advocatus | O que seria preciso, então? TAF | Os juízes deviam, efectivamente, dedicar-se aos processos, sendo dispensados de tarefas administratiO novo agregador da advocacia
Advocatus | Não existe uma certa resistência, por parte da magistratura, em delegar tarefas, até hoje exclusivas dos juízes, a um gestor? TAF | Juiz que seja juiz prescinde facilmente das tarefas administrativas de um tribunal. Advocatus | Enquanto isso não acontece, temos um aumento grande da Arbitragem… TAF | O recurso à Arbitragem tem vindo a aumentar, tanto a nível doméstico como internacional, e isso corresponde a uma resposta da sociedade civil à morosidade dos tribunais estatais. É essencial para um empresário ter as coisas definidas, daí que a Arbitragem tenha sucesso.
Advocatus | Por essa razão, esta acaba por ser uma das áreas mais prejudicada com a crise da Justiça em Portugal? TAF | Essa é a parte mais difícil. O funcionamento dos tribunais é sempre moroso, e esta é uma dificuldade que temos, sendo complicado fazer o cliente entendê-la. Mas faz parte do nosso trabalho conviver com a situação, ainda que a nossa vontade fosse que tudo funcionasse de forma mais rápida, para que a Justiça fosse melhor, porque uma Justiça atrasada é injusta. Advocatus | A reforma ao Código de Processo Civil que está em marcha vai ajudar a resolver este problema? TAF | Assisti a várias reformas, tanto do Código de Processo Civil, como do Código de Processo Penal. O problema é que são sempre reformas parcelares, o que deixa de fora o essencial, que é a tal falta de celeridade na Justiça. Resultado: aqui, como noutros escritórios, temos vários processos que se regem por leis diferentes. Cada vez mais a matéria processual parece iniciática, o que é mau, pois não traz segurança à justiça. Estou expectante quanto aos trabalhos que estão a ser desenvolvidos, mas não creio que sejam a solução completa.
vas. A figura do gestor do tribunal é indispensável. Poderia ser mais do que uma pessoa, dependendo da dimensão do tribunal, e independente do juiz. Era uma medida simples, mas certamente cheia de efeitos práticos.
“Os juízes deviam, efectivamente, dedicar-se aos processos, sendo dispensados de tarefas administrativas. A figura do gestor do tribunal é indispensável”
Advocatus | Dentro da UM-PC, qual é a percentagem de clientes que recorre à Arbitragem? TAF | É um recurso casuístico. Os clientes não se dividem entre os que seguem a via tradicional da Justiça e os que optam por tribunais arbitrais. Tem a ver com o tamanho do litígio em si. Os quotidianos, ou com menos valor, são menos adequados à inserção de cláusulas arbitrais. Tribunais estatais e tribunais arbitrais misturam-se no mesmo cliente.
“O recurso à Arbitragem tem vindo a aumentar, tanto a nível doméstico como internacional, e isso corresponde a uma resposta da sociedade civil à morosidade dos tribunais estatais”
Advocatus | E existe algum perfil do processo-tipo que siga a via arbitral? TAF | Nem por isso, o escritório também já teve um pouco de tudo. Imobiliário, distribuição, responsabilidade civil… não há limite às matérias que são “arbitráveis”, salvo as da própria “arbitrabilidade” da matéria. Advocatus | Em que contexto é que se compreende o Clube Espanhol de Arbitragem? TAF | Reflexo da importância crescente da Arbitragem no mundo dos negócios, os advogados começaram a arranjar formas de a me>>> Novembro de 2010
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lhorar. Assim, em Espanha surgiu o Clube de Arbitragem (Madrid, 2005), com o intuito de promover esta figura nos países ibéricos e na América Latina. O primeiro capítulo do Clube de Arbitragem surgiu em Portugal em 2007. Reunimos, alternadamente, em Madrid e em Barcelona, juntando cerca de 400 especialistas desta área.
“Acho normal que escritórios, de uma certa dimensão, olhem à volta, no mercado ibérico, onde os laços culturais são imensos, e pensem se há sinergias de onde surjam relações win–win”
Advocatus | Nota-se um aumento da adesão de profissionais de ano para ano, ao Clube de Arbitragem? TAF | Sobretudo nota-se, cada vez mais, o aumento de profissionais de outros países. Este ano, estiveram em Madrid profissionais de 120 países. França, Inglaterra, Alemanha e Estados Unidos são exemplos de onde temos recebido novos membros nas conferências. Advocatus | Quais os principais pontos que destacaria ao longo da sua carreira? TAF | Cursei Direito na Universidade de Coimbra. Quando me licenciei, já trabalhava na CGD, onde continuei durante alguns anos. Depois passei pelo ministério da Educação, quando o Roberto Carneiro era ministro, onde estive quatro anos como assessor jurídico. Saí e estive dois anos como secretário-geral da União dos Comerciantes em Lisboa, tornando a passar pelo Governo, na Administração Local, sob tutela do Nuno Liberato. Advocatus | Tudo isto, mantendo a advocacia em simultâneo? TAF | Sim, até que decidi dedicar-me à profissão em exclusividade, primeiro, naquele que era o escritório do meu avô; desde 1994, em conjunto com o Duarte Vasconcelos e com o Francisco Sá Carneiro na VSCF que, dez anos mais tarde, se fundiu com a Uría Menéndez (UM). Na Uría, seguiram-se, em 2008 as integrações das equipas de advogados de Bernardo Ayala e, logo depois, de Filipe Fraústo da Silva que, desde logo, muito fortalece-
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ram a UM nas áreas de Público e de Laboral. Mais tarde, já em 2010, prosseguimos este mesmo caminho com a fantástica, muito saudada e festejada, integração do escritório de Daniel Proença de Carvalho, uma das referências da advocacia portuguesa. Advocatus | Para além da última fusão da UM em Portugal, acha que esta é uma tendência na advocacia portuguesa? TAF | A UM, que entrou em Portugal com o Duarte Garin (2000), é um projecto que quis implantar-se no mercado de uma forma que precisava de diversificar valências. O mercado ibérico é uma realidade crescente, a união faz a força e permite às firmas posicionarem-se de outra forma. Quando há uma identidade cultural, como Daniel Proença de Carvalho, esse processo de fusão é quase natural. Advocatus | E, de uma forma mais genérica, as fusões entre firmas espanholas e portuguesas estão a generalizar-se no país. Porquê? TAF | Fundir firmas acrescenta valor e fortalece a posição do escritório perante os restantes players de mercado. Acho normal que escritórios de uma certa dimensão olhem à volta, no mercado ibérico, onde os laços culturais são imensos, e pensem
se há sinergias donde surjam relações win–win. Advocatus | Há espaço para todos os escritórios no mercado, ou os grandes ameaçam os pequenos? TAF | Algumas áreas do Direito estão a passar algumas dificuldades, pelo que as firmas maiores terão maior capacidade para gerir a situação. Mas as sociedades médias e pequenas, bem como advogados a trabalhar em prática individual, têm espaço no mercado. Desde que sejam bons, há lugar para todos. E há muita gente a trabalhar bem em Portugal. Advocatus | Como é que o Contencioso está de saúde? TAF | Muito bem. Nos últimos cinco anos, o Contencioso da UM duplicou a facturação. O Contencioso de valor acrescentado tem aumentado muito sendo que, obviamente, o departamento ficou muitíssimo enriquecido com a incorporação do escritório do Daniel Proença de Carvalho. O Contencioso tem sido um departamento que se tem desenvolvido muito bem, não só devido a processos passados, como agora, com aquilo que é provocado pela própria crise. A verdade é que os departamentos de Contencioso não se queixam.
PERFIL
Sportinguista acima de tudo “Toda a gente que me conhece sabe que o meu grande hóbi é o Sporting, o futebol e tudo o que funcione com a vida do Sporting”, responde Tito Arantes Fontes, sem hesitar. Fã de jogos de futebol ou de andebol, o advogado diz que “até podem ser partidas de berlinde. Desde que tenha lá a camisola do leão, é o que importa”. Outro foco de interesse na vida de Tito Arantes Fontes é uma sociedade familiar agrícola em Trás-os-Montes que produz vinho do Porto e azeite, premiado diversas vezes.
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